Direito Tributário

Decadência e prescrição no direito tributário. Abordagens práticas

Decadência e prescrição no direito tributário. Abordagens práticas

 

 

Kiyoshi Harada*

 

 

1. Introdução

 

     Muito se tem escrito sobre a matéria em nível teórico e doutrinário, porém, deixando de abordar aspectos práticos na utilização desses institutos.

 

     Qualquer monografia ou artigo a respeito começa com a distinção entre a decadência, que extingue o direito material, e a prescrição, que extinguiria o direito à ação. Ambos os institutos jurídicos visam conferir segurança jurídica, removendo a espada de Dâmocles que credores omissos mantêm sobre a cabeça de seus devedores, situação que não interessa ao Estado, por afetar o relacionamento desses devedores com terceiros.

 

     Em termos de direito tributário, ambos os institutos extinguem o crédito tributário, ex vi do art. 156, V do CTN.

 

Art. 156 – Extinguem o crédito tributário:

……………………………………..

V – a prescrição e a decadência.

 

     Logo, quem paga tributo prescrito tem direito à repetição. Por outro lado, tributo prescrito não pode servir de empecilho à expedição de certidão negativa.

 

 

2. Lançamento como marco divisor

 

     Existe unanimidade na doutrina no sentido de que a prescrição sucede a decadência imediatamente no tempo. Adotam como marco divisor entre a decadência e a prescrição, o instituto do lançamento: antes dele, o prazo é de decadência; depois dele, o prazo é prescricional. Não há divergência, também, quanto ao fato de que o lançamento constitui o crédito tributário, na forma do art. 142 do CTN.

 

     Outrossim é pacífico na doutrina e na jurisprudência que o prazo de cinco anos, para constituir o crédito tributário para tributos de lançamento direto e de lançamento por declaração, inicia-se a contar do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado (art. 173, I do CTN), salvo se notificado o sujeito passivo da obrigação tributária do início do procedimento do lançamento, hipótese que o prazo fatal fluirá a partir da data dessa notificação (parágrafo único do art. 173 do CTN).

 

 

3. Decadência e tributos de lançamento por homologação

 

     Nos tributos de lançamento por homologação, o prazo qüinqüenal começa a fluir a contar da data da ocorrência do fato gerador, segundo a unanimidade da doutrina, escudada no § 4º, do art. 150 do CTN.

 

     Entretanto, a jurisprudência de nossos tribunais não é uniforme. Tem variado de acordo com as vacilações do STJ que, na maioria de seus julgados, sustenta a tese de que o prazo decadencial, nessa hipótese, é de dez anos, contando-se o prazo de cinco anos para lançamento direto, a partir do esgotamento do prazo de cinco anos para homologar o lançamento. O equívoco é manifesto. Cada tributo tem definido a modalidade de lançamento pela respectiva lei de regência. Não há como o Judiciário transformar um tributo de lançamento por homologação em um tributo de lançamento direto. Isso é prerrogativa exclusiva do Legislativo.

 

     A prescrição da lei é no sentido de que, na hipótese de o sujeito passivo descumprir a sua obrigação de antecipar o pagamento do tributo , sem prévio exame do fisco, nos prazos previstos em lei, a Fazenda exercerá o poder-dever de suprir aquela omissão , promovendo o lançamento direto , porém, sempre dentro do prazo decadencial próprio da modalidade de lançamento por homologação. Em outras palavras, o fisco tem o prazo de cinco anos, a contar da ocorrência do fato gerador para concordar com as atividades exercidas pelo sujeito passivo, ou, delas discordar, hipótese em que calculará o montante do tributo devido, na forma do art. 142 do CTN, notificando o sujeito passivo para seu pagamento ou impugnação (art. 145 do CTN).

 

     Aliás, o prazo de dez anos, adotado pela jurisprudência incorre até mesmo em erro aritmético, pois, se for somarmos o prazo do § 4º do art. 150 do CTN ao prazo do art. 173, I do CTN, o resultado será onze anos, e não dez anos, porque deverá excluir o exercício em que o lançamento poderia ser efetuado.

 

     De fato, o termo inicial é o primeiro dia do exercício seguinte em que o lançamento poderia ter sido efetivado. Assim, o IRPF do ano base de 2004, por exemplo, tem o início do prazo decadencial no dia 1º de janeiro de 2006, porque se exclui o exercício de 2005 dentro do qual o lançamento poderia ser efetuado.

 

     O prazo decenal, portanto, não encontra guarida nem na soma dos prazos de uma e de outra modalidade de lançamento que, por si só, já é uma ilegalidade.

