Direito Internacional

Atos Internacionais: Questões Sobre a sua Internalização – Parte I

 

 

 

[…] enquanto os governos dos diferentes países mantiverem relações entre si, eles precisarão manter agentes para representá-los, e para informá-los; qualquer que seja o seu título, esses agentes irão praticar a diplomacia.

 

Jules Cambon, diplomata francês.

 

 

RESUMO

 

 

O presente estudo destina-se a compreender a partir do processo de internalização dos atos internacionais no direito brasileiro, as suas implicações à luz da Constituição Federal de 1988, especialmente no que tange às questões de vigência, hierarquia e denúncia daqueles no plano do direito interno. Pretende-se analisar como ocorre esta internalização no direito brasileiro, levando-se em conta os dispositivos da Constituição brasileira vigente, bem como estudar o direito constitucional comparado sobre o tema. Para tanto, utilizar-se-á do marco teórico composto por quatro juristas, acerca do que se propõe: Antônio Paulo Cachapuz de Medeiros, José Carlos de Magalhães, Pedro Bohomoletz de Abreu Dallari e Valerio de Oliveira Mazzuoli. A realização deste estudo justifica-se, em face da quantidade de atos internacionais que o Poder Executivo tem celebrado ao longo dos anos, conjugada com a lentidão que o Poder Legislativo, em manifestar a sua aquiescência. Pontue-se que a falta de disposições constitucionais acerca do tema, e a falta de clareza na distinção entre atos internacionais e leis ordinárias, no contexto do ordenamento jurídico brasileiro, vem a gerar insegurança jurídica internacional. Em face disto, é preciso uma melhor sistematização, em nível constitucional, ou supralegal, para que haja segurança jurídica, na pactuação internacional em que a República Federativa do Brasil, figure como parte.

 

 

Palavras-chaves: Atos internacionais. Tratados. Constituição de 1988. Internalização. Integração. Recepção. Denúncia. Hierarquia. Direito comparado.

 

Lista de abreviaturas

 

 

ADI – Ação Direta de Inconstitucionalidade

CVDT – Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969.

DIP – Direito Internacional Público

DI – Direito Interno

PEC – Proposta de Emenda a Constituição

 

 

Lista de siglas

 

 

AGNU – Assembléia Geral das Nações Unidas

CECA- Comunidade Européia do Carvão e Aço

CREDN – Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional

CCJC – Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania

CCJR – Comissão de Constituição, Justiça e Redação

CIJ – Corte Internacional de Justiça

CPJI – Corte Permanente de Justiça Internacional

EURATOM – Comunidade Européia da Energia Atômica

MERCOSUL – Mercado Comum do Sul

MRE – Ministério das Relações Exteriores

ONU – Organização das Nações Unidas

TAI – Tribunal de Arbitragem Internacional

TPIug – Tribunal Penal para a antiga Iugoslávia

TPI – Tribunal Penal Internacional

STF – Supremo Tribunal Federal

URSS – União das Repúblicas Socialistas Soviéticas

 

 

 

 

1. considerações iniciais

 

 

O processo de evolução que teve o Direito Internacional Público (DIP), perfazendo nos dias de hoje, um direito universal, e não mais eurocêntrico; institucionalizado, a partir da união dos Estados em organizações internacionais; humanizado, com o advento dos atos internacionais destinados a dar proteção aos direitos humanos; e jurisdicionalizado, com a criação de tribunais internacionais, seja como fruto do processo de regionalização ou no contexto do pós-guerras; nos leva a pontuar que, as Constituições dos Estados que formam a sociedade internacional, já não podem mais se mostrar omisso a estas evoluções, conforme Miranda (2000).

O presente trabalho procura demonstrar, a partir do processo de internalização dos atos internacionais e as disposições da Constituição Federal de 1988 acerca do tema, que aquela, necessita de uma reforma, para que se adéque, não somente a evolução do DIP, como enunciado, mas também ao fenômeno da intensificação das relações exteriores, que se traduz pelo aumento do número de atos internacionais, que são celebrados.

Reforma essa, que deve considerar, o DIP como parte integrante do Direito Brasileiro, a estrita observância dos atos internacionais gerais, e a não revogação daqueles por leis ordinárias, para equacionar assim, a realidade jurídica interna com a realidade jurídica internacional e que seja condizente com o fenômeno ora vivenciado.

Busca-se, portanto, com este estudo responder as seguintes questões: Como e quando se dará a vigência daqueles atos no plano interno? Quem detém o poder de denunciar aqueles atos? Que hierarquia é atribuída àqueles no plano interno?

Para a realização deste estudo, utilizou-se a pesquisa em livros, artigos de periódicos jurídicos e a doutrina relevante, tanto em Direito Internacional Público, como em Direito Constitucional pátrio.

O método utilizado no estudo foi o analítico-dedutivo, auxiliado pelo método comparativo, a partir de conceitos já estudados e do conhecimento de outras cartas políticas, para se avaliar a problemática colocada, qual seja, as questões decorrentes da internalização dos atos internacionais no ordenamento jurídico brasileiro.

No segundo capítulo será apresentado o conceito de atos internacionais, e um breve histórico daqueles e de seus regramentos, a culminar numa abordagem sobre os dispositivos da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados de 1969 e a prática da diplomacia brasileira quanto a formação destes, utilizando-se a doutrina internacionalista.

O terceiro capítulo é dedicado à explicação da relação que se dá entre o direito internacional e o direito interno, porquanto se reputam de extrema importância, para a definição constitucional de cada Estado, e as questões que são levantadas neste estudo.

No quarto capítulo se fará a exposição da questão dos atos internacionais, no direito constitucional estrangeiro, com observância das disposições de algumas Constituições, no que diz respeito à internalização do Direito Internacional a sua ordem jurídica interna.

O quinto capítulo tem como foco, a discussão da problemática que se aborda, no direito constitucional brasileiro, especialmente quanto a vigência, hierarquia e a denúncia dos atos internacionais, e o seu regramento na Carta Política vigente.

No sexto capítulo, temos a explicitação de como ocorre o processo de formação da vontade do Estado brasileiro, quanto aos atos internacionais que este se compromete, num estudo de caso institucional, quanto ao Parlamento Brasileiro e o Ministério das Relações Exteriores (MRE), e suas respectivas participações, a fechar com uma crítica a processualística, especialmente dirigida ao Poder Legislativo.

Por fim, o sétimo capítulo encerra o estudo, em que se apresentará uma proposta de reforma constitucional, bem como uma proposta de reforma e de hermenêutica acerca do processo legislativo, a que se julga condizente com a realidade contemporânea vivenciada pela República Federativa do Brasil, a qual seja capaz de atender as suas atuações internacionais, em que se assegure o respeito e o cumprimento aos atos internacionais firmados.

 

2. os atos internacionais

 

 

Na cátedra do Direito Internacional Público (DIP), especialmente nos estudos do Direito dos Tratados, aprendemos o termo “norma convencional”, como sendo a expressão da vontade, de certas partes, em criarem obrigações recíprocas, firmadas a termo em um documento solene.

Hans Kelsen pontua que:

 

O direito internacional consta de normas que originariamente foram criadas através de atos de Estado – quer dizer, dos órgãos para o efeito competentes segundo as ordens jurídicas dos Estados singulares – para regulamentação de relações interestatais, atos esses que operaram tal efeito pela via do costume. […] Entre elas tem particular importância a norma que usualmente é designada pela fórmula ‘pacta sunt servanda’. Ela autoriza os sujeitos da comunidade jurídica internacional a regular, através de tratados, a sua conduta recíproca, quer dizer, a conduta dos seus órgãos e súditos em relação aos órgãos e súditos dos outros. (KELSEN, 1998, p. 226-227)

 

Como dito pelo jurista supra, entende-se que, diante da profusão e da diversidade de espécies normativas convencionais, que se têm criado ao longo do tempo, cabe centralizá-las em um termo mais adequado para, a todas se referirem, como “atos internacionais”, como sendo, aqueles que contenham normas gerais do DIP.

De início, cumpre abordar as origens dos atos internacionais, e compreender, a partir de um breve histórico, a sua evolução desde os tempos mais remotos de que se tem notícia deste ato jurídico, até os dias atuais. Também se exporá um histórico das regras jurídicas destinadas especialmente, a normatizar aqueles atos, elucidando desta forma o desenvolvimento da codificação do DIP.

Realizar inclusive uma sucinta análise acerca da codificação existente, que é a mais abrangente e clara, a respeito destes atos, em que lhes regula em quase toda a sua plenitude, a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (CVDT) de 1969.

Encerrando o capítulo, apresenta-se a prática diplomática brasileira, quanto à elaboração de tais atos, especialmente na vigência da Constituição Federal de 5 de Outubro de 1988.

 

2.1. Breve histórico dos atos internacionais e seus regramentos

 

 

A paz selada entre os anos de 1280 a 1272 a.C., pelos povos egípcios e hititas, por seus respectivos soberanos; Ramsés II, faraó da 19ª (décima nona) dinastia, e Hattusil III; configura-se como o primeiro e seguro ato internacional que se tem conhecimento, conforme Mazzuoli (2007), Rezek (2005) e Sérgio Borja (2000).

Firmava se então, não apenas um cessar fogo entre aqueles povos, mas também outras questões atinentes, como a formação de uma aliança contra inimigos comuns, normas de comércio, de migração e até de extradição, que certamente possibilitou perpetuar e vivenciar um duradouro período de trégua e mútua suportabilidade.

Desde a antiguidade até o ano de 1850, os atos internacionais têm sido regidos por princípios consuetudinários, como o livre consentimento, a boa fé entre as partes e notavelmente, a máxima “pacta sunt servanda[1], e que se tornaram normas universalmente reconhecidas e legitimadoras daqueles atos, constituídas sob estes auspícios.

Segundo Antônio Paulo Cachapuz de Medeiros (2004), a partir de 1850, houve uma grande intensificação da cooperação entre os povos, dando origem aos chamados tratados multilaterais. Assim, dada essa profusão de atos multilaterais, as regras consuetudinárias, não mais seriam capazes de prover a segurança jurídica, uma vez que eram destinadas a reger apenas a vontade convencional, das relações de caráter bilateral. Então, é que veio a necessidade da criação de uma norma, na qual “[…] ficasse bem assentado tudo quanto fosse pertinente aos Direito dos Tratados.” (MAZZUOLI, 2007, p. 130).

No ano de 1929 deu-se o primeiro passo, para criação desta norma. Durante a VI Conferência Pan-Americana, sediada na cidade de Havana, na República de Cuba, houve-se por firmar, a primeira regra jurídica internacional, no que diz respeito aos atos internacionais.

Foi a Convenção de Havana sobre Tratados, na qual a República Federativa do Brasil, ratificou na data de 30 de Julho de 1929, e que se encontra vigente até hoje entre 8 (oito) Estados-partes.

Rezek (2005, p. 13) vai asseverar que tal convenção, foi um texto direto, breve, mas sucinto, não abarcando, todas as questões atinentes aos atos internacionais, de caráter multilateral. Concordamos com a posição do jurista, em que se tratando de regulamentar a criação do Direito Convencional, esta deveria descer as minúcias das situações a que poderia se deparar o Direito, resguardando assim a segurança jurídica, que é corolário da codificação e daquele direito, ainda que tivesse aplicação restrita ao continente americano.

As duas Guerras Mundiais foram um marco prejudicial para o Direito das Gentes, porquanto que as tentativas de estabelecimento da paz mundial, fracassaram levando a suas ocorrências e prejudicando a humanidade.

No ano de 1945, na cidade de São Francisco, nos Estados Unidos da América, firmaram um ato internacional multilateral, denominado de Carta de São Francisco, que deu origem à Organização das Nações Unidas (ONU), com sede na cidade de Nova Iorque, naquele mesmo país. Destaca-se o reconhecimento da prejudicialidade das duas grandes guerras, que está inserido de forma clara e explícita no preâmbulo daquele ato que assim dispõe:

 

NÓS, OS POVOS DAS NAÇÕES UNIDAS, RESOLVIDOS, a preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra, que por duas vezes, no espaço da nossa vida, trouxe sofrimentos indizíveis à humanidade, […] e a estabelecer condições sob as quais a justiça e o respeito às obrigações decorrentes de tratados e de outras fontes do direito internacional possam ser mantidos (SÃO FRANCISCO, 1945) (grifo nosso)

 

Com a criação das Nações Unidas, os países signatários da Carta de São Francisco, numa clara visão futurista, apuseram entre os preceitos da nova ordem internacional que surgia, a defesa da paz e da segurança internacional, como metas a serem perseguidas dentro do Direito Internacional e através do seu desenvolvimento.

Não obstante, essa paz e a segurança internacional, só poderiam vir a ser alcançadas se o Direito Internacional, que em muito era regido por normas costumeiras, tivesse uma solidificação dos seus preceitos.

Possibilitando assim, como leciona Celso D. de Albuquerque Mello, em que expõe a vantagem da codificação:

 

[…] cabe-nos mostrar as suas vantagens:

a) ela desenvolve o DI ao afastar as divergências que possam existir entre os Estados na interpretação de determinada norma, isto é, ao fazer com os Estados dêem o seu consentimento. Ela teria a vantagem de reforçar o costume internacional ao torná-lo explícito, em conseqüência mais claro. […];

[…]

c) ela é um fator de desenvolvimento da justiça internacional, porque cria uma “certeza na aplicação do direito”. Não significa que a justiça internacional dependa da codificação. Significa apenas que “a certeza e a clareza do direito” desenvolvem a confiança das partes litigantes; […] (MELLO, 2004, p. 336) (grifos nossos)

 

Concordamos com essa defesa da codificação do DIP, e cumpre-nos mencionar ainda, na lição de Celso D. de Albuquerque Mello, um ponto fundamental, acerca desta, que a faz ser tão importante quanto à própria prática jurídica internacional, quando aduz que:

 

A codificação sendo realizada em conferências internacionais, onde os Estados grandes e pequenos estão nivelados pela igualdade jurídica, ela dá a estes últimos uma participação mais efetiva na elaboração da norma internacional, vez que a norma costumeira é formada inúmeras vezes por influência das grandes potências. (MELLO, 2004, p. 336)

 

Para o alcance da paz e da segurança internacional, a Carta da ONU, no rol dos artigos que explicitam a competência de seu órgão de maior participação dos Estados-Membros, a Assembléia Geral das Nações Unidas (AGNU), atribuiu no artigo 13 (treze), parágrafo 1º (primeiro), alínea a, a seguinte incumbência àquela:

 

Artigo 13

1. A Assembléia Geral iniciará estudos e fará recomendações, destinados a:

a) promover cooperação internacional no terreno político e incentivar o desenvolvimento progressivo do direito internacional e a sua codificação; […] (SÃO FRANCISCO, 1945)

 

Dando cumprimento à disposição de seu regramento máximo, a AGNU, na sua segunda sessão ocorrida em 1947, fez por meio da Resolução 174 (cento e setenta e quatro), de 21 de Novembro daquele ano, a criação da Comissão de Direito Internacional, e a aprovação do seu estatuto.

Ainda na mesma ocasião, aquele órgão aprovou a Resolução 175 (cento e setenta e cinco), que instruía o Secretário Geral das Nações Unidas, a preparar todo o aparato necessário, para o início dos trabalhos da comissão recém criada, bem como trabalhar no projeto de declaração sobre os direitos e deveres dos Estados.

Após vinte e quatro (24) anos, com o início dos trabalhos da Comissão de Direito Internacional, aquela comissão, que fora criada no seio da AGNU, “[…] já fez inserir o Direito dos Tratados dentre os temas prioritários a serem regulados pelo Direito Internacional do pós-guerra.” (MAZZUOLI, 2007, p. 130)

Relata Valerio Mazzuoli que:

 

[…] os estudos e discussões que levaram à adoção da convenção sobre tratados duraram vinte anos, com o envolvimento de 110 (cento e dez) Estados, dos quais apenas 32 (trinta e dois) firmaram o texto final adotado na conferência de Viena (presidida pelo internacionalista italiano Roberto Ago) em 23 de Maio de 1969. (MAZZUOLI, 2007, p. 130)

 

Criava-se sob os auspícios da ONU, a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969, destinada a reger em âmbito mutilateral a questão dos atos internacionais. Destaca se que, após 11 (onze) anos de sua assinatura, na data de 27 de Janeiro de 1980, é que tal ato iniciou a sua vigência internacional, atingindo então o quórum estipulado em seu artigo 84 (oitenta e quatro), de 35 (trinta e cinco) Estados-partes.

 

 

2.2. A Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969

 

 

A convenção pode ser designada de “Tratado dos Tratados”, porquanto que vem a minuciar, ou pelo menos, oferecer uma regulação suficiente e precisa para a realidade, quanto à criação dos atos internacionais a partir de sua adoção, diferentemente daquela esboçada pela VI Conferência Pan-Americana.

