Artigos Direito Penal

A racionalidade das leis penais e a irracionalidade legislativa no Código Penal Brasileiro em face dos princípios constitucionais do Estado Social e Democrático de Direito: o futuro dos delitos patrimoniais

José Renato Martins[1]

Resumo: Este trabalho científico foi realizado com o objetivo de apresentar e discutir a racionalidade do processo legislativo e a irracionalidade das leis que integram o Código Penal pátrio, com foco especial nos delitos contra o patrimônio, iniciando-se com o apontamento e a análise dos critérios de racionalidade concernentes à criação das leis penais, identificando-se, em seguida, a irracionalidade legislativa no âmbito do direito penal sob a ótica dos princípios constitucionais do Estado Social e Democrático de Direito, discutindo-se, a partir disso, a equivocada construção dos tipos penais patrimoniais no direito brasileiro e concluindo-se, ao final, de maneira reflexiva e crítica, sobre o futuro dos delitos patrimoniais.

Palavras-chave: racionalidade das leis penais; irracionalidade legislativa; princípios constitucionais; Estado Social e Democrático de Direito; delitos contra o patrimônio.

The rationality of criminal laws and the legislative irrationality in the brazilian Criminal Code in the face of the constitutional principles of the Social and Democratic State of Law: the future of offences against property.

Abstract: This scientific work was carried out with the aim of presenting and discussing the rationality of the legislative process and the irrationality of laws that are part of the brazilian Criminal Code, with special focus on offences against property, beginning with indication and analyzing the rationality criteria concerning about the creation of criminal laws, identifying, then, the irrational legislation under the criminal law with a view to the constitutional principles of the current Social and Democratic State of Law, arguing, from this, the mistaken construction of offences against property in brazilian law and concluding, at the end, reflective and critically, about the future of crimes of this nature.

Keywords:rationality of criminal laws; legislative irrationality; constitutional principles; Social and Democratic State of Law; offences against property.

I. INTRODUÇÃO

A discussão acerca do binômio proporcionalidade-justiça remonta à antiguidade grega, cuja temática foi pontualmente apreciada por Aristóteles, em Ética a Nicômaco[2], uma de suas obras mais difundidas pelo mundo. À época, o filósofo já questionava a existência de relação entre justiça e proporcionalidade, podendo sua reflexão ser materializada através da afirmação de que o justo, nesta acepção, significa o proporcional e o injusto é o que viola a proporcionalidade.

Todavia, se flexionada a (até então) aparente simplicidade lógico-jurídica do pensamento aristotélico à “evolução da sociedade”, constata-se que o agir proporcional tem se mostrado como uma das mais árduas tarefas imputadas ao homem que deseja trilhar o caminho da justiça. Tomando-se como ponto de referência a moderna concepção de justiça que hoje se desfruta, pode-se dizer que o homem, desde a sua origem, quiçá por sua natureza eminentemente evolucional, incline-se a uma agir desproporcional.

Com efeito, sob o enfoque da justiça proporcional traçada por Aristóteles, pode-se afirmar que, nesta vertente, a presença da proporcionalidade se verifica de forma objetiva-abstrata, antecedendo à própria análise do caso concreto. Dito de outra forma, ou dada situação jurídica é proporcional e justa ou é desproporcional e, consequentemente, injusta.

Ocorre, que o reconhecimento da presença ou ausência da proporcionalidade e, portanto, da Justiça apenas pode ser aferido de forma extrínseca e posteriormente ao caso concreto, ou seja, através do intérprete que se debruça sobre o mesmo, exsurgindo, assim, secundária vertente da proporcionalidade: a subjetiva-concreta.

E, no caminhar do reconhecimento da proporcionalidade subjetiva-concreta, nota-se que sua gênese está atrelada ao período histórico da humanidade tradicionalmente conhecido como iluminismo, cuja expressão máxima foi alcançada em decorrência dos movimentos revolucionários compreendidos entre os séculos XVII e XVIII, quando as frequentes colisões de direitos e anseios de diferentes classes sociais acabaram por aprimorar o pensamento em torno da proporcionalidade rumo à proibição do excesso, em especial, o excesso estatal. Estabeleceu-se, desta feita, a colisão entre a proporcionalidade subjetiva-concreta, esta representando o reflexo ideológico social, e a proporcionalidade objetiva-abstrata, por sua vez, representada pelas estatuídas leis monarcas.

Neste ponto, explicitam-se as Revoluções Americana e Francesa, que debutaram a positivação de alguns direitos e garantias fundamentais. A Declaração de Direitos do Bom Povo de Virgínia ou simplesmente Declaração da Virgínia, datada de 12 de junho de 1776, antes mesmo da própria Constituição dos Estados Unidos da América, de 1787, foi a Carta pioneira em reconhecer, entre outros direitos e garantias de naipe fundamental, a igualdade de direitos[3], a divisão de poderes[4], o direito de defesa[5], a liberdade de imprensa[6] e, em especial, o princípio da moderação[7], cabendo ressaltar, que a positivação de direitos e garantias fundamentais, atendendo aos ideais revolucionários da época, acabou por inserir limites ao Estado Monarca, fato até então inexistente, mostrando-se, portanto, a proporcionalidade subjetiva-concreta como importante freio e contrapeso no caso de latente falência da proporcionalidade objetiva-abstrata das leis.

Nesta esteira específica, manifesta-se Miguel Reale:

Concretude, que é? É a obrigação que tem o legislador de não legislar em abstrato, para um indivíduo perdido na estratosfera, mas, quando possível, legislar para um indivíduo situado: legislar para o homem enquanto marido; para a mulher enquanto esposa; para o filho enquanto um ser subordinado ao poder familiar. Quer dizer, atender às situações sociais, à vivência do Código, do direito subjetivo como uma situação individual, não um direito subjetivo abstrato, mas uma situação subjetiva concreta[8].

Destarte, para que se possa flexionar de maneira harmoniosa a objetiva-abstrata proporcionalidade das leis a não menos importante e necessária subjetiva proporcionalidade do caso concreto, critérios racionais hão de nortear o legislador, haja vista que somente por meio da concomitante concorrência da proporcionalidade sob as óticas objetivo-abstrata e subjetivo-concreta, simétricas representantes do direito positivado estatal e do direito natural do homem, é que efetivamente se materializará o almejado Estado Social e Democrático de Direito.

Nota-se que o protagonismo da lei na configuração do ordenamento jurídico, traço essencial do direito moderno[9], está sendo seriamente questionado, até o ponto de que se tornou comum falar em crise da lei. Com isso, desejar-se-ia expressar que a lei perdeu a centralidade que vinha ocupando no sistema jurídico desde a instauração do Estado de Direito Liberal, como expressão da vontade geral democraticamente exteriorizada, refletida em notas tais como seu caráter único, originário, supremo e incondicional[10].

E, neste contexto, vislumbram-se a necessidade e a importância de se reanalisar a racionalidade legislativa no ordenamento jurídico-penal brasileiro. O direito penal tem assumido e acumulado relevantes funções sociais que até então não lhe eram peculiares, transmutando-se a função jurídica do Código Penal em subterfúgio para a manutenção e reafirmação da combalida moral social. Em suma, um verdadeiro “Código da Moral”[11].

Sendo assim, o objetivo primeiro deste trabalho científico reside em apresentar um modelo de legislação que, entendido como um processo de decisão o aproxime quanto mais possível da teoria da decisão racional. Dentre os diversos modelos de legislação racional ofertados na doutrina jurídica, desenvolver-se-á, nesta oportunidade, um modelo inspirado naquele proposto por José Luiz Díez Ripollés[12].

Este modelo está integrado por dois planos superpostos. O primeiro, dinâmico ou operacional, dever ser capaz de descrever e analisar criticamente o funcionamento concreto do processo legislativo, identificando-se as diferentes fases e subfases e seus respectivos limites, com especial atenção às atividades que as impulsionam.

O segundo, prescritivo, deve estabelecer os conteúdos de racionalidade que tem de ser levados necessariamente em consideração em todo processo legislativo, identificando-se os diversos critérios de racionalidade legitimadores da lei penal.

Por razões de limitação de conteúdo deste trabalho científico, os apontamentos e as análises do modelo de legislação em testilha serão desenvolvidos a partir dos critérios de racionalidade, permitindo-se tratar da dinâmica do processo legiferativo em outra ocasião.

Levada a efeito a fase em questão, pretende-se flexionar os mencionados critérios ao produto legislativo verificado na atual realidade brasileira, apresentando considerações sobre a irracionalidade das leis contidas no ordenamento jurídico-penal pátrio contraposto a determinados princípios fundamentais próprios do atual Estado Social e Democrático de Direito, centrando a discussão, especialmente, na equivocada construção dos tipos penais que atentam contra o patrimônio das pessoas, do respectivo Código Penal.

II. CRITÉRIOS DE RACIONALIDADE DA LEGISLAÇÃO PENAL

O presente estudo sobre a racionalidade da legislação penal, visando identificar suas pautas de referência ou níveis fundamentais, tem como foco a seara penal, inobstante se observe que considerável medida das afirmações trazidas à baila do trabalho permitam sua aplicação a outros setores do ordenamento jurídico.

Todavia, antes disso, urge tercer algumas palavras sobre o conceito de racionalidade, minimamente convincente e útil para o objetivo ora perseguido, mas não sem antes frisar, que no processo legislativo se acham implicadas diversas noções de racionalidade que transcorrem em sentidos distintos; além de não ser fácil, talvez seja impossível satisfazer ao mesmo tempo (e às vezes, talvez nem sequer seja possível fazê-lo por separado) as exigências que apresentam estas diversas noções de racionalidade.

Entretanto, se isto é assim, em contrapartida, de acordo com Atienza,

[…] ello parece probar que la crisis de la legislación no es sólo una crisis ‘de crecimiento’ que se corrija simplesmente mejorando la calidad técnica de las leyes. La técnica legislativa viene a ser más una forma de capear y de hacer frente con cierta dignidad a la crisis, que de superarla[13].

De toda sorte, a um juízo, pode-se entender que com a expressão racionalidade se expressa a capacidade de exercício do controle social por meio de decisão legislativa que vise a atender diretamente às necessidades demonstradas pela realidade social e jurídica emanada por determinada coletividade em determinado momento histórico. Como observa Jürgen Habermas, percebe-se latente a racionalidade legislativa quando o legislador toma decisão racional, isto é, quando o mens legislatoris é coerente com a realidade sócio-jurídica existente na sociedade que ele pretende regular.[14]

Ocorre, que mesmo o legislador visando ao integral atendimento da realidade e da necessidade social e jurídica de determinada sociedade, árdua problemática se materializa junto ao reconhecimento social de que as decisões tomadas em nível legislativo possuem, efetivamente, validade ou legitimidade. Linhas gerais, tal problemática decorre da não homogeneidade dos interesses externados pelo coletivo, já que, diretamente oriundos da essência da democracia, os interesses dessa natureza se externam através da contraposição de interesses pessoais, consequência do conflito de interesses de grupos sociais distintos. Em suma, a heterogeneidade social pode deslegitimar a decisão legislativa levada a efeito pelo legislador, imputando-lhe a pecha da irracionalidade. Afinal, a elaboração racional que atenda a todos os interesses da sociedade transcende as reais possibilidades humanas.

Neste rumo, o legislador deve buscar a validação ou legitimação social acerca do produto decisório legislativo a partir da adoção de diferentes critérios legitimadores da racionalidade legislativa que, quando utilizados, conduzam a um produto legiferativo cujo conteúdo atenda coerentemente à realidade e à necessidade da sociedade, minimizando assim as heterogeneidades sociais ante a produção de decisão legislativa racional.

Tecidas tais considerações sobre a racionalidade legislativa, passa-se a verificação dos critérios legitimadores da racionalidade legislativa penal, registrando-se, conforme Atienza, que o objetivo agora “es establecer un procedimiento racional de elaboración de leyes, y no simplemente un instrumental de análisis racional de leyes ya existentes”[15].

2.1. Critérios ideais

Este primeiro critério legitimador da racionalidade legislativa pode ser entendido como o ponto de referência ideal ou apriorístico no que concerne à ideia de que o conteúdo das diversas racionalidades estaria condicionado a partir de certo paradigma social historicamente determinado, decorrendo deste condicionamento, pois, severas limitações alternativas à possibilidade de exercício das diferentes racionalidades. E na tentativa de escamotear as limitações encontradas, por vezes são utilizados perfis individuais e coletivos ideais que visam a justificar a decisão legislativa tomada através de sua própria substituição por decisão que, supostamente, teria sido adotada pela sociedade. Para tanto, expressões como homem médio, homem normal, cidadão da ordem são utilizadas para que a decisão legislativa se isente da necessidade de confirmação sociológica diante da dificuldade de sua racionalização.[16]

No entanto, o alcance do critério ideal pode sofrer variações de acordo com o que se pretende inserir no próprio conteúdo da racionalidade legislativa penal. Quer-se dizer com isto, que seu alcance pode ser ampliado de modo que se fundamentem até mesmo a política criminal e o direito penal, no caso, se adotada como base o núcleo ideal de princípios limitadores ao arbítrio social ou, de outra maneira, seu alcance pode ser reduzido quando a tentativa de estruturação de determinado setor criminalizador de condutas se pauta na utilização de condutas lastreadas em critérios ideais.[17]

A utilização de núcleo ideal de princípios limitadores ao arbítrio legislativo social talvez encontre em Ferrajoli seu maior defensor. Em hercúlo trabalho de síntese, o autor afirma que são inatos à condição de pessoa humana certos direitos fundamentais que antecedem à própria formação do Estado e do Direito positivado. Nesse diapasão, considerando a anterioridade dos direitos fundamentais da pessoa humana, incumbe ao Estado e ao Direito positivado a proteção dos mesmos, representando esta um pressuposto existencial de todo pacto político que une o Estado à pessoa humana. Sendo assim, a partir do momento em que o Estado inicia a positivação dos direitos naturais, termina por garantir a legitimidade interna aos diretos que, até então, possuem apenas legitimidade externa cujas bases remontam a orientações ideológicas; legitimidade e orientação externas à pessoa humana, externas ao Estado. Destarte, tutelando referidos direitos fundamentais, o Estado passa a garantir legitimação interna por meio da positivação do princípio da estrita legalidade, a este incumbindo o acolher do conjunto de princípios jurídico-penais atinentes aos direitos fundamentais da pessoa humana.[18]