 

 

5. Confusão entre procedimento administrativo do lançamento e procedimento do processo administrativo tributário

 

     Outra questão controvertida diz respeito ao momento em que se deve considerar constituído o crédito tributário pelo lançamento, para efeito de fixação do prazo inicial da prescrição . Não há unanimidade na doutrina, nem na jurisprudência. Autores de nomeada apresentam diferentes posicionamentos: a) notificação do sujeito passivo para pagar ou impugnar o lançamento: b) decisão de primeira instância administrativa; c) decisão de segunda instância administrativa; d) decisão irreformável na esfera administrativa; e) inscrição na dívida ativa.

 

     Parcela da doutrina abalizada fixa posição mencionada na letra ‘d’, sustentando que o procedimento administrativo só termina com a decisão irreformável da decisão administrativa, que por esgotamento dos recursos previstos em lei, quer pelo decurso do prazo recursal, sem interposição de recurso. Mais adiante, examinaremos esta corrente doutrinária. As correntes representadas pelas letras ‘b’, ‘c’ e ‘e’ não serão examinadas, em vista da manifesta fragilidade de seus argumentos, vislumbráveis pelos próprios enunciados.

 

     Sempre entendemos que se tem por definitivamente constituído o crédito tributário com a notificação do sujeito passivo do ato do lançamento (auto de infração, autuação fiscal, termo de verificação fiscal, notificação fiscal de lançamento de débito etc). Não mais se cogita de prazo decadencial. A partir de então, inicia-se o prazo prescricional de cinco anos para cobrança do crédito tributário que, apesar de exigível, precisa ser previamente inscrito na dívida ativa para conferir-lhe exeqüibilidade.

 

     Se é verdade que o lançamento é um procedimento administrativo , não menos verdade que no final desse procedimento , tendente a verificar a ocorrência do fato gerador, determinar a matéria tributável, calcular o montante devido e identificar o sujeito passivo, haverá sempre um documento exteriorizador desses atos, que é o lançamento tributário , o qual, tem a natureza de título jurídico abstrato com eficácia preclusiva.

 

     Se o sujeito passivo, notificado do lançamento, efetuar o pagamento do montante exigido, extingue-se o crédito tributário. Se ele impugnar o lançamento, instaura-se o processo administrativo tributário, que se desenvolve nos autos do processo administrativo , ficando suspensa a exigibilidade do crédito tributário.

 

     O processo administrativo tributário surge como meio de solução da lide , que se instaurou com a impugnação do procedimento administrativo exteriorizado pelo lançamento. O procedimento que rege o processo administrativo tributário nada mais é do que o rito processual , em obediência ao princípio constitucional do devido processo legal. Nada tem a ver com o procedimento administrativo referido no art. 142 do CTN , pertinente ao modo de constituição definitiva do crédito tributário.

 

     A confusão entre o procedimento administrativo do lançamento e o procedimento que rege o processo administrativo tributário , para sustentar que o lançamento só se tem por definitivamente constituído com a final manifestação da Fazenda, conduz a um verdadeiro absurdo. Vislumbremos uma hipótese. A notificação do lançamento ocorreu, por exemplo, sessenta dias antes de findar o prazo decadencial. No prazo de trinta dias, o contribuinte notificado apresenta sua impugnação ao lançamento. No caso, se admitida a tese que não houve constituição definitiva do crédito tributário com a notificação do lançamento, forçoso é concluir que a Fazenda deverá concluir o processo administrativo , em primeira e segunda instâncias, no prazo de trinta dias , sob pena de consumar-se o prazo decadencial. Do contrário, se a Fazenda resolver engavetar o processo administrativo por dez, quinze ou vinte anos, o prazo prescricional não estaria fluindo, porque não estaria definitivamente constituído o crédito tributário e, também, não se cogitaria de decadência, porque o crédito tributário já estaria constituído provisoriamente , sujeito à ulterior confirmação definitiva com a final manifestação da Fazenda, no processo administrativo tributário.

 

     Por isso, correta e inafastável, data vênia, a tese de que a notificação do lançamento constitui definitivamente o crédito tributário, passando a fluir daí em diante o prazo prescricional, os termos do art. 174 do CTN: A ação para cobrança do crédito tributário prescreve em cinco anos, contados da data de sua constituição definitiva.

 

 

6. Conclusão

 

     Posicionamentos que anulam a finalidade dos institutos de decadência e da prescrição, que é o de conferir segurança jurídica, e que conduzem ao reconhecimento da validade de atos potestativos da Fazenda devem ser afastados, por contrariarem, não só, os dispositivos do CTN, como também, os princípios gerais de direito.

 

SP, 11.11.04

 

 

* Professor de Direito Administrativo, Financeiro e Tributário. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

kiyoshi@haradaadvogados.com.br

 

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Como citar e referenciar este artigo:
HARADA, Kiyoshi. Decadência e prescrição no direito tributário. Abordagens práticas. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-tributario/decadencia-e-prescricao-no-direito-tributario-abordagens-praticas/ Acesso em: 17 fev. 2025