Direito Tributário

Minirreforma tributária e compensação tributária

Minirreforma tributária e compensação tributária

 

 

Kiyoshi Harada*

 

 

Sumário:

 

  1. Conceito.

  2. A proibição da Lei Complementar nº 104/2001.

  3. A compensação do art. 66 da Lei nº 8.383/91.

  4. A compensação do art. 49 da Medida Provisória nº 66/2002.

  5. Conclusão.

 

1. Conceito

 

    

Em termos de direito comum ocorre a compensação, quando duas pessoas forem, ao mesmo tempo, credora e devedora uma da outra, extinguindo-se as obrigações até onde se compensarem (art. 1009 do CC).

    

No Direito Tributário, a compensação é matéria que se insere sob o princípio da reserva legal. Dispõe o Código Tributário Nacional, em seu art. 170:

 

“A lei pode, nas condições e sob as garantias que estipular, ou cuja estipulação em cada caso atribuir à autoridade administrativa, autorizar a compensação de créditos tributários com créditos líquidos e certos, vencidos ou vincendos, do sujeito passivo contra a Fazenda Pública”.

 

    

Trata-se de norma dirigida ao legislador ordinário de cada ente político, titular da imposição tributária. É a conclusão que decorre da leitura da expressão “a lei pode, nas condições…”. Mas, a lei pode o que? A lei pode autorizar a autoridade administrativa competente a compensar os créditos tributários em cada caso concreto. Pressupõe exame prévio de cada pedido formulado pelo interessado. Por isso, alguns julgados firmaram o entendimento de que a compensação referida no art. 170 do CTN constitui norma dirigida à autoridade fiscal (Resp nº 112.119-P, Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, DJ, 14-4-97, p. 12724). Na verdade, a norma é dirigida ao legislador, que irá autorizar, nas condições que ela prescrever, a compensação tributária por despacho da autoridade administrativa competente, em cada caso submetido à sua apreciação.

    

Na realidade, independentemente da previsão do art. 170 do CTN, a compensação só poderia resultar da lei da entidade pública, titular da imposição tributária, pois é matéria a ser disciplinada no âmbito do direito administrativo.

 

2. A proibição da Lei Complementar nº 104/2001

 

    

A LC nº 104, de 10-1-2001, acrescentou ao CTN o art. 170-A vedando a compensação mediante o aproveitamento de tributo, objeto de contestação judicial pelo sujeito passivo, antes do trânsito em julgado da respectiva decisão judicial.

    

É certo que a compensação deve obedecer ao princípio da legalidade. Mas é certo, também, que a Constituição Federal, em nenhum momento, atribuiu à lei complementar, referida no seu art. 146, a missão de disciplinar a compensação tributária, a menos que se entenda que ela se insere no âmbito das normas gerais em matéria de legislação tributária. Cremos que não. A compensação, como uma das formas de extinção do crédito tributário, quando os sujeitos ativo e passivo são, ao mesmo tempo, credor e devedor, está abrangida pelo campo de atuação do direito administrativo. Caberá a cada entidade política regular a compensação, de conformidade com a política tributária adotada. Nada há na Carta Política, que imponha a formalidade de prévia disciplinação da compensação em nível de lei sobre leis de tributação, isto é, em nível de lei complementar.

    

Assim, o legislador ordinário de cada poder impositivo, independentemente de lei complementar aplicável no âmbito nacional, pode dispor diretamente sobre a compensação tributária, assim como pode dispor sobre a transação, a remissão etc.

    

Outrossim, lei complementar ou não, não pode interferir no princípio de independência e autonomia e do livre convencimento do juiz, no exercício do poder geral de cautela, para tornar efetiva a jurisdição. Por isso, afirmamos:

 

“Leis infraconstitucionais que colocam empecilhos à concessão de liminares, ou restringem o alcance delas, interferem diretamente no exercício do poder geral de cautela, inerente à atividade jurisdicional, que se constitui no monopólio do Poder Judiciário como expressão de soberania do Estado” (Cf. nosso Da liminar em matéria tributária, São Paulo : Juarez de Oliveira, 2000, p. 142).

