A integridade de El Baradei
Francisco César Pinheiro Rodrigues*
Ao lado dos prêmios já instituídos pela Comissão Nobel — química, física, literatura, da paz, etc — seria o caso de se pensar, um tanto ironicamentesingular ou grotescamente, na criação do “Nobel da Verdade”, ou algo assim. Um prêmio “O rei está nu” atenderia ao fim proposto mas esbarraria com na vulgaridade da denominação. Seria premiada aquela personalidade internacional o aquele que tivesse a coragem de falar aquilo que as melhores cabeças pensam, sabem, mas não têm coragem de dizer. A necessidade de manter o cargo, o emprego, as boas relações comerciais ou profissionais; o medo de desagradar quem está por cima, ou mesmo economicamente por baixo economicamente — eleitores pobres, por exemplo, em razão da força quantitativa do voto — faz com que todos ou quase todos policiem suas falas e escritos porque não querem “se queimar”, ”. Aaté mesmo em sentido literal, pois não foram poucos os que morreram queimados vivos ou “queimados” à bala. A verdade poucas vezes foi “um bom negócio”. É um luxo muito caro. Ela é muito elogiada, em abstrato, mas tolo é quem acredita que pode ser externada sem cálculos mui prudentes. Há um antigo provérbio inglês que diz: “Tell the truth and run!” (Diga a verdade e corra!).
O diretor da AIEA – Agência Internacional de Energia Atômica, Mohamed El Baradei, um egípcio, afirmou em Viena, dia 16 de outubro, perante 500 especialistas, que pelo menos 30 nações — além das 9 que já possuem bombas atômicas —, teriam capacidade de produzir armas nucleares em curto tempo. Claro que não poderia especificar esse tempo tendo em vista a variação da capacidade tecnológica, determinação governamental e riqueza de cada país que procura crescer também na tecnologia nuclear. Especificou, também, que é difícil, para a comunidade internacional, policiar de forma a que a energia nuclear seja direcionada apenas para a produção pacífica de energia elétrica. A qualquer momento, acrescentamos nós, dependendo dos humores da política, é possível que o inicial “fim pacífico” enseje uma variante bélica. A inspeção internacional não consegue ser absolutamente minuciosa porque o país investigado cria contínuos incidentes, diplomáticos ou mesmo frontalmente hostis, invocando argumentos legais de soberania.
O ponto, porém,
Realmente, se todas as nações “são iguais”, em termos jurídicos, com igual direito à busca da segurança, riqueza e bem estar social, fica difícil explicar — a não ser com fundamento em indireto racismo —, que algumas nações possam desenvolver tecnologia nuclear e outras não. Se na expressão “Direito Internacional Público” o termo “Direito” é apenas força de expressão, mera ficção, que se tenha a coragem acadêmica de apagá-lo, para não ocasionar vexames de incoerência quando usada a expressão em conferências internacionais.
Em artigo anterior já mencionei que todas as nações têm o aparentemente estranhável — mas legítimo — “direito de ter medo”. Isto é, se os países que já possuem armas nucleares — por exemplo, EUA, Israel, Rússia, China — não podem ser forçados a destruir suas armas nucleares porque temem delas precisar no caso de uma agressão levada a cabo por inimigos mais numerosos e poderosos em armas nucleares ou convencionais, fica difícil explicar, em termos de justiça “normal” — sem a invocação de privilégios oriundos da força — porque esse mesmo “direito ao medo” deve ser negado aos países “inferiores”, emergentes no crescimento nuclear. A menos que se sustente, abertamente, em termos acadêmicos, que a há justiças “normais” — que dá às partes iguais direitos — e justiças “anormais”, fruto do realismo, da constatação do “quem pode mais chora menos”.
BaradeiEl-Baradei, assim, com toda sua autoridade moral e técnica, enfiou oseu dedo moreno e justo na grande ferida. Depois dessa declaração, presumo que o apoio do atual governo americano à sua pessoa vá diminuir muito. Na minha insignificante interpretação, seus dias estão contados. Não imediatamente, para não dar na vista.
Esse problema da “incoerência legal”, na área nuclear — relembre-se que o petróleo não só é poluente como também um dia acabará, deixando os países que dele vivem na miséria — nos leva à “desagradável”, “temida”, até mesmo “morfética” discussão sobre a necessidade de um governo mundial. Este é inevitável em um mundo extremamente inter-ligado pela internet, pelas zonas de livre comércio e pela irrelevância de fronteiras formais. Hoje, se um grupo autônomo quiser atacar um país, outro não precisa do apoio de seu governo nem de gente fardada empunhando armas. Terroristas, ou agências de “inteligência” — a palavra certa seria aquela mais franca, “espionagem” — fazem o serviço. E o crime organizado internacionalmente também movimenta o dinheiro com uma rapidez que torna irrelevante as lentas máquinas judiciárias dos países lesados. Tudo isso comprova, para quem quer realmente ver, que todas as tensões internacionais do momento têm origem na ausência de um “comando” unificado, presumivelmente justo, e sem favoritismo que represente a vontade de toda a humanidade. Sobretudo na ausência de uma justiça internacional com o poder de fazer cumprir o que decidiu, algo que ainda não acontece com a Corte de Justiça Internacional. Mas não acontece porque todos desconfiam de todos, e com razão.
Alega-se que não há necessidade de um governo mundial porque esse já existe “de fato”, na figura dos EUA, ou de Bush,
Os Estados Unidos podem ainda fazer muito pelo mundo, se mudar o atual enfoque, esforçando-se para compreender qual a razão de tanto ressentimento. Quem sabe aquele nação ainda vai gerar um segundo Lincoln. Conta-se seus colegas de partido o censuravam porque tentava transformar inimigos
Encerrando, ficam aqui minhas homenagens ao Mohamed El-Baradei, um homem que justificaria uma nova variante do Nobel.
* Advogado, desembargador aposentado e escritor. É membro do IASP Instituto dos Advogados de São Paulo.
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