Direito do Trabalho

A escravidão moderna e os mecanismos de combate do estado brasileiro

Caio Queiroz da Silva[1]

RESUMO

Este artigo tem o objetivo discutir sobre o trabalho forçado em condições análogas à escravidão, ou “escravidão moderna”, um mal ainda presente em muitos lugares do mundo, apesar de já ter sido abolido, a falta de fiscalização e comprometimento dos Estados em combater essa prática abre espaço para esses atos. Após isso, essa peça busca analisar o comprometimento do Estado brasileiro nessa causa, a Legislação atual e o trabalho dos órgãos governamentais responsáveis pela fiscalização e combate dessa conduta abominável.

Palavras-chave: trabalho escravo. Condições análogas à escravidão. Escravidão laboral moderna. Legislação. Estado brasileiro. Ministério do trabalho.

ABSTRACT

this article has the objective discussing about forced labour under conditions analogous to slavery, or “modern slavery”, an evil still present in many places around the world, despite already been abolished, the lack of supervison and commitment of States to combat this pratice opens spaces for these acts. After this, this article seeks to analyze the commitmentof the Brazil government to this cause, the current legislation and the work of government agencies responsible for supervising and combating this abominable conduct.

Keywords: slave labor. Conditions analogous to slavery. Modern labor slavery. Legislation. Brazilian state. Ministry of Labour.

1 INTRODUÇÃO

A escravidão laboral, por muito tempo na história da humanidade, foi a principal força motora das economias das sociedades, seres humanos relegados a coisas, considerados apenas bens materiais, propriedade, sem possuírem titularidades de direitos relativos à condição humana. Por muito tempo e em todos os cantos do mundo a escravidão, seja por dívida, seja por conquistas bélicas ou por nascerem filhos de escravos, perdurou-se, até começar a ser banida com o surgimento dos direitos trabalhistas, na Idade Moderna, com os movimentos Humanistas e Iluminista, já no século XVIII.

No mundo Ocidental, no início e auge da Idade Moderna, principalmente após a Primeira Revolução Industrial, as nações industrializadas e, consequentemente, mais fortes do planeta, perceberam que a melhor forma de trabalho, para suprir seus anseios, era o trabalho assalariado, pois haveria mercado consumidor e fluxo de capital na economia, aliando isso as ideias humanistas filosóficas e sociológicas, que reconheciam a condição humana como fundamental para o indivíduo ser considerado de titular de vários direitos, inclusive o da Liberdade. Logo, considerou-se o trabalho escravo como um instituto ultrapassado e retrógrado.

As primeiras Legislações, ao redor do mundo, que começaram a combater a escravidão vieram de países europeus que possuíam ou buscavam influenciar de alguma forma os territórios coloniais ao redor do mundo, nas Américas, África e Ásia. A Inglaterra, por exemplo, através de seu Parlamento, aprovou em 1845 a Lei Bill Aberdeen, onde autorizava a marinha inglesa a apreender todo e qualquer navio negreiro que trouxesse humanos escravizados da África para as Américas, inclusive se estas embarcações estivessem em águas internacionais ou na costa de outros países.

2 BREVE HISTÓRICO DO TRABALHO ESCRAVO NO BRASIL

No Brasil, nessa mesma época, havia uma enorme pressão da Inglaterra para que o Império abolisse de vez a escravidão, visando ampliar o mercado consumidor dos produtos ingleses e influenciar as nações aliadas dos britânicos a aderirem aos ideais iluministas. Logo, em 1850, houve o primeiro movimento do Estado brasileiro direcionado à abolição da escravidão, com a Lei Eusébio de Queiroz, que, de alguma forma regularizava a intervenção inglesa em águas nacionais, proibindo a chegada e atracação para comércio de embarcações negreiras advindas da África. Então, ficava autorizado apenas o comércio interno de escravos.

Em 1871 foi aprovada a Lei do Ventre Livre, onde praticamente abolia a constituição de novos escravos, pois todos os filhos de pessoas escravizadas que nascessem, a partir daquele momento, seriam livres, então ficaria impossível constituir novos escravos, mantendo-se nessas condições apenas aqueles que já estavam nessas circunstâncias, os escravos velhos assim, com o tempo e com a morte desses indivíduos, a escravidão rumava ao fim.

