Direito Sucessório

Qual o papel do contrato de doação no planejamento patrimonial?

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Laísa Santos

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Se há algo intransponível na vida é a sua finitude. A pandemia causada pelo novo coronavírus intensificou e amplificou a importância da discussão sobre o futuro, trazendo de volta reflexões sobre os instrumentos jurídicos capazes de assegurar um planejamento patrimonial e sucessório e, consequentemente, de uma transmissão hereditária ordenada e célere.

Dentre os inúmeros instrumentos jurídicos capazes de auxiliar nesta empreitada, tem-se o contrato de doação – considerado o mais antigo instrumento de planejamento sucessório.

Mas afinal, o que é um contrato de doação?

Considera-se doação o contrato em que uma pessoa (chamada doadora), por mera liberalidade, transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra pessoa (denominada donatária).

A doação é, portanto, uma relação jurídica pela qual uma pessoa assume a obrigação de transferir o domínio de um bem, móvel ou imóvel, para o patrimônio de outra pessoa.

O doador deve ser maior e capaz, observando-se a concordância do seu cônjuge, se casado for (salvo se casado pelo regime de separação total de bens ou da separação obrigatória). Na hipótese da doação ser vinculada a encargos, o donatário deve igualmente ser maior e capaz – caso a doação seja sem encargos, nada obsta que o donatário seja menor ou incapaz, formalizando seu responsável a aceitação da doação.

Em suma, a doação é, acima de tudo, um ato de liberalidade e de autonomia dos doadores. Contudo, é imprescindível que sempre se observe o respeito à parcela legítima dos herdeiros necessários, evitando-se, assim, litígios sucessórios futuros e indesejados.

Quais as características do contrato de doação?

Para além da verificação da contratualidade da doação, é necessário, também, que se destaquem os elementos que a caracterizam, de acordo com a sua finalidade.

Formalidade ou solenidade: segundo a legislação vigente, é necessário que o contrato de doação seja instrumentalizado por escrito, através de escritura pública ou instrumento particular. Permite-se a doação verbal apenas quando esta versar sobre bens de pequena monta e se ela for sucedida imediatamente pela entrega do bem doado;

Animus donandi: a vontade de doar ou o animus donandi por ser entendido como a intenção do doador de formalizar a liberalidade favorecendo o donatário. Em outras palavras, a intenção do doador em enriquecer o donatário às custas da sua própria diminuição patrimonial;

Transferência patrimonial: a transferência patrimonial representa a diminuição do patrimônio do doador e o acréscimo dos bens do donatário. É importante declarar na escritura pública ou no instrumento particular a vontade de transferir os bens doados, levando, após, para registro nas repartições competentes e, procedendo à tradição dos imóveis, para que não haja questionamento quanto a ausência da transferência patrimonial;

Aceitação: o doador poderá fixar prazo para que o donatário diga se aceita ou não a liberalidade. A legislação entende que, caso haja omissão por parte do donatário, entende-se que houve o aceite da doação.

Ressalta-se que a pessoa que se beneficia de uma doação assume deveres éticos, morais e jurídicos para com o seu benfeitor, tendo, inclusive, a possibilidade da sua revogação por ingratidão do donatário.

Ao doador, também não será permitido doar todos os seus bens, pois deve reservar para si uma parte que lhe garanta subsistência pelos anos que lhe restam.

Ainda, embora a legislação aplicável à matéria autorize, de modo geral, a celebração da doação por instrumento público ou particular, as doações de bens imóveis devem observar sempre a forma pública, mediante escritura lavrada em Cartório de Notas.

Como utilizar o contrato de doação em um Planejamento Patrimonial e Sucessório?

O contrato de doação ainda possui certa resistência de alguns grupos familiares. Por eventuais desinformações, alegam que a transmissão do patrimônio em vida pode ocasionar uma situação de efetiva perda da propriedade e do poder sobre os negócios. Por outro lado, com argumentação oposta, este instrumento pode ser bastante útil para a transmissão do patrimônio ainda em vida, resolvendo desde logo a sucessão e inserindo eventuais herdeiros a atuar melhor nos negócios da família, o que justificaria a liberalidade.

Para fins de planejamento sucessório, se e quando efetuada, a transmissão deve ser permeada por diferentes estruturas e regras que possibilitem e garantam aos doadores tanto a manutenção da renda e do comando do patrimônio, se assim o desejarem, como também o convívio entre os herdeiros.