Com efeito, transcendendo os direitos fundamentais à legitimação interna do Estado, consequência direta, deslegitima-se o jus puniendi estatal, uma vez que toda e qualquer afronta aos direitos fundamentais fere proteção que suplanta o mero âmbito estatal. Explica-se, desta feita, o fato de inexistirem princípios legitimadores da Justiça dos sistemas de proibições penais, porque estes encontram legitimação intrínseca ao próprio Estado, ou seja, legitimam-se, tão somente, por meio da concordância majoritária expressada em valores e interesses dominantes de determinada sociedade, não se legitimando, portanto, a justiça da decisão.[19]

Em sentido diverso, Silva Sánchez afirma que a valoração das premissas do direito penal e, consequentemente, do controle da racionalidade são obtidos através do consenso intersubjetivo delineado no seio da coletividade científica, tornando-se inviável a adoção de referências ideais decorrentes puramente de convicções ou demandas sociais, estas, por sua vez, nitidamente irracionais se especialmente considerada a forte carga emocional de que são detentoras, exsurgindo das mesmas uma racionalidade com forte viés autoritário. Logo, o consenso científico deve possuir, como ponto de referência, o ideal normativo da sociedade, ideal este que se estaria à frente das próprias tendências sociais, cabendo à filosofia jurídica – apoiada nos valores socioculturais historicamente condicionadores e no respeito aos conteúdos constitucionais – a incumbência de identificar as premissas valorativas do direito penal.[20]

Desta forma, em que pesem as divergências apresentadas pelos referidos autores, percebe-se que ambos convergem rumo à ideia de que a competência para determinar a racionalidade jurídico-penal decorre de ideais normativos sociais cujas bases valorativas, em maior ou menor grau, encontram-se diretamente relacionadas a algum ideal emanado da própria sociedade. Igualmente, compartilham a ideia de que a reflexão jurídico-positiva ou jurídico-filosófica tem sua ação limitada ao descobrimento de conceitos sociais previamente estabelecidos, estes, aptos a nortear o ideal normativo a ser adotado.

Entretanto, ressalte-se que a convergência de posicionamentos retroapontada colide frontalmente com uma problemática praticamente intransponível, consubstanciada no fato de que o conceito ideal por eles adotado despreza o colorido da heterogeneidade que compõe a sociedade, circunstância que, por si só, seria responsável pela construção de uma racionalidade penal distante da própria realidade e necessidade sociais e, neste caso,  mostrando-se, inclusive, deslegitimada, haja vista a mesma não poder contar com o apoio social, seja o das maiorias, seja o das minorias.

Assim, só haveria de se cogitar da adoção de critérios ideais de racionalidade se não fossem desprezadas as bases pluralistas formadoras da sociedade, bases estas com diferentes realidades sociais, com interesses contrapostos. A adoção de critérios ideias haveria de possibilitar o equidistante sopesar e atendimento dos mais diversos anseios emanados da sociedade, contudo, mostra-se inviável o sopesar dos critérios ideais com todas as complexas bases formadoras da sociedade e todos os anseios emanados da sociedade. Então, outra alternativa não há senão reconhecer a inviabilidade de adoção isolada de critérios ideias para se alcançar uma efetiva racionalização legislativa penal.

2.2. Critérios especialistas

Identificado como sendo outro critério legitimador da racionalidade legislativa, o denominado critério especialista ou especializado pode ser estudado a partir de duas variantes, em sintonia com a doutrina que trata do assunto, subdividindo-se em: critério científico-tecnocrático e critério elitista.

Na vertente científico-tecnocrática, esse critério pode ser entendido como aquele que se vale de conclusões decorrentes de investigação empírico-social para identificar e determinar os conteúdos a serem alcançados pelo direito penal. Desse modo, incumbiria às ciências sociais desenvolver um estudo acerca da realidade social, visando a indicar as necessidades objetivamente emanadas da sociedade de forma que estas possam vir a ser satisfeitas pela política criminal desenvolvida pelo Estado, bem como, a avaliar as consequências sociais que, muito provavelmente, advirão da intervenção penal estatal.[21]

Diferentemente dos critérios ideais, a legitimação das decisões pautadas nesse critério não têm vinculações a esquemas valorativos sociais previamente estabelecidos, permitindo que as respostas fornecidas pelas investigações empírico-sociais pleiteiem seu reconhecimento e validade, pois tais são pautadas e norteadas pela neutralidade valorativa e caráter científico, características que, em tese, conferir-lhes-ia vantagem em relação aos demais critérios de determinação dos conteúdos da racionalidade legislativa penal.[22]

Entretanto, considerando que a investigação empírico-social aponta a realidade de determinado modelo social, a ocultação deste modelo permite desqualificar possíveis conteúdos e alternativas a serem adotados pela política criminal, desqualificação facilmente justificada através do imputar da irracionalidade sob o argumento de autoridade de que não se baseiam em dados empíricos, situação que elide a suposta neutralidade valorativa do critério em pauta. Além disso, percebe-se uma forte tendência naturalista no tocante a indução de que o dever-ser deriva do ser, impondo-se então uma relação lógica praticamente exata de que a política criminal deve ser o fiel reflexo da realidade social. Todavia, por mais que a investigação empírico-social busque sua exteriorização de forma precisa e exata, a valoração sobre a decisão a ser tomada perante a determinação da política criminal jamais deve ser olvidada, sob pena, por exemplo, de que o reflexo das convicções populares, este com conteúdo reconhecidamente emocional, afaste a política criminal do caminho da racionalidade.[23]

Cabe ainda destacar, que nortear a política criminal e o direito penal unicamente através de resultados oriundos de investigação empírico-social desenvolvida por reduzido número de intérpretes sociais culmina com a desconsideração da heterogeneidade social que, por sua vez, afasta os ideais democráticos os quais se almeja alcançar.[24]

Em razão do exposto e de forma simétrica ao reconhecido quando do estudo dos critérios ideais, essa modalidade de critério especialista afastada a possibilidade de que os resultados da investigação empírico-social sopesem e atendam aos variados anseios e às distintas realidades emanadas da sociedade, de modo a também tornar inviável a sua utilização como única via de acesso à racionalidade legislativa penal.

Sob o viés elitista, o critério especialista pode ser compreendido como aquele que desenvolve especial atenção não ao conteúdo e resultado das análises sociais, mas às características pessoais dos agentes que devem formular as decisões a serem tomadas quando da deliberação dos rumos da política criminal a ser adotada, permitindo-se, desta forma, afastar-se das críticas feitas sob o manto do critério científico-tecnocrático, já que o atuar dos agentes pelo critério elitista tem por base aspectos valorativos, desencadeando o combate às ações populistas que visam a interferir no processo legislativo penal.[25]

Com respeito às ações populistas, vale esclarecer que sua limitação é necessária e salutar, porquanto a livre atuação das mesmas pode suprimir as fases intermediárias especializadas quando do momento da tomada de decisões acerca da política criminal, limitando sensivelmente a possibilidade de que o produto legislativo externe a necessária racionalidade. E decorrendo diretamente da supressão das etapas especializadas, alguns efeitos se mostram especialmente perceptíveis, como: (i) o incrementar da promulgação de leis estritamente populistas; (ii) o elidir da racionalidade dos magistrados no que concerne à dosimetria da pena a ser aplicada; e (iii) o elidir de qualquer discricionariedade aos encarregados pelo cumprimento da pena, cujos efeitos acabam por impor um controle social jurídico-penal ilegítimo, desnecessário, desproporcional e irracional.

Observe-se, neste caminhar, o conteúdo extremamente rígido presente em leis populistas. Cite-se a emblemática lei californiana previsora de que “na terceira você está vencido” (three strikes and you’re out). Esta lei foi desenvolvida por Reynolds, fotógrafo, membro de um grupo de vítimas, cuja filha foi assassinada. Materialmente, a lei proposta por Reynolds previa que no caso de cometimento de um terceiro delito qualquer (felony), ao autor haveria que ser imposta pena efetiva de 25 anos de reclusão, inexistindo, aqui, a possibilidade de que a ele fosse conferida liberdade provisória antes do cumprimento de 80% da reprimenda penal. Demais disso, a reincidência criminosa, esta entendida como uma nova delinquência em delito grave, não necessariamente violento, por si só, impunha a duplicação da pena a ser imposta ao autor do delito. Em suma, uma lei extremamente rígida que, nitidamente carregada de forte conteúdo emocional, mostrava-se despida de conteúdo racional e proporcional, servindo, pois, como paradigma revelador dos anseios de determinado segmento social, mas não da complexa totalidade social.[26]

Diante dos nítidos excessos populistas, para que se possa conferir legitimidade à criação e à aplicação do direito penal, o processo legislativo não deve se subsumir exclusivamente aos interesses e controles derivados das ações populistas, necessitando de um corpo de especialistas representado por comissões legislativas especializadas, advogados, juízes de direito e promotores de justiça, os quais, em princípio, imunes às influências populares, tornam-se aptos, em tese, a pautar a política criminal em critérios estritamente racionais, como também, a tutelar o regime democrático por meio do afastamento do controle popular relativamente às decisões político-criminais.[27]

De forma simétrica à política monetária estatal desenvolvida por bancos centrais, a política criminal realizada por grupos especializados ostentaria moderação da intervenção penal sob forma de mitigação de excessos e paixões populares, eis que a implementação dessa política não se subsumiria ao consenso popular explícito, podendo atender aos seus anseios implícitos quando inexistente reação contrária da população à política criminal.[28]

Portanto, o critério especializado na modalidade elitista se atém à crença de que determinada cultura jurídica ou comunidade científica, cuja ação é desenvolvida por meio de grupos especializados, acha-se capaz de identificar os conteúdos da política criminal e do direito penal, tangenciando o produto do trabalho destes grupos à racionalidade, haja vista que, funcionando esses grupos especializados como contrapesos às convicções majoritárias sociais, em tese, poder-se-ia afastar todo o conteúdo emanado da população que de alguma forma fosse revestido de irracionalidade.[29]

Contudo, generalizar e atribuir às propostas populares o vício da irracionalidade não parece ser adequado, em especial, tomando-se em conta que a própria legitimação do produto legislativo se choca cada vez mais com as frequentes e diversas manifestações populistas que eclodem nos Estados modernos. Última análise, o massificar do desprezo elitista perante as convicções populares poderia ser entendido como desprezo ao próprio modelo de sociedade democrática e pluralista atualmente existente, transmutando, assim, a suposta racionalidade elitista em verdadeira irracionalidade, na medida em que o atuar dos grupos especializados pautado no desprezo social representaria um agir contrário à própria essência da sociedade a que aqueles se destinam.[30]

Porém, as contribuições populares não devem ser desprezadas em sua totalidade e o fato de o produto racional da elite jurídica se afastar de anseios populares e se aproximar de outros diversos não deve afastar em absoluto suas contribuições. A elite jurídica deve sopesar os anseios populares, permitindo que as contribuições pela mesma produzidas permita indicar quais aquelas oriundas da sociedade, demonstrando a impossibilidade de adoção de anseio que possa colidir com os próprios anseios populares.

O emprego isolado do critério elitista não parece conduzir à efetiva racionalidade legislativa penal. Diante de uma sociedade democrática e pluralista que detém capacidade de discernimento crítico e reflexivo, o controle social jurídico-penal exercido por pequena parcela elitista que despreza tais características não possui legitimidade e é irracional se arqueado o produto legislativo elitista às necessidades e aos anseios populares.

2.3. Critério constitucionalista

A utilização da Constituição como paradigma para extração da racionalidade legislativa penal pode ser delineada por meio de duas vertentes; a primeira – vertente ampla – consubstanciada no entendimento de que a Carta Constitucional representa um modelo de sociedade, contendo, por conseguinte, um conjunto de decisões valorativas sociais no qual o direito penal deve buscar seus fundamentos; a segunda – vertente estrita – compreendida por meio da afirmação de que parte dos princípios jurídico-penais e decisões político-criminais estão contidos no corpo do texto constitucional e que estes têm função balizadora e norteadora do direito penal.[31] Assim, considerando-se que a vertente estrita se vale do texto constitucional como critério determinante e justificador no que concerne à adoção e aplicação de determinada racionalidade legislativa penal, a análise nesta oportunidade será feita apenas sob esta perspectiva.

Partindo-se da premissa de que apenas à Constituição cabe a determinação dos conteúdos a serem tutelados pelo direito penal, há de se reconhecer que a Carta Maior constroi verdadeira teoria da criminalização, haja vista que dela são emanados, por um lado, os limites impostos ao próprio jus puniendi estatal e, por outro, a identificação dos bens jurídicos a serem tutelados no âmbito do seio social.[32]

Sob esta ótica, considerando que a restrição à liberdade pessoal do indivíduo é medida última estatal, a afetação daquela apenas denotará legitimação se a sanção penal decorrer de conduta que venha a afetar bem constitucionalmente tutelado, tutela que norteara e limitará, obrigatoriamente, a atuação do legislador infraconstitucional.[33]

Nota-se, pois, que não decorre da tutela constitucional dever positivo penalizador, este a cargo do legislador infraconstitucional, derivando da Constituição, via diversa, o dever negativo penalizador, isto é, dever de não penalização, restando configurada patente inconstitucionalidade qualquer tutela penal que não tenha origem em algum interesse diretamente emanado da Constituição.[34] A bem da verdade, não delineando a Constituição concreto programa político-criminal, emanam da Carta Maior linhas programáticas gerais cuja fonte primária pode ser atribuída a um sistema de valores sociais que, por seu turno, permitem o estabelecimento de obrigações positivas, implícitas ou explícitas, de proteção a determinados bens, fundamentando e limitando, desta forma, o atuar dos poderes públicos.[35] Reconhece-se, portanto, que o punir estatal deflui diretamente da necessidade de que bens sociais e constitucionalmente relevantes sejam protegidos, não derivando do texto constitucional, consequentemente, qualquer obrigação positiva de penalizar. Em suma, da Constituição surge o dever de proteger, não o dever de punir.