Com o aparecimento de organizações da sociedade civil que, explicitamente, lutavam contra a escravidão, como a Sociedade Brasileira contra a Escravidão e a Confederação Abolicionista houve o aumenta da pressão visando o fim da escravidão humana laboral. Então, em 1985, essa pressão resultou em uma nova conquista para os abolicionistas, a Lei dos Sexagenários, onde todos os humanos acima de 60 anos que estivessem sujeitos à condição de escravo foram libertos, alcançando o status de cidadãos titulares de direitos.

Com medidas graduais que visavam a abolição da escravidão o Estado brasileiro buscava balancear a pressão dos grandes fazendeiros escravistas que moviam a economia com a pressão dos setores sociais, encabeçados pelos intelectuais, jornalistas e políticos progressistas, até que em 1888, no governo interino da Princesa Isabel, através da a Lei Áurea, a escravidão foi abolida do sistema e sociedade brasileira, uma conquista parcial, pois não houve a preocupação na inserção dessas pessoas na sociedade, onde acabaram sendo marginalizadas.

3 A ESCRAVIDÃO NO MUNDO CONTEMPORÂNEO

Mesmo após ser abolido completamente das legislações internacionais, o trabalho escravo, ou as condições de análogas à escravidão, ainda perduram nos dias de hoje. Se antes a escravidão era caracterizada com castigos físicos, domínio sobre o corpo, utilização de ferramentas físicas para aprisionamento e tortura, hoje a escravidão se constitui pelo domínio econômico, pelo aprisionamento por dívidas, e pela recusa de em garantir direitos trabalhistas e condições mínimas de dignidade humana aos trabalhadores.

A origem dos trabalhadores escravos dos dias atuais não tem mais a ver com a sua etnicidade, mas sim com sua situação econômica e social, onde, devido à necessidade de sobrevivência, o trabalhador aceita se submeter à condições degradantes em instalações sem a menor higiene, sem segurança no trabalho, com jornadas desgastantes e sem a garantia de direitos trabalhistas, o que difere dos escravizados de séculos atrás, aqui no Brasil, que eram de origem africana e eram sujeitos a coisificação.

A escravidão moderna mantém, devido à proibição pela Constituição e pelas normas infraconstitucionais, um caráter de ilegalidade, que necessita de uma mão de obra de baixo custo, baixa escolaridade, por um curto período e, devido ao grande número de trabalhadores desempregados, de caráter descartável.

Aduz Lívia Mendes Moreira Miraglia[2] (2008, p. 135) sobre a temática:

[…] o trabalho escravo contemporâneo é aquele que se realiza mediante a redução do trabalhador a simples objeto de lucro do empregador. O obreiro é subjugado, humilhado e submetido a condições degradantes de trabalho e, em regra, embora não seja elemento essencial do tipo, sem o direito de rescindir o contrato ou de deixar o local de labor a qualquer tempo.

Em Manual de Combate ao trabalho em condições análogas à Escravidão, o Ministério do Trabalho (2014, p. 12)[3] afirma que:

A degradação mencionada vai desde o constrangimento físico e/ou moral a que é submetido o trabalhador – seja na deturpação das formas de contratação e do consentimento do trabalhador ao celebrar o vínculo, seja na impossibilidade desse trabalhador de extinguir o vínculo conforme sua vontade, no momento e pelas razões que entender apropriadas – até as péssimas condições de trabalho e de remuneração: alojamentos sem condições de habitação, falta de instalações sanitárias e de água potável, falta de fornecimento gratuito de equipamentos de proteção individual e de boas condições de saúde, higiene e segurança no trabalho; jornadas exaustivas; remuneração irregular, promoção do endividamento pela venda de mercadorias aos trabalhadores (truck system).

