Crédito-Prêmio de IPI
Ives Gandra da Silva Martins*
A Resolução n. 71/05 do Senado Federal, tendo sido seu relator o Senador Amir Lando, parece-me ter solucionado, de vez, a questão referente à manutenção do crédito-prêmio de IPI desde 1969 até os dias presentes.
Tem a seguinte dicção:
“Art. 1º É suspensa a execução, no art. 1º do D.L. n. 1724, de 7/12/1979, da expressão “ou reduzir, temporária ou definitivamente, ou extinguir”, e, no inc. I do art. 3º do DL. 1894, de 16/12/1981, das expressões “reduzi-los” e “suspendê-los ou extingui-los”, preservada a vigência do que remanesce do art. 1º do DL. 491, de 5/3/1969.
Art. 2º Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.
Senado Federal, em 26 de dezembro de 2005.
Senador Renan Calheiros – Presidente do Senado” (DOU 27/12/2005)”.
Alegou-se que, por força do art. 52, inciso X, da Constituição Federal, caberia ao Senado apenas declarar suspensa a eficácia de parte dos Decretos-leis considerados inconstitucionais (DL. 1724/79 e DL 1894/81) e não, reafirmar a vigência, validade e eficácia da parte não declarada inconstitucional.
Entendo que a objeção não se sustenta.
De início, porque nada impede que, ao declarar suspensa a parte da lei que o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL declarou inconstitucional, explicitamente declare também, o Senado Federal, que continua em vigor a parte não declarada inconstitucional.
Mesmo que não o declarasse, à evidência, implicitamente estaria reconhecido “não ser inconstitucional” a parte “não declarada inconstitucional”.
Houve por bem, todavia, o Senador Amir Lando, exarar parecer no sentido da conveniência de se explicitar a permanência da parte não declarada inconstitucional, em face de a ementa do acórdão que serviu de guia para a decisão do fim do ano passado da Seção de Direito Público do Superior Tribunal de Justiça ter se lastreado numa interpretação da “intentio legislatoris” nos termos seguintes:
“Não pode, assim, a pretexto de declarar a inconstitucionalidade parcial de uma norma, inovar no plano do direito positivo, permitindo que surja, com a parte remanescente da norma inconstitucional, um novo comando normativo, não previsto e nem desejado pelo legislador. Ora, o legislador jamais assegurou a vigência do crédito-prêmio do IPI por prazo indeterminado, para além de 30.06.1983″ (RESP 591708/RS e RESP 2003/0162540-6, 1ª. Turma do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, data de publicação: D.O. 9/8/2004, p.184).
Ora, quem pode dizer o que pretendeu e desejou o legislador só pode ser o Legislativo, e não qualquer outro poder. Não que seja a “intentio legislatoris” o mais relevante mecanismo exegético para definir o conteúdo e o alcance da lei. Quando, todavia, constitui-se em hermenêutica exclusiva para embasar a decisão judicial, nitidamente, cabe ao legislador, se sua intenção foi outra, declará-la. Neste caso, nada obstante ter sido relator, na 1ª. Turma do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, uma das maiores expressões de direito processual brasileiro -o Ministro Teori Albino Zavascki- o certo é que atribuiu ao produtor da lei intenção diversa daquela que norteara a sua elaboração. O Poder Judiciário pode declarar a força da “mens legis”, mas jamais dizer qual foi a “mens legislatoris” (critério exclusivamente político).
Desta forma, após exaustiva exposição de motivos, houve por bem o eminente Senador Amir Lando ressaltar que outra fora a intenção do legislador -ou seja, de que o incentivo continuava a existir e a beneficiar as empresas exportadoras na parte não declarada inconstitucional.
À evidência, a partir da edição da Resolução n. 71/05, a questão da constitucionalidade ou não, material e formal, deslocou-se do Superior Tribunal de Justiça (Corte da Legalidade) para o Supremo Tribunal Federal (Corte da Constitucionalidade), pois ou a Resolução é constitucional e o incentivo continua, ou é inconstitucional e não prevalecerá, muito embora prevaleça, por força da presunção de legalidade e eficácia de que se reveste qualquer ato legislativo -e para mim, a Resolução é um ato legislativo, por encontrar-se elencado no art. 59 da C.F.- até eventual reconhecimento de sua eventual incompatibilidade com a Lei Maior, pelo Supremo Tribunal Federal.
Nitidamente, as questões já submetidas e não decididas pelo SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, poderão os doutos integrantes desse Sodalício, rever a matéria, à luz da Resolução. Os processos em que já houve decisão, havendo prazo para embargos declaratórios, poderá esse recurso ser ofertado inclusive, com efeitos modificativos, desde que a questão seja levantada. De qualquer forma, nos casos ainda não levados ao Superior Tribunal de Justiça, além do recurso especial, justifica-se o oferecimento de recurso extraordinário, simultaneamente, porque, em face da resistência da Fazenda Nacional, caberá à Suprema Corte definir se é ou não constitucional a Resolução, na parte em que explicitou aquilo que implícito já estaria se tivesse se limitado a suspender as expressões declaradas inconstitucionais pela Suprema Corte, ou seja, de que toda a parte da lei não declarada inconstitucional goza de presunção de constitucionalidade.
* Professor Emérito das Universidades Mackenzie, UNIFMU e da Escola de Comando e Estado Maior do Exército, Presidente do Conselho de Estudos Jurídicos da Federação do Comércio do Estado de São Paulo e do Centro de Extensão Universitária – CEU. Site: www.gandramartins.adv.br
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