Direito Internacional

Olmert, terrorismo e internet

Olmert, terrorismo e internet

 

Francisco César Pinheiro Rodrigues*

 

 

A mídia internacional e parte dos próprios israelitas censuraram fortemente o fato de Ehud Olmert ter admitido que Israel dispõe de um arsenal nuclear. Ele disse isso para alertar o Irã de que Israel não será facilmente “varrido do mapa”, como vem apregoando, insensatamente o presidente iraniano, Ahmadinejad (se pelo menos os governantes fossem menos desastrados…). Os críticos de Olmert acham que ele não devia ter dito isso, embora se trate de um “segredo de polichinelo”.

 

Embora censor quase semanal da política de Olmert — apoiada obtusamente na força e proteção do bezerro de ouro americano, Bush —, não vejo porque o ministro deveria insistir na hipocrisia, escondendo o que todos sabem. Transparência é a tendência incontrolável do mundo moderno. Tudo, cedo ou tarde, vem à tona, graças ao jornalismo investigativo, a internet e as escutas secretas — legais ou ilegais. Diplomacia apoiada em mentiras tem hoje pouco futuro, não em razão de dramas de consciência do mentiroso, mas porque logo a verdade vai aparecer. O prejuízo, em termos políticos, é maior do que o lucro.

 

Foi vantagem apenas no passado. Historiadores afirmam que o primeiro-ministro Mazarino, tutor do rei francês Luiz XIV, costumava dizer ao futuro “Rei Sol” — “sol’ para ele e nobreza; “trevas’ para os seus camponeses miseráveis — que devia “prometer tudo e jamais cumprir suas promessas”. Como, àquele tempo, não havia a velocidade informativa de hoje — imprensa e internet —, o conselho poderia ser útil porque as massas viviam mergulhadas na ignorância. Feita a promessa — falsa —, acalmado o povo, quando a mentira aparecesse o monarca já não estava entre os vivos. Não, porém seus descendentes. Prova disso foi que, vários anos depois, seu neto, Luiz XVI, e esposa, Maria Antonieta, foram guilhotinados. A injustiça vinham de longe.

 

A deficiência de visão política de Olmert, e de seu protetor, George W. Bush (a cegueira deste é menos escusável porque, mais distante do perigo pessoal, teria a obrigação de ver as coisas com mais objetividade), está no fato de não compreenderem bem o significado do “terrorismo”. Parecem pensar que terroristas são apenas gangster especializados em política. Há também gente desse tipo no terrorismo, mas constituem exceções individuais.

 

O terrorismo não pode ser simploriamente “esmagado” com força bruta ou constante intimidação. Para cada terrorista morto brotam dezenas de substitutos, vindos de todo o mundo árabe, dispostos a vingar os companheiros e “lutar pela causa”.

 

Buscar apenas o “esmagamento” equivale a matar de pancadas doentes mentais em asilos — único jeito de enfiar “juízo!” na cabeça deles — ou balear pessoas que pensam diferentemente de nós e acreditam sinceramente estar com a razão, porque assim foram educados.

 

É uma tática estúpida, a da repressão pura e simples, além de servir — o repressor militar —, como marionete daqueles engravatados que lucram, política ou financeiramente, com revides em larga escala ou mesmo em forma seletiva, tentando assassinar apenas os terroristas. Quase sempre, nessa busca de alvos selecionados, são assassinadas crianças, mulheres e velhos que estão nas proximidades. A morte de crianças gera um ódio sem limites. Nada mais estimulante, para a indústria de armas, do que a notícia de um enorme atentado que certamente ( espera-se…) desencadeará reações violentas, numa seqüência sem fim. Lucro à vista, em votos ou dinheiro. O lucro pode ser medido na proporção dos quilos de carne humana misturada ao entulho.

 

O terrorismo islâmico precisa, essencialmente, ser enfraquecido na sua motivação. Desmontado, “anemizado”, corroído, enfraquecido, acalmado, “desmilhingüido”, com a remoção da injustiça primeira: a expulsão de terras ha séculos ocupadas por palestinos. Mais isso que propriamente “esmagado”. Feita essa depuração do terrorismo, restará apenas o componente feio, racial, sangrento, moralmente não respeitável porque privado de seu apoio moral. Dessa forma, o terrorismo cairá por si só, desmoralizado. Perderá seu pilar de sustentação.