Assim, ao contrário do estereótipo que surge no imaginário da maioria das pessoas, no qual o trabalho escravo é ilustrado pelo trabalhador acorrentado, morando na senzala, açoitado e ameaçado constantemente, o trabalho em condição análoga à de escravo não se caracteriza apenas pela restrição da liberdade de ir e vir, pelo trabalho forçado ou pelo endividamento ilegal, mas também pelas más condições de trabalho impostas ao trabalhador.

4 A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA E O TRABALHO ANÁLOGO À ESCRAVIDÃO

Na seara constitucional, preocupou-se a Constituição de 1988 na tutela da dignidade da pessoa humana, igualdade social, defesa dos direitos humanos, proibição do tratamento desumano e degradante como também da tortura, constituindo um de seus fundamentos, trazido no art. 1º, IV os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa.

No artigo 5º, o mais relevante artigo em relação aos direitos individuais e meta individuais, em seu inciso III, garante-se a isonomia e o tratamento com dignidade, garantindo a inviolabilidade do direito à vida, a liberdade, a segurança onde ninguém poderá ser submetido à tortura ou a tratamento desumano ou degradante. Ainda no artigo 5º, agora no inciso XIII, a Carta Magna dispõe que, desde que atendida as qualificações profissionais que a lei estabelece, é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão.

O artigo 7 da CF fala da proteção ao trabalho e trabalhador rural, este que se torna o maior alvo da escravidão moderna, pois geralmente são trabalhos braçais, que não exigem nenhuma qualificação intelectual ou técnica, além de, devido às longas distâncias e percalços geográficos, que dificultam o acesso às áreas, a fiscalização fica comprometida, assim como o abandono do emprego degradante por parte do trabalhador explorado.

No artigo 243, modificada pela Emenda Constitucional nº81, que tange sobre o direito à propriedade, é expressamente identificada a escravidão como motivo de expropriação, junto ao cultivo de substâncias psicotrópicas (drogas ilícitas), destinando a propriedade rural ou urbana à reforma agrária ou programa de habitação popular, sem ter direito, o proprietário, a nenhum tipo de indenização, e ainda sofrerá, cumulativamente, outras sanções na esfera penal, civil e trabalhista.

No meio infraconstitucional, o Código Penal, traz em seu Art. 149 a tipificação da redução de alguém a condições análogas à escravidão:

Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalho forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto.

Identificando assim, no caput do artigo, como trabalho forçado aquele em que a vítima não cumpre de forma voluntária, ela é compelida por meios capazes de sobrepor sua vontade. Nas zonas rurais, por exemplo, os trabalhadores adquirem dívidas quando obrigados a comprar suas ferramentas de trabalho, seus alimentos ou pagar seus transportes. Tendo o artigo o parágrafo segundo que prevê aumento da pena se a vítima for menor de idade ou se a motivação for o preconceito relativo à raça, cor, etnia, religião ou origem.

Na seara civil o trabalho forçado em condições análogas à escravidão pode ser abordado no instituto da responsabilidade civil, pois o cometimento de um ilícito, no geral, resulta dano à outra pessoa, logo, nesse caso, a vítima compelida ao trabalho escravo sofre um dano, geralmente moral, podendo ainda sofrer, de forma cumulativa, dano material e, em caso de acidente, dano estético.

No Código Civil brasileiro, o dano é identificado nos artigos 186 e 187, estabelecendo que é cometido o ilícito quando for causado dano, mesmo que moral, a outrem de forma voluntária ou involuntária. E no artigo 927 está disposto sobre a obrigação de reparar esse dano, cometido por ato ilícito.

5 O COMPROMISSO DO BRASIL NA ERRADICAÇÃO DO TRABALHO ESCRAVO

Através de assinatura de alguns instrumentos do direito internacional, o Brasil se comprometeu ao combate a esse tipo de trabalho, tais como:

I – A convenção das Nações Unidas sobre Escravatura de 1926, emendada pelo Protocolo de 1953 e a Convenção Suplementar sobre a Abolição da Escravatura de 1956: ratificadas pelo Brasil em 1966, estabelecem o compromisso de seus signatários de abolir completamente a escravidão em todas as suas formas;