Partindo-se do pressuposto de que a Constituição, espelho de suposto consenso social forjado em determinado momento histórico, configura instrumento legitimado a nortear a construção da racionalidade legislativa penal, verifica-se que o acordo básico cidadão, estabelecido através de texto constitucional pautado em sistema de crenças compartilhadas provenientes da sociedade, deve encontrar respaldo em instrumento capaz de refletir com segurança e clareza os anseios e crenças sociais. Porém, também deve demonstrar flexibilidade suficiente para acompanhar as permanentes alterações sociais.[36]

Neste cenário, estruturar a racionalidade legislativa penal a partir de instrumento rígido e positivado em dado momento histórico, negando-se, com isso, a possibilidade de flexibilização da tutela penal com vistas à inerente evolução da sociedade, significa negar também não somente as alterações e evoluções experimentadas pelo corpo social, mas a evolução e adequação da própria racionalidade legislativa penal a momento social presente ou futuro. Isto implicaria, então, que o texto constitucional deixaria de representar um reflexo do consenso das crenças sociais compartilhadas, deslegitimando-se, por conseguinte, a tutela penal proveniente da Constituição.[37]

Neste sentido, não mais representando o texto constitucional o compartilhamento das crenças sociais gerais, haveria ainda que se buscar solução para os casos de confronto entre crenças socialmente contrapostas quanto à racionalidade penal desenvolvida pelo Estado, surgindo, desta maneira, duas possibilidades: a primeira, consubstanciada na presunção de que a solução dos confrontos gerados pelas diferentes crenças sociais encontra resposta no texto constitucional; a segunda, consolidado na perspectiva de que os confrontos derivados de crenças sociais conflitantes encontram solução nas próprias convicções fundamentadoras do texto constitucional – as convicções sociais.

Então, diante da problemática exposta, a primeira alternativa definitivamente não se apresenta como meio hábil à resolução dos conflitos de crenças, isto porque, a uma, inexiste no texto constitucional um modelo penal, um critério material de seleção de bens a serem tutelados, tampouco, uma teoria jurídica do delito;[38] a duas, traçando o texto constitucional apenas princípios e critérios de regência sobre os quais determinado corpo social deve se estruturar, delineada a cisão evolutiva entre a norma e sua base fundamentadora, isto é, entre a Carta Maior e o corpo social, não mais poderá aquela dirimir os conflitos provenientes deste. Já em relação à segunda alternativa, nota-se que quando a solução da controvérsia social é remetida às próprias convicções sociais, ou seja, se a norma constitucional não é capaz de minimamente sinalizar o caminho a ser trilhado rumo à solução de controvérsias que lhe são submetidas, alternativa não há senão reconhecer o vácuo jurídico-penal dela compulsante.

Constata-se, assim, que o critério constitucionalista pautado na valoração social adstrita a um específico momento histórico constitui freio e obstáculo intransponível ao alcance de efetiva racionalidade legislativa penal pelo legislador infraconstitucional, pois obstada a possibilidade de adaptação da política criminal e do direito penal em face das constantes evoluções sociais, transmuta-se a beleza valorativa emanada do corpo social e positivada na Constituição em real desprezo à complexidade e à mutabilidade sociais.[39]

Logo, inobstante a envergadura representativa do texto constitucional em relação à capacidade de materializar as valorações histórico-sociais de determinada sociedade, a eleição do critério constitucionalista como única fonte racional a nortear o legislador rumo à produção de efetiva racionalidade legislativa penal não parece ser adequada. Se a natureza histórica imutável da norma constitucional se contrapõe às evoluções valorativas sociais, atuando como um arrasto, fere-se a capacidade do legislador infraconstitucional nortear o direito penal e a política criminal segundo os valores emanados da sociedade, obstaculização que, em primeiro momento, desencadeará a deslegitimação da norma constitucional diante dos novos valores sociais e, em segundo momento, culminará com o reconhecimento de que será irracional todo e qualquer produto legislativo originário do texto constitucional. Afinal, será nítido o descompasso valorativo entre a Constituição e aquela que detém a legitimidade para sua construção, isto é, a própria sociedade.

2.4. Critério democrático

O critério denominado democrático pode ser entendido como aquele que busca amparo nas opiniões e valorações gerais ou da opinião pública socialmente majoritárias, para que as decisões político-criminais controvertidas sejam tomadas.[40]

Trata-se de um critério que, uma vez asseguradas com os princípios estruturais as referências éticas, propicia legitimar decisões concretas controvertidas nas subsequentes racionalidades, ou na interrelação entre ambas e remete às convicções sociais amplamente majoritárias, tendo uma relevância distinta segundo a racionalidade da lei que se trate.

Habermas desenvolveu pensar bastante acentuado sobre a importância da opinião pública junto à criação do Direito. De acordo com o autor, a opinião pública pode ser considerada como um fenômeno social desenvolvido estruturalmente através da utilização de linguagem natural presente no mundo da vida, isto é, na realidade social vivida. Origina-se a opinião pública das comunicações da vida privada, ampliando-se e anonimizando-se sem, contudo, perder o nível de entendimento acerca da realidade social posta, diferenciando-se, via de consequência, das interações de natureza privada, na medida em que seu alcance atinge número indeterminado de indivíduos cujo contato se perfaz por meio dos meios de comunicação. A opinião pública ostenta como característica a intrínseca força de comunicação das convicções gerais que, renunciando aos enfoques racionais especializados, suscita a formação de vontade coletiva institucionalizada.[41]

Linhas gerais, a opinião pública funciona como importante vetor a apontar o rumo seguido quando da instalação de crises institucionais, pois a maior proximidade daquela à possibilidade de representação daquilo que é sentido na vida privada, potencializado por meio dos meios de comunicação, acaba por exprimir o pluralismo e o sentir sociais perante a crise, funcionando a opinião pública como importante contraposição aos interesses institucionalizados, ou não, do poder administrativo e do poder econômico.[42]

Nesta perspectiva, a opinião pública, apoio sociológico à política deliberativa estatal, delineia-se na sociedade como paradigma jurídico-procedimental a ser seguido pelo Estado Social e Democrático de Direito, já que ela eleva o cidadão da mera condição de possuidor de direitos e liberdades à condição de criador do Direito, possibilitando, desta feita, que a essência democrática do Direito se manifeste por meio da subsunção do ser humano à lei por ele subjetivamente criada e legitimada, já que o seu enquadramento à lei não popularmente legitimada implica a supressão da essência da democracia.[43]

Autores mais radicais pregam a total descentralização das decisões legislativas do Parlamento, remetendo a competência destas aos meios de comunicação e movimentos sociais, entendendo que em razão do elevado grau de autonomia e transformação social, as decisões legislativas tomadas a partir da opinião pública seriam a única via de fato apta a efetivamente representar os anseios e as necessidades sociais, exercendo um contrapeso ao corporativismo partidário-político e aos interesses da burocracia estatal. Desta maneira, desloca-se a primazia legislativa dos poderes estatais institucionalizados para a sociedade civil, atribuindo-se-lhe o papel de autêntica fonte geradora de Direito.[44]

É possível constatar que o critério das maiorias se legitima por força da estrutura política das sociedades modernas, ou seja, por meio do pluralismo democrático com fortes bases na ideia de que os cidadãos contam com razoável grau de análise crítica, fato que os legitima a debater, bem como a delinear toda e qualquer decisão a ser tomada com o fito de estabelecer as necessidades prementes de convivência social.[45]

No entanto, quando questionada a capacidade racional dos cidadãos, questiona-se também, em última análise, a falência da própria essência dos sistemas democráticos modernos, tendo em vista exsurgir desse questionamento latente choque entre a adoção de postura constitucionalista ou adoção de postura democrática representativa, pilares legitimadores do Estado Social e Democrático de Direito.[46]

A despeito desse conflito, considerando-se que o ser humano antecede à concepção de Estado moderno, vê-se que a opinião pública deve ser sopesada quando da tomada de racionais decisões atinentes à política criminal e ao direito penal, fortalecendo-se o senso de Estado Social e Democrático de Direito verificado na efetiva participação popular.

Ocorre, que em desfavor da opinião pública pesa o fato de que a mesma sofre de forte instabilidad e não se apresenta como fonte racional confiável. Suas bases valorativas podem se transmutar radical e rapidamente conforme fatos e eventos isolados. Diante de sua, a determinação e identificação da opinião pública são complexas, em razão do fato de que esses fatores decorrem da análise de momentos sociais estanques e não cambiantes.[47]

Outra objeção que se faz em relação à opinião pública consiste na desqualificação de sua capacidade discursiva e que pode ser analisada sob três vertentes: crítica sobre a validade das opiniões sociais quanto a temas político-criminais;[48] crítica sobre as opiniões sociais sujeitas ao elevado grau de manipulação por grupos de pressão ou cujo interesse é pontual;[49] crítica sobre a capacidade de lidar com complexos temas político-criminais.[50]

Além das objeções em tela, lançam-se dúvidas no tocante à (in)sensibilidade da opinião pública no que diz respeito às garantias individuais. Ocorre, que as opiniões públicas perfilam e compartilham a perspectiva da vítima do delito, posicionamento que elide qualquer possibilidade de substituição do paradigma reflexivo-racional para a perspectiva do delinquente. Assim, na concepção da vitimização, as convicções gerais da coletividade tendem a desenvolver o sufocamento do direito penal de viés garantista, dando azo, via de consequência, ao surguimento de um direito penal autoritário.[51]

A ação de núcleo jurídico especializado em face das convicções gerais emanadas da sociedade se faria necessária, porque funcionaria como filtro minimizador e inibidor das vinganças populares. Para alguns críticos do critério democrático, os princípios penais garantistas, típicos do Estado Social e Democrático de Direito, somente se mostrariam presentes depois de efetiva mitigação das crenças sociais gerais, mitigação unicamente possível por meio da utilização de critério legislativo racional diferente do democrático.[52]

Destarte, percebe-se que a atual concepção do critério democrático, em que pese suas qualidades, padece igualmente de defeitos notáveis, não se apresentando, portanto, adequado para ser adotado como única fonte de racionalidade legislativa penal.  

2.5. Tomada de posição

Delineados os principais critérios de racionalidade próprias para nortear a produção legislativa rumo à efetiva racionalidade legislativa, julga-se ser verdadeiramente inviável a eleição pelo legislador de um único critério para o cumprimento da referida missão.

Com efeito, entende-se ser necessário que todos os critérios, de forma harmoniosa, incidam sobre o processo legislativo de modo que cada um deles funcione como freio e contrapeso aos demais, tudo isso, de maneira a propiciar verdadeiro equilíbrio conducente ao proporcional sopesamento valorativo de cada um dos critérios de racionalidade quando do início do processo legiferativo.

A efetiva racionalidade legislativa será alcançada, portanto, quando, observado o produto legislativo, este representar o meio termo ou a razoável medida entre os critérios de racionalidade, os quais devem ser flexionados pelo legislador visando a possibilitar o refletir dos anseios e das necessidades sociais, isto é, a exteriorização das crenças sociais compartilhadas da maneira mais fidedigna possível.

Neste ponto, simetricamente aos ensinamentos de Aristóteles, em face da precípua missão do Estado Social e Democrático de Direito de atingir o justo social, bem como em função do necessário e proporcional sopesamento valorativo dos critérios de racionalidade na busca da efetiva materialização da racionalidade legislativa, acrescenta-se à aristotélica relação entre o justo e a proporcionalidade, novo produto vetorial: a efetiva racionalidade legislativa, podendo ser construído o seguinte axioma lógico-jurídico:

Se, Justo  Proporcionalidade Valorativa de Critérios  Racionalidade

Se, Injusto  Proporcionalidade Valorativa de Critérios  Racionalidade

Assim, proporcionalmente valorados os diferentes critérios de racionalidade legislativa visando a garantir a efetiva incidência da racionalidade legislativa junto ao produto legislativo, constata-se que quanto mais proporcionalmente valorados forem os critérios, maior será a proximidade do produto legislativo com o justo distributivo,[53] que culminará, perante a prática delitiva e a consequente necessidade de incidência da lei repressora penal, com o inafastável reconhecimento de que a exteriorização do jus puniendi estatal se materializará sob a ótica do exato ponto médio entre a anomia legislativa penal e o excesso legislativo penal, resposta legislativa estatal que, última análise, ostentará latente legitimidade, eis que a mesma se mostrará proporcionalmente equidistante dos diferentes anseios e necessidades sociais, funcionando o jus puniendi estatal, via de consequência, como verdadeiro reflexo das crenças compartilhadas sociais.

Conclui-se, assim, que a possibilidade de reconhecimento do justo em determinado ordenamento jurídico legal, ou seja, a presença ou ausência de justiça na própria lei positivada, encontra-se adstrita ao necessário sopesar valorativo e proporcional de cada critério de racionalidade quando da criação da lei, pois apenas desta forma será possível o reconhecimento do indissociável binômio: justiça-racionalidade; a justiça-racional.

III. IRRACIONALIDADE LEGISLATIVA NO ÂMBITO PENAL DIANTE DOS PRINCÍPIOS DO ESTADO SOCIAL E DEMOCRÁTICO DE DIREITO

Tecidas as devidas considerações acerca dos principais critérios a serem adotados rumo à obtenção de produto legislativo penal efetivamente revestido de racionalidade, o presente capítulo versará sobre a flexão entre os referidos critérios ao produto legislativo verificado no cenário jurídico-penal de base garantista, ponderando, concomitantemente, a respeito da perceptível ausência de proporcionalidade no âmbito desse ramo do Direito, aquela, via reversa, conducente ao reconhecimento da irracionalidade legislativa penal.

Inicialmente, vale ressaltar que o sistema penal adotado por determinada sociedade está diretamente relacionado às constantes transformações econômico-sociais pela mesma experimentadas, transformações essas que se consolidam no meio social sob a forma da cotidiana superação de paradigmas representativos das crenças sociais compartilhadas.[54]

Ocorre, que a mudança paradigmática social, em especial se relacionada ao sistema penal, traz consigo uma forte carga de incerteza social, fazendo com que os discursos de sustentação da política criminal deságuem em reconhecida crise de sentido e conteúdo.[55]

A incerteza decorrente das transformações sociais provoca na sociedade verdadeira sensação de perigo, isto é, sensação de que os bens jurídicos tutelados pelo Direito e pelas crenças sociais compartilhadas se encontram sob maior risco de exposição e afetação.