Cumpre destacar as palavras de Valerio Mazzuoli a respeito desta Convenção, na qual considera que:

 

[…] ela não se limitou apenas à codificação do conjunto de regras gerais referentes aos tratados concluídos entre Estados, mas também preocupou-se em regular todo tipo de desenvolvimento progressivo daquelas matérias ainda não consolidadas na arena internacional. (MAZZUOLI, 2007, p. 131)

 

Como exposto, este ato internacional multilateral, veio a trazer significativas regras para o campo do DIP, que serão elucidadas pontualmente. Contudo, impende destacar a parte preambular deste ato, em que se destacam três cláusulas que são de significativa lavra, e que demonstram a sua essencialidade para o progresso das relações entre os Estados e a própria construção do Direito Internacional:

 

Reconhecendo a importância cada vez maior dos tratados como fonte do Direito Internacional e como meio de desenvolver a cooperação pacífica entre as nações, quaisquer que sejam seus sistemas constitucionais e sociais,

Constatando que os princípios do livre consentimento e da boa fé e a regra pacta sunt servanda são universalmente reconhecidos,

Afirmando que as controvérsias relativas aos tratados, tais como outras controvérsias internacionais, devem ser solucionadas por meios pacíficos e de conformidade com os princípios da Justiça e do Direito Internacional, (VIENA, 1969)

 

Feitas tais considerações, passemos ao exame das disposições relevantes e pertinentes com a nossa temática.

De início na parte primeira, que trata da introdução do ato internacional, tem-se o artigo 2º (segundo) que traz as expressões que são utilizadas, dentre elas, o conceito de tratados, inserido a alínea a. O conceito que se convencionou, traz consigo os elementos essenciais a configuração dos atos internacionais, os quais sejam: acordo internacional, celebrado por escrito, concluído entre Estados, regido pelo Direito Internacional, feito em um documento único ou em vários, com ou sem anexos, qualquer que seja a sua denominação (ou nomenclatura que as partes atribuam a este).

A parte II, da Convenção, traz as regras para a conclusão e a entrada em vigor dos atos internacionais. Imperioso destacar que desta parte do ato internacional, faz elucidação às várias formas de comprometimento do Estado com o texto convencional, sendo preferencialmente, a assinatura daquele, mas também prevendo outras maneiras como a ratificação e a adesão.

Destacamos os preceitos do artigo 18 (dezoito) que mencionam a obrigação de não se frustrar o objeto e a finalidade de um tratado antes de sua entrada em vigor, e que deve ser observado, considerando-o como uma norma obrigatória, pois, a saber, muitos atos internacionais são celebrados, mas nem sempre são ratificados ou em vigor entram, por conta, de que os órgãos políticos incumbidos de dar a devida chancela, postergam sua manifestação.

Assim, ao considerar tal norma imperativa, que obrigue a tomada de todos os esforços possíveis para a devida adoção daquele ato, far-se-á então, o devido respeito ao ato internacional pactuado, bem como as demais partes naquele.

Dar sentido obrigatório ao dispositivo supra, remete um notório comando comportamental, aos legisladores de cada Estado, de não elaborarem normas internas, que possam prejudicar a aplicabilidade daqueles atos internacionais. Também se perceberá na parte III, com o artigo 27 (vinte e sete), em que dispõe da não invocação de normas internas para justificar o inadimplemento do ato convencional, reafirmando o comando que remete o artigo 18 (dezoito) e estatuindo o cumprimento do pactuado, sem embaraços.

A parte III vai assentar normas sobre a observância e a aplicação, assim como a interpretação dos textos convencionais, e consagra de maneira expressa no artigo 26 (vinte e seis), a regra consuetudinária “pacta sunt servanda”.

Remetemos então à parte V, que disciplina as nulidades, a extinção e a suspensão dos tratados, no qual se encontra a norma processual hábil a fazer com que o ato internacional encerre as suas responsabilidades para um Estado, que é a denúncia, constante no artigo 56 (cinqüenta e seis).

Por fim cumpre-nos pontuar algumas das diferenças concernentes às duas convenções, que regem a questão dos tratados, mais a título ilustrativo, comparativo e pedagógico: esta Convenção, não extinguiu a Convenção de Havana sobre Tratados, uma vez que, a primeira fora celebrada no âmbito de uma organização internacional, qual seja as Nações Unidas, e a segunda por Estados desejosos de regulamentar a matéria.

No que se refere ao tempo, alcança a Convenção de Viena, os atos já celebrados, que não sejam por escritos (artigo 3º), e os futuros (artigo 4º), enquanto a Convenção de Havana não. Quanto à aplicabilidade dos regramentos, a primeira detém maior aplicabilidade, por ter uma ampla aceitação internacional, tendo 110 (cento e dez) Estados ratificantes ou aderentes, ao passo em que a segunda ficou restrita ao continente americano, contando com apenas 8 (oito) Estados ratificantes ou aderentes, como já mencionado.

 

 

2.3. A prática da diplomacia brasileira quanto à produção de atos internacionais

 

 

No Brasil, a competência para celebrar atos internacionais, segundo a Constituição Federal, compete privativamente ao Presidente da República, que une a Chefia de Governo e de Estado, conforme o preceito do artigo 84 (oitenta e quatro), incisos VII (sete) e VIII (oito).

Não obstante, segundo a Lei Nº. 9.649/1998, que dispõe sobre a estrutura da Presidência da República e dos Ministérios, em seu artigo 14 (quatorze), inciso XVII (dezessete) que cabe ao Ministério das Relações Exteriores (MRE):

 

XVII – Ministério das Relações Exteriores:

a) política internacional;

b) relações diplomáticas e serviços consulares;

c) participação nas negociações comerciais, econômicas, técnicas e culturais com governos e entidades estrangeiras;

[…] (BRASIL, 1998)

 

Redação idêntica se observa no Decreto Presidencial Nº. 4.118/2002, que dispõe sobre a organização da Presidência da República e dos Ministérios, assim como no artigo 1º (primeiro) do anexo I (um), do Decreto Presidencial Nº. 5.979/2006, que aprova a estrutura regimental […] do Ministério das Relações Exteriores, e dá outras providências.

 

Art. 1º O Ministério das Relações Exteriores, órgão da administração direta, tem como área de competência os seguintes assuntos:

 

I – política internacional;

II – relações diplomáticas e serviços consulares;

III – participação nas negociações comerciais, econômicas, técnicas e culturais com governos e entidades estrangeiras; […] (BRASIL, 2006)

Pontuadas as considerações acerca da competência interna sobre a negociação dos atos internacionais, insta expor a prática da diplomacia brasileira sobre os atos internacionais.

A considerar o período de não ratificação da convenção supra por nosso País, encontramos manifestações em documentos oficiais que elucida outra forma de aplicação daquela, não como um tratado (ou uma fonte escrita), mas como um costume internacional, que segundo Mazzuoli é:

 

A segunda grande fonte (e mais antiga) do Direito Internacional Público é o costume internacional. […] O costume […] tem tido um papel importantíssimo na formação e desenvolvimento do Direito Internacional Público, primeiro por estabelecer um corpo de regras universalmente aplicáveis em vários domínios do direito das gentes e, segundo, por permitir a criação de regras gerais que são as regras-fundamento de constituição da sociedade internacional. (MAZZUOLI, 2007, p. 88)

 

Estando inserido no artigo 38 (trinta e oito), parágrafo 1º (primeiro), alínea b, do Estatuto da Corte Internacional de Justiça (CIJ), o costume internacional, vem a ser um resultado “…da prática geral e consistente dos atores da sociedade internacional em reconhecer como válida e juridicamente exigível determinada obrigação.” (MAZZUOLI, 2007, p. 89).

Assim, no Manual de Procedimentos, da Prática Diplomática Brasileira, que trata dos Atos Internacionais, publicado em Maio de 2008, é expresso ao dizer que:

 

O Brasil não é parte da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, celebrada sob os auspícios das Nações Unidas. Apesar disso, as regras processuais e a terminologia codificadas pela Convenção, por serem amplamente adotadas, e muitas constituírem normas consuetudinárias, têm orientado a prática brasileira de celebração de atos internacionais. (BRASIL, 2008, p. 5) (grifo nosso)

 

Como se observa, o órgão ministerial diplomático e consular brasileiro, tem considerado-a na elaboração dos atos internacionais, nos quais o Brasil é parte. E isto pode ser verificado, como apresenta Saulo José Casali Bahia, do Decreto Presidencial Nº. 176 de 12 de Julho de 1991, que promulgou o Acordo sobre a Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso), concluído em Paris a 18 de Junho de 1971:

 

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, usando da atribuição que lhe confere o art. 84, inciso VIII, da Constituição e considerando que o Acordo sobre a Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso) foi concluído em Paris, a 18 de junho de 1971, sob os auspícios da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO);

Considerando que o Congresso Nacional aprovou o referido instrumento, por meio do Decreto Legislativo Nº. 4, de maio de 1990;

Considerando que a Carta de Ratificação do ato internacional ora promulgado foi depositada em 22 de novembro de 1990, e entrou em vigor, para o Brasil, em 22 de novembro de 1990, na forma do artigo 16 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados;

DECRETA:

Art. 1º. O Acordo sobre a Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais, apenso por cópia ao presente decreto, será executado e cumprido tão inteiramente como nele se contém.

Art. 2º Este decreto entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 12 de junho de 1991; 170º da Independência e 103º da República.

FERNANDO COLLOR

Francisco Rezek (BRASIL, 1991) (grifo nosso)

 

O destaque feito no dispositivo legal, que dá vigência interna ao ato internacional que menciona, expõe claramente, que a República Federativa do Brasil, considera as disposições daquela convenção, mesmo que aquele tempo não tinha sido ratificada, mas utilizando-a como um costume internacional, advindo da prática entre os Estados.

Explicitando a utilização de tratados internacionais como prova de costumes internacionais, assim asseverou Geraldo Eulálio do Nascimento e Silva:

 

Resumindo, regras constantes em convenções não ratificadas podem ser consideradas como direito internacional existente se elas derivam de direito internacional geral, ou seja, quando a convenção atua de ‘lege lata’. No caso das convenções que atuam de ‘lege ferenda’, as regras podem ser aceitas como direito costumeiro quando Estados, ou mais precisamente Estados não ratificantes, sentem que elas dizem respeito a uma obrigação legal. (SILVA apud BAHIA, 2000, p. 15)

 

O atual consultor jurídico do MRE, Antônio Paulo Cachapuz de Medeiros também afirma ser essa posição adotada pelo ministério brasileiro, e exemplifica que a situação, não ocorre apenas com a República Federativa do Brasil, como se observa: “O Itamaraty procura pautar sua atividade na negociação de tratados de acordo com a Convenção de Viena, apesar de não ter sido ratificada, assim como ocorre com o Departamento de Estado norte-americano.” (MEDEIROS, 2004, p. 493)

Vai ainda pontuar o consultor jurídico que, a CIJ já se manifestou em dois casos, os quais sejam, o da “Plataforma Continental do Mar do Norte”, em 1969 e no “Parecer sobre as Conseqüências Jurídicas da presença contínua da África do Sul na Namíbia”, em 1971, nos quais interpretaram que, ao existir uma regra codificada, mas não ratificada (primeiro caso enfrentado) ou em não vigor (segundo caso enfrentado) podem ser consideradas como regras consuetudinárias.

Asseverou Medeiros que:

 

[…] a Corte Internacional de Justiça, na sentença do [primeiro] caso […], reconheceu que um tratado pode representar a exigência de regras internacionais consuetudinárias em três hipóteses: quando der forma escrita a uma regra costumeira que já existia antes; quando for o último passo de uma cadeia de acontecimentos que levam à formação de um costume; quando estabelecer uma regra que vier a ser confirmada pela prática subseqüente dos Estados. (MEDEIROS, 2004, p. 442-443) (grifo nosso)

 

Cumpre destacar que o consultor jurídico, leva em consideração o ponto de vista de Richard R. Baxter e Louis B. Sohn (MEDEIROS, 2004, p. 443) de que, se os Estados aplicam uma regra positivada em um ato internacional, e com ela agem, mesmo que o referido ato, não esteja por algum deles ratificado, isto leva a uma presunção notória de que aquela regra se transformou em um costume internacional, e que a “posteriori”, quando ratificadas por aqueles, se tornará uma norma positivada, já não mais costumeira, mas oriunda de um costume.

Esta interpretação nos parece lógica e coerente com a própria formação e evolução do Direito Internacional Público, vez que a codificação, não suprime ou afasta de aplicação as regras consuetudinárias, mas como, vai se frisar adiante, que um dos sustentáculos para a codificação do Direito das Gentes, é a segurança jurídica da aplicação de suas normas.

Por fim, cabe expor que na data de 25 de Setembro de 2009, a República Federativa do Brasil, enviou ao Secretário Geral das Nações Unidas, o seu instrumento de ratificação da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, conforme o portal da Coleção de Tratados da ONU, sendo que seus trâmites no âmbito interno se iniciaram em 1992, e a aquiescência do Congresso Nacional sendo emitida em 2009.

 

3. A relação entre o direito internacional e o direito interno

 

 

Enveredar nas relações do DIP com o Direito Interno (DI) é um convite ao debate de doutrinas que se propõem, a dar uma solução lógica e coerente para uma problemática complexa, quanto deixar a cargo dos tribunais, a decisão sobre qual norma aplicar em um caso concreto: a do DIP ou a do DI.

Neste ponto, vai assinalar Valerio Mazzuoli que:

 

Esse problema apresenta dois aspectos: um teórico, consistente no estudo da hierarquia do Direito Internacional frente ao Direito interno estatal; e outro prático, relativo à efetiva solução dos conflitos porventura existentes entre a normativa internacional e as regras de Direito Interno. (MAZZUOLI, 2007, p. 53)

 

E mais a frente, vai pontuar que “[…] a questão pode ser colocada sob dois pontos de vistas: o do Direito Internacional, que enxerga o problema de fora para dentro; e o do Direito interno que visualiza de dentro para fora.” (MAZZUOLI, 2007, p. 53-54)

João Hermes Pereira de Araújo explicita que a adoção de alguma das duas teses, que abordam o relacionamento do DIP com o DI, gera inúmeras conseqüências práticas no dia-a-dia dos Estados, e conforme seu pensamento assenta que: “É evidente que a posição doutrinária adotada repercutirá, de maneira decisiva, no sistema de integração dos tratados e convenções ao direito interno das partes contratantes.” (ARAÚJO, 1958, p. 243)

Dado que “As relações entre o direito internacional e o direito interno (estatal) correspondem a tema da maior significação […] no âmbito do direito das gentes […]” (BAHIA, 2000, p. 70), é que se abordará neste capítulo, em que apresentaremos as doutrinas dualistas e monistas, e o pensamento de seus defensores.

Até porque, nos dias atuais, a discussão acerca destas, se demonstra irrelevante, como menciona o jurista José Carlos de Magalhães ao expor sobre as mesmas:

 

Tal polêmica, na verdade, pode-se considerar ultrapassada, uma vez que a questão se cinge ao exame da Constituição do país e dos mecanismos por ela adotados para a celebração e ratificação dos tratados. Trata-se, assim, de matéria constitucional, mais do que internacional, devendo-se sempre examinar a Constituição para se verificar a constitucionalidade de um tratado e, assim, sua regularidade perante a ordem interna. (MAGALHÃES, 2000, p. 18)

 

A esta mesma conclusão, chegou a corte constitucional brasileira, quando no exame da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) Nº. 1.480/DF, cuja ementa e com base no voto do Ministro Celso de Mello, assim expõe:

 

É na Constituição da República – e não na controvérsia doutrinária que antagoniza monistas e dualistas – que se deve buscar a solução normativa para a questão da incorporação dos atos internacionais ao sistema de direito positivo interno brasileiro. (STF. ADI Nº. 1.480/DF, Rel. Min. Celso de Mello, jul. 4/09/97)

 

De fato que Hans Kelsen, já vislumbrava que esta opção deveria ser tomada pelo legislador constituinte, e expressa isso com os seus dizeres: “A ciência jurídica apenas pode apresentar as duas e verificar que um ou outro dos sistemas de referência tem de ser aceito quando se pretende definir a relação entre Direito internacional e Direito interno.” (KELSEN, 1998, p. 244)

Não obstante a estas considerações, se faz pertinente conhecer estas doutrinas, como frisa Vicente Marotta Rangel que: “O estudo do quadro de relacionamento do Direito Internacional Público com o direito interno e a busca de equacionamento jurídico para a superação dos problemas a ele associados […]” (RANGEL apud DALLARI, 2003, p. 8) é pertinente, ao passo, em que, quando abordarmos o direito constitucional comparado, e a própria opção brasileira, se vislumbrará, qual destas foram adotadas pelas cartas políticas dos Estados mencionados.

 

 

3.1. Dualismo

 

 

A expressão dualismo foi cunhada pelo jurista alemão Alfred Verdross no ano de 1914, porém Celso D. de Albuquerque Mello informa que: “[…] Verdross reconheceu a deficiência do termo, uma vez que não existe apenas um direito interno, sendo portanto mais correto denominá-la de pluralista.” (MELO, 2004, p. 122)

Pluralista é a tese, ou doutrina em que informa que, há dois sistemas jurídicos distintos, que não se conflitam, uma vez que as normas de um não têm aplicação no âmbito de validade do outro. Neste passo, é claro pontuar que se trata de uma tese que apregoa a nítida separação entre o DIP e o DI.