II – Convenção no 29 sobre o Trabalho Forçado ou Obrigatório (1930) da OIT: ratificada pelo Brasil em 1957, estabelece que os países signatários se comprometem a abolir a utilização do trabalho forçado ou obrigatório, em todas as suas formas, no mais breve espaço de tempo possível;

III – Convenção no 105 sobre a Abolição do Trabalho Forçado (1957) da OIT: ratificada pelo Brasil em 1965. Os países signatários se comprometem a adequar sua legislação nacional às circunstâncias da prática de trabalho forçado neles presentes, de modo que seja tipificada de acordo com as particularidades econômicas, sociais e culturais do contexto em que se insere. Ademais, a Convenção estipula que a legislação deve prever sanções realmente eficazes;

Em 5 de outubro de 2011, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), por meio da Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT), regrou a Instrução Normativa nº 91, publicada no DOU de 6.10.11, seção I, p.102, que versa sobre a fiscalização para a erradicação do trabalho em condição análoga à escravidão, no meio rural, urbano e marítimo, expressando em seu art. 3º conceitos de trabalho Escravo:

Art. 3º – Para os fins previstos na presente Instrução Normativa, considera-se trabalho realizado em condição análoga à de escravo a que resulte das seguintes situações, quer em conjunto, quer isoladamente:

I – A submissão de trabalhador a trabalhos forçados;

II – A submissão de trabalhador a jornada exaustiva;

III – A sujeição de trabalhador a condições degradantes de trabalho;

IV – A restrição da locomoção do trabalhador, seja em razão de dívida contraída, seja por meio do cerceamento do uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, ou por qualquer outro meio com o fim de retê-lo no local de trabalho;

V – A vigilância ostensiva no local de trabalho por parte do empregador ou seu preposto, com o fim de retê-lo no local de trabalho;

VI – A posse de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, por parte do empregador ou seu preposto, com o fim de retê-lo no local de trabalho.

§ 1º As expressões referidas nos incisos de I a VI deverão ser compreendidas na forma a seguir:

a) “trabalhos forçados” – todas as formas de trabalho ou de serviço exigidas de uma pessoa sob a ameaça de sanção e para o qual não se tenha oferecido espontaneamente, assim como aquele exigido como medida de coerção, de educação política, de punição por ter ou expressar opiniões políticas ou pontos de vista ideologicamente opostos ao sistema político, social e econômico vigente, como método de mobilização e de utilização da mão de obra para fins de desenvolvimento econômico, como meio para disciplinar a mão de obra, como punição por participação em greves ou como medida de discriminação racial, social, nacional ou religiosa;

b) “jornada exaustiva” – toda jornada de trabalho de natureza física ou mental que, por sua extensão ou intensidade, cause esgotamento das capacidades corpóreas e produtivas da pessoa do trabalhador, ainda que transitória e temporalmente, acarretando, em consequência, riscos a sua segurança e/ou a sua saúde;

c) “condições degradantes de trabalho” – todas as formas de desrespeito à dignidade humana pelo descumprimento aos direitos fundamentais da pessoa do trabalhador, notadamente em matéria de segurança e saúde, e que, em virtude do trabalho, venha a ser tratada pelo empregador, por preposto ou mesmo por terceiros, como coisa e não como pessoa;

d) “restrição da locomoção do trabalhador” – todo tipo de limitação imposta ao trabalhador a seu direito fundamental de ir e vir ou de dispor de sua força de trabalho, inclusive o de encerrar a prestação do trabalho, em razão de dívida, por meios diretos ou indiretos, por meio de coerção física ou moral, fraude ou outro meio ilícito de submissão;

e) “cerceamento do uso de qualquer meio de transporte com o objetivo de reter o trabalhador” – toda forma de limitação do uso de transporte, particular ou público, utilizado pelo trabalhador para se locomover do trabalho para outros locais situados fora dos domínios patronais, incluindo sua residência, e vice-versa;

f) “vigilância ostensiva no local de trabalho” – todo tipo ou medida de controle empresarial exercida sobre a pessoa do trabalhador, com o objetivo de retê-lo no local de trabalho;

g) “posse de documentos ou objetos pessoais do trabalhador” – toda forma de apoderamento ilícito de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o objetivo de retê-lo no local de trabalho;

Demonstrando a complexidade e abrangência do termo, que deve ser observado com muita cautela.

