Aprendendo com a Operação Satiagraha
Filipe Siviero*
Salta e agarra, agarra e solta, SATIAGRAHA (Em sânscrito, ‘Satya’ significa ‘verdade’. Já ‘agraha’ quer dizer ‘firmeza’. Assim, Satyagraha é a ‘firmeza na verdade’, ou ‘firmeza da verdade’. Gandhi foi um dos idealizadores e fundadores do moderno Estado indiano e um influente defensor do Satiagraha (princípio da não-agressão, forma não-violenta de protesto) como um meio de revolução.)
Venho aqui tecer comentários técnicos a respeito dessa operação da Polícia Federal que deu muito o que falar. Os cidadãos brasileiros vêem com maior frequência “figurões” na cadeia. Não sei se isso é bom ou se é ruim. Como se sabe, as prisões processuais são formas excepcionais de prisão, pois o art 5º em seu inciso LIV de nossa Constituição dita: “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”.
Pois é, NUNCA NA HISTÓRIA DESSE PAÍS (aposto que já ouviram isso antes), a Polícia Federal fez tantas investigações. Porém, venho revelar o porquê do “Habeas Corpus” de Dantas e Cia estar nas mãos do Ministro Gilmar Mendes para decidir.
O que aconteceu: os fatos.
No dia 26 de abril de
Na tentativa de se obter o salvo – conduto, da decisão da desembargadora Federal Cecília Mello foi impetrado no STJ outro HC com o fundamento de que a desembargadora “…chancelou ponderações de magistrados de primeiro grau, os quais, em última análise, sustentam o canhestro direito de não informar à Corte sobre quaisquer procedimentos que pudessem ter conteúdo sigiloso.”, com isso negando-se ao advogado o direito de acesso aos autos do inquérito.
No STJ, o Ministro Relator Arnaldo Esteves indeferiu o pedido do habeas corpus preventivo, fundamentando que embora houvesse o fumus boni iuris consistente na veiculação de matéria do Jornal dizendo que havia investigação, não havia o denominado periculum libertatis, alegando não haver indícios de ameaça de violência ou coação de liberdade.
Novo Habeas Corpus. Agora direcionado ao STF em que figurava como Ministro Relator Eros Grau. O Ministro Presidente do STF, Gilmar Mendes, nas atribuições conferidas pelo art. 13, inciso VIII, do Regimento Interno do STF conheceu da “medida cautelar”.
Foi nesse ínterim que se sucedeu a Operação Satiagraha. Foi determinada a prisão dos indiciados pelo Juízo da 6ª Vara Criminal Federal de São Paulo, pelo juiz Fausto de Sanctis.
De Habeas Corpus preventivo, por meio de simples petição nos autos, noticiou-se a deflagração da operação, requerendo a concessão da liminar para agora além de ter acesso aos autos, revogar a prisão temporária tendo em vista que não foi respeitado o direito de defesa do indiciado. O que foi deferido.
Aqui, eu abro um parêntese para comentar o sigilo dentro do Inquérito policial. Muito aprendi que o Inquérito trata-se de uma fase investigatória a qual não cabe o contraditório. É um ato de inquisição. Não há processo. Não há litígio. Hoje, como visto, ocorre a relativização de tal idéia. Entende-se que o advogado do indiciado tem direito ao acesso aos autos do inquérito. O estatuto da OAB prevê em seu art. 7, inc. XIV o direito de vistas de processos, a fim de garantir a ampla defesa e o contraditório.
Se por um lado, o Ministro Gilmar Mendes acertou ao garantir a institucionalização de um Estado Democrático de Direito, errou ao conhecer da medida cautelar no bojo daquele HC preventivo. O que se viu foi a contrariedade a súmula 691 do próprio STF, pois: Não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de habeas corpus impetrado contra decisão do Relator que, em habeas corpus requerido a tribunal superior, indefere a liminar. (Conhecimento na Hipótese de Flagrante Constrangimento Ilegal – HC 85185, HC 86864 MC-DJ de 16/12/2005 e HC 90746-DJ de 11/5/2007).
O caso em questão é bom para ser discutido a respeito dos Habeas Corpus Saltitantes ou Habeas Corpus Substitutivo de Recurso Ordinário. Nossos tribunais vem entendendo, que o Habeas Corpus pode ser meio processual cabível, quando há ilegalidade na decisão. Assim, considerou-se a decisão no TRF3 e no STJ, novos contrangimentos ilegais o que permitiu a impetração de Habeas Corpus sucessivos, em vez de se interporem recursos ordinários como preconizado pela nossa Constituição:
Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça
II – julgar, em recurso ordinário:
a) os “habeas-corpus” decididos em única ou última instância pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão for denegatória;
Ainda, da decisão do STJ somente caberia Recurso Extraordinário:
Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:
II – julgar, em recurso ordinário:
a) o “habeas-corpus“, o mandado de segurança, o “habeas-data” e o mandado de injunção decididos em única instância pelos Tribunais Superiores, se denegatória a decisão;
Como se depreende: há um recurso cabível para a decisão avençada.
O que se viu no caso em estudo é a completa distorção do que nossa Constituição impõe. A força normativa da Constituição tão preconizada por Konrad Hesse, sucumbiu aos fatores reais de poder de Lassalle.
Muito embora solto às 4h da madrugada pelo Ministro Gilmar Mendes pondo fim à prisão temporária, às 6h da manhã, a Polícia Federal estava prendendo preventivamente Dantas. Gilmar Mendes declarou-se prevento para conhecer do pedido interposto no próprio STF de revogação da preventiva. E num despacho ríspido, o Presidente do STF ‘detonou” no juiz da 6ª Vara Federal Criminal de São Paulo o que causou indignação por parte de juízes de todo o Brasil. Isso tudo, lógico, com o apoio da mídia acéfala de nosso país, o que quase gerou um pedido de Impeachment de Mendes.
É cada vez mais constante a utilização das modalidades de prisão cautelar em nosso país por parte dos juízes de primeiro grau. Isso porque, diante das espetaculosas prisões que se sucedem no início das manhãs, com cobertura televisiva e tudo mais. O que se nota: os juízes prendem cautelarmente os figurões, dando satisfação à sociedade de que nesse país rico também vai pra cadeia, porque se sabe que no fim de tudo, no trânsito em julgado das sentenças, não haverá o que se executar. Aí fica o choque interno no Judiciário, cada vez mais desprestigiado em nosso país.
* Acadêmico de Direito na Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC
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