Direito Constitucional

Educação preceito fundamental e o papel do Estado como garantidor

Rodrigo Fagundes Noceti[1]
Julia de Oliveira[2]

INTRODUÇÃO

O presente trabalho visa relacionar o papel do Estado perante um dos direitos fundamentais previsto na Carta Magna, o Direito a Educação.

Está positivado como um dos direitos sociais, elencado no artigo 6º da Constituição Federal Brasileira. Sua finalidade é diminuir a desigualdade social através da educação.

Tal direito, apesar de estar inserido nos direitos fundamentais, não possui aspectos apenas formais, está ligado a uma valorização da igualdade material. Isso quer dizer que os direitos sociais possuem exigibilidade, e não somente mero poder de agir.

Para que haja uma efetivação dos direitos sociais se fazem necessárias o estabelecimento de diretrizes e atitudes por intermédio do Poder Público perante a sociedade. A partir de um interesse coletivo estabelecido, caberá ao Estado originar instrumentos que viabilizem acesso a essas garantias constitucionais de forma igualitária.

1 DIREITOS FUNDAMENTAIS

Os direitos fundamentais elencados no interior da Constituição Federal de 1988 foram positivados na expectativa de estabelecer a isonomia, o surgimento não foi com a atual Constituição Federal, mas foi a partir desta previsão legal que se criou a chama de esperança para uma vida digna para a população brasileira. Como é sabido a Constituição Federal pode sofrer modificações por meio de emenda constitucional, porém no que prevê o parágrafo 4º do artigo 60 alguns direitos não há esta possibilidade. Estes direitos são considerados cláusulas pétreas onde não há possibilidade de alteração.

A atual Constituição é considerada rígida, de difícil modificação, o artigo 60 §4º inciso IV[3], diz: “§ 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: IV – os direitos e garantias individuais.”

Os direitos fundamentais, que também podem ser chamados de direitos do homem ou garantias individuais, foram criados para garantir o mínimo de existência para a população brasileira viver com dignidade e, sentir-se protegida pelo poder estatal. Como dito por Ingo Wolfgang Sarlet (2005, p. 70) se trata de um direito imprescindível:

Os direitos fundamentais, como resultado da personalização e positivação constitucional de determinados valores básicos (daí seu conteúdo axiológico), integram, ao lado dos princípios estruturais e organizacionais (a assim denominada parte orgânica ou organizatória da Constituição), a substância propriamente dita, o núcleo substancial, formado pelas decisões fundamentais, da ordem normativa, revelando que mesmo num Estado constitucional democrático se tornam necessárias (necessidade que se fez sentir da forma mais contundente no período que sucedeu à Segunda Grande Guerra) certas vinculações de cunho material para fazer frente aos espectros da ditadura e do totalitarismo.[4]

Destaca-se, que além da função de proteger o homem, os direitos fundamentais submetem o Estado a tomar um conjunto de medidas que impliquem melhorias nas condições sociais dos cidadãos.

Para atingir sua finalidade, encontramos duas dimensões desses direitos, a objetiva e a subjetiva, como explica Guerra Filho (1999, p.31):

Os direitos fundamentais não têm apenas uma dimensão subjetiva, mas também, uma outra, objetiva, donde se falar em seu “duplo caráter”, preconizando-se a figura do status como mais adequada do que a do direito subjetivo para categorizá-los. A dimensão objetiva é aquela onde os direitos fundamentais se mostram como princípios conformadores do modo como o Estado que os consagra deve organizar-se e atuar. Enquanto situação jurídica subjetiva o status seria a mais adequada dessas figuras porque é aquela donde “brotam” as demais, condicionando-as.[5]

Estes direitos não surgiram somente na Constituição do ano de 1988, eles fazem parte de uma história e os doutrinadores os dividiram em dimensões de acordo com a sua conquista. Nos direitos fundamentais de primeira dimensão é possível identificar que afasta o Estado de intervir no individual, pois ele visa proteção da vida, da intimidade, da inviolabilidade de domicílio, a igualdade perante a lei, entre outras características da vida privada, não admitindo o Estado violar tais garantias. Luiz Alberto David Araujo e Vidal Serrano Nunes Junior (2005, p.116) entendem da seguinte forma:

Trata-se de direitos que representavam uma ideologia de afastamento do Estado das relações individuais e sociais. O Estado deveria ser apenas o guardião das liberdades, permanecendo longe de qualquer interferência no relacionamento social. São as chamadas ‘liberdades públicas negativas’ ou ‘direitos negativos’, pois exigem do Estado um comportamento de abstenção.[6]

O marco desta geração é a revolução burguesa e as chamadas liberdades públicas, no final do século XVII.