6 DO MINISTÉRIO DO TRABALHO

Criado em 26 de novembro de 1930, por meio do Decreto nº 19.433, durante o governo Vargas, o então chamado Ministério do Trabalho, indústria e comércio, surgiu como forma do regime de interferir diretamente entre a relação do capital e trabalho, visto que era responsabilidade do Ministério da Agricultura, sem muito foco. Em 1974 passou a ser denominado Ministério do Trabalho, pelo decreto nº 69.907. Entre as competências do ministério estão a política e diretrizes para a geração de emprego e renda e de apoio ao trabalhador; política e diretrizes para a modernização das relações do trabalho; fiscalização do trabalho, política salarial, segurança e saúde no trabalho; política de imigração e cooperativismo e associativismo urbanos. Neste sentido, traz a CLT em seu art. 626: “Incumbe às autoridades competentes do Ministério do Trabalho, ou àquelas que exerçam funções delegadas, a fiscalização do fiel cumprimento das normas de proteção ao trabalho”.

Em 1995, com a intenção do combate ao trabalho escravo, surge por meio do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) o grupo especial de fiscalização móvel (GEFM), que era coordenado pela Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT). Todavia, o entendimento do conceito de trabalho escravo na época ainda era restrito apenas à perda da liberdade de auto locomoção, sendo alterado a redação do código penal em seu art. 149 no ano 2003, pela lei nº 10.803, afirmando que o trabalho forçado, jornada exaustiva, condições degradantes e restrição de locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto, também são formas de “trabalho escravo”.

O combate ao trabalho escravo, no âmbito do Ministério do trabalho e emprego é responsabilidade da SIT, mais precisamente pela unidade da Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo, a Detrae. O GEFM é composto por Auditores Fiscais do Trabalho, por Delegados Federais e por Procurados do Ministério Público do trabalho.

A Detrae atua de duas formas, centralizada e descentralizada, onde a primeira se dá a partir do grupo especial de fiscalização móvel, que tem como intuito garantir a padronização de procedimentos, sigilo de denúncias e diminuir os problemas da fiscalização local. A segunda forma decorre de ações fiscais ocorrida nas unidades estaduais do MTE, que se originam a partir de denúncias de trabalho degradante. A soma dos dados obtidos pelas formas é que indicará o resultado do combate ao trabalho escravo.

A partir de dados disponibilizados pelo MTE em seu site oficial, constata-se que no ano de 2016 foram resgatados 885 trabalhadores decorrentes de operações de fiscalização para a erradicação do trabalho escravo, em um total de 115 fiscalizações foram lavrados 2366 autos de infrações trabalhistas com pagamentos de indenização contabilizados em 2.807.347,19 reais.[4] Números que demonstram certa evolução, visto que no ano de 2015 foram resgatados 1010 trabalhadores, com 2748 autos de infração trabalhista com pagamentos de indenização contabilizados em 3.175.477,49 reais.

O estado do Maranhão demonstra eficiência no combate ao trabalho com condições análogas à escravidão, registrando uma diminuição no número de trabalhadores resgatados por ano, em 2015 foram resgatados 107 trabalhadores, com 189 autos lavrados e indenizações no valor de 526.981,27 reais, já em 2016, foram resgatados 49 trabalhadores, marcando uma diminuição superior à 50% do ano anterior, 189 autos lavrados e indenizações no valor de 331.261,18 reais. Essa diminuição se dá, principalmente aos esforços do Estado do Maranhão, a Comissão Estadual para a Erradicação do Trabalho Escravo do Maranhão (Coetrae/MA), neste período realizou “a caravana da liberdade”, adotou metodologias inovadoras, como a ‘hard to see, harder to count’, que trabalha com a coleta de informações diretamente de possíveis vítimas de trabalho escravo; instituiu o ‘Pacto pela Paz’, que visa reduzir indicadores de violência no Maranhão, dentre outras atividades.[5]

7 A “LISTA SUJA”

Sendo criada em 2004, pela portaria nº 504, o Ministério do Trabalho começou a divulgar o cadastro de empregadores que tenham submetido trabalhadores a condição análoga à escravidão, deixando em evidência todos aqueles que foram flagrados por fiscalização, acontecendo o cadastro, porém, após o esgotamento do processo administrativo originário dos autos. Sua lista é atualizada semestralmente e direcionada a diversos institutos públicos e privados, como também à sociedade civil, tornando notório aqueles que cometem tais atos.