Diante das transformações experimentadas pela sociedade, nasce o dicotômico conflito social de crenças entre o que se reconhece como um risco permitido e o que se reconhece como um risco não permitido que, por sua vez, acarreta o colapso estrutural do sistema penal, haja vista as constantes transformações sociais enfraquecerem o sistema de crenças compartilhadas sociais até então estável.[56]

Sob tal perspectiva, assinale-se que o desconhecimento dos riscos produzidos pela transformação das crenças compartilhas sociais fomenta radical choque entre antagônicos discursos; de um lado, o discurso capaz de aceitar e suportar os riscos decorrentes da nova realidade social, rechaçando, portanto, o avanço do direito penal; de outro, o discurso que visa a afastar e mitigar os novos riscos aos quais a sociedade se encontra acometida, imputando ao direito penal, caminho diverso, verdadeira função reguladora ético-social, todavia, em comum, ambos influenciando, em primeiro plano, a política criminal adotada pelo Estado e, em segundo plano, o produto legislativo deste decorrente.[57]

Desta forma, torna-se possível reconhecer que em decorrência das constantes transformações sociais, o vetor resultante do produto legislativo acaba por materializar latente irracionalidade legislativa penal, lastreando-se o discurso construtivo do sistema penal na tríade composta: (i) pelo risco desconhecido; (ii) pela insegurança social experimentada; e (iii) pela ausência de crenças compartilhadas sociais estáveis.

3.1. Inobservância do princípio da determinação taxativa

Compreender os riscos decorrentes de transformações sociais que originam nova formatação da realidade e das crenças sociais compartilhadas, distinguindo-se os riscos que efetivamente expõem a perigo bens cuja tutela é desejada pela sociedade dos riscos inócuos, talvez seja o ápice da função legislativa. Em outras palavras, a capacidade de intelecção e cognição a ser exercida pelo legislador visando a identificar os anseios e as necessidades de tutela penal clamada pela sociedade é o marco divisor entre um produto legislativo racional e um produto legislativo irracional.

Sob este prisma, pode-se notar que em face da dificuldade encontrada pelo legislador em identificar os riscos capazes de gerar efetivamente perigo e dano, visando a elidir a insegurança social e rechaçar os novos e desconhecidos riscos que permeiam as relações da sociedade contemporânea, o legislador passa a agir de forma a tutelar o medo sentido e demonstrado pelos indivíduos, construindo, destarte, tipos penais simbólicos, comprometedores da racionalidade legislativa penal, transmutando, por conseguinte, a pureza do direito penal em um direito penal psiquiátrico do medo.

Diante da dificuldade de correta e concreta identificação dos riscos derivados das constantes transformações que se desenvolvem no seio social, o legislador tende a se valer de técnica legislativa pautada na irrestrita antecipação da tutela penal, proibindo toda e qualquer conduta que não se mostre segura, não raro, valendo-se, inclusive, da técnica legislativa utilizada para a construção de delitos de perigo abstrato com vistas à criação de delitos que têm por fim afastar concretas lesões aos bens socialmente escolhidos pela sociedade e efetivamente tutelados pelo Estado.[58]

Cabe ressaltar, que o emprego deste tipo de técnica fere mortalmente o princípio da determinação taxativa, porquanto a inexistência de precisão descritiva sobre a conduta delitiva ou o próprio resultado lesivo afasta a possibilidade da correta análise e distinção acerca da subsunção de diferentes comportamentos em face de um mesmo tipo penal, pois quanto maior o espectro de alcance de determinado tipo penal pautado no desrespeito ao princípio da taxatividade, maior a possibilidade de ocorrência de indevida equiparação entre condutas cuja potencialidade lesiva e reprovabilidade social se mostrem diversas.[59]

Paralelamente às dificuldades verificadas na identificação dos riscos derivados das constantes transformações sociais, surgem necessidades impostas pela atual sociedade pós-industrial para a adaptação do direito penal, como meio de defesa efetivo em face dos novos riscos. E visando fornecer respostas aos atuais clamores de proteção social, esse ramo do Direito desenvolve modificações estruturais, adaptando o sistema repressivo ao fenômeno da sociedade de risco, culminando, neste ponto, na utilização frequente pelo legislador dos chamados tipos penais abertos

Os assim denominados tipos penais abertos constituem aqueles que requerem ser completados porque descrevem somente uma parte das suas características, confiando ao magistrado o trabalho de preencher a outra parte, que o fará através de um juízo ulterior independente. Esses tipos indicam apenas o critério de acordo com o qual os mesmos devem ser completados, de modo que neles a antijuridicidade não está, todavia, indicada unicamente com o estabelecimento da adequação típica, senão que deve ser averiguada positivamente com a comprovação das características especiais do dever jurídico.[60]

Heleno Cláudio Fragoso explica que o efeito indiciário da tipicidade desaparece nos tipos penais abertos, porque neles a norma que o agente transgride com sua conduta não aparece expressa ou por completo, de forma que não está contida no tipo a descrição exaustiva do comportamento delituoso, que depende da transgressão de normas especiais que o tipo pressupõe. Nestes tipos, a ilicitude deve ser estabelecida pelo juiz, verificando, no caso concreto, se houve ou não transgressão da norma que a incriminação pressupõe.[61]

Os tipos abertos descrevem concisamente a conduta ou mencionam só o resultado, sem precisar, no primeiro caso, as circunstâncias em que tal conduta há de ser realizada, nem indicar, no segundo, a modalidade do comportamento que há de produzi-lo.[62] Ainda, em outros termos, esta categoria de tipos penais exige um prévio juízo de valoração sobre a conduta reprovável para que a mesma possa (ou não) ser entendida como típica. Em suma, caberá ao magistrado a tarefa última de sempre completar o tipo com elementos normativos extraídos do fato que se coloca sob seu julgamento.

O emprego dos tipos abertos, especialmente os que contêm cláusulas gerais, vão de absoluto encontro ao princípio da determinação taxativa, pois com a descrição incompleta que eles fazem do tipo, violam as funções de garantia e fundamentadora, franqueando ao magistrado e à doutrina a possibilidade de construção e complementação do modelo, superpondo-se àquele princípio constitucional e afetando, sensivelmente, a liberdade do agente, as garantias individuais, as garantias de liberdade e gerando insegurança jurídica.

Com efeito, a inobservância do princípio da determinação taxativa pelo legislador constitui verdadeira derrogação do exercício da efetiva racionalidade legislativa penal em prol do exercício da racionalidade elitista jurisdicional, na medida em que lhe incumbirá suprimir o irracional vácuo legislativo verificado na atuação do legislador, em especial, quando a jurisdição for instada a apreciar o caso concreto.

Sob esta ótica, cabe ressaltar que a derrogação do exercício da racionalidade legislativa penal rumo ao exercício da racionalidade elitista jurisdicional encontraria amparo e eco em algumas vozes, particularmente nos defensores de que a jurisdição, representada como uma atividade cognoscitiva em busca da verdade processual, não restaria subsumida a interesses e critérios representativos populares, ostentando, pois, imparcial capacidade de assegurar aos cidadãos as garantias penais decorrentes do Estado Social e Democrático de Direito diante do caso concreto.[63]

Todavia, a tentadora ideia de se sobrepor a racionalidade elitista jurisdicional à racionalidade legislativa penal encontra forte entrave no fato de que a busca da verdade processual desenvolvida pela jurisdição, por si só, autolimita-se no exato momento em que referida busca é guiada pela discricionariedade humana dos magistrados, dos promotores de justiça, fato que acaba por impor à racionalidade elitista jurisdicional a pecha da ilegitimidade, parcialidade e incompletude, haja vista transcender à capacidade intelectiva e cognitiva de todo e qualquer representante das crenças elitistas jurisdicionais – este analisado sob a ótica da singularidade humana – exercer arbítrio apto e capaz de exarar decisão conformada pelas necessidades e pelos anseios insculpidos por meio das crenças compartilhadas sociais.

A bem da verdade, o derrogar do exercício da racionalidade legislativa penal através da inobservância do princípio da determinação taxativa culmina com a construção de uma política criminal e de um direito penal pautados no critério especializado elitista, haja vista a racionalidade construtiva legal se desenvolver por meio do racional atuar de minoria social, os magistrados, os promotores de justiça, carecendo estes de legitimidade se considerado o pluralismo social verificado nas atuais sociedades democráticas.

Conclui-se, portanto, que a irracionalidade legislativa proveniente da inobservância do princípio da determinação taxativa não pode ser convalidada e suprida pelo exercício da racionalidade elitista jurisdicional. Em sentido diverso, a ilegitimidade conducente ao reconhecimento da irracionalidade elitista jurisdicional perpetua a irracionalidade contida no produto legislativo proveniente do legislador.

3.2. Inobservância do princípio da proporcionalidade

Pensamento doutrinário predominante durante as últimas décadas se consubstancia naquele que possui como ponto de partida argumentativo do sistema penal a teoria dos fins da pena. Compulsando esta teoria, com fortes bases nas constituições modernas, diversos princípios se originaram, dentre os quais, o princípio da proporcionalidade ou princípio da proibição do excesso, tendendo este a ser utilizado pelas correntes doutrinárias como meio apto à identificação dos bens a serem tutelados pelo direito penal, funcionando, também, como meio apto a limitar as intervenções penais estatais.[64]

Nessa perspectiva, tais correntes doutrinárias, apoiando-se em amplo conceito de proporcionalidade e com foco no princípio da exclusiva proteção aos bens jurídicos,[65] analisam a proporcionalidade levando em conta seu conteúdo tríplice ou subprincípios, a saber: (i) necessidade; (ii) idoneidade; e (iii) proporcionalidade em sentido estrito.

De acordo com Arroyo Zapatero, os princípios da proteção dos bens jurídicos e da proporcionalidade constituem a bússola do legislador nos processos de criminalização, funcionando o segundo como contrapeso limitador aos possíveis excessos do legislador na determinação do bem jurídico tutelável. Quanto aos subprincípios, o autor identifica na idoneidade, a eficácia da intervenção penal em face da proteção conferida ao bem jurídico; na necessidade, a materialização da ideia de ultima ratio ou subsidiariedade do direito penal; e na proporcionalidade em sentido estrito, o vetor resultante do conteúdo utilitarista dos dois subprincípios anteriores.[66]

Não destoando do autor retrocitado, Aguado Correa confere ao princípio da proporcionalidade a função limitadora à criminalização das condutas atribuídas pelo legislador, atribuindo ao subprincípio da idoneidade a identificação e respectiva consideração acerca da eficiência da intervenção penal na prevenção do delito, afastando, deste modo, as teorias absolutas da pena. Ainda, relaciona ao subprincípio da necessidade a materialização do princípio da proteção dos bens jurídicos, porquanto a tutela penal deve se restringir aos ataques mais graves e perigosos à sociedade. Por fim, irroga ao subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito a tarefa de estabelecer o liame material entro o delito e sua consequência jurídica, lastreando-se este subprincípio na dignidade da pessoa humana, na proibição de arbitrariedades e no valor da Justiça presente no Estado de Direito.[67]

Contudo, em que pese a utilização doutrinária do princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso como forma de garantir a incidência de referências utilitárias e valorativas, percebe-se que as mesmas não conseguem se desvencilhar da conflitante relação existente entre os fins da pena e os limites do jus puniendi estatal.[68]

Extrai-se destas doutrinas, que o princípio da proporcionalidade ostenta como precípua função a imposição de limites ao Estado, mas, ao que parece, função limitadora desprovida de efetiva racionalidade, tomando-se em conta que a diversidade e o extravasamento do conteúdo semântico da proporcionalidade acabam por afastar desta qualquer forma de delineamento e limitação.

Dito de outra forma, o princípio da proporcionalidade visa a limitar excessos, entretanto, caso o excesso decorra da utilização deste princípio, nada diferente da lei será capaz de limitá-lo. Eis, portanto, a necessidade de que o produto legislativo seja revestido de efetiva racionalidade, pois apenas a lei é capaz de materializar de forma proporcional as crenças sociais compartilhadas, as quais expressam precisamente as necessidades e os anseios da sociedade por meio do binômio necessidade-utilidade da repressão estatal desenvolvida pelo direito penal. Mas, ao revés, constata-se na legislação penal atual uma patente irracionalidade decorrente da insistência do legislador em criar tipos penais com inaceitável previsão abstrata de penas privativas de liberdade com valoração jurídica e reprovação social diametralmente opostas, ignorando o princípio da proporcionalidade.

Logo, percebe-se que, simetricamente ao reconhecido quando da inobservância do princípio da determinação taxativa pelo legislador, ocorrendo falência racional legislativa no que tange ao proporcional reconhecimento e positivação das crenças compartilhadas emanadas da sociedade, referida falência desencadeará a necessidade de aporte racional por via diversa, no caso, através do exercício da racionalidade elitista jurisdicional, esta, eivada de irracionalidade, por não ostentar legitimidade ou pela impossibilidade de que a jurisdição compreenda e represente as crenças compartilhadas sociais em sua plenitude.

Se, por um lado, vê-se plenamente possível e aceitável que a jurisdição substitua as partes visando à solução de conflitos, por outro, afigura-se inviável e inaceitável que, ante a irracionalidade legislativa penal, a crença elitista jurisdicional[69] venha a substituir as crenças sociais compartilhadas por toda a sociedade, indicando, desta forma, os caminhos a serem percorridos pela política criminal e pelo direito penal, haja vista, definitivamente, não representar a crença elitista jurisdicional o equidistante e proporcional referencial de Justiça, em especial, se flexionada à complexidade das crenças sociais compartilhadas.

IV. IRRACIONALIDADE LEGISLATIVA NOS DELITOS PATRIMONIAIS

Com o advento do Código Penal de 1940, os delitos patrimoniais, que em termos legislativos compreendem os tipos inseridos nos artigos 155 a 183, do Título II, seguem exercendo um protagonismo no direito brasileiro, identificando-se esse grupo de delitos como núcleo elementar daquilo que se convencionou chamar “direito penal clássico”[70].

O legislador de 1940 reservou ao patrimônio uma localização indiscutivelmente destacada. Tratar-se-ia, portanto, de um bem jurídico relevante, principalmente ao se considerar a quantidade de tipos penais empregados em sua tutela, inclusive com margens punitivas muito mais elevadas que as penas cominadas abstratamente para muitos delitos constantes do Título I, que cuida dos delitos contra a vida.

