União Homoafetiva e o Recurso Especial Nº 820475
César Augusto Marangon*
Muito se discute hoje em dia a respeito da possibilidade de se conceituar a união homoafetiva como união estável, e assim dar-lhe poderes e garantias de uma família, tal como se encontra positivado na Constituição Federal e na legislação infraconstitucional.
Diversos doutrinadores têm opiniões divergentes sobre o presente tema, sendo o mesmo de extrema relevância nos dias de hoje, dada a inegável evolução cultural e comportamental de nossa sociedade atual.
A união homoafetiva é hoje uma realidade sobre nossos olhos e não pode mais ser deixada de lado e renegada a um segundo plano social, sendo que é dever de todos os cidadãos a luta contra o preconceito ainda existente, para que, num futuro próximo, possamos reconhecer tal relação de afeto e carinho como uma família, que de fato é o local onde se encontra o afeto, o carinho e a segurança necessários a cada um de nós.
É notória a forte influência religiosa e cultural ainda existente em nossa sociedade e que nos traz uma falsa idéia de moralismo mesquimo, fazendo com que o ideal cristão de “crescei e multiplicai-vos” esteja ainda nos dias de hoje enraizado em nossa norma constitucional, que deveria seguir toda a evolução da sociedade.
Durante anos, séculos, milênios, etc., a religião cristã deteve para si todo o poder e intelectualidade, sendo que poucos tinham acesso a tal privilégio, o que facilitou o processo de lavagem cerebral proferido principalmente durante o período da Idade Média, fazendo com que idéias e conceitos favoráveis às intenções eclesiásticas fossem literalmente empurrados através de falsas configurações de certas atitudes como pecados ou doenças.
A união estável, fundada na convivência diária, estável, sem impedimentos, livre, mediante comunhão de vida e de forma pública e notória na comunidade social, não pode deixar de lado aquela relação homoafetiva que contiver todos esses elementos.
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 226, traz a positivação e a proteção à família, que como ele mesmo diz é “a base da sociedade”, dando a ela uma especial proteção estatal, sendo que toda e qualquer relação em que se vislumbre os requisitos por ele elencados deve ser considera e encarada como uma família.
Berenice Dias (2006, p. 175) tem opinião semelhante, ao dizer que “a norma (CF 226) é uma cláusula geral de inclusão, não sendo admissível excluir qualquer entidade que preencha os requisitos de afetividade, estabilidade e ostensividade”.
Aliás, importante dizer que foi Maria Berenice Dias que, de fato, criou a nomenclatura “união homoafetiva”, visto que o prefixo “sexual” existente na antiga expressão utilizada (união homosexual) carregaria tal situação de uma ilusória impressão pervertida, ilusão essa que deve ser severamente combatida e punida se identificada, pois configura a mundialmente condenada homofobia.
Porém, pelo fato de em nosso ordenamento existir ainda a suposta exigência da diversidade de sexos para o casamento, outra corrente doutrinária entende que a união homoafetiva ainda não pode ser considerada uma união estável, tal como diz Venosa (2006, p. 440) ao afirmar que “de fato, no atual estágio legislativo e histórico da nação, a chamada sociedade homoafetiva não pode ganhar status de proteção como entidade familiar”.
Outro que defende tal pensamento é Nader (2006, p. 589), que lecionando sobre o tema, diz que “o Código Civil exige a diversidade de sexos como requisito fundamental para a entidade familiar. Tal disposição deixa extreme de dúvida a impossibilidade da união estável nas relações homoafetivas”.
De fato, a discussão sobre tal matéria gera inúmeros debates, existindo argumentos fortes e fundamentados para ambos os lados. Porém, em recente decisão, o Superior Tribunal de Justiça entendeu que é possível existir união estável entre casais homoafetivos.
O recurso especial nº 820475 é um marco na jurisprudência nacional, pois nele o Superior Tribunal de Justiça, pela primeira vez, analisou a união homoafetiva sob o prisma do direito das famílias, e não sob o do direito patrimonial.
No caso o Autor pedia que fosse reconsiderada uma decisão do juízo a quo, que extinguiu sem resolução de mérito a ação em que ele pedia o reconhecimento de sua união com outro homem.
O Ministro Antônio de Pádua Ribeiro, relator do processo, disse que “o entendimento assente nesta Corte, quanto a possibilidade jurídica do pedido, corresponde a inexistência de vedação explícita no ordenamento jurídico para o ajuizamento da demanda proposta”; e completou dizendo que “a despeito da controvérsia em relação à matéria de fundo, o fato é que, para a hipótese em apreço, onde se pretende a declaração de união homoafetiva, não existe vedação legal para o prosseguimento do feito”.
Com isso foi criada a possibilidade de discussão acerca da união homoafetiva sob os conceitos e legislações pertinentes ao Direito das Famílias, deixando claro que não existe nenhum impedimento legal para que isso seja feito.
A sociedade brasileira dos dias de hoje ainda tem muito o que caminhar na interpretação do presente tema, sendo que não existe nenhuma dúvida de que os homoafetivos devem sim ser reconhecidos como entidade familiar e gozarem de todos os direitos e deveres que ela possui, inclusive o casamento civil.
Muito ainda se tem que avançar dentro do presente tema, mas é nítida a preocupação atual do poder judiciário pátrio em se esforçar para fazer com que as diferenças e preconceitos sejam cada vez mais diminuídos, analisando de uma forma mais ampla e correta os dizeres da nossa Carta Magna.
Bibliografia
BERENICE DIAS, Maria. Manual de Direito das Famílias – 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2006
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 820475. Relator: Min. Antônio de Pádua Ribeiro, Brasília, 03 de setembro de 2003. Disponível em: http://www.stj.gov.br/webstj/processo/justica/detalhe.asp?numreg=200600345254 Acesso em: 03 nov. 2008, às 16:30;
NADER, Paulo. Curso de Direito Civil – Direito de Família. Rio de Janeiro: Forense. 2006
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil – Direito de Família – 7ª ed. São Paulo: Atlas. 2007
* Estudante do 10º período do curso de Direito da Universo/JF; Pós-graduando em Direito e Relações Familiares pela Universo/JF; Estagiário do Escritório de Advocacia Ribeiro de Sá
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