Pode-se afirmar que o primeiro estudo da matéria fora realizado por Heinrich Triepel, em 1899, em seus estudos denominado de “O direito internacional e direito nacional[2]” (tradução nossa), no qual o autor entende que o Direito Internacional Público e o Direito Interno, são sistemas jurídicos diferentes, sendo então independentes, e tal entendimento resulta de três diferenças que pontua sobre as duas ordens jurídicas as quais sejam, conforme Mello (2004):

 

1.      A diferença das relações sociais;

2.      A diferença das fontes normativas;

3.      A diferença das estruturas normativas.

 

Expõe Celso D. de Albuquerque Mello, que a primeira diferença que suscita Triepel, é que “[…] na ordem internacional o Estado é o único sujeito de direito enquanto na ordem interna aparece o homem também como sujeito de direito.” (MELO, 2004, p. 121)[3]

Quanto a segunda diferença que o jurista alemão apregoa para a separação das ordens jurídicas, é que “[…] o Direito Interno é o resultado da vontade de um Estado, enquanto o [DIP] tem como fonte a vontade coletiva dos Estados, que se manifesta expressamente nos tratados-leis e tacitamente no costume internacional.” (MELO, 2004, p. 121)

E finalmente sobre a terceira diferença, apresenta que “[…] a [estrutura] interna está baseada em um sistema de subordinação e a internacional na coordenação.” (MELO, 2004, p. 122)

Com estas considerações, se compreende que as duas ordens jurídicas, podem conviver lado a lado, sem haver a sobreposição ou a prevalência de uma ordem ante a outra, ou seja, nenhum preceito do Direito das Gentes tem o condão de revogar outro preceito que esteja inserido no Direito Interno de um Estado.

Valerio de Oliveira Mazzuoli ao lecionar sobre esta teoria, faz considerar que “[…] quando um Estado assume um compromisso exterior o está aprovando tão somente como fonte do Direito Internacional, sem qualquer impacto ou repercussão no seu cenário normativo interno.” (MAZZUOLI, 2007, p. 54)

Então a teoria dualista, vai entender que, compete ao Direito Internacional Público apenas regular as relações que mantém, os Estados entre si e com as organizações internacionais. Já o Direito Interno ficaria a par de regular a conduta entre os Estados e seus indivíduos, pontuando a clara distinção de que, as ordens jurídicas não se misturam, tendo cada uma, um âmbito de atuação próprio.

Como enunciado pelo internacionalista, a norma de DIP, somente terá repercussão no âmbito normativo interno de um Estado, segundo a teoria dualista, quando àquela norma, perpassar por um procedimento que a transforme em lei interna. E neste sentido Mazzuoli expõe que “[…] nesta concepção, o Estado recusa aplicação imediata ao Direito Internacional, só alcançável por meio de procedimento incorporativo próprio do Direito interno.” (MAZZUOLI, 2007, p. 55) (grifo nosso).

Destaca-se, que o procedimento deve ser próprio do Direito interno do Estado, assim, não será por um ato internacional que irá regular, como se dará a incorporação da norma convencional àquele Direito. E frisa-se que este procedimento, em suma, vem a ser explicitado pelas cartas políticas ou, mormente, por legislação especial.

No Brasil, cumpre destacar que esta teoria fora defendida, por Amilcar de Castro[4], e que também, é assumida pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que se faz por meio do dualismo moderado, não exigindo para a devida incorporação do tratado a legislação brasileira, a edição de uma lei nacional, como propugna os dualistas radicais.

Pode-se bem observar, a posição que toma a corte constitucional brasileira, pelo voto do Ministro Celso de Mello, na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) Nº. 1.480/DF, que é o caso base, quando se trata de internalização de atos internacionais:

 

Não obstante tais considerações, impende destacar que o tema concernente à definição do momento a partir do qual as normas internacionais tornam-se vinculantes no plano interno excede, em nosso sistema jurídico, à mera discussão acadêmica em torno dos princípios que regem o monismo e o dualismo, pois cabe à Constituição da República – e a esta, somente – disciplinar a questão pertinente à vigência doméstica dos tratados internacionais.

Sob tal perspectiva, o sistema constitucional brasileiro – que não exige a edição de lei para efeito de incorporação do ato internacional ao direito interno (visão dualista extremada) – satisfaz-se, para efeito de executoriedade doméstica dos tratados internacionais, com a adoção de iter procedimental que compreende a aprovação congressional e a promulgação executiva do texto convencional (visão dualista moderada).

[…]

A própria jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, ao analisar a questão pertinente à inserção dos atos internacionais no âmbito do direito positivo interno brasileiro, destacou – na perspectiva da disciplina constitucional que rege esse processo de recepção – que, “Aprovada essa convenção pelo Congresso Nacional, e regularmente promulgada, suas normas têm aplicação imediata, inclusive naquilo em que modificarem a legislação interna.” (RTJ 58/70, Rel. Min. Oswaldo Trigueiro). (STF. ADI Nº. 1.480/DF, Rel. Min. Celso de Mello, jul. 4/09/97) (grifo nosso)

 

Como visto, é clara a orientação da corte, no exercício interpretativo das disposições constitucionais. O Ministro relator da ação em comento, explicita ainda que:

 

O exame da Carta Política promulgada em 1988 permite constatar que a execução dos tratados internacionais e a sua incorporação à ordem jurídica interna decorrem, no sistema adotado pelo Brasil, de um ato subjetivamente complexo, resultante da conjugação de duas vontades homogêneas: a do Congresso Nacional, que resolve, definitivamente, mediante decreto legislativo, sobre tratados, acordos ou atos internacionais (CF, art. 49, I) e a do Presidente da República, que, além de poder celebrar esses atos de direito internacional (CF, art. 84, VIII), também dispõe – enquanto Chefe de Estado que é – da competência para promulgá-los mediante decreto. (STF. ADI Nº. 1.480/DF, Rel. Min. Celso de Mello, jul. 4/09/97) (grifos nossos)

 

É notória a posição de nossa corte, que não exige a transformação do ato internacional em lei interna, fazendo-se filiar aos dualistas moderados. Não obstante, se aquele ato deveria ser transformado em lei, “abusa” de certa forma a própria corte do princípio da legalidade, que o legislador constituinte fez inserir no artigo 5º, que determina:

 

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[…]

II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de LEI; (BRASIL, 1988) (grifo nosso)

 

Ora, o decreto presidencial, que determina a fiel execução daquela norma convencional não é uma Lei em sentido estrito, vez que este se presta, tão somente a regulamentar a lei, para a sua fiel execução, observado o limite material e formal que aquela determina, fazendo com que reclame uma regulamentação a ser expedida pelo Poder Executivo.

Então, esta explicito que há uma ausência normativa constitucional, especialmente no que tange a legalidade em se impor os preceitos de um ato internacional, no direito interno brasileiro, que não por meio de lei, a qual efetivamente obriga alguém a fazer ou deixar de fazer, sendo uma das críticas que se faz a posição, que repousa o entendimento e a jurisprudência de nossa corte constitucional.

 

 

3.2. Monismo

 

 

O monismo surge como uma teoria a contrapor o dualismo, pregando a unidade do Direito, ou seja, a unidade entre as normas jurídicas, não importando quais sejam elas: internas ou internacionais.

Segundo Mirtô Fraga citando Chales Rousseau:

 

A teoria monista foi construída sob o princípio da subordinação em razão do qual todas as normas jurídicas se acham subordinadas entre si, numa ordem rigorosamente hierárquica. Imediatidade das normas internacionais em relação ao direito interno, divergências de grau e não de essência entre um e outro ramo do Direito, opção imperiosa por uma das ordens conflitantes são, também pontos doutrinários do monismo. (ROUSSEAU apud FRAGA, 2001, p. 7)

 

Em síntese, insta em pontuar que esta teoria, nas palavras de Valerio Mazzuoli, compreende que “[…] o Direito Internacional e o Direito interno são dois ra­mos do Direito dentro de um só sistema jurídico.” (MAZZUOLI, 2007, p. 58)

Indo além, vai dizer que:

 

[…] o Direito Internacional e o Direito interno convergem para um mesmo todo harmônico, em uma situação de superposição em que o Direito interno integra o Direito Internacional, retirando deste a sua validade lógica. […] Nesta ordem de idéias [dois círculos superpostos (concêntricos) {DIP e o DI}], podem existir certos assuntos que estejam sob a jurisdição exclusiva do Direito Internacional, o mesmo não ocorrendo com o Direito Interno, que não tem jurisdição exclusiva, vez que tudo o que por ele pode ser regulado, também o pode ser pelo Direito Internacional, sistema de onde retira o seu funda­mento último de validade. (MAZZUOLI, 2007, p. 59)

 

Mas já dizia Hans Kelsen:

 

Se o Direito internacional e o Direito estadual formam um sistema unitário, então a relação entre eles tem de ajustar-se a uma das duas formas expostas. O Direito internacional tem de ser concebido, ou como uma ordem jurídica delegada pela ordem jurídica estadual e, por conseguinte, como incorporada nesta, ou como uma ordem jurídica total que delega nas ordens jurídicas estaduais, supra-ordenada a estas e abrangendo-as a todas como ordens jurídicas parciais. Ambas estas interpretações da relação que intercede entre o Direito internacional e o Direito estadual representam uma construção monista. A primeira significa o primado da ordem jurídica de cada Estado, a segunda traduz o primado da ordem jurídica internacional. (KELSEN, 1988, p. 233)

 

Então esta teoria considera o Direito como um todo uniforme, coordenado e que vai regular as atividades de todos que compõem a sociedade internacional: Es­tados, Organizações Internacionais e os indivíduos.

O monismo é defendido pelos seguintes teóricos: Hans Kelsen, Alfred Verdross, Mirkine-Guetzévitch, Hersch Lauterpacht, e no Brasil por: Haroldo Valadão, Hildebrando Accioly, Celso D. de Albuquerque Melo (2004), Antônio Paulo Cachapuz de Medeiros (1995) e Mirtô Fraga (2001).

Contudo, o monismo apresenta um grande problema, que é a questão de qual norma seria aplicável em um dado caso concreto, haja vista que se debaterá a hie­rarquia das normas, e qual delas deverá prevalecer.

Para este incidente, os teóricos monistas se dividem em dois grupos a saber: aqueles que compreendem a prevalência das normas internacionais ante as normas internas, sendo denominados de monistas internacionalistas; e os que compreen­dem a prevalência das normas internas ante as internacionais, denominados de monistas nacionalistas.

Aprofundaremos mais adiante a questão que se impõe a esta teoria, dada a sua relevância.

 

 

3.2.1. Monismo nacionalista

 

 

Este ramo da teoria monista, vai compreender a problemática exposta, no sentido de que, o ordenamento interno de cada Estado deve ter prevalência ante as normas internacionais. Nas palavras de Valerio Mazzuoli:

 

Segundo esta concepção, o Direito Internacional não seria mais que uma consequência do Direito interno. Trata-se da doutrina constitucionalista nacionalista, cujas bases filosóficas encontram guarida no sistema de Hegel (1770-1831), que vê no Estado um ente cuja soberania (correspondente ao imperium do direito romano) é irrestrita e absoluta (a lei suprema sobre a Terra). (MAZZUOLI, 2007, p. 64)

 

Neste passo, consideram os adeptos desta teoria que o Estado é detentor de uma soberania absoluta, não chegando admitir a possibilidade de estarem subjulgados a qualquer outra ordem normativa, que não derivada de sua vontade, ou seja, que não o seu próprio Direito.

Contudo, vão considerar e trabalhar a idéia de que o Direito Internacional para ter reflexos no Direito interno, aquele deverá se integrar a este, devendo sobretudo respeitar os ditames que estatui a Constituição de cada Estado, salvaguardando a sua soberania, como expõe Mazzuoli:

 

Os monistas defensores do predomínio interno, dão, assim, especial atenção à soberania de cada Estado, levando em consideração o princípio da supremacia da Constituição, onde devem ser encontradas as regras relativas ao exato grau hierárquico atribuído às normas internacionais escritas e costumeiras. (MAZZUOLI, 2007, p. 65)

 

Conforme Patrícia Henriques Ribeiro, “[…] entre os seus adeptos encontram-se Wenzel, os irmãos Zorn e Chailley, […]” (RIBEIRO, 2001, p. 62), além da escola russa, tendo como expoente Vychinshy, que expõe que “[…] o Direito interno é a fonte e a base da política e dos métodos que regulamentam as relações dos Estados entre si, acrescentando que a política exterior é um prolongamento da interna […]” (ARAÚJO apud RIBEIRO, 2001, p. 65)

Dito isto, cumpre-nos destacar o pensamento de Charles Rousseau, citado por Mirtô Fraga (2001, p. 7), expondo os principais argumentos desta teoria, em que aduz:

 

a.    A ausência de uma autoridade supra-estatal, pelo que cada Estado compete determinar, livremente, suas obrigações internacionais, sendo, em princípio, juiz único da forma de executá-las;

b.    O fundamento puramente constitucional dos órgãos competentes para concluir tratados em nome do Estado, obrigando-o no plano internacional.

 

Ainda conforme Rousseau expõe Mirtô Fraga, que este vai rechaçar cada um dos argumentos, dizendo que:

 

[…] o primeiro só é válido em relação aos tratados, não se aplicando às demais fontes do Direito Internacional Público (DIP). Quanto ao segundo, ele o declara em contradição com o Direito Internacional Positivo, porque, se as obrigações internacionais do Estado se fundassem na constituição estatal, sua validade se subordinaria à da Constituição que lhes deu origem e se tornariam caducas cada vez que se fizesse nova Carta, uma nova ordem constitucional. Ocorre na prática internacional, a observância dos tratados, ainda quando haja modificações internas, em razão do princípio da continuidade ou da identidade do Estado. (FRAGA, 2001, p. 7) (grifo nosso)

 

Portanto a teoria monista nacionalista, é o resultado “[…] de um voluntarismo uni-estadual, podendo considerá-lo uma negação ao Direito internacional.” (RIBEIRO, 2001, p. 61).

E Mazzuoli também firma a sua posição, no mesmo sentido que Patrícia Ribeiro, expondo que:

 

Admitir uma tal doutrina, absurda e inconsequente, equivale a negar o fundamento de validade do Direito Internacional e, consequentemente, a própria existência como ramo da ciência jurídica, o que já é suficiente para qualificá-la como desprovida de fundamento. Como já se falou, não existe Estado isolado, flutuando no espaço ou no vácuo. Todos eles se encontram dentro de uma sociedade internacional. Se é desta sociedade que florescem as normas que estruturam o sistema internacional e regulam a conduta dos Estados em suas relações recíprocas, também é desta mesma sociedade que nascem os limites às regras do Direito interno estatal. (MAZZUOLI, 2007, p. 65)

 

Concordamos com a posição dos juristas, de que o fundamento de validade para os Estados e logo as suas Constituições, perpassam pelos atos internacionais que este celebrar, impondo assim, limite a sua atuação, de tal modo que preserve o bem maior que almeja a sociedade internacional: a paz.

 

 

3.2.2. Monismo internacionalista

 

 

A teoria monista internacionalista foi desenvolvida principalmente pela Escola de Viena, tendo como grandes representantes Hans Kelsen, Alfred Verdross e Josef Kunz, também creditado aos teóricos franceses Georges Scelle, Duguit e Politis, especialmente a partir da Segunda Guerra Mundial, conforme Ribeiro (2001), Fraga (2001), Melo (2004) e Mazzuoli (2007).

Vão sustentar estes teóricos que o Direito interno deriva do Direito Internacional, sendo a última, uma ordem jurídica hierarquicamente superior, posto que “[…] as normas internacionais acabam por determinar a competência daquelas [normas internas] […]” (RIBEIRO, 2001, p. 67), sendo uma das justificativas da hierarquia do DIP ante as normas estatais internas.

Kelsen pontua que:

 

[…] quando se considere o Direito internacional, não como parte integrante da ordem jurídica estadual, mas como única ordem jurídica soberana, supra-ordenada a todas as ordens jurídicas estaduais e delimitando-as, umas em face das outras, nos respectivos domínios de validade, quando se parta, não do primado da ordem jurídica estadual, mas do primado da ordem jurídica internacional. Esta contém de fato uma norma que representa o fundamento de vigência das ordens jurídicas estaduais. Por isso, o fundamento de vigência da ordem jurídica estadual pode ser encontrado no Direito internacional positivo. […] Este fundamento de vigência apenas pode, então, ser a norma fundamental do Direito internacional que, portanto, é o fundamento mediato de vigência da ordem jurídica estadual. Como genuína norma fundamental, não é uma norma posta mas uma norma pressuposta. Ela representa o pressuposto sob o qual o chamado Direito internacional geral, isto é, as normas globalmente eficazes, que regulam a conduta de todos os Estados entre si, são consideradas como normas jurídicas que vinculam os Estados. Estas normas são criadas pela via de um costume que é constituído pela conduta efetiva dos Estados, isto é, pela conduta dos indivíduos que, de acordo com as ordens jurídicas estaduais, funcionam como governos. […] Uma das normas jurídicas de Direito internacional geral produzidas por via consuetudinária reconhece aos Estados poder para regular as suas relações mútuas através de tratados. Nesta norma consuetudinariamente criada têm o seu fundamento de vigência as normas jurídicas do Direito internacional criadas por tratados. Esta norma é usualmente formulada no princípio: pacta sunt servanda. Na norma fundamental pressuposta do Direito internacional que institui o costume dos Estados como fato gerador de Direito exprime-se um princípio que é o pressuposto fundamental de todo Direito consuetudinário […] (KELSEN, 1998, p. 150-151) (grifos nossos)

 

Como explicitado, o que dá sustentáculo ao primado das normas internacionais ante as normas internas, é o princípio “pacta sunt servanda”, e este como se viu, é considerado como a norma mais elevada da ordem jurídica mundial, decorrente da conduta efetiva dos Estados e indivíduos.

