Direito Tributário

Reforma Tributária: O PEC 41 e os traidores da Pátria

Reforma Tributária: O PEC 41 e os traidores da Pátria

 

 

Kiyoshi Harada*

 

 

O tema, reforma tributária, é extremamente complexo, pois envolve interesses que, num primeiro momento, deveriam ser comuns, mas acabam sendo dispares entre os envolvidos. Por um lado, o Estado com sua conhecida e histórica voracidade em arrecadar mais e, de outro lado, o contribuinte que, por ser sujeito passivo e obrigado da relação, não suporta a idéia de contribuir com qualquer quantia a mais do que aquela que ele já contribui. Entretanto, para realizarmos uma análise correta, temos que levar em consideração as realidades histórica, jurídica e econômica do nosso País, evitando, assim, chegarmos a conclusões distorcidas e relegarmos o problema a um simples ditado popular que diz: Quem nasceu primeiro o ovo ou a galinha? Traduzindo. O Estado diz que não realiza mais, porque arrecada pouco, e o contribuinte diz que não quer contribuir com mais recursos, porque o Estado não realiza seus objetivos.

 

     Este impasse deverá ser solucionado com dados reais, pois não é verdade que o Estado brasileiro arrecada pouco, pois nossa arrecadação tributária, hoje, supera o percentual de 37,5% sobre o valor do produto interno bruto (PIB). Este índice é extremamente elevado, superando países de primeiro mundo, perdendo, na verdade, apenas, conforme cita o professor Kiyoshi Harada, para a Suécia e Alemanha.

 

     Entretanto, no nosso, país a tributação é mais perversa do que nos demais, pois como aponta Eduardo Jardim, as isenções e imunidades de empresas públicas e privadas que compõem o PIB Nacional, demonstram que o número de contribuintes que pagam efetivamente tributos no Brasil, é proporcionalmente muito menor do que nos países mais desenvolvidos. Em suma, o percentual de 37.5% da arrecadação tributária nacional é suportada por um universo de contribuintes muito pequeno (poucos pagando muito), em relação aos países desenvolvidos, pois lá o universo de contribuintes é muito maior (muitos pagando pouco).

 

     Assim sendo, a reforma tributária no Brasil deveria levar em consideração aspectos que viessem ao encontro dos interesses do Estado e dos contribuintes. Entretanto, os projetos de reforma são sempre elaborados pelo chefe do executivo, sendo certo que seu poder de influencia é muito maior do que o a população não organizada. Isto quer dizer que poucos (chefe do executivo e seus asseclas – Congresso Nacional) decidem pela maioria, ou seja, um pouco mais de 400 (quatrocentas) pessoas decidem o destino de, aproximadamente, 180.000.000 (cento e oitenta milhões ) de súditos.

 

     Daí presenciarmos as disparidades que ocorrem no nosso dia-a-dia, pois apesar de termos hoje a terceira maior carga tributária do mundo, temos, em contra partida, um dos piores serviços e bens públicos oferecidos aos cidadãos, além de uma das piores distribuições de renda do planeta.

 

     Ao verificarmos o projeto de lei de reforma, chegamos à conclusão de que se 37% de arrecadação não for suficiente, então vamos aumentar cada vez mais, e se a reforma discutida for aprovada, superaremos o percentual de 45% (quarenta e cinco por cento) de arrecadação em relação ao PIB e continuaremos a viver num país de miseráveis, onde apenas, uma casta de privilegiados, amigos do Rei, irão sobreviver com dignidade.

 

     A maior vítima econômica desta injusta tributação é a classe média brasileira que irá efetivamente suportar a majoração pretendida. A classe alta é muito bem assessorada, para arcar com o mínimo possível da carga tributária, e a classe baixa continuará arcando com a fome, com a ausência de produtos básicos, como o ônus da majoração objetivada pela atual reforma tributária.

 

     Ao analisarmos o PEC de nº 41C, aprovado pela Câmara dos Deputados e em trâmite pelo Senado Federal, vamos observar que o real objetivo do Estado não é realizar uma reforma tributária, mas sim um verdadeiro aumento da arrecadação tributária, demonstrando uma distância abissal entre o discurso e a realidade.

 

     Segundo o Jornal Gazeta Mercatil de 10 de novembro 2003, na sua sessão de Política, foi noticiado que o Governo Federal, através do Ministério do Planejamento, incluiu R$ 32,7 bilhões de receitas no Orçamento de 2004, provenientes da aprovação das reformas constitucionais, sendo que a reforma tributária trará 25,1 bilhões aos cofres do tesouro e a majoração da COFINS e a cobrança dos inativos, que ganham mais de R$ 1.440,00, trarão R$ 4,4 bilhões e R$ 3,2 bilhões respectivamente.