 

É claro que enquanto se desmonta o ódio com a prática efetiva da justiça — tarefa mais lenta —, Israel não pode baixar a guarda, descuidando sua defesa. Mas defesa, não ataques vingativos com inevitáveis sacrifícios de inocentes. Explicará, à comunidade internacional, que não age assim por fraqueza. Abstém-se, por uns tempos, de assassinatos seletivos porque sacrifica-se pela paz. Sendo um estado mais forte militarmente que o adversário, pode dar-se ao luxo da maior compreensão sem parecer medroso.

 

Não se está aqui a exigir de Olmert a passividade ingênua de um Montezuma, o imperador asteca que concordava com todos os desejos de Fernando Cortez — esse conquistador falso, aproveitador da simplicidade alheia, fossa de cobiça — na esperança de abrandá-lo. Quanto mais Montezuma cedia, mais o espanhol crescia em arrogância, interessado não só em saquear o ouro asteca como também em dar a entender aos futuros mexicanos que era ele, de fato, o verdadeiro imperador da antiga civilização, adiantada para a época.

 

O terrorismo é um amálgama com os seguintes componentes: 1) sincera revolta contra uma sensação de injustiça (a expulsão, sem mais aquela, de palestinos que não se julgam responsáveis pelo última “diáspora”; os palestinos “pagando” pelas maldades dos nazistas); 2) fundamentalismo (ou fanatismo, conforme a posição do analista), oriundo de uma educação excessivamente centrada na religião (as crianças são alfabetizadas lendo o Alcorão); 3) em proporção menor, um resíduo de “profissão-terrorista”, meio de vida, ou até eventual “gangsterismo” daqueles terroristas que estão há muito tempo “no ramo” e não sabem fazer outra coisa a não ser violências. Não querem perder o emprego e só atrapalharão negociações de acordo.

 

Se, como disse, o fator “injustiça” for eliminado; se os palestinos forem tratados, pelos Estados Unidos, com o mesmo carinho com estes tratam o Estado de Israel; se as dificuldades materiais dos árabes locais forem levadas em conta; se os EUA investirem maciçamente na melhoria do nível de vida dos árabes e estabelecerem com clareza que a fronteira de Israel é “aquela”, fixa, intransponível — marcada por uma corte internacional isenta —, não há dúvida que o terrorismo será reduzido a um nível mínimo, ocupado pelos “gatos pingados” profissionais que têm dificuldade em se adaptar à vida normal. Mas mesmo esses eventuais terroristas profissionais poderão ser “seduzidos” e acalmados mais depressa se lhes forem assegurado bons empregos na área de segurança, pois entendem do ramo.

 

Ahmadinejad um dia cairá em si, concluindo que seu programa de “varredor” é irrealizável. Se não cair, será suplantado pelo evoluir natural da convivência internacional. Mas sua “conversão” será mais rápida quando constatar que o árabe palestino já não está sendo espezinhado por judeus e americanos.

 

Finalmente, como o título do presente artigo fala em internet, cabe dizer que sua difusão, subsidiada pelos americanos no Oriente Médio — uma despesa bem inferior aos gastos bélicos — é, por si só, o melhor remédio contra o fundamentalismo. Milhares de jovens árabes, acessando o mundo na web, em árabe e inglês, aos poucos arejarão seus horizontes. Quanto maior a informação, menor o fanatismo, principalmente havendo ênfase na informação científica e tecnológica..

 

Espera-se também que boa parte do Relatório Baker-Hamilton sensibilize governo e povo americanos. É bom lembrar que se o atual estado de guerra permanente é vantajoso para aquelas indústrias que lucram com a guerra, é, por outro lado, desvantajoso para uma série enorme de outras indústrias e serviços, que também querem um lugar ao sol. Por que somente a indústria da morte terá o direito de lucrar no Oriente Médio? Essa disputa comercial terá um peso considerável no sentido de diminuir o enfoque estritamente belicista, há décadas predominante numa região que, paradoxalmente, é o berço de três religiões monoteístas.

 

Brigam os deuses ou os homens? Os deuses, não pode ser, porque só há um.

 

(15-12-2006)

 

 * Advogado, desembargador aposentado e escritor. É membro do IASP Instituto dos Advogados de São Paulo. Website do autor: http://www.franciscopinheirorodrigues.com.br

 

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Como citar e referenciar este artigo:
RODRIGUES, Francisco César Pinheiro. Olmert, terrorismo e internet. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2008. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-internacional/olmert-terrorismo-e-internet/ Acesso em: 26 jul. 2024