Assim, está constituída a norma fundamental do Direito Internacional, ou a “Grundnorm” que dizia Hans Kelsen, tomando como base, a sua construção escalonada do ordenamento jurídico.

No que toca ao problema da hierarquia entre as normas do DIP e do DI, pode-se compreender uma simples solução, que é a prevalência das normas do primeiro, em detrimento daquela que lhe vai contra.

Sobre a existência de normas contrárias ao DIP, vai dizer Mazzuoli que:

 

A consequência lógica da existência de normas internas contrárias ao Direito Internacional é a configuração da responsabilidade internacional do Estado em causa. É dizer, o instituto da responsabilidade internacional do Estado passa a ser a sanção eleita pelo sistema jurídico internacional como forma de manter o predomínio do Direito Internacional sobre o Direito interno estatal. (MAZZUOLI, 2007, p. 61)

 

Na defesa deste primado fundado no princípio “pacta sunt servanda”, a Corte Permanente de Justiça Internacional (CPJI), declarou em 1930 a superioridade do DIP ante o DI, como informa Mazzuoli: “É princípio geral reconhecido, do Direito Internacional, que, nas relações entre potências contratantes de um tratado, as disposições de uma lei não podem prevalecer sobre as do tratado.” (MAZZUOLI, 2007, p.62)

Vai dizer Celso D. de Albuquerque Mello, em reforço a defesa do primado do DIP, que este:

 

[…] ocorre na prática internacional, como se pode demonstrar com duas hipóteses: a) uma lei contrária ao DI [Direito Internacional] dá ao Estado prejudicado o direito de iniciar um “processo” de responsabilidade internacional; b) uma norma internacional contrária à lei interna não dá ao Estado direito análogo ao da hipótese anterior. Podemos citar ainda em favor do monismo com primazia do DI a formação de uma nova fonte formal na nossa matéria: [os atos internacionais]. Esta, muitas vezes, se dirige diretamente ao indivíduo sem que haja transformação em lei interna. (MELO, 2004, p. 124)

 

Cumpre-nos destacar ainda nas palavras de Valerio de Oliveira Mazzuoli, que a adoção pela CVDT de 1969, em seus artigos vinte e seis (26) e vinte e sete (27), que mencionam a respeito da observância dos tratados e da não invocação do Direito interno para o não cumprimento daqueles, “[…] que a obrigação de respeitar os tratados é um princípio necessário do Direito Internacional; necessário porque sem ele a segurança das relações entre os povos e a paz internacional seriam impossíveis.” (MAZZUOLI, 2007, p. 204)

E, finalizando:

 

O monismo internacionalista, ao nosso ver, configura posição mais acertada e consentânea com os novos ditames do Direito Internacional contemporâneo. Além de permitir o solucionamento de controvérsias internacionais, dando operacionalidade e coerência ao sistema jurídico, fomenta o desenvolvimento do Direito Internacional e a evolução da comunidade das nações rumo à concretização de uma comunidade internacional universal, ou seja, a ‘civitas’ máxima. É a única doutrina, hoje, que se compadece com o aumento das relações jurídicas, coincidente com a situação internacional moderna. (MAZZUOLI, 2007, p. 63)

 

Seguimos o jurista, pois a prática internacional, já desponta que em tempos globalizados e de mútua interdependência, é preciso adotar os preceitos do DIP em sua plenitude, para que a sociedade internacional como um todo, não padeça em crises e nem seja destruída pela ambição de poucos, que detém armas atômicas subjulgando os demais Estados.

 

4. Os atos internacionais no direito constitucional comparado

 

 

O conhecimento do Direito Constitucional estrangeiro se faz pertinente, porquanto que, se terá parâmetros de comparação e de aferição das limitações, quanto à questão da internalização e da observância dos atos internacionais, em face do Direito Constitucional brasileiro, que é o principal enfoque deste estudo diante do notório crescimento do Direito Convencional.

Pedro Dallari expõe que:

 

O cenário referente ao tratamento oferecido ao tema da recepção – e eventual integração – dos tratados nos sistemas constitucionais espalhados pelo globo sofreu modificação sensível desde a análise produzida por Antonio Cassese, conduzida na metade da década de 1980 à luz de uma realidade já superada por acontecimentos de enorme impacto na ordem internacional. (DALLARI, 2003, p. 24)

 

A propósito da realidade a que se refere o jurista, pode-se dizer que foram: a evolução da Comunidade Européia do Carvão e do Aço (CECA) e da Comunidade Européia da Energia Atômica (EURATOM) para a atual União Européia (UE), passando de mercado comum, até a união econômica monetária, na qual teve “[…] como consequência a necessidade de os sistemas constitucionais nacionais adaptarem-se a uma primazia sem precedentes conferida a normas de caráter supranacional.” (DALLARI, 2003, p. 25)

E também o movimento democratizante na América Latina, que propiciou a formação de blocos de integrações regionais, dentre os quais, o Mercado Comum do Sul (MERCOSUL), aliada a reflexos tímidos de constitucionalização, na qual se deu uma maior ênfase à integração e ao Direito Internacional.

Ao considerar o período vivenciado e a evolução do Direito Internacional até os dias atuais, vai nos informar Valerio de Oliveira Mazzuoli que “Modernamente, vários são os Estados em cujas Constituições existem regras expressas e bem delineadas sobre as relações entre o direito internacional público e o direito interno.” (MAZZUOLI, 2007, p. 66)

Indo além Saulo José Casali Bahia, considera que:

 

[…] vive-se uma fase de intensa constitucionalização do direito internacional, “pela qual os sistemas jurídicos fundamentais passam a absorver normas daquela matéria, inclusive no que concerne à forma de serem recebidas, no ordenamento interno, aquelas que advenham de tratados internacionais ou dos atos que lhes sigam e, […]” (BAHIA, 2000, XIII) (ROCHA apud BAHIA, 2000, XIII)

 

Preconiza Pedro Dallari que:

 

O exame dos diferentes modelos […] permite aferir as limitações que efetivamente se impõem à plena observância dos tratados no âmbito do sistema jurídico de cada Estado, em que pese a crescente propensão à pactuação na esfera do Direito Internacional Público. O próprio Cassese conclui sua análise dos sistemas e de suas respectivas categorias de modo pouco entusiasmado: “Mesmo os poucos países (como a França, os Estados Africanos que se seguiram o modelo francês e de alguns países latino-americanos), que façam prevalecer sobre a legislação ordinária, os tratados, muitas vezes adicionam uma cláusula (cláusula de reciprocidade), que poderá revelar-se como prejudicial, ou pelo menos reduzir, a modernização dos tratados[5]” (DALLARI, 2003, p. 23, tradução nossa)

 

Pode se falar em uma sucinta classificação das cartas políticas dos Estados, em vista do que as mesmas dispõem a cerca da recepção dos atos internacionais em suas ordens jurídicas, classificando-as da seguinte forma:

 

a.    Que contém cláusulas de adoção do Direito Internacional pelo Direito Interno, sem primazia;

b.    Que contém cláusulas de adoção do Direito Internacional pelo Direito Interno, com primazia do Direito Internacional;

c.    Que não contém cláusulas de adoção do Direito Internacional pelo Direito Interno.

 

Cumpre considerar que esta classificação, que é levada a cabo, por Mazuolli (2007), Dallari (2003) e Mirtô Fraga (2001), é que se fará uma breve exposição, das disposições constitucionais estrangeiras atuais e vigentes, com o intuito de apenas exemplificar como a questão é tratada em outros ordenamentos jurídicos.

4.1. Constituições com recepção do Direito Internacional sem primazia

 

 

Neste rol, encontra-se às Constituições, as quais não dão nenhuma primazia, ou preferência, seja para o Direito Internacional Público ou Direito Interno, apenas tratam de proclamar que recebem as normas internacionais em seus ordenamentos, como parte de sua legislação infraconstitucional.

Em face da ausência de uma opção do legislador constituinte, pela primazia ao DIP ou ao seu DI, cujos trechos de suas cartas apresentamos, vislumbra-se apenas uma saída, para a solução da produção de normas antinômicas, entre a legislação internacional e a legislação interna.

A solução que aponta o internacionalista Valerio de Oliveira Mazzuoli, será a utilização da regra hermenêutica: lei posterior revoga lei anterior que com ela conflita (lex posterior derogat legi priori). Não obstante, essa solução hermenêutica que se dá para tal caso, é contraditória aos preceitos da CVDT de 1969, que em seu artigo 27 (vinte e sete), veda a invocação do direito interno para descumprir com o ato internacional pactuado.

Afinal, não pode ser a criação de lei interna a forma do Estado pactuante do ato internacional, de se ver desobrigado do que fora acordado em âmbito internacional, junto à outra parte, pois essa atitude seria uma afronta ao Direito Internacional e a boa fé dos pactuantes.

Como exemplo de cartas políticas que aceitam o Direito Internacional, sem dar nenhuma preferência, temos a Constituição Austríaca, que foi adotada em 1º de Outubro de 1920, e reinstalada em 1º de Maio de 1945, quando aquele país, a Áustria voltou a ser soberana, sem a presença da Alemanha nazista, e que no seu artigo 9 (nove), parágrafo primeiro preceitua:

 

Artigo 9

(1) As regras geralmente reconhecidas do direito internacional são considerados como parte integrante de lei federal.[6] (AUSTRIA, 1920, tradução nossa)

A Constituição Espanhola de 27 de Outubro de 1978, traz disposição de aceitação expressa do Direito Internacional, porém, não adota nenhuma preferência, entre a lei internacional ou interna, como podemos constatar do seu artigo 96 (noventa e seis), parágrafo 1º (primeiro), na primeira parte:

 

Artigo 96

1. Os tratados internacionais validamente celebrados, uma vez publicados oficialmente na Espanha, formarão parte do ordenamento interno. Suas disposições só poderão ser derrogadas, modificadas ou suspendidas na forma previstas nos próprios tratados ou de acordo com as normas gerais de Direito Internacional.[7] (ESPANHA, 1978, tradução nossa) (grifos nossos)

 

Porém, a mesma carta faz uma ressalva quanto à matéria de proteção dos Direitos Humanos, que está inserida no artigo 10 (dez), parágrafo 2º (segundo), que segundo Valerio Mazzuoli, é uma cláusula de exceção à regra geral, e que dá prevalência pelas normas internacionais:

 

Artigo 10

[…]

2. As normas relativas aos direitos fundamentais e as liberdades que a Constituição reconhece, se interpretarão de conformidade com a Declaração Universal de Direitos Humanos e os tratados e acordos internacionais sobre as mesmas matérias ratificadas pela Espanha.[8] (ESPANHA, 1978, tradução nossa)

 

No mesmo sentido, seguirão outras cartas, de Estados que eram colônias espanholas, como preceitua a Carta Peruana de 1993, que dispõe em seu artigo 55 (cinqüenta e cinco): “Os tratados celebrados pelo Estado e em vigor formam parte do direito nacional.” (MAZZUOLI, 2007, p.67).

Pontue-se que a mesma ressalva quanto à matéria de Direitos Humanos, que faz a Constituição Espanhola de 1978, a Carta Peruana, também a toma, em redação idêntica aquela, nas suas disposições finais e transitórias, na seção quarta.

Também em sentido comum às demais cartas já relacionadas, temos a Constituição Portuguesa, de 2 de Abril de 1976, que também faz aceitação expressa das normas de Direito Internacional, sem dar nenhuma prevalência, como se observa das disposições do artigo 8º (oitavo), parágrafo 1º (primeiro) e 2º (segundo):

 

Artigo 8.º (Direito internacional)

1. As normas e os princípios de direito internacional geral ou comum fazem parte integrante do direito português.

2. As normas constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas vigoram na ordem interna após a sua publicação oficial e enquanto vincularem internacionalmente o Estado Português. (PORTUGAL, 1976)

 

Como já mencionado, a exemplo das cartas espanholas e peruanas, a carta lusitana, também abre uma exceção a sua regra, e que Valerio Mazzuoli expõe que “[…] a Constituição Portuguesa de 1976, […], tem regra expressa consagrando o primado do Direito Internacional sobre o Direito Interno, no que trange aos tratados internacionais de Direitos Humanos […]” (MAZZUOLI, 2007, p. 68).

 

 

4.2. Constituições com recepção do Direito Internacional com primazia internacional

 

 

A respeito destas cartas magnas é imperioso dizer que um número crescente de Estados tem atribuído, hierarquia normativa superior dos atos internacionais frente às suas legislações ordinárias. (MAZZUOLI, 2007, p. 68)

Observa-se que as constituições a seguir mencionadas, trarão imperativos normativos determinando que os atos internacionais sobreponham a sua ordem jurídica interna.

Como exemplo, temos a Carta da República Federal da Alemanha, de 23 de Maio de 1949, que dispõe no seu artigo 25 (vinte e cinco), sobre a relação do Direito Internacional e a sua legislação:

 

Artigo 25 [Direito internacional público e a lei federal]

As regras gerais do direito internacional são parte do Federal alemão. Sobrepõem-se as leis e criam direitos e obrigações diretamente para os habitantes do território federal.[9] (ALEMANHA, 1949, tradução nossa)

 

Em mesmo sentido, a Constituição Francesa de 4 de Outubro de 1958, que submetida a plebiscito popular pelo governo do General Charles de Gaulle, naquele ano (MAZZUOLI, 2007, p.68), contém disposição expressa de aceitação do Direito Internacional, como se vê do artigo 55 (cinqüenta e cinco):

 

Artigo 55

Os tratados ou acordos devidamente ratificados ou aprovados terão, mediante sua publicação, uma autoridade superior à das leis, sob reserva, no que diz respeito a cada acordo ou tratado, a sua aplicação pela outra parte.[10] (FRANÇA, 1958, tradução nossa)

 

A Constituição da República de Honduras, de 11 de Janeiro de 1982, é um exemplo notório, quando expressa em seu artigo 16 (dezesseis), parágrafo 2º (segundo):

 

Artigo 16.

2. Os tratados internacionais celebrados por Honduras com outros Estados, uma vez que entrem em vigor, formam parte do Direito interno.[11] (HONDURAS, 1982, tradução nossa)

 

Além do dispositivo mencionado, a carta hondurenha, é bem simples e direta quando regula a relação do ato internacional com o seu Direito interno, estipulando no artigo 18 (dezoito) que: “Art. 18. Em caso de conflito entre tratado ou convenção e a Lei prevalecerá o primeiro.” (HONDURAS, 1982, tradução nossa)

Finalizando a análise das cartas com prevalência das normas internacionais, temos como exemplo a Constituição da República da Estônia, de 24 de Fevereiro de 1918, que é, certamente, um exemplo de regramento constitucional acerca da matéria, porquanto que suas disposições além de aceitar o Direito Internacional, que o faz no artigo 3º (terceiro), na segunda parte:

 

3. […] As regras gerais do direito internacional, universalmente reconhecidas são aplicadas na Estônia como formando parte integrante do direito estoniano. [12](ESTONIA, 1918, tradução nossa)

 

Também faz constar em seu texto, no artigo 123 (cento e vinte e três) que:

 

123. A República da Estônia não deve celebrar tratados internacionais que estão em conflito com a Constituição. Se leis ou outra legislação da Estônia estiverem em conflito com os tratados internacionais ratificados pelo Parlamento, as disposições do tratado internacional aplicável. [13](ESTONIA, 1918, tradução nossa) (grifo nosso)

 

A intenção do legislador constituinte daquele país é notória, pela opção de acatar as normas internacionais, mas sem violar a sua ordem constitucional, fazendo de forma imperativa, a negativa de que os atos internacionais não podem afrontar sua Lei Fundamental.

Tal posição é de grande importância, porquanto que, no momento da aplicação das normas que compõe o Direito Estoniano, haverá uma atuação hermenêutica do intérprete da lei, de que o dispositivo constitucional é preventivo, quando alerta que os atos internacionais, não podem ser conflitantes com a Carta Magna.

E será repressivo, em que irá assegurar que estes atos, se conflitarem com as demais leis da Estônia, serão superiores, indicando ao intérprete, que se deve, afastar a norma de origem doméstica do mundo jurídico, em observância a norma internacional.

 

4.3. Constituições sem recepção do Direito Internacional

 

 

Acerca destas constituições, cumpre destacar que são silentes, quanto a qualquer disposição imperativa ou normatização, determinando certas condutas aqueles a quem é atribuído o poder de celebrar tratados (treaty making power), quanto a sua incorporação ao Direito Interno, ou a observância do Direito Internacional.