Já os direitos fundamentais de segunda dimensão precisam de intervenções estatais, exigem uma prestação objetiva do Estado por meio de execução, por meio de políticas públicas, colocando a igualdade em primeiro lugar, garantindo o bem-estar social, e a dignidade da pessoa humana. São os chamados direitos sociais: à Saúde, a Educação, Seguridade Social, o Trabalho dentre outros. Após essa evolução, a mais esperada democracia no Brasil foi criada e, nela veio em seus artigos à proteção que o país necessitava, após tanta pobreza e esquecimento dos seres humanos, a Constituição Brasileira promulgada em 1988 foi a única em toda essa jornada a inserir direitos fundamentais em seu texto. Estes direitos decorrem dos processos revolucionários ocorridos no início do século XX, após a Primeira Guerra Mundial.

Quanto aos direitos de terceira dimensão, hasteando a bandeira da solidariedade e fraternidade humana, nasce sobre a repercussão forte e rumorosa dos resultados da Segunda Guerra Mundial. Explica Paulo Bonavides (2003, p.563) que:

Dotados de altíssimo teor de humanismo e universalidade, os direitos da terceira geração tendem a cristalizar-se neste fim de século enquanto direitos que não se destinam especificamente à proteção dos interesses de um indivíduo, de um grupo, ou de um determinado Estado. Têm primeiro por destinatário o gênero humano mesmo, num momento expressivo de sua afirmação como valor supremo em termos de existencialidade concreta. Os publicistas e juristas já o enumeram com familiaridade, assinalando-lhe o caráter fascinante de coroamento de uma evolução de trezentos anos na esteira da concretização dos direitos fundamentais. Emergiram eles da reflexão sobre temas referentes ao desenvolvimento, à paz, ao meio ambiente, à comunicação e ao patrimônio comum da humanidade.[7]

Há doutrinadores que, acreditam haver além destes direitos fundamentais gerados através de um marco histórico, existe uma quarta dimensão, segundo Paulo Bonavides (2006, p.571):

São direitos de quarta geração o direito à democracia, o direito à informação e o direito ao pluralismo. Deles depende a concretização da sociedade aberta para o futuro, em sua dimensão de máxima universalidade, para a qual parece o mundo inclinar-se no plano de todas as relações de convivência.[8]

Estes direitos não sobrepõe os outros citados, mas sim os complementam, onde as bases são as outras dimensões de direitos fundamentais supramencionados. Por isso, concordamos com Guerra Filho(1999, p.26) que entende que não deveríamos falar nessas gerações de direitos fundamentais e sim em dimensões, com explica in verbis:

Que ao invés de “gerações” é melhor se falar em “dimensões de direitos fundamentais”, nesse contexto, não se justifica apenas pelo preciosismo de que as gerações anteriores não desaparecem com o surgimento das mais novas. Mais importante é que os direitos “gestados” em uma geração, quando aparecem em uma ordem jurídica que já traz direitos da geração sucessiva, assumem uma outra dimensão, pois os direitos de geração mais recente tornam-se um pressuposto para entendê-los de forma mais adequada – e, consequentemente, também para melhor realizá-los. Assim, por exemplo, o direito individual de propriedade, num contexto em que se reconhece a segunda dimensão dos direitos fundamentais, só pode ser exercido observando-se sua função social, e com o aparecimento da terceira dimensão, observando-se igualmente sua função ambiental.[9]

Observando nossa jurisprudência, foram reconhecidas pelo Supremo Tribunal Federal as três dimensões de Direitos Fundamentais, no julgamento do mandado de segurança de nº 22.164/SP:

[…] A questão do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado – direito de terceira geração – princípio da solidariedade. – o direito a integridade do meio ambiente – típico direito de terceira geração – constitui prerrogativa jurídica de titularidade coletiva, refletindo, dentro do processo de afirmação dos direitos humanos, a expressão significativa de um poder atribuído, não ao individuo identificado em sua singularidade, mas, num sentido verdadeiramente mais abrangente, a própria coletividade social. Enquanto os direitos de primeira geração (direitos civis e políticos) – que compreendem as liberdades clássicas, negativas ou formais – realçam o princípio da liberdade e os direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais) – que se identifica com as liberdades positivas, reais ou concretas – acentuam o princípio da igualdade, os direitos de terceira geração, que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas as formações sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem um momento importante no processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados, enquanto valores fundamentais indisponíveis, pela nota de uma essencial inexauribilidade. Considerações doutrinarias.[10]

Quanto à literalidade dos direitos fundamentais a Constituição Federal apresenta, logo após os princípios fundamentais (arts. 1º a 4º), o Título II – Dos Direitos e Garantias Fundamentais. O Capítulo I compreende os direitos e deveres individuais e coletivos a seguir, o Capítulo II é reservado aos direitos sociais, seguido pelos Capítulos III – Da Nacionalidade; IV – Dos Direitos Políticos; e V – Dos Partidos Políticos. Explana sobre este título da Constituição Manoel Gonçalves Ferreira Filho (2005, p. 294):

A declaração contida na Constituição de 1988 é a mais abrangente e extensa de todas as anteriores. Inclui, como é óbvio, as liberdades públicas clássicas, conferindo excepcional ênfase aos direitos concernentes à matéria penal. Por outro lado, inova ao prever, por exemplo, o direito de informação, a defesa do consumidor, etc. Além de consagrar os ‘Direitos e deveres individuais e coletivos’, a Declaração de 1988 abre um capítulo para os direitos sociais, que vinham sendo, desde 1934, inseridos no capítulo da ‘Ordem econômica e social’.[11]

O título II inicia-se com o artigo 5º, que positiva a igualdade entre a população perante a lei seja de brasileiros ou estrangeiros. Não confundir a igualdade como que o tratamento fornecido a uma determinada a pessoa deve ser duplicado para as demais. O filósofo Aristóteles bem colocou “Devemos tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de sua desigualdade. ”

Um exemplo, é o sistema de cotas raciais, implantado para garantir que uma parte da população que sofre com o baixo nível de escolaridade tenha acesso à educação. Você passa a tratar os negros e pardos de forma desigual, devido a sua desigualdade de tratamento como observamos estudando a nossa história perante as outras raças do país, é a tomada de posição dos excluídos frente à classe dominante, que fique claro, não a maioria e sim a dominante. As constatações obtidas pelos pesquisadores do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) no Brasil, o Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea) e a Fundação João Pinheiro (FJP) são decepcionantes, pois deixa claro a desigualdade entre as raças, o índice de desenvolvimento humano (IDH) que os negros conquistaram é lastimoso, somente em 2010 a população negra conseguiu atingir um índice que a população branca possuía no ano 2000[12]. Complexo entender que não há retrocesso que ninguém está sendo deixado para trás.

Em seguida podemos perceber a inviolabilidade da vida e ao patrimônio, que força o Estado a garantir a liberdade de ir e vir, a fazer com que a população se sinta segura. As garantias previstas ao longo de todo o artigo 5º são de aplicação imediata, como dita por Roberto Baptista Dias da Silva (2007, p. 293):

O artigo 5º §1º da Constituição Federal, prevê que as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata. Assim, todas as disposições que definirem os direitos e garantias fundamentais – segundo a classificação de José Afonso da Silva – devem ser consideradas normas de eficácia plena ou contida, produzindo imediatamente todos os efeitos possíveis, em razão de disciplinar diretamente as matérias, as situações e os comportamentos que cogitam.[13]

A população deve estar atenta, para que o Estado esteja sempre garantindo o que a Constituição Cidadã positivou.

2 GARANTIA DE EDUCAÇÃO NO BRASIL

O âmbito educacional é, sobretudo, um dos mais relevantes ao se pensar na formação de um cidadão. Vale ressaltar que o aspecto “educação” não se distancia das questões de desigualdades sociais, principalmente, se tratando do cenário brasileiro.