Se por um lado é assim, por outro, percebe-se que a tutela patrimonial presente no ordenamento jurídico-penal pátrio parte da dinâmica básica de delinquências operadas por normas tipicamente privadas, a qual, conjugada à atitude do legislador brasileiro de muito supervalorizar a tutela patrimoninal, faz com que se desemboque em uma situação real de excessivos casuismos que refletem autênticos problemas de racionalidade. De acordo com Sergio Moccia, assim ocorre devido a uma prática legislativa denominada de proliferação hipertrófica dos tipos, isto é, do crescimento excessivo e expansivo dos tipos penais.[71]

Nessa toada, verificam-se atualmente várias e contundentes irracionalidades legislativas no âmbito dos delitos patrimoniais constantes do atual Código Penal brasileiro. Tome-se, de saída, a questão que envolve a aplicação do princípio da insignificância nesses delitos, cuja incidência ou não poderia (deveria) restar fundamentada na norma, que não existe: a decisão de aplicar o princípio em comento fica a cargo exclusivo do magistrado, o qual se vale, para tanto, exclusivamente de critérios jurisprudenciais.

De fato, inexiste definição legal que norteie a aplicação deste princípio a partir das crenças compartilhadas sociais, fato que acaba por subsumir a incidência do mesmo à livre valoração desenvolvida pela crença elitista jurisdicional. E, nesse sentido, coube ao Supremo Tribunal Federal estabelecer os critérios balizadores da aplicação do princípio da insignificância, cujos vetores hão de estar presentes concomitantemente ao se analisar a situação em concreto, a saber: (i) mínima ofensividade da conduta do agente; (ii) ausência de periculosidade social da ação; (iii) reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento; e (iv) inexpressividade da lesão jurídica provocada.[72]

A discussão sobre a aplicabilidade do princípio da insignificância no âmbito dos delitos patrimoniais se potencializa, no plano legislativo brasileiro, quando da análise do referencial ao valor da res subtraída ou do dano proporcionado pela ação praticada pelo infrator patrimonial, conforme as específicas disposições relativas ao furto e ao estelionato (artigos 155, § 2º e 171, § 1º, ambos do Código Penal). Em ambas as situações e se utilizando da expressão pequeno valor, a codificação optou por estabelecer causas de diminuição de pena, mas que pelo fato de não existir uma elaboração de tipos penais com atribuições de penas abstratamente distintas em razão do prejuízo ocasionado pelo delito patrimonial,[73] ensejam desencontros doutrinários e jurisprudenciais sobre os reflexos dogmáticos do valor da coisa ou do prejuízo causado nos delitos de tal natureza.[74]

De qualquer sorte, uma vez fixados os requisitos para a incidência do princípio da insignificância, poder-se-ia chegar à conclusão de que ao direito penal não cabe intervir em situações cujo desvalor da conduta e do resultado lesivo não representem significância ao titular do bem e ao próprio bem juridicamente tutelado, restando certo, todavia, que diante da omissão legislativa, incumbirá, em contrapartida, às crenças elitistas jurisdicionais exercer a racionalidade sobre a incidência do princípio da insignificância.

Sob esta ótica, demonstrando-se a necessidade de que o legislador, sempre que possível, positive o direito penal de forma a explicitar as crenças sociais compartilhadas, bem como, o choque existente entre as crenças sociais e as crenças elitistas jurisdicionais, observa-se o fato de que o paradigma valorativo de análise construído e exercitado pelas últimas, relacionado à incidência do princípio da insignificância, surge irracionalmente flexionado a um valor que, em tese, deveria se mostrar capaz de atender às necessidades básicas do trabalhador e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social,[75] ou seja, o referencial valorativo para a aplicação do princípio da insignificância, para as crenças elitistas jurisdicionais, na seara dos delitos contra o patrimônio, consubstancia-se no valor do salário mínimo.[76]

Percebe-se, desta forma, que a omissão legislativa acaba por dar azo à substituição do exercício da racionalidade legislativa penal pelo exercício da racionalidade elitista jurisdicional, permitindo a esta última, por vezes em total descompasso com as crenças compartilhadas sociais, decidir e moldar os rumos da política criminal e do direito penal.

Segunda questão que assevera a necessidade de expressa e racional manifestação legislativa, bem como, delineia pontualmente uma irracionalidade penal oriunda do exercício próprio das crenças elitistas jurisdicionais, consubstancia-se na atribuição, pelo Código Penal, à objetiva situação fática denominada concurso de agentes, natureza jurídica pautada e correspondente ao delito contra o patrimônio cometido: se a prática delitiva se consubstancia no delito de furto, o concurso de agentes ostenta a natureza qualificadora[77], circunstância típica a mais grave, que eleva os limites mínimo e máximo cominados em abstrato ao delito; tratando-se, contudo, do delito de roubo, o que se impõe ao concurso de agentes, neste caso, é a natureza de causa de aumento de pena[78].

Nesse ponto, inclusive, destaca-se o embate desenvolvido entre representantes das crenças elitistas jurisdicionais quando debruçados sobre esta irracionalidade legislativa penal. Por um lado, o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul[79], que compreende ser latente a agressão aos princípios da proporcionalidade e da isonomia a possibilidade de que o instituto do concurso de agentes figurasse ora como qualificadora, ora como majorante, tudo isso a depender do delito perpetrado – se o furto ou o roubo, respectivamente. Por outro lado, o Egrégio Superior Tribunal de Justiça, combatendo a alegada ofensa principiológica, caminha no sentido da estrita obediência ao princípio da reserva legal, em virtude do que resta inviável ao julgador insculpir na lei novas figuras delitivas ou aplicar penas não previstas pelo legislador.[80]

Vale notar, que com o propósito de defender e construir pseudo-proporcionalidade, chegou-se a construir, no STJ, um raciocínio que tentava demonstrar proporcionalidade existente entre as incongruentes naturezas atribuídas pelo legislador à figura do concurso de agentes. Em apertada síntese, defendeu-se que a majoração da pena em um terço até a metade referente ao concurso de agentes, quando da prática do roubo, era mais benéfica ao réu, pois, considerando-se uma pena base de quatro anos, o aumento da pena se materializaria – levando-se em consideração, como regra, um aumento mínimo – em um ano e quatro meses, ao passo que o concurso de agentes, sob a forma qualificada, na prática do furto, materializar-se-ia em acréscimo de um ano na pena relacionada ao furto simples, logo, aumento representado pelo dobro da pena prevista no tipo simples.[81]

Todavia, em que pese o singelo esforço matemático desenvolvido no âmbito do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, percebe-se que a atribuição pelo legislador de dicotômica natureza ao concurso de agentes acaba por se mostrar desproporcional e prejudicial ao réu, bastando para isso ressaltar que se aplicada a majorante de um terço relativa ao delito de roubo sobre a pena do tipo simples do delito de furto, encontrar-se-ia como lapso temporal a ser acrescido à pena deste delito o valor abstrato de quatro meses, importando em dosimetria final de um ano e quatro meses, valor indiscutivelmente inferior à pena base verificada no delito de furto qualificado, ou seja, dois anos.

Há de se reconhecer, enfim, que a irracionalidade legislativa referente ao concurso de agentes nos delitos patrimoniais enseja o reconhecimento dos nefastos efeitos do não exercício da efetiva racionalidade por parte do legislador, importando-se observar que parcial razão assiste a ambos os tribunais, seja porque efetivamente ocorre uma lesão aos princípios da proporcionalidade e da isonomia, seja porque não cabe ao representante da crença elitista jurisdicional, atuando em verdadeira substituição ao legislador, desenvolver a construção de tipos penais, tampouco delimitar a pena que lhes deva ser aplicada.

Outra questão que verte irracionalidade legislativa digna de ser ressaltada é aquela derivada da alteração legislativa introduzida pela Lei nº 9.426/96, que estabeleceu no § 1º do artigo 180 do Código Penal modalidade qualificada do delito de receptação, consistente em praticá-lo no exercício de atividade comercial ou industrial, exigindo, para tanto, que o receptador “deve saber” ser a coisa produto de crime. Esta expressão é objeto de intensa celeuma no palco jurídico: se admitida como modalidade específica de dolo eventual, geraria uma punição mais grave para esta figura do delito de receptação se comparada com a sanção estabelecida para o dolo direto previsto no caput[82] da mesma figura penal.

Tamanha é a irracionalidade decorrente dessa alteração legislativa, que a doutrina e a jurisprudência nacionais divergem, por razões diversas, relativamente à interpretação da expressão “deve saber”, apresentando entendimentos em extremos opostos, por meio de julgados que chegam até mesmo a admitir a inconstitucionalidade do citado dispositivo.[83]

Em vista da desproporcionalidade consagrada pelo legislador, parcela da doutrina passou a sustentar que nos casos em que o comerciante “deve saber”, embora o preceito primário seja aquele do § 1º do artigo 180 do Código Penal, o preceito secundário aplicado deverá ser aquele previsto no caput, isto é, deverá ser aplicada pena de reclusão de um a quatro anos e multa, implicando na polêmica combinação de preceitos diversos.

Outra questão que desemboca em irracionalidade legislativa pode ser constatada com o advento da Lei nº 9.426/96, que inseriu no Código Penal, em seu artigo 157, § 2º, V[84], ao tratar do delito de roubo, a lacônica expressão “restringindo sua liberdade”, acabando por remeter diretamente aos representantes das crenças elitistas jurisdicionais o dever de interpretação da mesma junto ao caso concreto, os quais, não raro, afirmando que para a incidência da majorante prevista nesse tipo penal, a vítima deveria ser mantida por “tempo juridicamente relevante” em poder daquele que perpetra a ação delitiva.[85]

Nesse rumo, percebe-se que barreira irracional se perfaz junto à ideia do que se pode extrair da expressão “tempo juridicamente relevante”. Percebe-se, aqui, que o mesmo lapso temporal pode se apresentar relevante para alguns e irrelevante para outros, haja vista o conceito de “tempo juridicamente relevante” perfilar concepção individual e subjetiva, contrariu sensu, não coletivamente e objetivamente disposto.

Na tentativa de contornar tal lacuna legislativa, passos doutrinários foram dados no sentido de restringir a incidência da majorante em comento, restando-se consignado que tal ocorreria apenas quando fosse identificado, no caso em concreto, que a restrição da liberdade da vítima era meio necessário para a execução do delito de roubo.[86]

E nesse sentido caminhou o legislador no ano de 2009, com a aprovação da Lei nº 11.923, por meio da qual houve a positivação de delito popularmente conhecido como “sequestro relâmpago”, inserido no artigo 158, § 3º do Código Penal[87], haja vista, nesta oportunidade, a expressão “mediante a restrição da liberdade da vítima” ter sido imediatamente complementada pela expressão “e essa condição é necessária para a obtenção da vantagem econômica”, atitude legislativa que diminuiu sensivelmente, via de consequência, a liberalidade de exercício de subsunção da conduta delitiva ao tipo penal pelos representantes das crenças elitistas jurisdicionais.

Entretanto, a despeito de essa alteração ter sido eventualmente recebida como um singelo sopro de efetivo exercício de racionalidade legislativa, pecou o legislador quando da previsão do preceito secundário, gerando uma desproporção absurda na cominação das penas, que veio totalmente de encontro ao princípio da proporcionalidade.

Os delitos de roubo e extorsão, os quais se confundem pela tamanha semelhança de elementos típicos que os conformam,[88] cujas penas previstas em abstrato são exatamente as mesmas, tanto nas modalidades básicas como em relação às formas circunstanciais – causas de aumento de pena e qualificadoras –, injustificadamente, recebem tratamento legislativo desproporcional quando das cominações das penas privativas de liberdade.

A pena mínima prevista para o tipo penal denominado de “sequestro relâmpago” qualificado pelo resultado lesão grave (16 anos) é superior à pena máxima cominada para o delito de roubo com exatamente o mesmo resultado (15 anos) e a pena máxima daquele mesmo delito e com idêntico resultado agravador (24 anos) é superior à pena máxima prevista para o delito de homicídio (20 anos). E, ainda, a pena mínima aplicável ao dito “sequestro relâmpago” do qual resulta a morte da vítima (24 anos) é também superior à pena máxima indicada legalmente para o delito de homicídio (20 anos), delito classificado como atentatório à vida, que abre o título do Código Penal referente aos delitos em espécie, bem jurídico mais caro à sociedade comparado ao patrimônio da pessoa humana.

Ainda na esteira da irracionalidade legislativa, cita-se aquela constante do artigo 157, § 3º do Código Penal[89], em que o legislador, trilhando lógica penal reversa, construiu tipo penal a partir do sopesamento do resultado, ignorando primária e necessária diferenciação atinente à forma pela qual é pautada a conduta do agente, isto é, se dolosa ou culposa, construindo um tipo penal que deságua em patente desproporcionalidade.[90]

De encontro a esta irracionalidade, importante mencionar que o legislador, quando da elaboração do Código Penal Militar brasileiro, delineou racionalmente o tema de forma a não equiparar o resultado alcançado dolosamente daquele resultado gerado a partir de conduta culposa do agente. Desse modo, quando o resultado morte decorrente da prática do roubo ostentar natureza culposa, a conduta do agente se subsumirá ao tipo penal previsto no seu artigo 242, § 2º[91]; mas, se o resultado morte ostentar natureza dolosa, ter-se-á a prática, em tese, do tipo penal previsto no § 3º do artigo 242[92].

Neste caso, percebe-se que a redação legal dimensiona objetivamente a diferença havida na conduta do agente, conforme a animosidade presente em sua ação. Em outros termos, distingue-se corretamente as penas incidentes sobre distintas condutas, haja vista que a pena a ser atribuída ao resultado morte decorrente de conduta culposa é balizada de acordo com a pena privativa de liberdade prevista para o delito de roubo simples (4 a 30 anos), aumentada de um terço até a metade, ao passo que, de outra banda, a pena a ser imposta no caso de resultado morte decorrente de conduta dolosa do agente ostenta patamares abstratos mínimo e máximo de penas privativas de liberdade (15 a 30 anos) bem maiores, não tendo deixado o legislador margem de dúvida quanto à maior reprovabilidade da conduta dolosa em face da conduta culposa no contexto desse delito.