Estas cartas se constituem como um contraponto a duas tendências evolutivas do Direito Internacional, tendências essas que Jorge Miranda (2000) denomina de institucionalização e funcionalização, na qual aduz:

 

[…] a institucionalização. O Direito Internacional deixa de ser um direito das relações bilaterais ou multilaterais entre os Estados. É um Direito presente cada vez mais nos organismos internacionais […]. …a funcionalização, relacionada com a institucionalização, num duplo sentido. Por um lado, o Direito Internacional extravasa cada vez mais o âmbito das meras relações externas e entre os Estados e penetra cada vez mais, em quaisquer matérias. (MIRANDA, 2000)

 

Das cartas políticas que nada disciplinam ou não recebem as normas internacionais, são poucas as que se encaixam nesta classificação, como veremos das disposições, do Reino Unido da Grã Bretanha e Irlanda do Norte, a do Estado de Israel.

Deve-se, contudo compreender que estas constituições, são classificadas como cartas não escritas e históricas, e Alexandre de Moraes, explica estas duas categorias de classificação constitucional:

 

Constituição não escrita é o conjunto de regras não aglutinado em um texto solene, mas baseado em leis esparsas, costumes e jurisprudências e convenções. […]

[…] a constituição histórica é fruto da lenta e contínua síntese da História e tradições de um determinado povo. (MORAES, 2007, p.4)

 

Também nesta classificação de constituições sem recepção do DIP, se insere a Constituição Federal da República Federativa do Brasil de 1988, que será analisada no capítulo seguinte.

O Reino Unido da Grã Bretanha e Irlanda do Norte, é um Estado cujo ordenamento jurídico está assentado na tradição da “common law”, que conforme Miguel Reale, aduz que:

 

[…] a tradição dos povos anglo-saxões, nos quais o Direito se revela muito mais pelos usos e costumes e pela jurisdição do que pelo trabalho abstrato e genérico dos parlamentos. Trata-se, mais propriamente, de um Direito misto, costumeiro e jurisprudencial. […] O Direito é, ao contrário, coordenado e consolidado em precedentes judiciais, isto é, segundo uma série de decisões baseadas em usos e costumes prévios. (REALE, 2004, p. 142)

 

Assim, não podemos esperar encontrar uma lei (Law), ou Ato do Parlamento (Parliament Act) que discipline ou regre a questão dos atos internacionais, como bem demonstra Rezek:

 

A originalidade do modelo britânico, construído sob o pálio de uma constituição costumeira, está no modo de enfocar a matéria. Ali, como nos sistemas até agora vistos, alguns tratados não prescindem do beneplácito parlamentar. Não se pretende, contudo, que seja esse um requisito de validade da ação exterior do governo, mas um elemento necessário a implementação do pacto no domínio espacial da ordem jurídica britânica. O governo é livre para levar a negociação de tratados até a fase última da expressão do consentimento definitivo, mas não deve deslembrar-se da sua inabilidade constitucional para alterar as leis vigentes no reino, ou para, de qualquer modo, onerar seus súditos ou reduzir-lhes os direitos sem que um ato do parlamento para isso ocorra. […] Concebe-se, porém que tratados da mais transcendente importância política sejam concluídos pela exclusiva autoridade do governo, desde que possa este, executá-lo sem onerar os contribuintes nem molestar, de algum modo, os cidadãos. (REZEK, 2004, p. 122-123)

 

Contudo, a prática constitucional britânica mostra que, o Parlamento não tem nenhum papel na formação dos tratados, pois esta competência cabe ao Executivo, que age em nome da Coroa.

O Parlamento Britânico somente dará sua aquiescência em três situações impares:

 

a.    Tratados com implicações financeiras diretas exigem o parecer favorável do Parlamento, porque afetam as receitas do Reino;

b.    Tratados que estipulam a necessidade de aprovação parlamentar;

c.    Tratados, que requerem ratificação estão sujeitos a regra “Ponsonby”. [14] (REINO UNIDO, 2006, p. 2, tradução nossa)

 

Mas um compromisso, iniciado em 1924, por Arthur Ponsonby, Subsecretário de Estado dos Negócios Estrangeiros, do primeiro governo do Primeiro Ministro James Ramsay MacDonald, acabou por se transformar em uma regra costumeira, que é observada até os dias atuais, e que sua exceção se faz presente, somente nos casos de emergenciais. (REINO UNIDO, 2006, p. 2-3, tradução nossa)

A regra “Ponsonby”, estabelece que qualquer tratado sujeito à ratificação ou acordo, compromissos e entendimentos que de alguma forma vincular o Reino, a uma ação específica em determinadas circunstâncias, deve ser apresentado ao Parlamento, para que no prazo de 21 (vinte um dias) aquele se manifeste, antes da ratificação e de sua publicação na coletânea de tratados do órgão do governo.

Percebe-se que a regra “Ponsonby” que é adotada no Reino Unido, é apenas uma norma de caráter procedimental, que é elevada ao “status” de constitucional, para que não fique o Parlamento à margem das ações empreendidas pelo Governo, considerando que neste país, a autoridade maior advém do Poder Legislativo, que tem poderes para demitir todo o Poder Executivo, como explica Paulo Vargas Groff:

 

[O parlamentarismo] É um sistema alicerçado no consenso ou aceitação, e não simplesmente no conceito de maioria ou de minoria. O consenso pode deixar de existir, e o Parlamento manifesta por meio da “moção de desconfiança”, tendo como conseqüência a demissão do governo. […] A moção de desconfiança atinge todo o governo, implicando a responsabilidade coletiva deste (princípio da responsabilidade solidária) (cf. SILVA,1996, p. 125). (GROFF, 2003, p. 139-140)

 

Então se vislumbra que não há nenhuma diretriz normativa, na legislação histórica e tampouco um costume que implique na aceitação, ou na incorporação do Direito Internacional ao Direito interno do Reino Unido da Grã Bretanha e Irlanda do Norte.

Quanto ao Estado de Israel, este também não possui uma constituição escrita, mas sim histórica, pois é com o seu evolver que o Parlamento Hebreu (Knesset), editou Leis Básicas, regulamentando matéria de índole constitucional e fundamental a todo Estado Moderno.

Em 16 de Junho de 1964, aquele Legislativo, editou a Lei Básica que trata do Presidente do Estado Hebreu, no qual estabelece no artigo 11 (onze), as funções e poderes do Chefe de Estado, e que no parágrafo 5º (quinto) estatui “[…] deve assinar tais convenções com Estados estrangeiros que foram ratificadas pelo Knesset[15].” (ISRAEL, 1964, tradução nossa).

Essa é a única disposição legal que possuí o Estado de Israel acerca da matéria. Assim, os atos internacionais sem qualquer distinção devem ser submetidos ao Parlamento, mas não podemos inferir que haverá uma incorporação do Direito Internacional ao Direito Hebreu, tomando em vista a disposição enunciada.

 

 

4.4. Constituição do Reino da Holanda: um caso peculiar.

 

 

Na atualidade encontramos um caso peculiar e certamente único, no qual a incorporação do Direito Internacional alcança um patamar, em que é possível que as normas convencionais, tenham o condão de modificar a própria carta política.

Este é o caso da Constituição do Reino da Holanda, que de certa forma “respira e vivencia” o Direito Internacional em sua plenitude, por abrigar a sede de 4 (quatro) tribunais internacionais: o Tribunal de Arbitragem Internacional (TAI), instalado em 1899; a Corte Internacional de Justiça (CIJ), instalada em 1946; o Tribunal Penal para a antiga Iugoslávia (TPIug), instalado em 1993 e, por fim, o Tribunal Penal Internacional (TPI), instalado em 2002.

Destes tribunais internacionais, o primeiro tribunal é o único criado no âmbito intergovernamental dos Estados, com vistas à solução de conflitos utilizando-se da arbitragem, os demais foram criados sob os auspícios das Nações Unidas, sendo que só a CIJ faz parte da estrutura regular daquela organização, conforme o artigo 92 (noventa e dois) da Carta da ONU. Já os demais são mantidos por aquela, mas não fazem parte de sua estrutura, conforme o seu ato constitutivo.

Pedro Dallari assenta que:

 

A Holanda, ou Países Baixos, é o caso clássico – e talvez único – de Estado cujo sistema constitucional opera com a possibilidade de que a vinculação a tratado internacional implique a modificação automática de normas da própria Constituição, […].

O sistema jurídico holandês destaca-se, assim, no âmbito do direito comparado, pela extrema relevância que, por meio da respectiva Constituição de 1983, confere não só aos tratados, mas, de maneira geral, às organizações internacionais e ao direito comunitário. (DALLARI, 2003, p. 32, 33)

 

Pode-se observar das disposições constitucionais da Holanda, no seu artigo 93 (noventa e três) e 94 (noventa e quatro), a consagração da supremacia do DIP ante o seu DI:

 

Artigo 93

As disposições dos tratados e das resoluções das instituições internacionais que podem ser vinculativas para todas as pessoas, por força do seu conteúdo tornam-se obrigatória após terem sido publicadas.[16]

 

Artigo 94

Regulamentações legais em vigor no Reino não serão aplicáveis se tais estiverem em conflito com as disposições dos tratados que são obrigatórios para todas as pessoas ou de resoluções das instituições internacionais.[17] (HOLANDA, 1814, tradução nossa)

 

E confirmando a possibilidade de modificação da Constituição por ato internacional, o artigo 91 (noventa e um), parágrafo 3º (terceiro) determina:

 

Artigo 91

[…]

3. Todas as disposições de um tratado que conflite com a Constituição ou que levam a conflitos com ela pode ser aprovado pelas Câmaras dos Estados Gerais só se pelo menos dois terços dos votos expressos a favor.[18] (HOLANDA, 1814, tradução nossa)

 

Necessário se faz uma leitura deste dispositivo, conjuntamente com o artigo 137 (cento e trinta e sete), parágrafo 4º (quarto), o qual determina o quórum de votação de uma emenda a Constituição Holandesa:

 

Artigo 137.

[…]

4. Depois da nova Câmara Baixa tem montados, as duas Casas dos Estados Gerais devem considerar, em segunda leitura, o projeto de lei a que se refere o primeiro parágrafo. O projeto deve ser tomado somente se pelo menos dois terços dos votos expressos a favor[19]. (HOLANDA, 1814, tradução nossa)

 

Dada a leitura atenta dos dois dispositivos mencionados, compreende-se que é pela fixação do quórum de modificação da Constituição, que se permite inferir a possibilidade da adoção de normas convencionais, ante as normas constitucionais como um procedimento modificativo da carta.

A respeito desta abertura que oferece a Carta Magna holandesa, Pedro Dallari aduz que:

 

A aventada possibilidade de derrogação do texto constitucional holandês por tratado internacional deve, no entanto, ser relativizada.

Ao se assinalar o quórum excepcional de alteração da Constituição para a aprovação de tratado cujas disposições a ela se oponham, na verdade o que se preceitua é simplesmente a concomitância da adoção da norma convencional internacional e da realização de reforma constitucional. E essa constatação de que o sistema constitucional holandês na realidade não exprime hipótese de superioridade hierárquica do tratado internacional em relação à Constituição é relevante para evidenciar – na medida em que nem mesmo a única exceção reiteradamente apontada se sustenta – a regra geral da inexistência de sistema que desconsidere a supremacia do respectivo texto constitucional. (DALLARI, 2003, p. 33-34) (grifo nosso)

 

Insta em tecer algumas considerações sobre as disposições constitucionais holandesas, para melhor esclarecer, a opção do legislador daquele Estado, no tocante à incorporação do DIP em seu DI.

Percebe-se a partir dos dispositivos mencionados que, embora o artigo 93 (noventa e três) dê aplicação imediata as normas internacionais, assim que publicadas no Reino da Holanda, aquelas não vão alterar a Constituição, e vislumbra-se uma exceção ao procedimento comum de incorporação do DIP.

Logo, os atos internacionais que porventura vierem a afetar o texto da Constituição Holandesa, vão requerer a aprovação parlamentar, na forma que o artigo 91 (noventa e um), parágrafo 3º (terceiro) estabelece.

Conclui-se que a opção do legislador constituinte holandês, foi pela adoção do monismo internacionalista como se observa, dada a primazia até “exagerada” às normas internacionais, que integram seu Direito Interno de imediato, tendo como regra, a dispensa da oitiva de seu Parlamento, na formação da vontade do Estado Holandês, para se comprometer no âmbito internacional.

 

5. Os atos internacionais no dIREITO BRASILEIRO

 

 

Dissertar acerca do tratamento destinado aos atos internacionais em nosso Direito, nos remeteria ao estudo evolutivo de nossas Constituições, até calharmos na Carta Magna vigente.

Não obstante, o nosso foco é justamente a atual ordem vigente, porquanto que o Direito sendo vivo e dinâmico, requer que seja analisado ao tempo e espaço daquela norma constitucional, como preleciona José Joaquim Gomes Canotilho que a “[…] compreensão de uma lei constitucional só ganha sentido útil, teorético e prático quando referida a uma situação constitucional concreta, historicamente existente num determinado país […]” (CANOTILHO apud DALLARI, 1994, p. 23-24)

Pedro Dallari (2003, p. 86-87) vai expor de maneira sintética as características dos ditames constitucionais vigentes, no que tange aos atos internacionais:

 

a.    O tratado vincula internacionalmente o Estado brasileiro a partir de sua ratificação ou da adesão a ele, que resultam, em ambos os casos, de ato do Presidente da República, o qual, por sua vez, deve ser precedido, como regra geral, da aprovação pelo Congresso Nacional do texto convencionado;

b.    O tratado produz efeitos internamente a partir da vigência assinalada no decreto de promulgação do Presidente da República, que deve conter a íntegra do texto convencionado internacionalmente e após a publicação desse mesmo decreto;

c.    Uma vez em vigor no território nacional, o tratado incorpora-se automaticamente ao direito brasileiro, sem a necessidade de edição de lei interna que lhe reproduza o conteúdo;

d.    A jurisprudência dominante tem consagrado o entendimento de que, no plano, da hierarquia das normas jurídicas, o tratado equipara-se à lei interna, tomada em seu sentido estrito, […];

e.    O tratado pode ser denunciado pelo Presidente da República sem a necessidade de autorização prévia do Congresso Nacional;

 

Dada estas características, é que se fará a demonstração dos dizeres do jurista supra de que “[…] a regra de regência da matéria de recepção e integração dos tratados internacionais na ordem jurídica interna não detém os atributos de clareza, precisão, harmonia e exaustão.” (DALLARI, 2003, p. 86).

A “pari passu” Vicente Marrota Rangel entende que:

 

A Constituição vigente peca por omissão. […] É certo que a eficácia interna do tratado internacional tem sido admitidas por vezes, em legislação ordinária […]. Trata-se, porém, de disposições esparsas e ‘ratione materiae’ setoriais, que não ferem a essência de uma problemática da qual somente à Magna Carta caberia dar a solução geral e definitiva. (MAGALHÃES, 2000, prefácio)

 

Dito isto, a omissão constitucional, faz levantar, inclusive, outros questionamentos acerca desta matéria, dado que se vive em um mundo globalizado e que o estreitamento das relações internacionais é proeminente, como Pedro Dallari, ressalta:

 

Todavia, não se pode ignorar a relevância das normas constitucionais que explicitamente tratam das relações exteriores de um país. De um lado, porque, ao fixarem competências para os distintos organismos, poderes e esferas do Estado, podem contribuir, considerando-se a evolução de sistemas cada vez mais complexos de gestão pública, para uma reversão da percepção desfocada dos paradigmas das relações exteriores de um país, que os retrata enquanto decorrência automática da política externa governamental, pois instituições não necessariamente vinculadas a esta última, como o parlamento, passam a ter maiores atribuições em torno de questões internacionais. De outro lado, porque ao fixarem princípios, as normas constitucionais estabelecem a primazia de valores que não deixam de permear não só a retórica, mas a própria materialização dos atos decorrentes da política externa. [os atos internacionais] (DALLARI, 1994, p. 18) (grifo nosso)

 

Como destacado, é de extrema relevância a fixação de normas constitucionais que estabeleçam um regramento claro, preciso e harmônico, ao qual o Estado terá como norte na sua atuação externa, tendo certamente repercussões em sua atuação interna, e vice-versa.

Neste sentido, se levanta a discussão acerca de 3 (três) quesitos, para que as regras constitucionais brasileiras; que são omissas ou imprecisas; possam deter os atributos mencionados por Pedro Dallari, que são:

 

1.      A vigência dos atos internacionais em nosso direito interno;

2.      A hierarquia dos atos internacionais em nosso direito interno;

3.      A denúncia dos atos internacionais em nosso direito interno;

 

Antes de adentrar nestes quesitos, é preciso analisar os dispositivos da Constituição Federal de 1988, no que concerne aos atos internacionais, para então, discutir aqueles.