No caso da docência, instaurado em 2014, o plano de “Base Nacional Comum”, inicialmente, pretendia instituir um ensino de qualidade que gerasse ao sistema educacional oportunidades iguais a todos para que, assim, diminuíssem as desigualdades, porém, não houve continuidade em sua finalização. Isso ocorreu, por exemplo, no caso da não sustentação do Currículo Unificado da Base Nacional Comum Curricular, de onde partem os estudos feitos pelos estados e municípios. Porém, no Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM é cobrado um conhecimento linear, que leva em conta que todo o cidadão tem as mesmas oportunidades.

Nas salas de aulas regulares do ensino brasileiro são lecionados diversos assuntos, porém um que poderia ser disposto na grade dessas instâncias deliberativas seria o estudo da Constituição Federal. O intuito seria, inicialmente os tornar pensantes, expor aos alunos quais são os seus deveres e quais são os deveres de seu Estado. Essa proposta poderia ser desenvolvida por meio das disposições da linguagem, que é uma ferramenta essencial para a formação do falante de uma língua.

Nessa perspectiva, Maurízio Gnerre (1991, p.3) considera que a função da linguagem não é só de ser mecanismo de comunicação. “As pessoas falam para serem ‘ouvidas’, às vezes para serem respeitadas e também para exercer uma influência no ambiente em que realizam os atos lingüísticos.”[14]. Possivelmente seria um caminho de uma escola mais atrativa, que despertasse motivação e interesse. Acarretando num superior rendimento acadêmico dos estudantes. A linguagem é um instrumento de poder, por isso se faz importante para todos.

Outro obstáculo é a taxa de analfabetismo no Brasil, permanece elevada, ainda são milhões de brasileiros que não sabem ler ou escrever, nem ao menos dominam cálculos.

Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE atualmente cerca de 8%[15] da população são analfabetos. Número este que ultrapassa o índice de países subdesenvolvidos. Levando a crer que o agir do Estado em garantir um direito fundamental positivado não é efetivo.

Há casos em que o aluno comparece as aulas, mas não absorve o conhecimento, este episódio é possível de ser enxergado em regiões do país onde o aluno assiste às aulas no anseio do horário de intervalo entre elas, para que possa se alimentar, devido à realidade de não possuir recursos. O corpo humano tem a necessidade de saciedade de alimentos, um aluno ao lidar com a falta de alimentos em sua residência não irá conseguir obter alto rendimento ou nas mesmas proporções que o aluno saciado com recursos disponíveis em casa. Desde 1993, o grupo legião urbana expressa criticamente na sua música perfeição: “Vamos celebrar nosso governo/ E nosso estado que não é nação/ Celebrar a juventude sem escola.”[16] Leva a concluir que um Estado que não é não nação, não busca a isonomia com seus tutelados, os deixando a míngua.

Em determinada idade alguns alunos são forçados a abandonar as salas de aulas, para garantir o sustento de suas famílias, é notório o grande número de crianças nas ruas clamando auxílio em dinheiro para complementação de recursos em suas residências, alguns se submetem a trabalhos perigosos e penosos, como é visto nos grandes centros  e aeroportos adolescentes laborando como engraxate, levando os membros do corpo ao desgaste na busca de um pequeno valor para suprir as necessidades fundamentais, desta forma impossibilitando a concentração necessária para absorção de conteúdo no ambiente escolar, em alguns casos há a incompatibilidade de horários das aulas com o trabalho, assim o jovem fica sem alternativa para buscar o conhecimento.

Estes são alguns dos fatores que elevam cada vez mais os índices de analfabetismo ou abandono das salas de aulas.

Quando o Estado se depara com um direito social, se encontra vinculado a gerar condições para assegurá-lo, ele o faz baseando-se no mínimo existencial, por exemplo, cabe ao ente federativo prestar-nos Educação, então baseado no mínimo considerável digno há o planejamento que cuidará da questão. No julgamento do recurso extraordinário[17] que reconheceu a constitucionalidade das Instituições de Ensino Público em cobrarem valores de mensalidades em cursos de especialização, entende o STF que para contribuir com pesquisa e extensão o financiamento não necessariamente deva depender do poder público, podendo as instituições adquirir remuneração pelo serviço.