 

     Cumpre ressaltar que R$ 32,7 bilhões de reais representam, hoje, aproximadamente, um aumento de 10% (dez por cento) sobre a efetiva arrecadação da União, isto nos leva à conclusão de que superaremos, em muito, os 40% (quarenta por cento) de arrecadação tributária, em relação ao PIB, sendo que neste aspecto, seremos o país que mais tributa, em todo o planeta. Mas, infelizmente, não são somente estas as más notícias. Se verificarmos com cuidado a reforma tributária e se ratificada a MP 135/2003, veremos que a carga tributária no Brasil superará, de forma substancial, as primeiras expectativas e seremos uma nação de pobres com uma tributação de milionários, o que afastará os investimentos internos e externos de nosso país, além, é claro, de deflagrarmos uma massa de desempregados nunca vista e um índice de sonegação que só servirá para manter os privilégios dos mal intencionados.

 

     Na pretendida reforma, extraímos os seus principais aspectos, a saber:

 

       1. Unificação da legislação do ICMS, cujas alíquotas em número de 5 (cinco), serão fixadas pela Lei complementar;

       2. Fim dos incentivos tributários em relação ao ICMS;

       3. Cobrança da contribuição previdenciária sobre as importações;

       4. Progressividade do imposto sobre heranças;

       5. Progressividade do ITBI;

       6. Acréscimo dos serviços ao imposto de importação e exportação;

       7. Institui a contribuição de limpeza, tendo como base de cálculo o valor venal do imóvel;

       8. Institui, como base de cálculo da contribuição de iluminação, o valor da conta de luz;

       9. Autoriza que o ITR seja administrado e cobrado pelos municípios e que estes fiquem com 100% da arrecadação tributária;

      10. Alarga o campo de abrangência do IPVA, cobrando-o sobre as aeronaves e embarcações;

      11. Prorroga a CPMF até 2007, com a alíquota de 0,38%;

      12. Prorroga por mais dez anos os incentivos fiscais à Zona Franca de Manaus;

      13. Cria da DRU (desvinculação de receitas da União) no percentual de 20% do Orçamento Público, que equivale a mais de 66 bilhões de reais.

 

     Dentre os treze tópicos delineados acima, pelo menos doze deles deflagrarão a mantença da absurda carga tributária e majorarão, de forma substancial, a carga tributária já existente, senão vejamos:

 

       1. Itens 1 e 2 . Ao unificarem a legislação do ICMS, fixando as alíquotas no máximo em 5 (cinco) e acabando com os incentivos fiscais relativos ao ICMS, deflagrará, imediatamente, aumento do custo final dos produtos que se beneficiavam de eventuais incentivos fiscais e deixará pouca margem para que os Estados Membros possam aplicar alíquotas menos onerosas para produtos mais essenciais.

 

      2. Item 3. A cobrança da COFINS, sobre as importações, fará com que os preços da maioria esmagadora dos produtos industrializados, comercializados e dos serviços prestados, sofram um aumento substancial da carga tributária, levando-se em consideração que a dependência de produtos importados agregados a produtos industrializados e sobre os equipamentos utilizados pelas prestadoras de serviços (telefonia, segurança e etc…), em nosso país, é extremamente significativa, não podendo ser outra a conclusão.

  

    3. Itens 4 e 5. Ao criar a progressividade do imposto sobre heranças e sobre a cobrança do imposto sobre a transmissão de bens imóveis, fica visível que haverá, imediatamente, majoração da carga tributária, sobre a transmissão causa mortis e a transmissão inter vivos, onerando a compra e venda de bens imóveis e o recebimento de bens a título de herança. Não podemos nos esquecer de que toda vez que se criou a progressividade de um determinado tributo, partia-se, como alíquota menor da nova forma de tributação, do mesmo percentual que era cobrado anteriormente (recordemo-nos das tentativas de progressividade do IPTU e do ITBI que foram julgadas inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal).

    

  4. Item 6. Ao acrescentar os serviços como fato gerador dos impostos de importação e exportação, torna cristalino o aumento de arrecadação da carga tributária, quanto aos impostos relacionados ao comércio exterior, pois todos os serviços prestados fora do país por pessoas físicas ou jurídicas do Brasil sofrerão com o pagamento desta nova exação. Seguindo o mesmo diapasão, toda pessoa física ou jurídica estrangeira que prestar serviços no nosso país, deverá pagar o imposto de importação. Observe-se que em relação à exportação, referido imposto tornará menos competitiva nossa mão-de-obra no exterior. Já ao cobrar o imposto da mão-de-obra estrangeira, deflagrará o encarecimento da obtenção do referido serviço, tornando os preços de mão-de-obra especializada muito maior, o que acarretará o aumento do custo das empresas brasileiras que vendem mão-de-obra para o exterior e que contratam mão de obra estrangeira para o Brasil. A única conclusão viável é que o pagamento desta conta será arcado pelo consumidor final e pela empresa que necessita importar ou exportar mão-de-obra.