Finalmente, vale mencionar a irracionalidade presente na utilização pelo legislador de expressões diversificadas para exprimir o mesmo objeto de reprovabilidade penal, isto é, a “indevida vantagem” obtida pelo agente.

Observando-se o conteúdo do artigo 158 do Código Penal[93], extrai-se da redação deste tipo penal que o legislador se valeu da expressão “indevida vantagem econômica”, ao passo que, no artigo 159[94] ele resolveu empregar o elemento “qualquer vantagem” e, ainda, no artigo 171[95], optou pela denominação “vantagem ilícita”.

Porém, em decorrência direta da irracionalidade legislativa, tanto doutrina quanto jurisprudência divergem em seus entendimentos no que diz respeito a definição do real significado e alcance dessas expressões: se todas hão de ostentar natureza patrimonial ou se uma ou outra também pode indicar colorido diverso (v.g., natureza sexual).

A inclinação majoritária é no sentido de reconhecer que a vantagem compulsante dos tipos penais que contêm as expressões “qualquer vantagem” e “vantagem ilícita” tem natureza estritamente patrimonial, invocando, como regra, que a posição topográfica dos mesmos não enseja pensamento diverso, senão o ora destacado.

Quer-se dizer com isto que, se os tipos penais em questão integram o capítulo que versa sobre delitos contra o patrimônio, consequência lógica é que, independentemente da redação utilizada pelo legislador, a referida vantagem deve ser unicamente econômica.[96]

Ademais disso, sustenta-se que se o artigo 158 do Código Penal, considerado como sendo uma espécie de “tipo precursor” dos demais delitos contra o patrimônio, faz referência direta à vantagem patrimonial, as vantagens ostentadas dos demais delitos contra o patrimônio subsequentes a este tipo também seriam, necessariamente, de natureza patrimonial, em especial o delito contido no artigo 159 do Código Penal, que seria simplesmente espécie de seu antecessor.

Diversamente, corrente minoritária defende a possibilidade de que as expressões “qualquer vantagem” e “vantagem ilícita” possam ostentar, sem problemas, natureza diversa da patrimonial. Os adeptos desta corrente se valem de interpretação legislativa polissêmica das referidas expressões, porquanto a interpretação do pronome indefinido “qualquer”, bem como a interpretação da lacônica expressão “vantagem ilícita”, não deve se resumir à questão meramente espacial-topográfica. Afirmam ainda, que a lei não contém em seu bojo palavras inúteis e, caso realmente fosse a intenção do legislador restringir o alcance das expressões ora comentadas, teria ele se valido de expressões cuja significância haveria de ser interpretada de maneira restrita.[97]

De toda sorte, se é verdade que a lei não contém palavras inúteis, verdade também é a possibilidade de que contenha palavras decorrentes do irracional exercício legislativo, restando patente, portanto, que se a positivação dos delitos comentados decorresse de efetiva racionalidade legislativa, espaço inexistiria para tais discussões, haja vista que bastaria o legislador, em lógica contínua, ter se valido de expressão única – “indevida vantagem econômica” – contida no artigo 158 do Código Penal, para que, racionalmente, fosse encerrada toda e qualquer discussão acerca da natureza da vantagem oriunda das expressões “qualquer vantagem” e “vantagem ilícita”.

V. O FUTURO DOS DELITOS PATRIMONIAIS

Em vigor desde 1940, o atual Código Penal, relativamente aos delitos patrimoniais, revela-se excessivamente criminalizador e supervalorizador da tutela da propriedade.

Conferiu-se enorme importância ao delito de furto, para o qual foram estipuladas diversas qualificadoras, com o agravamento da pena em dobro. Quando comparado com outros delitos, verifica-se a preferência em dar abrigo às condutas ofensivas ao patrimônio individual, preterindo-se até mesmo os delitos contra a pessoa. As penas previstas para os delitos de furto, apropriação indébita e estelionato, por exemplo, superam as cominadas ao delito de exposição ou abandono de recém-nascido, inclusive na sua forma qualificada.

Percebe-se ainda, que as penas estipuladas para citados delitos contra o patrimônio são mais rigorosas quando comparadas a outros delitos previstos em legislação especial também dotados de efeitos patrimonais, porém não de somenos importância (por vezes, ao contrário), como nos casos dos delitos de responsabilidade dos prefeitos municipais (Dec.-lei nº 201/67, art. 1º) e contra a ordem tributária (Lei nº 8.137/90, art. 2º).

Essas características da legislação penal patrimonial brasileira (hipervalorização do bem jurídico “patrimônio” e desproporcionalidade em relação a bens jurídicos de diversa natureza) decorre, em grande parte, do mesmo processo de legiferação levado a efeito no sistema normativo penal italiano e que serviu de inspiração ao Código Penal brasileiro de 1940.[98] De acordo com Sergio Moccia, o Código Rocco privilegia sobremaneira a tutela da propriedade sobre “coisas”, móveis ou imóveis, em seu sentido naturalístico e estático, como uma massa patrimonial claramente identificada, cuja concepção de “patrimônio”, como expressão de poder de um indivíduo sobre um bem, revela a propensão do direito penal a ser utilizado como instrumento sancionatório de relações civis.[99]

Além disso, são evidentes as irracionalidades constantes de tipos penais inseridos ao Estatuto Repressivo posteriormente, como as modificações promovidas no delito de roubo e o “sequestro relâmpago”, produtos das Leis nº 9.426/96 e nº 11.923/09.

Sob outro ângulo, resta evidente a preocupação social e estatal com o cometimento excessivo e constante de crimes patrimoniais, o que legitima a intervenção do Estado na seara penal perante condutas ofensivas ao patrimônio individual, com o fito de se garantir a convivência pacífica entre as pessoas e a promoção do bem-estar coletivo, almejados em um Estado Social e Democrático de Direito. Vejam-se os dados consolidados do sistema penitenciário no Brasil, fornecidos pela Secretaria Nacional de Políticas Penais  (SENAPPEN), atualizados no período de julho a dezembro de 2022 e publicados em 25/05/2023 pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública[100].

Inobstante tais constatações, são válidas e confirmadas, nesta oportunidade, todas as críticas à irracionalidade legislativa que permeia a criação dos tipos penais patrimoniais e a severidade penal com que são tratados esses delitos.

Não resta dúvida de que os delitos patrimoniais, ao menos em termos legislativos, são objeto de destaque no Código Penal brasileiro, desde a sua elaboração e vigência. Mas a questão que vem à baila, neste momento, consiste em mirar para o redimensionamento do termo “patrimônio”, em razão das mutações sociais que pululam hodiernamente nesse ambiente coletivo e diante de seu tratamento jurídico pelo “novo” Código Civil pátrio. Diante disso, a pergunta que emerge é a seguinte: ainda se faz presente, nos dias de hoje, uma supervalorização do bem jurídico patrimônio a exigir tamanha rigidez penal?

Em conformidade com o entendimento de Sergio Moccia, a Constituição Federal impõe o redimensionamento da hierarquia do direito de propriedade em relação a bens de ordens diversas, sejam estes de natureza individual ou supraindividual,[101] sem prejuízo da proteção do patrimônio no âmbito do sistema penal, cujo merecimento se faz presente. Entretanto, o que não se deve mais admitir é a forma como tem sido levado a efeito o processo de legiferação nessa seara, havendo necessidade de se levar a cabo, no futuro próximo, um redesenho das normas primárias e secundárias dos tipos penais patrimoniais em termos legislativos e judiciais, com vistas ao direcionamento conjunto e corolário do legislador e do intérprete, tarefa nada fácil nos dias de hoje.

Destarte, há de se restringir os conteúdos típicos dos delitos contra o patrimônio, alterando-se o texto legal e realizando-se interpretação restritiva que criminalize somente as situações que gerem efetivos e significativos prejuízos patrimoniais. Também, deve-se privilegiar o direito de disponibilidade da vítima nos casos de cometimento desses delitos nas hipóteses em que não haja violência ou grave ameaça à pessoa, afastando-se qualquer sanção penal, ou então, exigir-se representação do ofendido ou de seu representante legal para que se tenha início a persecutio criminis, ou ainda, condicionar-se o processo penal a apresentação de queixa-crime pelo mesmo.

Cuida-se, com isto e na verdade, de se apregoar um futuro direito penal patrimonial coerente com a realidade social brasileira, porém, utilizando-se de instrumental dogmático secular. Nas palavras de Alamiro Netto, trata-se aqui de verdadeira “consagração de um ‘sistema penal mínimo’ no campo patrimonial”[102].

Evidentemente, diante daquilo que foi objeto de análise nesta pesquisa, a tarefa em pauta apenas surtirá resultados satisfatórios de racionalidade penal na medida em que o legislador aja com esmero na utilização dos princípios penais constitucionais próprios do Estado Social e Democrático de Direito, mais especialmente em relação aos princípios da determinação taxativa e da proporcionalidade.

VI. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A racionalidade legislativa no âmbito da tutela dos tipos penais patrimoniais que esteja de acordo com os ditames do Estado Social e Democrático de Direito permanece sendo objetivo a ser alcançado, pelo legislador e pelo intérprete da norma penal.

Os critérios norteadores para o efetivo alcançar da racionalidade legislativa penal se manifestam sob diferentes formas e enfoques. Entretanto, não se deve eleger um deles isoladamente (ideal, especializado, constitucional ou democrático) como critério a nortear a política criminal ou o direito penal, sob pena de se ferir mortalmente a complexidade social e, por consequência, a vertente social do Estado Social e Democrático de Direito, ou ainda, pelo fato de não competir ao direito penal atuar como um verdadeiro vingador social e, neste caso, maculando-se o aspecto democrático do Estado Social e Democrático de Direito. Deve-se agir, outrossim, na busca pela efetiva racionalidade legislativa penal, de modo que o legislador se valha de todos os critérios racionais na exata medida em que o produto legislativo venha a ser representado como o exato ponto médio entre todos os critérios de racionalidade legislativa disponíveis ao operador da norma penal, figurando-se esta como o resultado de crenças bastante correlacionadas aos ideais coletivos.

No caminhar do cumprimento dessa árdua missão, o legislador penal em particular, em atendimento aos mandamentos constitucionais, deve atentar à aplicação dos princípios da taxatividade e da proporcionalidade na construção dos tipos, especialmente – como é o caso – daqueles que se referem ao patrimônio, os quais atualmente ensejam interpretações distintas para situações, no mais das vezes, semelhantes, haja vista a abertura tipológica e a presença de elementos permissivos de juízos de valor dos mais variados possíveis, o que gera, consequentemente, insegurança jurídica no sistema e para a sociedade.

O excesso de criminalização dos delitos patrimoniais e a desproporção das sanções penais que lhe são impostas são frutos da realidade do cenário brasileiro que se traduz em punições e encarceramentos exagerados. Os delitos patrimoniais residem na conduta e não no grau de ofensa aos bens jurídicos, de modo que as tipificações se voltam para o tipo de agressão, a forma de atingimento do comportamento nocivo e o meio de ataque utilizado pelo agente criminoso, passando o direito penal a pré-selecionar seus prováveis infratores e a promover uma legislação desproporcional e em latente estado de falência.

Exige-se, como resposta premente, uma adequação do bem jurídico patrimônio à ordem constitucional, redimensionando-se seu conceito; um rearranjo da hierarquização dos bens jurídicos penais, tomando-se por base, mais uma vez, o princípio constitucional da proporcionalidade, porquanto a sua operacionalidade ocorre tanto no momento da elaboração do Direito (legislativo), como no de sua aplicação e interpretação (judicial).

Nesse diapasão, importa que se confira um tratamento técnico-jurídico dos delitos patrimoniais que prescinda, em boa parte dos casos, de penas privativas de liberdade e de instrumentos processuais que permitam gerir esse tipo de criminalidade, privilegiando-se, por exemplo, o direito de disponibilidade do ofendido e sua faculdade de tomar iniciativa da persecução criminal. Some-se a isso, em articulação ao princípio da proporcionalidade, a utilização do princípio da insignificância, ferramente interpretativa fundamental apta a resgatar, em boa medida, as perspectivas de ofensividade nos delitos patrimonais.

Em suma, o futuro que se espera para os delitos patrimoniais não se afasta daquilo que já faz parte da dogmática clássica do direito penal, isto é, um sistema penal mínimo e consentâneo com os princípios fundamentais do Estado Social e Democrático de Direito.

VII. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AGUADO CORREA, Teresa. El principio de proporcionalidad en derecho penal. Madrid: Edersa, 1999.

ÁLVAREZ GARCÍA, Francisco Javier. Bien jurídico y Constitución. Cuadernos de Política Criminal, n. 43, Madrid, Editoriales de Derecho Reunidas S.A., 1991.

ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. 3. ed. Trad. Mário da Gama Kury. Brasília: Universidade de Brasília, 1999.

ARROYO ZAPATERO, Luis Alberto. Derecho penal económico y Constitución. Revista Penal, n. 1, Barcelona, 1998.

BAUMAN, Zygmunt. Medo Líquido. Tradução, Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Ed. Jorge Zahar, 2008.

BECK, Ulrich. La sociedad del riesgo. Hacia una nueva modernidad. Barcelona: Paidós, 1998.

BEETHAM, David. The legitimation of power. London: Palgrave MacMillan, 1991.

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal, v. 3. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2015.

BOTTINI, Pierpaolo Cruz. O princípio da proporcionalidade na produção legislativa. São Paulo: Ed. RBCC, 1995.

BRASIL. Secretaria Nacional de Políticas Penais (SENAPPEN). Dados estatístivos do sistema penitenciário. Período de Julho a Dezembro de 2022. Tipificações penais. Disponível em: www. https://app.powerbi.com/view?r=eyJrIjoiYjBhODYxYjAtOWJmNC00Mzg1LWI5ZWEtNzA4NTk1NGNhZWEyIiwidCI6ImViMDkwNDIwLTQ0NGMtNDNmNy05MWYyLTRiOGRhNmJmZThlMSJ9&pageName=ReportSectiond75a46556ebea50b9b57. Acesso em: 08 jul. 2023.

CARBONELL MATEU, Juan-Carlos. Derecho penal: concepto y principios constitucionales. 2. Ed. Valencia: Tirant lo Blanch, 1996.