 

 

5.1. Análise das disposições constitucionais sobre os atos internacionais

 

 

Na República Federativa do Brasil, na vigência da Constituição Federal de 1988, esta determina, no Título IV – Da Organização dos Poderes, no Capítulo II – Do Poder Executivo, e na Seção II – Das Atribuições do Presidente da República, no artigo 84 (oitenta e quatro), especialmente nos incisos VII (sete) e VIII (oito) que:

 

Art. 84. Compete privativamente ao Presidente de República:

[…]

VII – manter relações com Estados estrangeiros e acreditar seus representantes diplomáticos;

VIII – celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional; (BRASIL, 1988)

 

A partir do dispositivo supra, entendemos que a atuação em âmbito internacional em nome do Estado Brasileiro, perante os demais será feita, pelo Presidente da República, a quem é imputado à chefia de Estado, cumulativamente com a chefia de Governo, que é exercida em âmbito interno.

Mas quando diz respeito aos atos internacionais, este tem competência, como enuncia o verbo do inciso VIII (oito), apenas para celebrar aqueles atos, ou seja, a competência do Presidente fica, restrita a formulação e a ratificação dos atos internacionais, que porventura venha a República figurar como parte.

Somente se compreende o poder de ratificar os atos, como leciona Mazzuoli que:

 

Habilitado a ratificar tratados internacionais está somente o Chefe do Executivo e ninguém mais. […] legada por infelicidade [desde] a primeira Constituição republicana, não conota no sistema brasileiro a ratificação do tratado, que é ato próprio do Chefe do Executivo, responsável pela dinâmica das relações internacionais, a quem cabe decidir tanto sobre a conveniência de iniciar as negociações, como a de ratificar o ato internacional já concluído […]. (MAZZUOLI, 2007, p. 284-285)

 

Como exposto pelo jurista, a competência presidencial, que reside dentro do verbo “celebrar”, compreende a realização de negociações acerca dos atos internacionais, a assinatura destes e submissão para referendo do Poder Legislativo, e estando aqueles aprovado congressualmente, estará então, autorizado a firmar em definitivo, a vontade do Estado brasileiro, em se obrigar por aquele ato celebrado.

Ressalte-se que a ação do Presidente da República, há de sofrer um contrapeso, e que Valerio Mazzuoli traz uma anotação importante de Louis Henkin, ao mencionar que:

 

Como se depreende da lição de Louis Henkin, o poder de celebrar tratados – como é concebido e como de fato se opera – é uma autêntica expressão da sistemática de checks and balances. Ao atribuir o poder de celebrar tratados ao Poder Executivo, mas apenas mediante o referendo do Legislativo, busca-se limitar e descentralizar o poder de celebrar tratados, prevenindo o abuso desse poder. (HENKIN apud MAZZUOLI, 2001, p.35)

 

Expondo ainda neste sentido, e corroborando a teoria dos pesos e contrapesos que fora adotado pela Carta Magna Brasileira, notórias são as palavras do professor espanhol Antônio Remiro Brotons, citadas por Pedro Dallari que “A constitucionalização de princípios de relações exteriores viabiliza o controle político da ação externa do Estado pelo Poder Legislativo e o controle jurídico pelo Poder Judiciário.” (BROTONS apud DALLARI, 1994, p. 16)

Seguindo nossa análise, encontra se, outro dispositivo, no título supracitado, no capítulo que trata do Poder Legislativo, na seção que apresenta as atribuições do Congresso Nacional, especialmente no artigo 49 (quarenta e nove), inciso I (um), que determina:

 

Art. 49 – É da competência exclusiva do Congresso Nacional:

I – resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional; (BRASIL, 1988)

 

Acerca desta competência que a Carta, atribuí ao Legislativo brasileiro, é preciso fazer algumas considerações, sobre seu mandamento.

Há certa atecnia quando o legislador constituinte houve, por manter esta redação, oriunda de nossas antigas constituições, uma vez que, não compete ao Congresso resolver definitivamente acerca dos atos internacionais, e que somente em uma hipótese, é que isto ocorrerá.

Esta hipótese trata se, conforme expõe Valerio Mazzuoli que:

 

A manifestação do Congresso Nacional, […] só ganha foros de definitividade quando desaprova o tratado anteriormente assinado, quando então o Presidente da República estará impedido de levar a efeito a ratificação. (MAZZUOLI, 2007, p. 285)

 

Assim, explica também, Mazzuoli (2007, p.285) que tal expressão deve ser entendida, a luz da teoria francesa do efeito útil (théorie de l´effet utile), na qual as regras jurídicas que forem obscuras ou omissas devem ser interpretadas de modo a produzir sentido e eficácia possível ao seu objetivo.

Acerca do que explicita a Constituição, ao delegar aquela competência ao Congresso Nacional, vislumbra-se, a realização do controle político que exerce o Legislativo, ante a atuação do Executivo, que Dallari considera que “Trata-se do atendimento de exigência ditada pela diretriz democrática de que só ao povo, por meio de sua representação política, é dado o direito de dispor da soberania nacional pactuando internacionalmente.” (DALLARI, 2003, p. 90)

Esposando entendimento idêntico, vai dizer Mazzuoli:

 

[…] é bom que se esclareça, em definitivo, que o Congresso Nacional não ratifica nenhum tipo de ato internacional, sem embargo de seu referendo representar a vontade de todo o povo da Nação, consagrando a realização plena do ideal democrático. (MAZZUOLI, 2007, p. 286)

 

Pode-se dizer que estes são os principais dispositivos que norteiam a questão dos atos internacionais em nosso regramento constitucional. Infere-se uma notória ausência, de um disciplinamento da matéria, como vislumbra Mazzuoli:

 

A Constituição brasileira de 1988, quando disciplinou a competência dos poderes constituídos para a celebração de tratados, nos seus arts. 49, inc. I e 84, inc. VIII, o fez em vista apenas das duas primeiras etapas do processo comum de conclusão de acordos internacionais, quais sejam, a assinatura e a aprovação congressual, não tendo disciplinado as demais fases subsequentes (ratificação e troca ou depósito de seus instrumentos), no que andou bem o nosso legislador em não se imiscuir nos assuntos de interesse externo. (MAZZUOLI, 2007, p. 283)

 

No entanto, somos contrários a esta posição, crendo que poderia sim, o legislador, ter disciplinado, estas etapas posteriores, e inclusive poderia ter disposto, acerca das questões que se levanta, neste estudo, como o início da vigência interna, a competência para denunciar, e sobretudo a hierarquia dos atos internacionais dentro do ordenamento jurídico brasileiro.

Tal posicionamento se demonstra possível, porquanto que, como observamos no capítulo anterior, as cartas estrangeiras, tem seguido a evolução que perpassa o DIP, e feito o que Hans Kelsen havia prelecionado, como dissemos no intróito do capítulo 3. Assim as Constituições estrangeiras, já analisadas trazem a lume, disposições que regram os atos internacionais, de maneira clara, precisa e harmônica, em seus respectivos Direitos.

Cumpre ilustrar o que se expõe, com o intuito de que tal cabimento, reputa-se ao legislador constituinte, seja ele originário ou derivado, para não criar dentro do ordenamento, antinomias e gerar insegurança jurídica.

Das cartas que recepcionam o Direito Internacional, sem lhe dar primazia, como a Constituição Espanhola de 1978, que tem os seguintes dispositivos:

 

Artigo 96.

1. Os tratados internacionais validamente celebrados depois de oficialmente publicados na Espanha, farão parte do direito interno. As suas disposições só podem ser revogadas, alteradas ou suspensas na forma prevista no tratado ou acordo com as normas gerais do direito internacional.

2. Para denunciar os tratados e convenções internacionais se utilizará do mesmo procedimento para a aprovação do artigo 94. (ESPANHA, 1978, tradução nossa)[20]

 

Nota-se a equiparação de ato internacional e lei interna, na primeira parte do artigo supra, no parágrafo 1º (primeiro), ou seja, a hierarquia do ato é equivalente a lei interna espanhola. Mas ressalte-se que a forma de modificação ou revogação é determinada pelo próprio ato internacional ou seguindo as normas de DIP, diferentemente da utilização da regra hermenêutica “lex posterior derrogat legi priori”, para solução de conflitos entre normas do ato e da lei interna.


 

A Constituição Espanhola, ainda enuncia que a vigência se dará quando publicada internamente, por ato do Chefe de Estado, o Rei da Espanha, conforme o artigo 63, parágrafo 2º:

 

Artigo 63.

[…]

2. Incumbe ao Rei do Estado expressar seu consentimento aos compromissos internacionais por meio de tratados, de acordo com a Constituição e as leis.[21] (ESPANHA, 1978, tradução nossa)

 

E o procedimento de denúncia dos atos internacionais, é precedido de autorização legislativa, como determina o parágrafo 2º (segundo) do artigo 96 (noventa e seis), devendo ser lido em conjunto com o artigo 94 (noventa e quatro), que trata do rol de atos os quais, o Governo deve solicitar ao Legislativo, autorização para celebrar como se observa de suas disposições:

 

Artigo 96.

[…]

2. Para a denúncia de tratados e convenções internacionais será usado o mesmo procedimento para a aprovação do artigo 94.[22]

 

[…]

 

Artigo 94.

1. A prestação de consentimento do Estado em ficar vinculado por tratados ou acordos exigem a autorização prévia das Cortes Gerais, nos seguintes casos:[23] (ESPANHA, 1978, tradução nossa)

 

Quanto as cartas que recepcionam o Direito Internacional, e dão primazia ao mesmo, como a Constituição da Estônia de 1918, enuncia em seus artigos 120 (cento e vinte), 121 (cento e vinte e um) e 123 (cento e vinte e três) que:

 

120. O processo para as relações da República da Estônia com outros Estados e com organizações internacionais devem ser previstas por lei.

 

[…]

 

121. O Parlamento deve ratificar e denunciar tratados da República da Estônia:

1) que alterem os limites estaduais;

2) cuja implementação exige a aprovação, alteração ou revogação das leis estonianas;

3) através da qual a República da Estônia participe organizações internacionais ou sindicatos;

4) pelo qual a República da Estônia assume obrigações militares ou de propriedade;

5) em que está prescrito ratificação.

 

[…]

 

123. A República da Estônia não deve celebrar tratados internacionais que estão em conflito com a Constituição. Se leis ou outra legislação da Estônia estiverem em conflito com os tratados internacionais ratificados pelo Parlamento, as disposições do tratado internacional são aplicáveis.[24] (ESTÔNIA, 1918, tradução nossa)

 

Tendo estes dispositivos, pode-se compreender que também deve haver autorização legislativa para celebrar e denunciar certos tratados, como a Constituição Estoniana determina.

No que diz respeito a hierarquia das normas, os atos internacionais, tem “status” superior as leis internas da Estônia, como demonstra o artigo 123 (cento e vinte e três). E a própria carta delega a legislação infraconstitucional, o procedimento a ser realizado para internalização dos atos internacionais, não dispondo, acerca do início da vigência destes.

Considera-se também aqui, na carta estoniana, uma atecnia, quando expressa que o Parlamento deve ratificar e denunciar os tratados, o que na verdade, deve-se ao mesmo tempo compreender, como no caso brasileiro, que se trata da necessária participação desde poder, no processo de celebração daqueles atos.

O jurista Pedro B. de Abreu Dallari, assim diz acerca da Constituição Brasileira vigente e o tratamento dispensado aos atos internacionais, que:

 

No processo constituinte brasileiro de 1987 e 1988, embora o tema mais geral da incorporação do Direito Internacional Público no direito interno tenha merecido alguma atenção, não logrou significativa positivação, e os poucos e esparsos mandamentos que foram inseridos no corpo definitivo do texto constitucional, […], não chegaram a viabilizar uma estrutura coerente e articulada de normas capaz de reger de modo inequívoco o acolhimento dos preceitos emanados das fontes do Direito das Gentes, em especial dos tratados. (DALLARI, 2003, XI)

 

Considerações pertinentes que fez o jurista, e que se demonstram verdadeiras, sobretudo, quando colocadas em foco, as questões levantadas frente as situações concretas, que vivencia os poderes Legislativo e Executivo, cada qual no exercício de suas competências constitucionais.

 

 

5.2. A vigência dos atos internacionais no ordenamento brasileiro

 

 

Todo ato internacional, assim como os atos normativos estatais, devem ter vigência para que produzam os efeitos jurídicos que constam em suas disposições. Saulo José Casali Bahia vai dizer que:

 

A entrada em vigor (vigência) de um tratado internacional ocorre nos planos temporal e espacial. Deve-se notar que a vigência não se confunde com a validade, com a eficácia ou com a aplicabilidade da norma. […] Em sentido estrito, a vigência é o âmbito temporal ou espacial de validade em que a norma possui condição de ser invocada para produzir, concretamente, seus diferentes efeitos. (BAHIA, 2000, p. 61)

 

Cabe-nos aprofundarmos ainda na lição do jurista, quanto ao que seria a vigência no plano temporal, posto que, é de grande pertinência ao desenvolvimento deste tópico, em que se expõe:

 

No plano temporal, os tratados entram em vigor na data neles previstas. Na ausência de previsão, a data de entrada em vigor, pode ser definida pelas partes. Na ausência de acordo específico nesse sentido, o tratado é tido como vigente tão logo obtido o consentimento em obriga-se por parte de todas as partes negociadoras, ou vigente para a parte aderente tão logo que se manifeste sua adesão. […] Em que pese a manifestação de aceitação por todas as partes negociadoras, um tratado pode ainda não iniciar sua vigência. Pode ser nele previsto, por exemplo, que a entrada em vigor dependa do alcance de um número mínimo de participantes, ou haver sido fixado um período de tempo (vacatio) qualquer para que esse início ocorra. (BAHIA, 2000, p. 61-62)

 

Na assertiva de Saulo José Casali Bahia (2000), se encontra algumas das formas de início da vigência dos atos internacionais, as quais, dada a peculiaridade, de ser um acordo de vontades, também se demonstra no início da produção dos seus efeitos, ora pactuados, conforme enuncia o artigo 24 (vinte e quatro), e seus parágrafos da CVDT de 1969.

Dito isso, e recordando-se do exposto anteriormente, na República Federativa do Brasil, os atos internacionais, tem o início de sua vigência, ressalte-se na ordem jurídica interna, a partir da publicação do decreto presidencial que contém aquele ato, e que certamente, consta a data precisa daquela.

Porém, como leciona Pedro Dallari:

 

Embora não haja propriamente controvérsia, é frequente certo embaralhamento das noções de vigência internacional do tratado, vigência do tratado para o Brasil e vigência do tratado no âmbito do sistema jurídico brasileiro. Tais situações não se confundem, pois exigem, para a efetivação de cada uma delas, o atendimento de diferentes condições. (DALLARI, 2003, p. 98)

 

Então, cabe-nos distinguirmos cada um dos conceitos apresentados pelo jurista citado, afim de que possamos estruturar adiante, a problemática da ordem constitucional ante a vigência dos atos internacionais.

Na vigência internacional, como já expusemos, pelo pensamento de Saulo José Casali Bahia (2000), o ato internacional assim o terá, com o atendimento dos seus requisitos implícitos em seu texto normativo, que estão regulados pelo artigo 24 (vinte e quatro) e seus parágrafos da CVDT de 1969.

A vigência para a República Federativa do Brasil, se dá a partir do depósito da ratificação ou da adesão do Estado Brasileiro, feita em nome do Presidente da República, ou ainda pelo período que se contar a partir da prática deste ato formal e solene. Destaca-se que para tanto, o ato internacional deve estar em vigência internacional para ser exigível, caso contrário, a exigibilidade dos termos pactuados, permanece suspensa, até a ocorrência daquela.

Por último, a vigência do tratado na ordem jurídica, ocorre com a conjugação dos itens anteriores, acrescido da publicidade do ato internacional, a que a República Federativa do Brasil está se obrigando, no plano internacional.

Esta vigência, ocorrerá pela publicação do decreto presidencial, que promulga aquele ato, constando o seu inteiro teor, no Diário Oficial da União, em decorrência do princípio da publicidade que rege a Administração Pública, constante no artigo 37 (trinta e sete) da Constituição Federal, e que Alexandre de Moraes preleciona:

 

A publicidade se faz pela inserção do ato no Diário Oficial ou por edital afixado no lugar próprio para divulgação de atos públicos, para conhecimento do público em geral e consequentemente, início da produção de seus efeitos, pois somente a publicidade evita os dissabores existentes em processos arbitrariamente sigilosos, permitindo-se os competentes recursos administrativos e as ações judiciais próprias. (MORAES, 2007, p. 307)

 

Sobre esta vigência na ordem jurídica brasileira, especialmente a maneira como é feita, vai dizer José Francisco Rezek que:

 

[…] o decreto de promulgação não constitui reclamo constitucional: ele é produto de uma praxe tão antiga quanto a Independência e os primeiros exercícios convencionais do Império. Cuida-se de um decreto, unicamente porque os atos do chefe de Estado costumam ter esse nome […]. (REZEK, 2005, p. 84) (grifo nosso)

 

Nesta esteira, vai asseverar Antônio Paulo Cachapuz de Medeiros citando João Hermes Pereira de Araújo e João Grandino Rodas que:

 

[…] o fato de ter sido o tratado aprovado por decreto legislativo não o exime da promulgação, uma vez que um ato aprovado nunca poderá entrar em vigor, pois, se a aprovação legislativa condiciona a ratificação, não a torna obrigatória e, muito menos, pode ter efeito junto à outra parte contratante que, até o momento da troca de ratificações, é livre de o fazer. […] Promulgando os tratados já ratificados, através de Decreto do Executivo, o Brasil segue antiga tradição portuguesa. (ARAÚJO apud MEDEIROS, 1995, p. 470) (RODAS apud MEDEIROS, 1995, p. 470)

 

Esta posição, tanto dos doutrinadores de DIP, como do consultor jurídico do MRE, certamente advém de uma manifestação da corte constitucional brasileira, formada no exame da ADI Nº 1480-3/DF.