 

     5. Itens 7 e 8. A criação da contribuição sobre o lixo e sobre a Iluminação pública, utilizando-se como base de cálculo o valor venal do imóvel e o valor da conta de luz, acresce de forma absurda a arrecadação destas exações, pois não se levará em consideração a relação entre uso e custo, mas sim o valor de um imóvel e no caso da iluminação pública, o valor da conta de luz. Tal absurdo é fruto, infelizmente, de decisões distorcidas tomadas pelo Supremo Tribunal Federal ao asseverar que as contribuições, além de poderem ter a mesma base de cálculo de imposto, não são limitativas, isto quer dizer que a União poderá instituir várias contribuições sobre o mesmo fato gerador.

 

     6. Item 9. Autoriza que o município administre o ITR e fique com 100% da arrecadação deste imposto. Ocorre aqui o seguinte: ao outorgar ao município a capacidade tributária ativa, inclusive com o fruto de 100% da arrecadação do ITR, fatalmente provocará uma caça às bruxas, nas regiões rurais do país, deflagrando autuações contra proprietários o que fará crescer, ainda mais, a carga tributária no campo. Nós sabemos que os municípios, como as demais pessoas jurídicas de direito público interno, sempre buscam aumentar sua arrecadação e, muitas vezes, não se utilizam das formas mais lícitas para atingi-las. Assim sendo, ao ter em mãos mais este tributo, nada impede que os municípios venham, como sempre vieram, a se utilizar de instrumentos infra-legais, com o único objetivo de majorar sua arrecadação tributária.

  

    7. Item 10. Alarga a abrangência do IPVA, atingindo as aeronaves e embarcações. Mais uma vez o que se visualiza é a majoração da arrecadação tributária, pouco importando a justiça de sua cobrança, pois quando as empresas aéreas e marítimas forem obrigadas a pagar a nova exação, fatalmente os custos serão repassados aos seus preços e potencializará a crise nos setores de transportes aéreo e marítimo.

    

  8. Item 11. A prorrogação da CPMF nada mais irá fazer do que manter um aumento da carga tributária que foi criada provisoriamente e agora permanece a mais tempo do que várias leis que foram criadas por prazo indeterminado. É uma vergonha a continuidade de sua cobrança, pois demonstra que o novo chefe do executivo federal só se preocupa em manter o que sempre combateu e, pior, comete os mesmos pecados dos governos anteriores.

   

   9. Item 12. Na realidade, este é o único que não deflagrará qualquer aumento na arrecadação tributária e manterá as conquistas até aqui obtidas, em relação ao extremo norte do nosso país.

 

      10. Item13. A prorrogação da Desvinculação das Receitas da União (DRU) é uma das maiores atrocidades que integram a propalada reforma tributária, pois como bem salientou o professor Kiyoshi Harada, dará poderes ao Chefe do Executivo Federal para manipular e desviar recursos, inclusive e especialmente os da previdência social. Cumpre ressaltar que um dos grandes argumentos para que o governo propusesse as mutações tributárias que pretende implementar, era o défict da previdência social e, através da DRU, ele poderá desviar até 20% (vinte pro cento) da arrecadação da previdência, para a realização de obras públicas, por exemplo.

 

     Verificamos que número significativo dos itens de reforma não precisariam ser objeto de qualquer tipo de emenda constitucional, pois, se o Estado utilizasse de forma lícita e legítima a Constituição em vigor, vários itens poderiam ser tratados por leis complementares e leis ordinárias. Observe-se que nem mesmo tratamos de eventuais ilegalidades ou inconstitucionalidades, pois o que nos cabe demonstrar é a forma ardilosa utilizada pelo Estado para, mais uma vez, gravar o patrimônio do contribuinte.

 

     Como acabamos de ver, não se trata, na verdade, de reforma tributária, mas sim de verdadeiro aumento da carga tributária que trará ao nosso país, em recessão, o agravamento da situação econômica e o aumento substancial do desemprego e da sonegação. Reforma tributária se faz com critério, aumentando de forma substancial a fiscalização e diminuindo da mesma forma as alíquotas das exações tributárias, além de, evidentemente, cortar gastos públicos, mas, ao que parece, as palavras que compõem esta última e adequada fórmula, não fazem parte do dicionário dos traidores da pátria.

 

SP, 27.11.03

 

 

* Especialista em Direito Tributário e em Ciência das Finanças pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

 

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Como citar e referenciar este artigo:
HARADA, Kiyoshi. Reforma Tributária: O PEC 41 e os traidores da Pátria. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-tributario/reforma-tributaria-o-pec-41-e-os-traidores-da-patria/ Acesso em: 26 mai. 2024