O mínimo existencial será utilizado como parâmetro para que a tutela Estatal reflita na sociedade, através de leis, regulamentos e medidas públicas de promoção e fortalecimento dos direitos sociais.

Na contramão do mínimo existencial, onde se exigiria do Estado que se cumpra uma garantia jurisdicional, temos a Reserva do Possível que irá impor limite à disponibilidade de recursos econômicos para a efetivação dos direitos sociais.

Não podemos, portanto, exigir do Estado que todos tenham o acesso igualitário à educação? Pautado na reserva do possível, o governo impõe um limite financeiro, ou seja, realiza somente o que está dentro de sua capacidade financeira.

A Constituição exige que os municípios apliquem ao menos 25% de sua receita resultante de impostos e transferências na manutenção e no desenvolvimento da Educação, a lei é a mesma para os estados e, no caso da União o percentual mínimo é de 18%, posicionamento advindo da Emenda Constitucional de nº 14/1996[18] e sua regulamentação, em conexão com a Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional[19]. Porém, nem sempre, o plano supra discutido é aplicado.

Inicia-se um impasse, afinal, qual a margem do mínimo existencial e da reserva do possível. Ao negar Educação de qualidade o Estado deixa de cumprir um direito social, e em contrapartida, há a Reserva do possível, que servirá de escape para a não efetivação dos direitos.

Diante do exposto, há de se pensar que a Reserva do Possível seria somente uma desculpa, para o não cumprimento de garantias sociais? Essa reserva estaria mascarando a corrupção, que seria a verdadeira culpada por essa ‘’escassez’’ de recursos?

Ainda, o país passou a ter uma limitação aos gastos públicos, a Emenda Constitucional de nº 95, promulgada no ano de 2016, veio para controlar a trajetória dos gastos que estariam levando as contas públicas a um possível rombo.

A educação tema tratado, houve também limitação, apesar de ser um dos direitos primários. Desta forma cabe a limitação ao índice inflacionário também aos gastos com educação conforme estabelece a referida emenda constitucional. A regra foi imposta pelo período de 20 anos, devendo ser analisada ao completar 10 anos em vigência.

A não ser que se tenha uma fatalidade a nível nacional, a população tende a crescer com o passar dos anos, e, por 20 anos se terá uma população superior aos dias atuais com a prestação dos serviços públicos estagnada, pela forma de restrição estabelecida.

Como bem questionado por José Pacheco (2017):

E, hoje, cadê a coragem cívica dos companheiros especialistas das ciências da educação? Porque aquilo que mais preocupava Luther King não era o grito dos violentos, dos corruptos, dos desonestos, dos sem caráter, dos sem ética. O que mais o preocupava era “o silêncio dos bons”. Neste tempo de ministeriais disparates, o silêncio das ciências da educação começa a ser preocupante, insustentável, obsceno… ensurdecedor.[20]

O calar-se é visto como consentimento por mais que não aprove, para que tenha a produção de políticas públicas se faz necessário a ação dos especialistas ou dos prejudicados com a falta de amparo.

3 POLÍTICAS PÚBLICAS NO BRASIL

Conforme se verifica no art. 205[21] o constituinte não se limitou a um título, para tratar de um tema essencial para o desenvolvimento humano:

A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

Em sua obra José Afonso da Silva (2010, p.312) analisa a efetivação do direito à educação exposto no artigo supramencionado:

A consecução prática desses objetivos só se realizará num sistema educacional democrático, em que a organização da educação formal (via escola) concretize o direito de ensino, informado por alguns princípios com eles coerentes, que, realmente, foram acolhidos pela Constituição, tais são: universalidade (ensino para todos), igualdade, liberdade, pluralismo, gratuidade de ensino público, valorização dos respectivos profissionais, gestão democrática da escola e padrão de qualidade, princípios esses que foram acolhidos no art. 206 da Constituição[…].[22]

O impulso surge através do Estado, para que as famílias continuem e colaborem na promoção de educação para todos.