O voto do Ministro relator, Celso de Mello assim considera, a respeito:

 

O exame da Carta Política promulgada em 1988 permite constatar que a execução dos tratados internacionais e a sua incorporação à ordem jurídica interna decorrem, no sistema adotado pelo Brasil, de um ato subjetivamente complexo, resultante da conjugação de duas vontades homogêneas: a do Congresso Nacional, que resolve, definitivamente, mediante decreto legislativo, sobre tratados, acordos ou atos internacionais (CF, art. 49, I) e a do Presidente da República, que, além de poder celebrar esses atos de direito internacional (CF, art. 84, VIII), também dispõe – enquanto Chefe de Estado que é – da competência para promulgá-los mediante decreto. (STF. ADI Nº. 1.480/DF, Rel. Min. Celso de Mello, jul. 4/09/97) (grifos nossos)

 

E vai além, o Ministro ao votar que:

 

Todos sabemos que o decreto presidencial, que sucede à aprovação congressual do ato internacional e à troca ou depósito dos instrumentos de ratificação, revela-se – enquanto momento culminante do processo de incorporação desse ato internacional ao sistema jurídico doméstico – manifestação essencial e insuprimível, especialmente se considerados os três efeitos básicos que lhe são pertinentes: (a) a promulgação do tratado internacional; (b) a publicação oficial de seu texto; e (c) a executoriedade do ato internacional, que passa, então, e somente então, a vincular e a obrigar no plano do direito positivo interno. (STF. ADI Nº. 1.480/DF, Rel. Min. Celso de Mello, jul. 4/09/97)

 

Pedro Dallari expressa, em sucintas linhas o pensamento de Antônio Paulo Cachapuz de Medeiros ao dizer que este:

 

[…] corroborando esse entendimento acerca da exigência constitucional de decreto de promulgação para o tratado internacional, elabora no sentido de reconhecer neste último a natureza de lei em sentido amplo, à qual se impõe a publicação por determinação do Chefe do Poder Executivo, nos termos do […] art. 84, IV, da Carta Federal […]. (DALLARI, 2003, p. 100) (grifo nosso)

 

Dito isto, cumpre mencionar que a interpretação das disposições constitucionais, feita tanto pelo Ministro, como pelo STF, assim como pelos doutrinadores citados se fizeram conforme a hermenêutica lógico-sistemática, histórica-evolutiva e teleológica.

Contudo, devemos pontuar que, conforme os ensinamentos de Miguel Reale:

 

O nosso ordenamento jurídico se subordina, com efeito, a uma gradação decrescente e prioritária de expressões de competência, a partir da lei constitucional, a qual fixa a estrutura e os feixes de competência de todo o sistema normativo. Nesse quadro, somente a lei, em seu sentido próprio, é capaz de inovar no Direito já existente, isto é, de conferir de maneira originária, pelo simples fato de sua publicação e vigência, direitos e deveres a que todos devemos respeito. A essa luz, não são leis os regulamentos ou decretos, porque estes não podem ultrapassar os limites postos pela norma legal que especificam ou a cuja execução se destina. (REALE, 2004, p. 163) (grifos nossos)

 

Como destacado, os decretos presidenciais que são publicados, estabelecendo a vigência dos atos internacionais, não encontram sua validade nem pela Constituição e nem por qualquer outra norma legal. Assim não podemos considerar nem mesmo o costume advindo do Império, para justificar a sua edição e o marco inicial da vigência daqueles.

Cumpre-nos mencionar e rememorar que os decretos que expede o Presidente da República, não podem ter esta função, porquanto que se prestam a regulamentar matérias de sua competência, estritamente administrativa, ou seja em âmbito interno, ou a regulamentar a lei em sentido estrito, quando esta, expressamente determina.

Vai além, Miguel Reale ao expor que os:

 

[…] decretos legislativos ou resoluções que possuem a dignidade de fonte legal, mas tão somente aqueles atos que, por força da Constituição, integram o sistema de normas, dando nascimento a um dispositivo de caráter cogente. Lembramos, por exemplo os decretos legislativos mediante os quais o Congresso Nacional aprova os tratados; ou as resoluções do Senado Federal que autorizam operações externas de natureza financeira. (REALE, 2004, p. 165) (grifo nosso)

 

Possuindo caráter cogente ou imperativo, emanam assim uma obrigação própria, a que ninguém pode se furtar de cumprir, nem mesmo o Poder Público ou os Tribunais. Ressalte-se que, quando se tratar de matéria da competência exclusiva do Congresso Nacional, este resolverá acerca dos atos internacionais, no âmbito interno, através de um decreto legislativo, o qual independe de promulgação executiva, porquanto que é ato próprio daquele Poder.

E José Carlos de Magalhães também, segue o entendimento de Miguel Reale, ao assim prelecionar:

 

É que, ao se referir à visão “dualista moderada”, que exigiria o decreto de promulgação, para incorporar o ato internacional à ordem interna, não considerou o Presidente do Supremo Tribunal Federal que, no direito brasileiro, “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de lei” (art. 5º, II, da Constituição). E o decreto de promulgação não é lei e, assim não obriga. O que obriga é o Decreto Legislativo que [aprova] o tratado, este sim previsto no processo legislativo constitucional. (MAGALHÃES, 2000, p. 80) (grifo nosso)

 

Como explicitado, os decretos legislativos tem fundamento de validade, e conforme uma interpretação gramatical, lógico-sistemática e teleológica de nossa Carta Magna, e que faz jus a trazer, a inovação do Direito existente, incorporando assim os ditames do ato internacional a nossa ordem jurídica, e preceituando os efeitos definidos pelo excelso pretório em sua decisão, já mencionada.

Frisa-se que nem por isso, a colocação de que os decretos legislativos, são a via hábil a inovar, quando da integração dos atos internacionais no ordenamento jurídico, não se perde de vista, os preceitos constitucionais que se aplicam a Administração Pública, tal qual, o princípio da publicidade, vez que todos os atos emanados do Congresso Nacional, são por sua vez publicados em Diário próprio.

Por fim, cabe considerar, o que José Francisco Rezek explica que “O ordenamento jurídico, nessa república, é integralmente ostensivo.” (REZEK, 1984, p. 384), então é notório inferir que a Constituição, deveria expressamente estatuir que dentre as finalidades, do decreto que expede o Presidente da República (artigo 84 inciso IV), está o objetivo de instaurar a vigência dos atos internacionais por ele celebrados com a anuência do Congresso Nacional, o que não se fez, e portanto, não tem cabimento de ser realizado por esta via.

 

 

5.3. A hierarquia dos atos internacionais no ordenamento brasileiro

 

 

Expor sobre a hierarquia dos atos internacionais ante o nosso ordenamento, nos remete a um julgado do STF realizado na década de 70, o Recurso Extraordinário (RE) Nº. 80.004-SE, o qual é o precedente mencionado pela ADI 1.480-3/DF também da lavra de nossa corte constitucional.

Pedro Dallari diz acerca da temática que se exporá, que:

 

Aqui, indiscutivelmente, reside a principal controvérsia no âmbito do tema da recepção e integração do tratado internacional no direito interno. O entendimento preponderante [no Brasil, a respeito da hierarquia entre atos internacionais e lei interna, está ], consagrado por via jurisprudencial, [e que] vem sendo, desde a sua solidificação, fortemente questionado por parte da doutrina […] (DALLARI, 2003, p. 108)

 

E com razão assiste o jurista, pois é nesta questão, sem desmerecer as demais, que a situação dos atos internacionais em nosso ordenamento, se agrava, porquanto que como já expusemos, a nossa Constituição se demonstra omissa a esse quesito de grande importância, para solver perquirições como: que norma aplicar, a interna ou a internacional? Pode uma norma interna revogar uma norma internacional? Há hierarquia entre a norma interna e a norma internacional?

Como já exposto, no capítulo anterior, em que se trata da análise do direito comparado, as modernas Cartas Políticas, especialmente as Cartas Européias, reconhecem um “status” de supralegalidade dos atos internacionais ante as leis internas, o que favorece a compreensão e a solvência das questões acima levantadas e ao mesmo tempo, se cria segurança jurídica, para as relações entre os Estados, e permite-se assim, invocar a norma internacional como norma interna.

Luís Roberto Barroso sintetizou assim o entendimento do STF, no julgado do RE 80.004-SE, consolidado na década de 1970:

 

Os tratados internacionais são incorporados ao direito interno em nível de igualdade com a legislação ordinária. Inexistindo entre o tratado e a lei relação de hierarquia, sujeitam-se eles à regra geral de que a norma posterior prevalece sobre a anterior. A derrogação do tratado pela lei não exclui eventual responsabilidade internacional do Estado, se este não se valer do meio institucional próprio de extinção de um tratado que é a denúncia. (BARROSO, 1996, p. 31)

 

E vai além, Pedro Dallari ao complementar os ensinamentos do jurista citado ao expor que:

 

Paralelamente a essa opção pelo critério da norma mais recente, verifica-se, como uma segunda diretriz adotada pelo direito brasileiro na matéria de precedência, o recurso ao critério da especialidade, pelo qual o tratado internacional, se dotado do atributo da especialidade, prevalece em face da lei interna de abrangência geral, mas é superado, se norma geral, por aquela de sentido especial. Assim tratado internacional e lei interna convivem no âmbito da ordem jurídica brasileira e, do ponto de vista hierárquico, equiparam-se, prevalecendo, em caso de disposições antagônicas, a norma mais recente, configurando-se a aplicação do princípio ‘lex posterior derrogat priori’, ou, então a norma especial em face da de índole geral. (DALLARI, 2003, p. 109)

 

Em suma, pode-se dizer que no julgado, firmou a jurisprudência brasileira, posição monista nacionalista, como bem sintetiza Valerio Mazzuoli:

 

A conclusão a que chegou o STF, no julgamento do Recurso Extraordinário 80.004-SE (RTJ 83/809), foi a de que, dentro do sistema jurídico brasileiro, em que tratados e convenções guardam estrita relação de paridade normativa com as leis ordinárias editadas pelo Estado, a normatividade dos tratados internacionais permite, no que concerne à hierarquia das fontes, situá-los no mesmo plano e no mesmo grau de eficácia em que se posicionam as nossas leis internas. Trata-se da consagração do monismo moderado, cuja concepção já foi firmada e sedimentada pelo Supremo Tribunal Federal, sem embargo de vozes atualíssimas a proclamar a supremacia dos tratados de direitos humanos, frente à Constituição Federal. (MAZZUOLI, 2002, p. 17)

 

Ainda que a posição da corte constitucional tenha sido pelo monismo nacionalista, Pedro Dallari traz a lume, as sucintas linhas de Paulo Borba Casella, onde “[…] chamado a atenção, também, para a realidade da ausência de uma fórmula clara no direito brasileiro voltada ao equacionamento da questão da recepção dos tratados.” (DALLARI, 2003, p. 109)

Assim expõe o internacionalista Paulo Casella:

 

[…] a validade, interpretação e aplicação dos tratados é matéria em que, igualmente, se ressente o ordenamento brasileiro da falta de visão institucional, de parâmetros que orientem tanto a atuação dos legisladores internos quanto dos tribunais, porquanto é impensável admitir, como arbitrariamente se pratica entre nós, que a lei interna posterior aleatoriamente revogue ou altere normas decorrentes de tratado internacional […]. (CASSELA apud DALLARI, 2003, p. 109)

 

Acerca ainda da questão, Valerio Mazzuoli expõe:

 

O texto constitucional de 1988, como se sabe, salvo no que diz respeito aos tratados de proteção dos direitos humanos, que têm índole e nível constitucional (art. 5º, §2º), em nenhum de seus dispositivos estatuiu de forma clara, qual a posição hierárquica do direito internacional perante nosso direito interno. Deixou para a jurisprudência e para a doutrina essa incumbência. (MAZZUOLI, 2002, p. 15-16)

 

Como enunciado, a exceção à situação dos atos internacionais comuns, ou que criam normas gerais e abstratas, são aqueles que versam sobre Direitos Humanos, como se pode visualizar da redação do dispositivo constitucional transcrito abaixo:

 

Art. 5º. […]

[…]

§3º. O direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. (BRASIL, 1988)

 

Acerca disto, José Carlos de Magalhães interpreta-o e explica que:

 

Note-se que a Constituição, nesse dispositivo, não menciona a lei, mas os direitos e garantias por ela, Constituição, assegurados, ou por tratados internacionais de que o Brasil seja parte. Há, aqui, verdadeira equiparação entre a Constituição e os tratados. Dessa forma, se a Constituição não previu certos direitos e garantias, contemplados em tratados firmados pelo Brasil, tais direitos e garantias se sobrepõem à leis que não os reconheçam. E isto por força da própria Constituição. O dispositivo é claro sobre essa equiparação. […] A esse propósito, deve-se ter em mente haver a Constituição estabelecido, como um dos princípios da República, a prevalência dos direitos humanos, inscrito no art. 4º, II, a indicar que, havendo conflito entre lei interna e norma de direito internacional geral sobre direitos humanos, esta há de prevalecer por determinação constitucional. (MAGALHÃES, 2000, p. 64-65)

 

Concordamos com a tese defendida pelo jurista, que certamente traria um benefício ao nosso Direito e propriamente as relações exteriores, em que a segurança jurídica e a certeza de pactuarmos em defesa dos nossos interesses serão estritamente observados antes de qualquer acerto.

Mas, não obstante, a corte constitucional brasileira, não reconheceu essa auto-aplicabilidade bem como a equiparação à Constituição, ou a hierarquia superior às leis internas, em nosso ordenamento.

O fundamento da paridade normativa encontra assento, como explica Mirtô Fraga (2001), Mazzuoli (2007), no voto vista do Ministro Cordeiro Guerra no RE 80.004-SE, com arrimo nos ensinamentos do professor Lélio Candiota de Campos explicita que:

 

Mesmo no caso em que a Constituição manda incorporar ao direito interno as normas de direito internacional ou as disposições dos tratados, a recepção do direito internacional no quadro do direito interno não significa que o Corpo Legislativo fique impedido de editar novas leis contrárias ao disposto nos tratados. O único efeito de recepção do direito internacional no quadro interno é de dar força de lei às normas jurídicas assim incorporadas à legislação. Neste caso, os tratados serão aplicados como lei e nesta qualidade serão aplicados pelos Tribunais, da mesma maneira, na mesma extensão e com a mesma obrigatoriedade própria à aplicação do direito interno. […] Desde que legalmente aprovado o tratado federal, ou a convenção, qualquer cidadão brasileiro pode invocá-lo perante o Supremo Tribunal Federal, em recurso extraordinário, para que a sua letra seja respeitada, e que significa ser o seu texto lei como as demais, posto que recebida na nossa ordem jurídica interna, obrigando a todos os juízos e tribunais do país, que a ela estão assim jungidos, semelhantemente ao que ocorre nos Estados Unidos. Parece, outrossim, que o direito entrado pela via da recepção dos tratados está no mesmo plano de igualdade que o internamente elaborado, não sendo superior a este. Nossa Constituição não contém norma expressa de predominância do direito internacional, como a francesa. Admiti-la, seria, como declara Bernard Schartz, dar à convenção, não força de lei, mas de restrição constitucional, e isso só a própria Constituição poderia estabelecer. […] Creio que tal entendimento tem plena aplicação ao Direito Pátrio, pois a Constituição Federal defere ao Supremo Tribunal Federal competência para declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal, em pé de igualdade, sem dar ao tratado internacional forma superior à da lei, art. 119, III, b, o que ocorre em França (art. 55 da Constituição de 4 de outubro de 1958). Argumenta-se que a denúncia é o meio próprio de revogar um tratado internacional. Sim, no campo do direito internacional, não porém, no campo do direito interno. Quando muito, poderá, face à derrogação do tratado por lei federal posterior, ensejar reclamação de uma outra parte contratante perante o governo, sem contudo afetar as questões de direito interno. Fosse a denúncia internacional o único meio de nulificar um tratado, e não se compreenderia pudesse o Supremo Tribunal Federal negar-lhe validade por vício de inconstitucionalidade. (STF, RE 80.004-SE. Rel. Xavier de Alburquerque. Julg. 14/12/77. DJU: 29/12/77) (grifos nossos)

 

Em síntese, explicita Mazzuoli que:

 

Trazendo o raciocínio para o texto constitucional atual, poderia se entender que quando a Carta de 1988 diz competir ao STF julgar mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, “quando a decisão recorrida declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal”, estaria ela igualando (em mesmo grau hierárquico) os dois tipos de diplomas legalmente vigentes. (MAZZUOLI, 2007, p. 305)

 

No ano de 2004, com o advento da emenda constitucional número 45 (quarenta e cinco), acrescentou-se mais dois parágrafos ao artigo 5° (quinto), sendo que o parágrafo §3° (terceiro) vem a trazer uma diferenciação no tocante à hierarquia destes atos, conforme seu texto:

 

Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais. (BRASIL, 1988)

 

A partir da adoção deste dispositivo constitucional, se pode dizer que, aos tratados de direitos humanos, é reservado, uma hierarquia própria, mas consoante aos demais atos que trazem em seu bojo, normas gerais e abstratas, continuam submetidos à paridade normativa, conforme Mazzuoli já explicou anteriormente.