COSTA, Helena Regina. Receptação. In: REALE JÚNIOR, Miguel (coord.). Direito penal: jurisprudência em debate: crimes contra o patrimônio, crimes contra o direito do autor, crimes contra o sentimento religioso, crimes contra a organização do trabalho. Rio de Janeiro: GZ, 2012.

DÍEZ RIPOLLÉS, José Luiz. La racionalidad de las leyes penales: práctica y teoría. Madrid: Trotta, 2003.

FERRAJOLI, Luigi. Derecho y razón: teoría del garantismo penal. 5. ed. Trad. Perfecto Andrés Ibáñez, Alfonso Ruiz Miguel, Juan Carlos Bayón Mohino, Juan Terradillos Basoco y Rocío Cantarero Bandrés. Madrid: Trota, 1995.

FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal: parte geral. 16 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003.

____. Os crimes contra o patrimônio. Revista Forense, n. 300, out./dez. 1987. Conferência proferida em 1984, na Fundação Casa Rui Barbosa e publicada postumamente, sem revisão do autor. Disponível em: www.fragoso.com.br/wp-content/uploads/2017/10/20171003011328-crimes_contra_patrimonio.pdf. Acesso em: 08 jul. 2023.

HABERMAS, Jürgen. Facticidad y validez. Trad. Manoel Jiménez Redondo. 3. ed. Madrid: Trotta, 2001.

HASSEMER, Winfried. Persona, mundo y responsabilidad: bases para una teoría de la imputación en derecho penal. Trad. Francisco Muñoz Conde y María del Mar Diaz Pita. Valencia: Tirant lo Blanch, 1999.

HIERRO, Liborio Luis. El imperio de la ley y la crisis de la ley. In: Doxa, Cuadernos de Filosofía del Derecho de la Universidad de Alicante, n. 19, Alicante, 1996.

MARCILLA CÓRDOBA, Gema. Razón práctica, creación de normas y principio democrático: una reflexión sobre los ámbitos de la argumentación legislativa. In: Anales de la Cátedra Francisco Suárez, Revista de Filosofía Jurídica y Política de la Universidad de Granada, v. 47, Granada, 2013.

MARTÍN REBOLLO, Luis. La técnica legislativa: reflexiones discretas sobre el método y el procedimiento. In: CORONA FERRERO, Jesús Maria; PAU VALL, Francesc; TUDELA ARANDA, José (coords.), La técnica legislativa a debate. Barcelona: Tecnos, 1994.

MIRABETE, Julio Fabbrini; FABBRINI, Renato Nascimento. Manual de direito penal: parte especial, v. II. 32. ed. São Paulo: Atlas, 2015.

MOCCIA, Sergio. Tutela penale del patrimonio e principi constituzionali. Padova: Cedam, 1988.

NUCCI, Guilherme de Souza. Tratado jurisprudencial e doutrinário: direito penal, v. II. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.

PALAZZO, Carlo Francesco. Scienza penale e produzione legislativa: paradossi e contraddizioni di un rapporto problematico. In: Rivista Italiana di Diritto e Procedura Penale, fasc. 3, Milão, Giuffrè, 1997.

PÉREZ MANZANO, Mercedes. Culpabilidad y prevención: las teorías de la prevención general positiva en la fundamentación de la imputación subjetiva y de la pena. Madrid: Universidad Autónoma, 1986.

PIERANGELI, José Henrique. Códigos penais do Brasil: evolução histórica. Bauru: Javoli, 1980.

REALE, Miguel. O projeto do novo Código Civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1999.

REYES ECHANDÍA, Alfonso. La tipicidad. 4. ed. Colombia: Universidad Externado de Colombia, 1979.

RODRÍGUEZ ATIENZA, Manuel. Contribución a una teoría de la legislación. Madrid: Civitas, 1997.

SALVADOR NETTO, Alamiro Velludo. Direito penal e propriedade privada: a racionalidade do sistema penal na tutela do patrimônio. São Paulo: Faculdade de Direito da USP, 2013 (Tese de Livre-Docência).

SILVA SÁNCHEZ, Jesús-María. La expansión del derecho penal. Aspectos de la política criminal en las sociedades posindustriales. Buenos Aires: IB de F, 2011.

SOTO NAVARRO, Susana. Los bienes jurídicos colectivos: legitimidad y bases metodológicas para su concreción. Tesis doctoral inédita, Universidad de Málaga, 2002.

WELZEL, Hans. El nuevo sistema del derecho penal: una introducción a la doctrina de la acción finalista. Trad. José Cerezo Mir. Buenos Aires: IB de F., 2001.

ZAFFARONI, Eugênio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997.

ZIMMERLING, Ruth. El mito de la opinión pública. In: Doxa, Cuadernos de Filosofía del Derecho de la Universidad de Alicante, n. 14, Alicante, 1993.

ZIMRING, Franklin Ester; HAWKINS, Gordon Hawkins; KAMIN, Sam. Punishment and Democracy: three Strikes and you’re out in California. Oxford: Oxford Scholarship Online, 2012.


[1] Pós-Graduado em Ciências Criminais e Dogmática Penal Alemã pela Georg-August-Universität Göttingen (ALEMANHA). Pós-Doutor em Direito Penal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Doutor em Direito Penal pela Universidade de São Paulo (USP). Mestre em Direito Constitucional pela Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP). Professor Concursado do Curso de Graduação em Direito do Centro Adventista de São Paulo (UNASP) campus Hortolândia. Professor Convidado dos Cursos de Especialização em Direito Penal e Direito Processual Penal da Academia Brasileira de Direito Constitucional (ABDConst) e da Escola Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo (ESMPSP). Presidente do Núcleo Docente Estruturante (NDE) do Curso de Direito da Fundação Municipal de Ensino de Piracicaba (FUMEP). Ex-Delegado de Polícia Titular de Carreira do Estado de São Paulo. Advogado regularmente inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional de São Paulo (OAB/SP). Vice-Líder Científico do Grupo de Pesquisa CNPq SAPERE AUDE. Investigador Adjunto Colaborador da Fundação Hermínio Ometto – FHO, do Núcleo de Pesquisa em Tecnologias Assistidas: Linguagens de Inclusão e Técnicas Assistenciais (NUTECA), na Área de Concentração Ensino e na Linha de Pesquisa Tecnologias Assistidas: Processos de Mudança, Políticas Públicas e Linguagem de Inclusão. Pesquisador CNPq. Avaliador Institucional de Cursos de Graduação em Direito pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP/MEC). Consultor jurídico. Parecerista e palestrante. E-mail: profzerenato16@gmail.com; https://orcid.org/0000-0002-5695-686.

[2] ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. 3. ed. Trad. Mário da Gama Kury. Brasília: Universidade de Brasília, 1999, p. 96.

[3] I. Que todos os homens são, por natureza, igualmente livres e independentes, e têm certos direitos inatos, dos quais, quando entram em estado de sociedade, não podem por qualquer acordo privar ou despojar seus pósteros e que são: o gozo da vida e da liberdade com os meios de adquirir e de possuir a propriedade e de buscar a felicidade e obter felicidade e segurança.

[4] V. Que os poderes legislativo, executivo e judiciário do Estado devem estar separados e que os membros dos dois primeiros poderes devem estar conscientes dos encargos impostos ao povo, deles participar e abster-se de impor-lhes medidas opressoras; que, em períodos determinados devem voltar à sua condição particular, ao corpo social de onde procedem, e suas vagas se preencham mediante eleições periódicas, certas e regulares, nas quais possam voltar a se eleger todos ou parte dos antigos membros (dos mencionados poderes), segundo disponham as leis.

[5] VIII. Que em todo processo criminal, incluídos aqueles em que se pede a pena capital, o acusado tem direito de saber a causa e a natureza da acusação, ser acareado com seus acusadores e testemunhas, pedir provas em seu favor e a ser julgado, rapidamente, por um júri imparcial de doze homens de sua comunidade, sem o consentimento unânime dos quais, não se poderá considera-lo culpado; tampouco, pode-se obrigá-lo a testemunhar contra si próprio; e que ninguém seja privado de sua liberdade, salvo por mandado legal do país ou por julgamento de seus pares.

[6] XII. Que a liberdade de imprensa é um dos grandes baluartes da liberdade, não podendo ser restringida jamais, a não ser por governos despóticos.

[7] XV. Que nenhum povo pode ter uma forma de governo livre nem os benefícios da liberdade, sem a firma adesão à justiça, à moderação, à temperança, à frugalidade e virtude, sem retorno constante aos princípios fundamentais.

[8] REALE, Miguel. O projeto do novo Código Civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 12.

[9] Sobre a lei e a legislação como elementos determinantes no trânsito do direito pré-moderno ao direito moderno, veja-se, entre outros: FERRAJOLI, Luigi. Derecho y razón: teoría del garantismo penal. 5. ed. Trad. Perfecto Andrés Ibáñez, Alfonso Ruiz Miguel, Juan Carlos Bayón Mohino, Juan Terradillos Basoco y Rocío Cantarero Bandrés. Madrid: Trota, 1995, pp. 909-912.

[10] Sobre o conceito de império da lei em seus dois sentidos – forte e fraco, veja-se: HIERRO, Liborio Luis. El imperio de la ley y la crisis de la ley. In: Doxa, Cuadernos de Filosofía del Derecho de la Universidad de Alicante, n. 19, Alicante, 1996, pp. 287-291.

[11] DÍEZ RIPOLLÉS, José Luiz. La racionalidad de las leyes penales: práctica y teoría. Madrid: Trotta, 2003, p. 14.

[12] Idem, p. 15.

[13] RODRÍGUEZ ATIENZA, Manuel. Contribución a una teoría de la legislación. Madrid: Civitas, 1997, p. 17. Sobre as diversas formas de diferenciar entre os conceitos de racionalidade, vide pp. 17-23. Veja-se, também: MARCILLA CÓRDOBA, Gema. Razón práctica, creación de normas y principio democrático: una reflexión sobre los ámbitos de la argumentación legislativa. In: Anales de la Cátedra Francisco Suárez, Revista de Filosofía Jurídica y Política de la Universidad de Granada, v. 47, Granada, 2013, pp. 53-56.

[14] HABERMAS, Jürgen. Facticidad y validez. Trad. Manoel Jiménez Redondo. 3. ed. Madrid: Trotta, 2001, pp. 499-504.

[15] RODRÍGUEZ ATIENZA, Manuel. Op. cit., pp. 91-92.

[16] DÍEZ RIPOLLÉS, José Luiz. Op. cit., pp. 176-177.

[17] Idem, ibidem.

[18] FERRAJOLI, Luigi. Op. cit., pp. 5-6, 67-71, 217-218, 347-362, 460-465, 897-901, 907-909, 922-929 e 933-935.

[19] Idem, ibidem.

[20] SILVA SÁNCHEZ, Jesús-María. La expansión del derecho penal. Aspectos de la política criminal en las sociedades posindustriales. Buenos Aires: IB de F, 2011, p. 75-82.

[21] DÍEZ RIPOLLÉS, José Luiz. Op. cit., p. 171; MARCILLA CÓRDOBA, Gema. Op. cit., p. 57.

[22] BEETHAM, David. The legitimation of power. London: Palgrave MacMillan, 1991, pp. 73-74.

[23] SILVA SÁNCHEZ, Jesús-María. Op. cit., pp. 96-97.

[24] Idem, ibidem.

[25] MARTÍN REBOLLO, Luis. La técnica legislativa: reflexiones discretas sobre el método y el procedimiento. In: CORONA FERRERO, Jesús Maria; PAU VALL, Francesc; TUDELA ARANDA, José (coords.), La técnica legislativa a debate. Barcelona: Tecnos, 1994, p. 75.

[26] ZIMRING, Franklin Ester; HAWKINS, Gordon Hawkins; KAMIN, Sam. Punishment and Democracy: three Strikes and you’re out in California. Oxford: Oxford Scholarship Online, 2012, p. 37.

[27] Idem, pp. 188-189.

[28] Idem, pp. 203-209.

[29] DÍEZ RIPOLLÉS, José Luiz. Op. cit., pp. 174-175.

[30] Idem, p. 175.

[31] MARCILLA CÓRDOBA, Gema. Op. cit., p. 65.

[32] SOTO NAVARRO, Susana. Los bienes jurídicos colectivos: legitimidad y bases metodológicas para su concreción. Tesis doctoral inédita, Universidad de Málaga, 2002, pp.101-102.

[33] DÍEZ RIPOLLÉS, José Luiz. Op. cit., p. 178.

[34] ÁLVAREZ GARCÍA, Francisco Javier. Bien jurídico y Constitución. Cuadernos de Política Criminal, n. 43, Madrid, Editoriales de Derecho Reunidas S.A., 1991, pp. 5-18.

[35] CARBONELL MATEU, Juan-Carlos. Derecho penal: concepto y principios constitucionales. 2. Ed. Valencia: Tirant lo Blanch, 1996, pp. 27, 31, 33-36.

[36] Idem, ibidem.

[37] FERRAJOLI, Luigi. Op. cit., pp. 199-200.

[38] Idem, p. 477.

[39] PALAZZO, Carlo Francesco. Scienza penale e produzione legislativa: paradossi e contraddizioni di un rapporto problematico. In: Rivista Italiana di Diritto e Procedura Penale, fasc. 3, Milão, Giuffrè, 1997, p. 707.

[40] DÍEZ RIPOLLÉS, José Luiz. Op. cit., p. 183.

[41] HABERMAS, Jürgen. Op. cit., pp. 468-506, 515-519 e 527-537.

[42] Idem, ibidem.

[43] Idem, ibidem.

[44] BECK, Ulrich. La sociedad del riesgo. Hacia una nueva modernidad. Barcelona: Paidós, 1998, pp. 237-245.

[45] DÍEZ RIPOLLÉS, José Luiz. Op. cit., p. 188.

[46] ZIMMERLING, Ruth. El mito de la opinión pública. In: Doxa, Cuadernos de Filosofía del Derecho de la Universidad de Alicante, n. 14, Alicante, 1993, pp. 97 e 112-113.

[47] SILVA SÁNCHEZ, Jesús-María. Op. cit., p. 112.

[48] Idem, pp. 233-236.