A Constituição previu o ensino básico obrigatório e gratuito, incluindo esta necessidade nas despesas custeadas pela máquina pública, José Afonso da Silva (2010, p. 840) explica:

A preferência constitucional pelo ensino público importa em que o Poder Público organize os sistemas de ensino de modo a cumprir o respectivo dever com a educação, mediante prestações estatais que garantam, no mínimo: educação básica obrigatória e gratuita dos 4 aos 17 anos, assegurado, inclusive, sua oferta gratuita a todos os que a ele não tiverem acesso na idade própria, direito, portanto, ao ensino supletivo gratuito (EC 59/2009), com incidência sobre toda a educação básica, tornando-a, portanto, direito público subjetivo (§1º do art. 208).[23]

Nesta toada, a respeito de políticas públicas implementadas no Brasil, a intenção é garantir o texto constitucional, a problemática está em sua efetivação. Será ressaltado a seguir quatro implementações do Estado para a população.

A nível fundamental se tem o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa, que é um compromisso formal assumido pelos Governos Federal, do Distrito Federal, dos Estados e Municípios no ano de 2012, pretende este assegurar que todas as crianças estejam alfabetizadas até os oito anos de idade, ao final do 3º ano do ensino fundamental.

A intenção é de que ao completar oito anos de idade a criança tenha compreensão e domínio da língua portuguesa, seja para a escrita fala ou leitura. Para que através do programa tenha capacidade de ler textos e compreendê-los, possa produzir textos, capacitando assim para as próximas etapas de ensino.

A nível de ensino médio é possível observar o Pacto Nacional pelo Fortalecimento do Ensino Médio, instituído pela Portaria nº 1.140, de 22 de novembro de 2013, representa a articulação e a coordenação de ações e estratégias entre a União e os Governos Estaduais e Distrital na formulação e implantação de políticas para elevar o padrão de qualidade do Ensino Médio brasileiro, em suas diferentes modalidades, orientado pela perspectiva de inclusão de todos que a ele tem direito. No início do ano de 2017 foi sancionado a Lei 13.415[24] após repercussão nacional, que ampliou de forma progressiva a carga horária do ensino médio para que passe a acontecer em tempo integral. Até então a carga horária era de 2.400 horas, passando a ser exigida pela nova lei 3.000 horas e de forma singular, onde o aluno cumprirá 1.800 horas em disciplinas obrigatórias exigidas pela Base Nacional Comum Curricular as outras 1.200 horas serão escolhidas pelo próprio estudante em uma das grandes áreas. Para efetivação desta prestação, o artigo 14[25] da lei, obriga a União a transferência de recurso para prestar apoio financeiro aos Estados e Distrito Federal

Para facilitar o ingresso as universidades, foi criado o Programa Universidade para Todos – PROUNI é o programa do Ministério da Educação que concede bolsas de estudo integrais e parciais de 50% em instituições privadas de educação superior, em cursos de graduação e sequenciais de formação específica, a estudantes brasileiros sem diploma de nível superior.  Criado pela Lei nº 11.096, de 13 de janeiro de 2005[26]. Quanto a este programa o STF julgou da seguinte forma a Ação Direta de Inconstitucionalidade que buscava extinguir o programa devido o procedimento adotado para entrada em vigência do programa:

Programa Universidade para Todos (PROUNI). Ações afirmativas do Estado. Cumprimento do princípio constitucional da isonomia. (…) A educação, notadamente a escolar ou formal, é direito social que a todos deve alcançar. Por isso mesmo, dever do Estado e uma de suas políticas públicas de primeiríssima prioridade. A Lei 11.096/2005 não laborou no campo material reservado à lei complementar. Tratou, tão somente, de erigir um critério objetivo de contabilidade compensatória da aplicação financeira em gratuidade por parte das instituições educacionais. Critério que, se atendido, possibilita o gozo integral da isenção quanto aos impostos e contribuições mencionados no art. 8º do texto impugnado. Não há outro modo de concretizar o valor constitucional da igualdade senão pelo decidido combate aos fatores reais de desigualdade. O desvalor da desigualdade a proceder e justificar a imposição do valor da igualdade. A imperiosa luta contra as relações desigualitárias muito raro se dá pela via do descenso ou do rebaixamento puro e simples dos sujeitos favorecidos. Geralmente se verifica é pela ascensão das pessoas até então sob a hegemonia de outras. Que para tal viagem de verticalidade são compensadas com esse ou aquele fator de supremacia formal. Não é toda superioridade juridicamente conferida que implica negação ao princípio da igualdade. O típico da lei é fazer distinções. Diferenciações. Desigualações. E fazer desigualações para contrabater renitentes desigualações. A lei existe para, diante dessa ou daquela desigualação que se revele densamente perturbadora da harmonia ou do equilíbrio social, impor uma outra desigualação compensatória. A lei como instrumento de reequilíbrio social. Toda a axiologia constitucional é tutelar de segmentos sociais brasileiros historicamente desfavorecidos, culturalmente sacrificados e até perseguidos, como, verbi gratia, o segmento dos negros e dos índios. Não por coincidência os que mais se alocam nos patamares patrimonialmente inferiores da pirâmide social. A desigualação em favor dos estudantes que cursaram o ensino médio em escolas públicas e os egressos de escolas privadas que hajam sido contemplados com bolsa integral não ofende a Constituição pátria, porquanto se trata de um descrímen que acompanha a toada da compensação de uma anterior e factual inferioridade (‘ciclos cumulativos de desvantagens competitivas’). Com o que se homenageia a insuperável máxima aristotélica de que a verdadeira igualdade consiste em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, máxima que Ruy Barbosa interpretou como o ideal de tratar igualmente os iguais, porém na medida em que se igualem; e tratar desigualmente os desiguais, também na medida em que se desigualem.” (ADI 3.330, rel. min. Ayres Britto, julgamento em 3-5-2012, Plenário, DJE de 22-3-2013.)

O governo criou no ano de 2011 o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec) que tem como finalidade de acordo com o artigo 1º da Lei 12.513[27] “a finalidade de ampliar a oferta de educação profissional e tecnológica”. A medida intensifica o programa de expansão de escolas técnicas em todo o país. O Pronatec visa a ampliação de vagas e expansão das redes estaduais de educação profissional.

A grande questão é, como é possível que os programas mencionados, façam parte do dia a dia da população brasileira, cumprindo com a prestação imposta na Carta Magna de garantir Educação de forma igualitária a todos os seus tutelados. Se os números de analfabetismo se mantêm elevados.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Se, por um lado vimos que nosso legislador constituinte quis garantir em nossa Constituição Cidadã o direito a educação, de outro lado vemos nossos atuais legisladores caminhando direção oposta através de leis e emendas que criar um abismo ainda maior entre as diferenças de classes.

Cortar gastos é necessário para enxugar a famigerada maquina pública, porém limitar os gastos sem um critério específico restringe, principalmente aqueles que menos tem. Se compararmos um orçamento doméstico, tirar dez por centro de uma família abastada seria diminuir os “luxos” em primeiro momento. Já de quem tem sua renda contada em moedas, seria tirar o essencial.

Esse é apenas um ponto de partida do que veremos acontecer nessa década, que deve ser revisto apenas dez anos após sua vigência. Como primeiro ano de aplicação, estamos apenas no inicio do que ocorrerá que ainda há de gerar muita polemica.

REFERÊNCIAS:

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BRASIL. Constituição (1988). Emenda Constitucional nº 14, de 12 de setembro de 1996. Modifica os arts. 34, 208, 211 e 212 da Constituição Federal e dá nova redação ao art. 60 do Ato das Disposições constitucionais Transitórias. In: CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 13 set. 1996.

BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 23 dez. 1996.

BRASIL. Lei nº 13.415, de 16 de fevereiro de 2017. Institui a Política de Fomento à Implementação de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 17 fev. 2017.

BRASIL. Lei nº 11.096, de 13 de janeiro de 2005. Institui o Programa Universidade para Todos – PROUNI, regula a atuação de entidades beneficentes de assistência social no ensino superior. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 14 jan. 2005.

BRASIL. Lei nº 12.513, de 26 de outubro de 2011. Dispõe sobre o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 27 dez. 2011.