Sua última lista foi publicada em 27 de março de 2017, no site do MTE, contendo o nome de 68 empregadores, onde a inscrição ou retirada no cadastro depende exclusivamente da postura adotada pelo empregador.[6]

8 OUTRAS MEDIDAS ASSISTENCIALISTAS

Seguro desemprego Especial: Trazido pela lei 10.608/2002, os trabalhadores resgatados em condições análogas à escravidão receberão o benefício de 3 meses de seguro desemprego, bem como o direcionamento à programas de capacitação profissional e recolocação ao mercado de trabalho, devendo ser feio por parte do Auditor Fiscal do Trabalho todas as medidas formais, ao tempo do resgate, para o recebimento do benefício pelos empregados.

Prioridade de Inserção no Programa Bolsa Família: O Ministério do Trabalho em conjunto com Ministério do desenvolvimento Social e Combate à Fome firmaram acordo que concede aos trabalhadores resgatados o direito prioritário ao recebimento do benefício.

Programa Brasil Alfabetizado: Em parceria com o Ministério da Educação, os trabalhadores resgatados terão o direito de serem incluídos em turmas de alfabetização dentro do programa.

9 CONCLUSÃO

A escravidão moderna é um mal ainda presente na sociedade mundial, diferenciada da escravidão clássica quanto às ferramentas de coação e pelo jeito que os seres humanos vítimas são tratados, pois na escravidão clássica utilizava-se a violência e tortura física e as pessoas eram reduzidas a bens, tinham valores como propriedade, sendo um método legitimado pelo governo e direcionado a determinados grupos étnicos.

No trabalho forçado análogo à escravidão o meio de coação mais comum é a chantagem econômica, pois as vítimas são retiradas de suas casas, levadas para bem longe, as vezes para outros países, ou lugares de difícil locomoção, e desde o momento em que embarcam no meio de transporte já contraem dívidas que são impostas e cobradas sem nenhum parâmetro legal, pagam ainda pelas ferramentas, mantimentos e alimentos, o que geram dívidas ainda maiores e, pelo inadimplemento, há a privação de liberdade.

As vítimas são escolhidas pelo baixo índice de escolaridade e por fatores econômicos e sociais, e mesmo sendo um método proibido pelo governo, não há uma atenção tão grande no combate a essas práticas. O trabalho escravo moderno pode ser encontrado tanto no campo, nas áreas rurais, principalmente em propriedades agrícolas, como nos centros urbanos, em fábricas e depósitos clandestinos, no Brasil os maiores casos envolvem as indústrias têxteis.

O Estado brasileiro desde o período Imperial vem gradualmente se voltando contra a escravidão, mas só com a República, em suas legislações, aliadas aos tratados internacionais de organismos como a Organização das Nações Unidas – ONU, Organização dos Estados Americanos – OEA e Organização Internacional do Trabalho – OIT, que começou a haver um efetivo combate às práticas de escravização laboral moderna.

A Legislação brasileira, tanto na Carta Magna quando nas Leis infraconstitucionais dispõe sobre a ilegalidade do trabalho escravo e sobre as penas impostas àqueles que cometem essas práticas. O que foi ratificado com a assinatura de vários documentos internacionais, tratados, por parte do Brasil, visando se comprometer ao combate desses atos desumanos.

O Ministério do Trabalho, órgão vinculado ao Poder Judiciário é a mais importante ferramenta de combate ao trabalho escravo no Brasil, aliado aos setores da sociedade civil. O Ministério do Trabalho tem desenvolvido um trabalho dando atenção especial a esses crimes contra a liberdade, através de Detrae, divisão especializada no combate ao trabalho forçado análogo a escravidão criando inclusive a “lista suja” que detêm o nome de empregadores e empresas quem cometeram essa prática ilegal.