[49] PÉREZ MANZANO, Mercedes. Culpabilidad y prevención: las teorías de la prevención general positiva en la fundamentación de la imputación subjetiva y de la pena. Madrid: Universidad Autónoma, 1986, pp. 276-283.

[50] ZIMRING, Franklin Ester; HAWKINS, Gordon Hawkins; KAMIN, Sam. Op. cit., pp. 188-189 e 201-203.

[51] FERRAJOLI, Luigi. Op. cit., pp. 462-463.

[52] PALAZZO, Carlo Francesco. Op. cit., pp. 699-700.

[53] Aristóteles considera, simultaneamente, que o homem injusto é aquele que peca contra a igualdade e que o injusto é desigual, existindo, entretanto, um meio entre estas duas espécies de desiguais. Ora, este meio é o igual, haja vista que em toda ação, admitindo-se o mais e o menos, há também o igual. Se, portanto, o injusto é desigual, o justo é igual. E, sendo o igual um meio, o justo também se apresenta um certo meio. O igual supõe ao menos dois termos. Segue-se necessariamente não apenas que o justo é simultaneamente meio, igual, e também relativo, isto é, justo para certas pessoas, como também, que enquanto meio, o é entre certos extremos (que são o mais e o menos), que, enquanto igual, supõe duas coisas (que são iguais) e que, enquanto justo, supõe certas pessoas (para as quais é justo). O justo implica obrigatoriamente ao menos quatro termos: as pessoas para as quais é de fato justo, e que são duas, e as coisas em que se manifesta, que são igualmente em número de duas. E a igualdade será a mesma, tanto para as pessoas quanto para as coisas, porque a relação (a razão no sentido matemático) que existe entre estas últimas – as coisas a partilhar – é a mesma que existe entre as pessoas. Com efeito, se as pessoas não são iguais, então elas não receberão partes iguais; as disputas e as contendas se originam quando, sendo iguais, as pessoas possuem ou se lhes atribuem partes desiguais, ou se, sendo desiguais, seus quinhões são iguais (ARISTÓTELES. Op. cit., pp. 226-227).

[54] BOTTINI, Pierpaolo Cruz. O princípio da proporcionalidade na produção legislativa. São Paulo: Ed. RBCC, 1995, p. 475.

[55] Idem, ibidem.

[56] Idem, ibidem.

[57] BECK, Ulrich. Op. cit., p. 52.

[58] BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Op. cit., pp.  478-479.

[59] Idem, ibidem.

[60] WELZEL, Hans. El nuevo sistema del derecho penal: una introducción a la doctrina de la acción finalista. Trad. José Cerezo Mir. Buenos Aires: IB de F., 2001, p. 73.

[61] FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal: parte geral. 16. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, pp. 223-224.

[62] REYES ECHANDÍA, Alfonso. La tipicidad. 4. ed. Colombia: Universidad Externado de Colombia, 1979, p. 180.

[63] FERRAJOLI, Luigi. Op. cit., pp. 553-559.

[64] DÍEZ RIPOLLÉS, José Luiz. Op. cit., p. 135.

[65] Também denominado princípio da ofensividade ou princípio da lesividade, tanto pela doutrina brasileira como pela doutrina estrangeira.

[66] ARROYO ZAPATERO, Luis Alberto. Derecho penal económico y Constitución. Revista Penal, n. 1, Barcelona, 1998, pp. 4-9.

[67] AGUADO CORREA, Teresa. El principio de proporcionalidad en derecho penal. Madrid: Edersa, 1999, pp. 113-120.

[68] DÍEZ RIPOLLÉS, José Luiz. Op. cit., p. 137.

[69] O sistema penal procura compartilhar essa mentalização com os segmentos de magistrados, Ministério Público e funcionários judiciais. Seleciona-os dentre as classes médias, não muito elevadas, e lhes cria expectativas e metas sociais da classe média-alta que, enquanto as conduz a não criar problemas no trabalho e a não inovar para não os ter, cria-lhes uma falsa sensação de poder, que os leva a se identificarem com a função (sua própria identidade resulta comprometida) e os isola até da linguagem dos setores criminalizados e fossilizados (pertencentes às classes mais humildes), de maneira a evitar qualquer comunicação que venha a sensibilizá-los demasiadamente com sua dor. Este processo de condicionamento é o que se pode denominar como burocratização do segmento judicial. ZAFFARONI, Eugênio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, pp. 76-77.

[70] Sobre as concepções do denominado direito penal clássico, vide: HASSEMER, Winfried. Persona, mundo y responsabilidad: bases para una teoría de la imputación en derecho penal. Trad. Francisco Muñoz Conde y María del Mar Diaz Pita. Valencia: Tirant lo Blanch, 1999, pp. 39 e ss. O direito penal clássico costuma ser identificado como aquele caracterizado pelas garantias clássicas do direito penal substantivo e do processo penal. Trata-se do modelo liberal, minimalista, o qual possui como objeto […] as conductas atentatorias contra la vida, la salud, la libertad y la propriedad”. SILVA SÁNCHEZ, Jesús-María. Op. cit., pp. 4-5.

[71] MOCCIA, Sergio. Tutela penale del patrimonio e principi constituzionali. Padova: Cedam, 1988, p. 43.

[72] Medida Cautelar concedida no HC 84.412-0⁄SP, Relator Ministro Celso de Mello, 29/06/2004.

[73] A Consolidação das Leis Penais de 1932, ao tipificar o delito de furto em seu art. 330, estabelecia quatro faixas distintas de valores, com as respectivas penas cominadas a cada uma delas: objeto furtado de valor inferior a 50$000 (cinquenta Mil-Réis); objeto furtado de valor inferior a 100$000 (cem Mil-Réis); objeto furtado de valor inferior a 200$000 (duzentos Mil-Réis); objeto furtado fosse de valor igual ou excedente a 200$000 (duzentos Mil-Réis). PIERANGELI, José Henrique. Códigos penais do Brasil: evolução histórica. Bauru: Javoli, 1980, p. 387.

[74] A saber: (i) insignificância como atipicidade; (ii) insignificância como desnecessidade de pena; (iii) pequeno valor como causa de diminuição de pena; e (iv) apreciação do valor como circunstância judicial.

[75] Nos termos do artigo 6º, IV da Constituição da República Federativa do Brasil.

[76] Vários autores apontam o salário mínimo como referência para aplicação do princípio da insignificância, a saber, entre outros: NUCCI, Guilherme de Souza. Tratado jurisprudencial e doutrinário: direito penal, v. II. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 350; MIRABETE, Julio Fabbrini; FABBRINI, Renato Nascimento. Manual de direito penal: parte especial, v. II. 32. ed. São Paulo: Atlas, 2015, p. 213.

[77] Art. 155 – Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel: […] § 4º. A pena é de reclusão de dois a oito anos, e multa, se o crime é cometido: […] IV – mediante concurso de duas ou mais pessoas”.

[78] Art. 157. “Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência: […] § 2º. A pena aumenta-se de 1/3 (um terço) até metade: […] II – se há o concurso de duas ou mais pessoas”.

[79] Ap. 70000284455, Rel. Des. Amílton Bueno de Carvalho, 29/06/04.

[80] AgRg. no REsp. 984.537-RS, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, 5ª T. do STJ, 19⁄08⁄08.

[81] REsp. 842.535⁄RS, Rel. Min. Gilson Dipp, 5ª T. do STJ, 17⁄10⁄06.

[82] Mesmo assumindo a tese de que a expressão “deve saber” conduz ao reconhecimento do dolo eventual, a polêmica não se extingue. Isso porque é possível debater a respeito da extensão desta incriminação, ou seja, concebê-la como abarcadora tanto do dolo direto quanto eventual, ou somente do dolo eventual. Nesta última hipótese, as condutas diretamente dolosas seriam inseridas, todas e necessariamente, no caput do art. 180 do Código Penal.

[83] Sobre as divergências jurisprudenciais e seus fundamentos, vide: COSTA, Helena Regina. Receptação. In: REALE JÚNIOR, Miguel (coord.). Direito penal: jurisprudência em debate: crimes contra o patrimônio, crimes contra o direito do autor, crimes contra o sentimento religioso, crimes contra a organização do trabalho. Rio de Janeiro: GZ, 2012, pp. 77-86.

[84] Art. 157. “Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência: Pena – reclusão, de (4) quatro a 10 (dez) anos, e multa. […] § 2º. A pena aumenta-se de um terço até metade: […] V – se o agente mantém a vítima em seu poder, restringindo sua liberdade”.

[85] “HABEAS CORPUS. ROUBO CIRCUNSTANCIADO. RESTRIÇÃO DA LIBERDADE DA VÍTIMA. CARACTERIZAÇÃO. MAJORAÇÃO ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. MOTIVAÇÃO CONCRETA. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. Esta Corte Superior tem entendimento pacífico de que se justifica a incidência da causa especial de aumento prevista no artigo 157, § 2º, V, do Código Penal, quando a vítima é mantida por tempo juridicamente relevante em poder do agente”. HC 197.684⁄RJ, Rel. Min. Sebastião Reis Junior, 6.ª T do STJ, 29⁄06⁄12.

[86] Veja-se, entre outros: BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal, v. 3. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 117.

[87] Art. 158. “Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, e com o intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar fazer alguma coisa: Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 10 (dez) anos, e multa. […] § 3º. Se o crime é cometido mediante a restrição da liberdade da vítima, e essa condição é necessária para a obtenção da vantagem econômica, a pena é de reclusão, de 6 (seis) a 12 (doze) anos, além da multa; se resulta lesão corporal grave ou morte, aplicam-se as penas previstas no art. 159, §§ 2º e 3º, respectivamente”.

[88] Ao ponto de Cezar Roberto Bitencout denominar o delito de roubo de “irmão siamês” do delito de extorsão. Cf.: BITENCOURT, Cezar Roberto. Op. cit., p. 147.

[89] Art. 157. “Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência: Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 10 (dez) anos, e multa. […] § 3º. Se da violência resulta: I – lesão corporal grave, a pena é de reclusão de 7 (sete) a 18 (dezoito) anos, e multa; II – morte, a pena é de reclusão de 20 (vinte) a 30 (trinta) anos, e multa”.

[90] “PENAL. RECURSO ESPECIAL. LATROCÍNIO. CONCURSO DE AGENTES. PARTICIPAÇÃO DOLOSAMENTE DISTINTA. INAPLICABILIDADE. I – O roubo com morte é delito qualificado pelo resultado, sendo que este plus, na melhor dicção da doutrina, pode ser imputado na forma de dolo ou de culpa. II – No roubo, mormente praticado com arma de fogo, respondem, de regra, pelo resultado morte, situado evidentemente em pleno desdobramento causal da ação delituosa, todos que, mesmo não agindo diretamente na execução da morte, contribuíram para a execução do tipo fundamental (Precedentes). Se assumiram o risco, pelo evento respondem. Recurso provido”. REsp 418183⁄DF, Rel. Min. Felix Fischer, 5ª T. do STJ, 04/08/03.

[91] Art. 242. “Subtrair coisa alheia móvel, para si ou para outrem, mediante emprego ou ameaça de emprego de violência contra pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer modo, reduzido à impossibilidade de resistência: Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 15 (quinze) anos. […]. § 2º. A pena aumenta-se de um terço até metade: […] V – se é dolosamente causada lesão grave; VI – se resulta morte e as circunstâncias evidenciam que o agente não quis esse resultado, nem assumiu o risco de produzi-lo”.

[92] Art. 242. […] § 3º. “Se, para praticar o roubo, ou assegurar a impunidade do crime, ou a detenção da coisa, o agente ocasiona dolosamente a morte de alguém, a pena será de reclusão, de 15 (quinze) a 30 (trinta anos), sendo irrelevante se a lesão patrimonial deixa de consumar-se […]”.

[93] Art. 158. “Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, e com o intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar fazer alguma coisa”.

[94] Art. 159. “Sequestrar pessoa com o fim de obter, para si ou para outrem, qualquer vantagem, como condição ou preço do resgate”.

[95] Art. 171. “Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento”.

[96] Na jurisprudência, vide, entre outros: EI 70010913218/Piratini-RS. Rel. Des. Nereu José Giacomolli, TJRS, 4ª C., 24/06/05. Na doutrina, vide, entre outros: NUCCI, Guilherme de Souza. Op. cit., p. 603.

[97] Vide, entre outros: BITENCOURT, Cezar Roberto. Op. cit., pp. 159-160.

[98] FRAGOSO, Heleno Cláudio. Os crimes contra o patrimônio. Revista Forense, n. 300, out./dez. 1987. Conferência proferida em 1984, na Fundação Casa Rui Barbosa e publicada postumamente, sem revisão do autor. Disponível em: www.fragoso.com.br/wp-content/uploads/2017/10/20171003011328-crimes_contra_patrimonio.pdf, p. 4.

[99] MOCCIA, Sergio. Op. cit., pp. 80-81.

[100] Considerando-se o total das ocorrências criminais (659.351), os delitos patrimoniais somam 39,86% dessas incidências. Disponível em: www. https://app.powerbi.com/view?r=eyJrIjoiYjBhODYxYjAtOWJmNC00Mzg1LWI5ZWEtNzA4NTk1NGNhZWEyIiwidCI6ImViMDkwNDIwLTQ0NGMtNDNmNy05MWYyLTRiOGRhNmJmZThlMSJ9&pageName=ReportSectiond75a46556ebea50b9b57, p. 5.

[101] MOCCIA, Sergio. Op. cit., p.201.

[102] SALVADOR NETTO, Alamiro Velludo. Direito penal e propriedade privada: a racionalidade do sistema penal na tutela do patrimônio. São Paulo: Faculdade de Direito da USP, 2013, p. 262 (Tese de Livre-Docência).

Como citar e referenciar este artigo:
MARTINS, José Renato. A racionalidade das leis penais e a irracionalidade legislativa no Código Penal Brasileiro em face dos princípios constitucionais do Estado Social e Democrático de Direito: o futuro dos delitos patrimoniais. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2023. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direitopenal-artigos/a-racionalidade-das-leis-penais-e-a-irracionalidade-legislativa-no-codigo-penal-brasileiro-em-face-dos-principios-constitucionais-do-estado-social-e-democratico-de-direito-o-futuro-dos-delitos-patrim/ Acesso em: 08 dez. 2024