 

    

Daí a inconstitucionalidade dessas normas restritivas do poder jurisdicional (o poder cautelar integra a jurisdição) do Estado, inclusive, da súmula 212 do STJ, que veda a concessão de liminar para compensação de créditos tributários.

    

As artimanhas legislativas, cada vez mais freqüentes, sob a égide daquele ignóbil princípio – o fim justifica o meio – devem ser interpretadas dentro do sistema jurídico como um todo, para que elas possam ser extirpadas do mundo jurídico, que não se harmoniza com medidas truculentas, perfídias, imorais ou aéticas. Os profissionais do direito, sobretudo, os juristas, devem estar a serviço da manutenção da ordem jurídica ou da construção de uma ordem jurídica justa, nunca a serviço de sua desarticulação, deitando veneno no ouvido do legislador leigo que, pouco a pouco, vai minando os alicerces do sistema jurídico vigente.

 

3. A compensação regulada do art. 66 da Lei nº 8.383/91

 

    

Dispõe o art. 66 da Lei nº 8.383/91:

 

Nos casos de pagamento indevido ou a maior de tributos, contribuições federais, inclusive previdenciárias, e receitas patrimoniais, mesmo quando resultante de reforma, anulação, revogação ou rescisão de decisão condenatória, o contribuinte poderá efetuar a compensação desse valor no recolhimento de importância correspondente a período subsequente.

 

    

Resulta com solar clareza que a lei facultou ao sujeito passivo efetuar a compensação por conta própria. De fato o texto legal prescreve que o contribuinte poderá efetuar a compensação e não que o contribuinte poderá requerer a compensação. Outra coisa bem diversa é a faculdade de o contribuinte optar pelo pedido de restituição, que está previsto no § 2º do referido artigo, o que poderá ser feito por via administrativa ou por via judicial.

    

Essa norma cuida, indubitavelmente, de compensação de tributos de lançamento por homologação. Por isso, não há necessidade de prévia autorização administrativa ou judicial. O contribuinte, por sua conta e risco, promove a compensação de tributo pago indevidamente. Cumpre ao fisco aprovar ou não esse procedimento do contribuinte. Decorrido o prazo legal de cinco anos, sem que tenha havido lançamento de ofício desconsiderando a compensação levada a efeito pelo contribuinte, tem-se por homologada a compensação e extinto o crédito tributário por ela abrangido. Nesse sentido já decidiu o STJ, conforme ementas a seguir transcritas:

 

EMENTA: Tributário – Compensação – Contribuição para o Finsocial e contribuição para o Cofins – Possibilidade – Lei nº 8.383/91, art. 66 – Aplicação. I – Os valores excedentes recolhidos a título de Finsocial podem ser compensados com os devidos a título de contribuição para o Cofins. II – Não há confundir compensação prevista no art. 170 do Código Tributário Nacional com a compensação a que se refere o art. 66 da Lei nº 8.383/91. A primeira é norma dirigida à autoridade fiscal e concerne à compensação de créditos tributários enquanto a outra constitui norma dirigida ao contribuinte e é relativa à compensação no âmbito do lançamento por homologação. III – A compensação feito no âmbito do lançamento por homologação, como no caso, fica a pender da homologação da autoridade fiscal, que tem para isso o prazo de cinco anos (CTN, art. 150, § 4º). Durante esse prazo, pode e deve fiscalizar o contribuinte, examinar seus livros e documentos e lançar de ofício, se entender indevida a compensação, no todo ou em parte. IV – Recurso especial conhecido e provido (Resp nº 112.119-PR, Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, DJ 14-4-97, p. 12.724).