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Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Trabalho e Rendimento, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2007/2015. Disponível em: < http://brasilemsintese.ibge.gov.br/educacao/taxa-de-analfabetismo-das-pessoas-de-15-anos-ou-mais.html> Acesso em 01 ago. 2017

 http://www.revistaeducacao.com.br/entretanto/  Acesso em 01 ago. 2017



[1] Advogado. Especialista em Direito Previdenciário. Mestrando em Direito Previdenciário pela PUC – SP.

[2] Graduanda em Direito pela Universidade Positivo de Londrina – PR.

[3] BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988.

[4] SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na constituição federal de 1988. 5. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 70.

[5] GUERRA FILHO, Willis Santiago. Introdução ao direito processual Constitucional. 1ª ed. Porto Alegre – RS. Síntese, 1999. p. 31.

[6] ARAUJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. 9. ed. São Paulo : Saraiva, 2005, p. 116.

[7] BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 563.

[8] BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 571.

[9] Guerra Filho, Willis Santiago. Introdução ao direito processual Constitucional. 1a edição. Porto Alegre – RS. Síntese, 1999.

[10] Mandado de Segurança 22164/SP, DJ 17-11-1995, Celso De Mello

[11] FILHO, Manoel Gonçalves Ferreira, Curso de Direito Constitucional, 31ª ed. São Paulo : Saraiva, 2005, p. 294

[12] http://brasil.estadao.com.br/noticias/geral,negros-tem-idh-que-brancos-tinham-em-2000-mostra-pesquisa,70001770848 Acesso em 01 ago. 2017

[13] SILVA, Roberto Baptista Dias da. Manual de Direito Constitucional. Barueri, SP : Manole, 2007, p. 293.

[14] GNERRE, Maurízio, Linguagem, Escrita e Poder. 1° reimpressão. 3° edição. São Paulo : Martins Fontes, 1994.

[15] Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Trabalho e Rendimento, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2007/2015. Disponível em: < http://brasilemsintese.ibge.gov.br/educacao/taxa-de-analfabetismo-das-pessoas-de-15-anos-ou-mais.html> Acesso em 01 ago. 2017

[16] RUSSO, Renato; VILLA-LOBOS, Dado; BONFÁ, Marcelo. Perfeição. In: O Descobrimento do Brasil : EMI, 1993. LP, K7,CD.

[17] Recurso Extraordinário nº 597.854 GOIÁS, Relator Edson Fachin

[18] BRASIL. Constituição (1988). Emenda Constitucional nº 14, de 12 de setembro de 1996. Modifica os arts. 34, 208, 211 e 212 da Constituição Federal e dá nova redação ao art. 60 do Ato das Disposições constitucionais Transitórias.

[19] BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional.

[20] Entretanto, mai. 17. Edição 239. Disponível em: < http://www.revistaeducacao.com.br/entretanto/>  Acesso em 01 ago. 2017

[21] BRASIL, 1988 Constituição Federal. Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

[22] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 33. Ed. São Paulo : Malheiros, 2010, p. 312.

[23] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 33. Ed. São Paulo : Malheiros, 2010, p. 840.

[24] BRASIL. Lei nº 13.415, de 16 de fevereiro de 2017. Institui a Política de Fomento à Implementação de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral.

[25] Art. 14. Lei 13.415/2017 – São obrigatórias as transferências de recursos da União aos Estados e ao Distrito Federal, desde que cumpridos os critérios de elegibilidade estabelecidos nesta Lei e no regulamento, com a finalidade de prestar apoio financeiro para o atendimento de escolas públicas de ensino médio em tempo integral cadastradas no Censo Escolar da Educação Básica.

[26] BRASIL. Lei nº 11.096, de 13 de janeiro de 2005. Institui o Programa Universidade para Todos – PROUNI, regula a atuação de entidades beneficentes de assistência social no ensino superior.

[27] BRASIL. Lei nº 12.513, de 26 de outubro de 2011. Dispõe sobre o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego.

Como citar e referenciar este artigo:
NOCETI, Rodrigo Fagundes; OLIVEIRA, Julia de. Educação preceito fundamental e o papel do Estado como garantidor. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2017. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-constitucional-artigos/educacao-preceito-fundamental-e-o-papel-do-estado-como-garantidor/ Acesso em: 18 mai. 2024