Pode-se incluir, por exemplo, no contrato de doação, cláusulas de incomunicabilidade, inalienabilidade e impenhorabilidade, todas extensivas aos frutos e bens sub-rogados. Desta forma, assegurará que o bem doado permanecerá no seio familiar e que não será utilizado como garantia a eventual dívida contraída pelos donatários ou como pagamento, salvo aquelas decorrentes do próprio bem (exemplo: débitos de condomínio) ou de dívidas tributárias.

Ainda, é possível acrescentar cláusula de reversão. Esta cláusula garantirá que, em caso de pré-falecimento de algum dos filhos (na hipótese da doação ser entre ascendente e descendente), o bem doado não será transmitido para algum dos cônjuges/companheiros (atuais ou futuros) na qualidade de herdeiros, mas sim, será retomado ao patrimônio dos doadores.

Outra cláusula bastante inserida quando da utilização do contrato de doação para a realização do planejamento patrimonial e sucessório é o usufruto. Para aqueles que pretendem, mesmo com a doação, manter consigo o controle e/ou os benefícios econômicos do patrimônio doado, este é um excelente instituto a ser utilizado. Resumidamente, quando da utilização do usufruto, o doador transfere ao donatário a propriedade de determinado bem, mas reserva para si o direito de usá-lo e/ou receber seus frutos, podendo fruir por tempo determinado ou de maneira vitalícia.

É importante também destacar que o usufruto é um direito não transferível a terceiros. Assim, é um direito que não se herda, não se doa, nem se vende, extinguindo-se, geralmente, pelo falecimento do usufrutuário (doador).

Como a doação não comporta arrependimento (é considerado um ato irrevogável e irretratável, em regra), este instrumento deve ser escolhido após a consideração de todas as suas consequências pelos doadores; enquanto persistir dúvida, a organização da transmissão do patrimônio poderá ser prevista em outros instrumentos, como o testamento.

Como visto, não há uma regra única que possa ser aplicada a toda e qualquer estrutura sucessória. Cada caso deve ser analisado individualmente, com as suas peculiaridades e ressalvadas.

Quais as limitações da doação?

A utilização do contrato de doação como forma de planejamento patrimonial e sucessório possui uma limitação bastante clara e objetiva: a legítima dos herdeiros necessários.

Quando há herdeiros necessários (ascendentes, descendentes, cônjuges – havendo, ainda, discussão acerca do companheiro), o detentor do patrimônio poderá dispor, livremente, de apenas 50% dos seus bens. Os outros 50% devem ser destinados aos herdeiros, invariavelmente.

Caso a doação ultrapasse a legítima, o quantum ultrapassado será considerado como uma doação denominada inoficiosa. Ou seja, o que excedeu o acervo patrimonial disponível ao doador por mera liberalidade e que, consequentemente, violou a legítima dos herdeiros necessários, será considerado nulo. Assim, configurada a doação inoficiosa, deve o donatário, no momento da abertura da sucessão, levar o bem doado no bojo do inventário a fim de igualar a legítima dos herdeiros.

Também não é permitido que se realize uma doação em sua totalidade, ou, ainda, que se deixe ao doador bens que sejam insuficientes à própria sobrevivência – tal vedação pode ser facilmente solucionada com a instituição do usufruto vitalício, com o recebimento dos frutos advindos dos bens doados, por exemplo.

Outro ponto de atenção trata-se da doação para herdeiros necessários, que poderá importar em adiantamento de legítima, impondo ao donatário o dever de trazer o bem quando da abertura de inventário, salvo se expressamente consignado que o bem ou vantagem recebida veio da parte disponível do doador.

Uma das principais vantagens de se utilizar a doação como instrumento jurídico do planejamento sucessório é a de permitir que, ainda em vida, o titular do patrimônio disponha de seus bens.

Apesar das restrições e dos pontos de atenção, o contrato de doação se mostra uma vantajosa ferramenta para a realização de um planejamento patrimonial e sucessório, pois possibilita ao doador antecipar a transmissão patrimonial. Quando associado ao usufruto, o vínculo do contrato de doações permite uma maior segurança e garantia ao doador, por isso a sua importância e aplicabilidade no planejamento sucessório.

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Este artigo foi originalmente publicado em: https://schiefler.adv.br/contrato-de-doacao/

Como citar e referenciar este artigo:
SANTOS, Laísa. Qual o papel do contrato de doação no planejamento patrimonial?. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2022. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-sucessorio/qual-o-papel-do-contrato-de-doacao-no-planejamento-patrimonial/ Acesso em: 08 dez. 2024