 

EMENTA: Tributário – Compensação – 1. Tributos lançados por homologação – Ação judicial nos tributos sujeitos ao regime do lançamento por homologação (CTN, art. 150), a compensação constitui um incidente desse procedimento, no qual o sujeito passivo da obrigação tributária, ao invés de antecipar o pagamento, registra na escrita fiscal o crédito oponível à fazenda, que tem cinco anos, contados do fato gerador, para a respectiva homologação (CTN, art. 150, § 4º); esse procedimento tem natureza administrativa, mas, o juiz pode, independentemente do tipo da ação, declarar que o crédito é compensável, decidindo desde logo os critérios da compensação (v.g. data do início da correção monetária). 2. Contribuição previdenciária. A contribuição foi declarada inconstitucional (RE 166.772-RS e Adin nº 1.102-DF; (os valores recolhidos a esse título são compensáveis com contribuição previdenciária sobre a folha de salários. Recurso especial conhecido e provido em parte (Resp nº 113.299-SC, Rel. Min. Ari Pargendler, DJ 14-4-97, p. 12.726).

 

4. A compensação do art,. 49 da Medida Provisória nº 66/2002

 

    

A Medida Provisória nº 66, de 29-8-2002, conhecida como minirreforma tributária, porque disciplinou os mais diferentes aspectos da tributação contendo, inclusive, normas de natureza financeira, por meio de seu art. 49, promoveu alteração ao art. 74 da Lei nº 9.430, de 27-12-1996, disciplinando a compensação de tributos no âmbito da Secretaria da Receita Federal.

    

O art. 74 citado, em sua redação original, autorizava a Secretaria da Receita Federal, mediante provocação de interessado, a utilizar seus créditos tributários a serem restituídos ou ressarcidos, para quitar quaisquer outros tributos sob administração do referido órgão fazendário.

    

Com o advento do art. 49 da Medida Provisória sob comento, não há mais necessidade de prévia autorização do fisco. Todo e qualquer tributo, pago indevidamente, ou seja, aquele pago sem base em lei válida, pode ser compensado diretamente pelo sujeito passivo da obrigação tributária, com tributos vincendos, desde que pertinentes àqueles administrados pela Secretaria da Receita Federal. Agora, a liberdade de compensação é a amais ampla possível. O crédito tributário, relativo a qualquer espécie tributária, desde que regido pela modalidade de lançamento por homologação e administrado pela Secretaria da Receita Federal, poderá ser compensado com débito da mesma espécie tributária ou de qualquer outra espécie. Possibilita, por exemplo, a compensação do crédito do IPI, com o débito da COFINS, ou, a compensação do crédito do PIS, com o débito da CSLL etc.

    

Essa autocompensação, uma vez declarada à Secretaria da Receita Federal, extingue o crédito tributário, sob condição resolutória da homologação ulterior. E essa homologação, pode ser tácita. Assim, decorridos cinco anos, sem que o fisco promova o lançamento direto, por entender indevida a compensação operada pelo sujeito passivo da obrigação tributária, aquele crédito tributário extingue-se definitivamente, isto é, tem-se por homologada a compensação efetuada.

    

Entretanto, conforme dispõe o § 3º do art. 74, com a redação conferida pela Medida Provisória sob análise, nem todo crédito tributário, administrado pela Secretaria da Receita Federal, poderá ser compensado. É o caso, por exemplo, do saldo do imposto de renda a restituir, apurado pela declaração de ajuste, pela pessoa física; outrossim, o débito tributário decorrente de contribuições devidas no registro de Declaração de Importação não são compensáveis com os créditos do contribuinte.

    

Finalmente, os pedidos de compensação de tributos, formulados segundo o regime jurídico anterior e ainda pendentes de decisão, ficaram automaticamente convolados em Declaração de Compensação, desde o momento da protocolização dos respectivos pedidos. Com isso, o contribuinte poderá promover a autocompensação sem maiores formalidades.

 

5. Conclusão

 

    

Não há dúvida de que, neste particular, a Medida Provisória de nº 66, de 29-8-2002, representa um grande avanço no que diz respeito ao equilíbrio da relação jurídico-tributária entre fisco e contribuinte. Pela vez primeira, preocupações de natureza financeira deixaram de prevalecer na formulação das regras de natureza tributária.

 

SP, 25.10.02.

 

* Especialista em Direito Tributário e em Ciência das Finanças pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

 

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Como citar e referenciar este artigo:
HARADA, Kiyoshi. Minirreforma tributária e compensação tributária. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-tributario/minirreforma-tributaria-e-compensacao-tributaria/ Acesso em: 26 jul. 2024