Na prática, dados demonstram que no estado do Maranhão, assim como em inúmeros outros estados, ainda há a recorrência dessas práticas, principalmente em áreas rurais, de difícil acesso, porém o trabalho das autoridades federais e locais têm mostrado cada vez mais resultados, libertando trabalhadores aliciados e processando os aliciadores.

Quanto ao tratamento dado às vítimas após serem resgatadas, além da assistência jurídica o Estado brasileiro propicia o direito ao seguro-desemprego especial, a inserção no programa bolsa família e ao programa de alfabetização, buscando melhorar a vida dessas pessoas para que não fiquem tao reféns das circunstâncias devido aos fatores sociais e econômicos que pesam negativamente, porém ainda é muito pouco a assistência dada a essas pessoas, devendo o Estado buscar métodos mais eficientes e abrangentes de inserir essas pessoas no meio social e econômico e afastar de vez esse fantasma que é a escravidão.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Consolidação das Leis do Trabalho, Decreto-Lei 5.452, de 1º de maio de 1943, 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

BRASIL. Manual de Combate ao Trabalho em Condições análogas às de escravo. Brasília: MTE, 2011.

BRASIL. Código Penal. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Vade mecum. São Paulo: Saraiva, 2017.

BRASIL. Código Civil, Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Vade mecum. São Paulo: Saraiva, 2017.

GRECO, Rogério. Manual de direito penal comentado. Niterói – RJ: editora Impetrus, 2014.

MARANHÃO É DESTAQUE NO COMBATE AO TRABALHO ESCRAVO, APONTA TEM. Disponível em: <http://www.ma.gov.br/maranhao-e-destaque-no-combate-ao-trabalho-escravo-aponta-mte/> acesso em 19 de junho de 2017.

MIRAGLIA, Lívia Mendes Moreira. Trabalho escravo contemporâneo: conceituação à luz do princípio da dignidade da pessoa humana. 2008. Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Programa de Pós-graduação em Direito, Belo Horizonte.

NABUCO, Joaquim. Sociedade Brasileira contra a Escravidão. Rio de Janeiro: G. Leuzinger, 1880. Disponível em: <http://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/174443>

Resultados das Operações de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo. Disponível em: < http://www.trabalho.gov.br/fiscalizacao-combate-trabalho-escravo/resultados-das-operacoes-de-fiscalizacao-para-erradicacao-do-trabalho-escravo> acesso em 19 de junho de 2017.

PATROCÍNIO, José do; REBOUÇAS, André. Manifesto da Confederação Abolicionista do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Typ. da Gazeta da Tarde, 1883. Disponível em: <http://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/174454>. Acesso em: 12 jun 2017.



[1] Graduando de Direito da Universidade Estadual do Maranhão. E-mail: cacaioqds@gmail.com.

[2] MIRAGLIA, Lívia Mendes Moreira.Trabalho escravo contemporâneo: conceituação à luz do princípio da dignidade da pessoa humana.2008. Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Programa de Pós-graduação em Direito, Belo Horizonte.

[3] Manual de Combate ao Trabalho em Condições análogas às de escravo Brasília: MTE, 2011.

[4]Disponível em: http://www.trabalho.gov.br/fiscalizacao-combate-trabalho-escravo/resultados-das-operacoes-de-fiscalizacao-para-erradicacao-do-trabalho-escravo. Acesso em 19 de junho de 2017

[5] Disponível em: http://www.ma.gov.br/maranhao-e-destaque-no-combate-ao-trabalho-escravo-aponta-mte/. Acesso em 19 de junho de 2017.

[6]Disponível em: http://trabalho.gov.br/component/content/article?id=4428. Acesso em 19 de junho de 2017.

Como citar e referenciar este artigo:
SILVA, Caio Queiroz da. A escravidão moderna e os mecanismos de combate do estado brasileiro. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2019. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-do-trabalho/a-escravidao-moderna-e-os-mecanismos-de-combate-do-estado-brasileiro/ Acesso em: 30 abr. 2024