Ressalta-se que esta paridade normativa, compromete a República Federativa do Brasil, porquanto que não estabelece a devida segurança jurídica para os atos pactuados. Assim abre a possibilidade daqueles, terem sua eficácia retirada por norma interna, com aval inclusive da própria Corte Constitucional brasileira.

Como leciona José Carlos de Magalhães, a contraponto da teoria dualista que assume o STF, que:

 

Deve-se enfatizar que, perante a comunidade internacional – e mesmo perante a comunidade nacional – o Estado não se apresenta compartimentalizado nos Poderes pelos quais exerce a jurisdição, assim entendida a autoridade para declarar o direito nacional e internacional. O Estado é um só, e a lei que revoga tratado viola a obrigação internacional assumida pelo Estado, acarretando-lhe a responsabilidade internacional. […] O exame da constitucionalidade de uma lei não deve, pois, cingir-se apenas à sua compatibilidade as normas constitucionais, mas também com os compromissos assumidos pelo Estado na esfera internacional, por meio de tratados por ele firmados… […] Ignorar tratados, sob pretexto de que as ordens internacional e interna são independentes e que o Estado, obrigando-se perante outros países, não está obrigado a observar, na esfera interna, o compromisso soberanamente assumido, […] é ato que não mais se compadece com o mundo atual. […] ao decidir que tratado revoga lei e que esta revoga tratado, mesmo não tendo sido denunciado, o STF faz incorrer a responsabilidade do Estado brasileiro perante a ordem internacional e os compromissos assumidos pelo país […] (MAGALHÃES, 2000, p. 61-62-67)

 

E para complementar os dizeres acima, Mazzuoli expõe que:

 

Admitir que um compromisso internacional perca vigência em virtude da edição de lei posterior que com ele conflite (treaty override) é permitir que um tratado possa, unilateralmente, ser revogado por um dos seus Estados-Partes, o que não é jurídico e tampouco compreensível. […] Não raras as vezes, o objetivo de um tratado internacional é o de justamente incidir sobre situações que deverão ser observadas no plano do ordenamento jurídico interno dos Estados Signatários. […] Por outro lado, admitir que o Estado-juiz possa declarar a revogação de um compromisso internacional, é o mesmo que admitir que outros entes estatais, que não a figura constitucionalmente prevista do Presidente da República, possam indiretamente denunciar o compromisso internacionalmente firmado, deixando-o sem eficácia e aplicabilidade na ordem jurídica interna. O juiz, ao deixar de aplicar um tratado internacional em razão da existência de “lei posterior”, está implicitamente criando uma falsa e incongruente hierarquia entre leis internas e tratados internacionais, que a Constituição expressamente não declara. (MAZZUOLI, 2007, p. 306-308-309) (grifo nosso)

 

Ante o exposto, é imperioso que não só a jurisprudência de nossa corte suprema, mas assim como o próprio legislador constituinte derivado sanem esta lacuna que se tem em nossa Carta Magna, para que não padecemos perante a comunidade internacional, e sejamos um País digno de respeito internacionalmente, a começar pelo próprio respeito que temos por aquilo que assumimos, ao não fazer uma interpretação errônea do DIP e o DI, e nem que permita, que se faça legislações contra aqueles atos.

 

 

5.4. A denúncia dos atos internacionais no ordenamento brasileiro

 

 

O instituto da denúncia dos atos internacionais é uma das formas de se por termo aquele, não obstante, de maneira unilateral por uma determinada parte pactuante, sem extingui-lo por completo, exceto em atos bilaterais. Contudo, Mazzuoli nos impõe uma pergunta: “[…] o Poder Executivo [por ato próprio] necessita de autorização do Poder Legislativo para denunciar tratados?” (MAZZUOLI, 2007, p. 251)

Essa pergunta, assim como as demais questões, se torna imperiosa e carecedora de uma resposta, porquanto fazer parte do chamado poder de celebrar tratados (treaty making power), e ao mesmo tempo, por relevar a própria soberania do Estado pactuante, que se vislumbra na celebração e também na denunciação.

Novamente, volta à tona, a crítica de que, nossa Carta Magna, em nenhum momento, disciplinou tal quesito, assim como deixou em aberto, os entendimentos acerca da questão para a doutrina e a jurisprudência, e, diga-se de passagem, enseja um grande debate.

A questão surgiu em nosso Direito, segundo Bahia (2000) e Mazzuoli (2007), no ano de 1926, quando ao final do governo de Arthur Bernardes, se decidiu retirar a República dos Estados Unidos do Brasil, da condição de membro da Sociedade das Nações.

Neste ínterim, o jurista Clóvis Beviláqua, que exercia o cargo de Consultor Jurídico do MRE, assim respondeu, em seu parecer datado de 5 de Julho daquele ano:

 

Se há no tratado uma cláusula, prevendo e regulando a renúncia, quando o Congresso aprova o tratado, aprova o modo de ser o mesmo denunciado; portanto, pondo em prática essa cláusula, o Poder Executivo apenas exerce um direito que se acha declarado no texto aprovado pelo Congresso. O ato da denúncia é meramente administrativo. A denúncia do tratado é modo de executá-lo, portanto, numa de suas cláusulas, se acha consignado o direito de o dar por extinto. (BEVILÁQUA, 2000, p. 347)

 

Destaca-se que a época supracitada, vigia a Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1891, e que Beviláqua já asseverava a ausência de dispositivos constitucionais, naquela quando enuncia:

 

Cabe-lhe essa atribuição, porque o poder Executivo é o órgão que a Constituição confere o direito de representar a nação em suas relações com as outras. E ele exerce essa função representativa, pondo-se em comunicação com os Estados estrangeiros; celebrando tratados, ajustes e convenções; […]; enfim dirigindo a vida internacional do país, com a colaboração do Congresso, porém, é excepcional; somente se faz indispensável nos casos em que a Constituição a preceitua. […] quando a Constituição guarda silêncio, deve entender-se que a atribuição do Poder Executivo, no que se refere às relações internacionais, é privativa dele. (BEVILÁQUA, 2000, p. 350) (grifo nosso)

 

Concluiu-se àquele tempo, que o Poder Executivo detinha a exclusividade do poder de denunciar tratados, tendo firmado como interpretação oficial do Governo Brasileiro, com base na tese de Clóvis Beviláqua, de que a regra constitucional do artigo 34 (trinta e quatro), alínea 12 (doze) da Carta de 1981, que exigia o manifesto congressual, não se referia a denúncia, mas apenas à ratificação dos tratados.

Ao nosso tempo, na vigência da Constituição Federal de 1988, a mesma situação se repete, não tendo nenhum dispositivo que mencione este poder, quer ao Executivo, quer ao Legislativo, ou como diz a jurisprudência, a vontade concorde destes dois Poderes independentes e harmônicos da República.

Segundo Mazzuoli, o jurista Pontes de Miranda nega validade da tese defendida por Beviláqua, e aponta que “[…] aprovar tratado, convenção ou acordo, permitindo que o Poder Executivo o denuncie, sem consulta, nem aprovação [do Parlamento], é subversivo dos princípios constitucionais […]” (MIRANDA apud MAZZUOLI, 2007, p. 253).

Logo, a pergunta inicial encontra-se ainda mais complexa, quando se analisa a situação a partir de outro prisma: quando a vontade de denunciar um ato internacional, parte não do Presidente da República, mas do Congresso Nacional.

Neste sentido, José Francisco Rezek assume teoria em que:

 

Parece bastante lógico que, onde a comunhão de vontades entre governo e parlamento seja necessária para obrigar o Estado, lançando-o numa relação contratual internacional, repute-se suficiente a vontade de um daqueles poderes para desobrigá-lo por meio da denúncia. […] Antes, cumpre entender que as vontades reunidas do governo e do parlamento presumem-se firmes e inalteradas, desde o instante da celebração do tratado […] como dois pilares de sustentação da vontade nacional. Isso levará à conclusão de que nenhum tratado – dentre os que se mostrem rejeitáveis por meio de denúncia – deve continuar vigendo contra a vontade quer do governo, quer do Congresso. (REZEK apud MAZZUOLI, 2007, p. 254) (grifo nosso)

 

Neste passo, Mazzuoli (2007, p. 254-255) compreende que, para Rezek e a sua tese, a vontade congressual é hábil para provocar a denúncia de um ato internacional, ainda que não coincidente com a vontade governamental, e preleciona este, ser a lei ordinária o meio adequado a exteriorização da vontade parlamentar.

Em sentido inverso, Saulo José Casali Bahia ensina:

 

[…] ser tida como perfeitamente admissível a edição de um Decreto Legislativo revogatório de Decreto Legislativo anterior que tenha autorizado a celebração de tratado. O efeito será o de obrigar o Presidente da República, politicamente falando, a denunciar o tratado firmado, salvo se a denúncia não for permitida pelo direito internacional. (BAHIA, 2000, p. 157-158)

 

Para concluir, necessário é trazer a posição de Valerio Mazzuoli acerca desta perquirição em que este responde:

 

[…] da mesma forma que o Presidente da República necessita da aprovação do Congresso Nacional, dando a ele “carta branca” para ratificar o tratado, mais consentâneo com as normas da Constituição de 1988 em vigor seria que o mesmo procedimento fosse aplicado em relação à denúncia, donde não se poderia falar, por tal motivo, em denúncia de tratado por ato próprio do Chefe do Poder Executivo. Com isso se respeita o paralelismo que deve existir entre os atos jurídicos de assunção dos compromissos internacionais com aqueles relativos à sua denúncia. Trata-se de observar o comando constitucional (art. 1º, parágrafo único) segundo o qual todo poder emana do povo, incluindo-se nesta categoria também o poder de denunciar tratados. (MAZZUOLI, 2007, p. 255-256) (grifos nossos)

 

Em reafirmação de todo o exposto do item anterior, e conjugado a este, vem a calhar na distinta e pontual observação que faz Haroldo Valladão citado pelo Ministro Xavier de Alburquerque em seu voto, no RE 80.004-SE, que “[…] a norma internacional tem sua forma própria de revogação, a denúncia, só pode ser alterada por outra norma de categoria igual ou superior, internacional ou supranacional, e jamais pela inferior, interna ou nacional [...].” (STF, RE 80.004-SE. Rel. Xavier de Alburquerque. Julg. 14/12/77. DJU: 29/12/77)

No mesmo sentido que explana Mazzuoli, milita Pedro Dallari (2003), e deve-se entender que o poder de denunciar tratados, assim como o poder de celebrar tratados, possuem um caráter dúplice, como atos de soberania de sinais opostos, em que, um dá eficácia àquela norma internacional a certas partes pactuantes e o outro retira essa eficácia de uma daquelas partes.

Contudo, entende-se que em ambos os poderes, para serem exercitados, requerem necessariamente, o consentimento daqueles que emanam o poder, ou seja, o povo, através de seus representantes eleitos pela via democrática, para reputar-se válidos, quer internacionalmente ou internamente.

 

Segunda Parte

 

* Klaythus Vinícius Borges Rezende Rodrigues, Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais



[1] Esta máxima, está positivada no artigo 26 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, na qual determina que “todo tratado em vigor obriga as partes e deve ser cumprido de boa fé”.

[2] Völkerrchet und Landesrecht.

[3]  Ressalta-se que sob o Direito Internacional Clássico, somente se considerava estes os sujeitos internacionais. A luz do Direito Internacional Contemporâneo soma-se outros sujeitos, como as coletividades interestatais, as coletividades não-estatais e os indivíduos, conforme Mazzuoli (2007, p. 332)

[4]  Conforme Mazzuoli (2007), Dallari (2003), Fraga (2001).

[5]Even those few countries (such as France, the African States that have followed the French model and a few Latin American countries), which make treaties prevail over ordinary legislation, often add a proviso (the reciprocity clause) that might turn out to undermine, or at least reduce, the upgrading of treaties.” Antonio Cassese, “Modern Constitutions and international Law”, p. 411

[6] Artikel 9. (1) Die allgemein anerkannten Regeln des Völkerrechtes gelten als Bestandteile des Bundesrechtes.

[7] 1. Los tratados internacionales válidamente celebrados, una vez publicados oficialmente en España, formarán parte del ordenamiento interno. Sus disposiciones sólo podrán ser derogadas, modificadas o suspendidas en la forma prevista en los propios tratados o de acuerdo con las normas generales del Derecho internacional.

[8] 2. Las normas relativas a los derechos fundamentales y a las libertades que la Constitución reconoce, se interpretarán de conformidad con la Declaración Universal de Derechos Humanos y los tratados y acuerdos internacionales sobre las mismas materias ratificados por España.

[9] Artikel 25 [Vorrang des Völkerrechts]. Die allgemeinen Regeln des Völkerrechtes sind Bestandteil des Bundesrechtes. Sie gehen den Gesetzen vor und erzeugen Rechte und Pflichten unmittelbar für die Bewohner des Bundesgebietes.

[10] Article 55. Les traités ou accords régulièrement ratifiés ou approuvés ont, dès leur publication, une autorité supérieure à celle des lois, sous réserve, pour chaque accord ou traité, de son application par l’autre partie.

[11] Articulo 16. 2. Los tratados internacionales celebrados por Honduras con otros estados, una vez que entran en vigor, forman parte del derecho interno.

[12] 3. Rahvusvahelise õiguse üldtunnustatud põhimõtted ja normid on Eesti õigussüsteemi lahutamatu osa.

[13] 123. Eesti Vabariik ei sõlmi välislepinguid, mis on vastuolus põhiseadusega. Kui Eesti seadused või muud aktid on vastuolus Riigikogu poolt ratifitseeritud välislepingutega, kohaldatakse välislepingu sätteid.

[14] a) Treaties with direct financial implications require the assent of Parliament because they affect revenue;

b) Treaties which stipulate Parliamentary approval;

c) Treaties which require ratification are subject to the Ponsonby procedure.

[15] (5) shall sign such conventions with foreign states as have been ratified by the Knesset;

[16] Article 93 Provisions of treaties and of resolutions by international institutions which may be binding on all persons by virtue of their contents shall become binding after they have been published.

[17] Article 94 Statutory regulations in force within the Kingdom shall not be applicable if such application is in conflict with provisions of treaties that are binding on all persons or of resolutions by international institutions.

[18] Article 91 3. Any provisions of a treaty that conflict with the Constitution or which lead to conflicts with it may be approved by the Houses of the States General only if at least two-thirds of the votes cast are in favour.

[19] Article 137 4. After the new Lower House has assembled, the two Houses of the States General shall consider, at second reading, the Bill referred to in the first paragraph. The Bill shall be passed only if at least two thirds of the votes cast are in favour.

[20] Artículo 96.

1. Los tratados internacionales válidamente celebrados, una vez publicados oficialmente en España, formarán parte del ordenamiento interno. Sus disposiciones sólo podrán ser derogadas, modificadas o suspendidas en la forma prevista en los propios tratados o de acuerdo con las normas generales del Derecho internacional.

2. Para la denuncia de los tratados y convenios internacionales se utilizará el mismo procedimiento previsto para su aprobación em el artículo 94.

[21] Artículo 63. […]

2. Al Rey corresponde manifestar el consentimiento del Estado para obligarse internacionalmente por medio de tratados, de conformidad con la Constitución y las leyes.

[22] Artículo 96. […]

2. Para la denuncia de los tratados y convenios internacionales se utilizará el mismo procedimiento previsto para su aprobación em el artículo 94.

[23] Artículo 94.

1. La prestación del consentimiento del Estado para obligarse por medio de tratados o convenios requerirá la previa autorización de las Cortes Generales, en los siguientes casos:

[24]120. Eesti Vabariigi suhtlemise korra teiste riikide ja rahvusvaheliste organisatsioonidega sätestab seadus.

121. Riigikogu ratifitseerib ja denonsseerib Eesti Vabariigi lepingud:

1) mis muudavad riigipiire;

2) mille rakendamiseks on tarvis Eesti seaduste vastuvõtmist, muutmist või tühistamist;

3) mille kohaselt Eesti Vabariik ühineb rahvusvaheliste organisatsioonide või liitudega;

4) millega Eesti Vabariik võtab endale sõjalisi või varalisi kohustusi;

5) milles ratifitseerimine on ette nähtud.

[…]

§123. Eesti Vabariik ei sõlmi välislepinguid, mis on vastuolus põhiseadusega. Kui Eesti seadused või muud aktid on vastuolus Riigikogu poolt ratifitseeritud välislepingutega, kohaldatakse välislepingu sätteid.

Como citar e referenciar este artigo:
RODRIGUES, Klaythus Vinícius Borges Rezende. Atos Internacionais: Questões Sobre a sua Internalização – Parte I. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-internacional/atos-internacionais-questoes-sobre-a-sua-internalizacao-parte-i/ Acesso em: 17 fev. 2025