Resumo: Na peça Romeu e Julieta podemos avaliar o poder familiar, a questão do não consentimento para casar, no caso de menores de idade. Ainda, se cogita na recente alteração legislativa trazida pela Lei 13. 811/2019, quanto ao casamento de menores de dezesseis anos.
Palavras-Chave: Romance. Poder Familiar. Consentimento parental para casamento. Modificação legislativa.
Romeu e Julieta é, provavelmente, a mais famosa tragédia romântica da literatura mundial e, o bardo colheu inspiração num popular poema de 1559, de autoria de Arthur Brooke. O poema tinha moral expressa que era que os filhos devem obedecer aos pais, sob pena de caírem em desgraça, como ocorreu com jovem casal. A peça gira em torno de amor e distúrbio social[1].
Quando foi publicada, a obra tinha um título mais longo e descritivo: The Most Excellent and Lamentable Tragedy of Romeo and Juliet.
O enredo que, a princípio, é clichê, pois os jovens eram de famílias rivais, os Montecchio e os Capuleto, se apaixonam. No prólogo da peça, em Verona.
Enfim, o rancor, amor e o desfecho trágico que acaba por revelar a estupidez da desarmonia. Os Montecchio, a família de Romeu e, os Capuleto, de Julieta, têm uma rivalidade histórica. O encontro dessas duas nobres famílias, nas ruas de Verona, acaba em briga, em desordem social. Os reais motivos de antigo desentendimento já se perderam.
O príncipe de Verona, preocupada com esses distúrbios, determina quem ofender a paz pagará com a morte. É o Estado buscando garantir a tranquilidade pública. Indica o preceito, o príncipe, informando a sanção: “As vossas vidas pagarão a paz”.
Não obstante a rixa entre as famílias, e, talvez exatamente por isso, Julieta e Romeu se apaixonam[2] logo à primeira vista. E, se conhecem num baile de máscaras, na casa dos Capuleto, Romeu entrada no baile sem se identificar.
Porém, é descoberto pelo pai de Julieta que determina que nada se faça com Romeu, pois isso ofenderia as regras de hospitalidade. Há o respeito às regras sociais.
No sentido de que o amor vence as barreiras, os jovens se enamoram perdidamente. O amor hiperbólico que Romeu e Julieta se comprometem é proibido.
Na emblemática cena do balcão, em pleno jardim dos Capuletos, Romeu vem fazer a corte à Julieta. É quando a jovem descobre que Romeu é um Montecchio, inimigo da sua família.
A famosa cena do balcão[3]. No dia seguinte se casam. Passam a noite juntos. Em uma sequência de apenas mais dois dias uma série de fatos acontecem. Romeu é exilado. Um plano de fuga, uma carta perdida, o atraso. Começa no domingo, termina na quinta.
É quando na famosa cena (não mais que a do balcão) em que Romeu encontra uma Julieta aparentemente morta no túmulo da família e escolhe a morte, para em seguida Julieta acordar e ver Romeu (o seu Romeu) morto e preferir também o suicídio. São quatro dias de um amor intenso que custou a vida de dois jovens. Só o amor os matou? Na verdade, tem muita coisa por trás da tragédia que não só isso.
Quando Julieta questiona o que importa o nome? Significa afirmar que o que vale é a essência. O que nos leva a compreender a repercussão jurídica, não apenas das palavras, mas também dos conceitos e preceitos normativos.
A peça não é exatamente uma história de amor, pois nos ensina sobre o impulso e a ordem. Nos faz refletir sobre a imaturidade e analisada detidamente, o amor conhecido a partir do século XIX não é o pilar da peça e, a história de paixão dos jovens nos ensina muito mais do que apenas amar. E, nada disso subtrai a magia da peça, em que apesar de o amor ser o ponto mais reverenciado, há diversas críticas à burguesia e aos costumes da época[4].
Interessante é a fala de Julieta, in litteris:
(…) “Que é que há num nome? O que chamamos rosa
Teria o mesmo cheiro com outro nome;
E assim Romeu, chamado de outra coisa,
Continuaria sempre a ser perfeito,
Com outro nome. Mude-o, Romeu,
E em troca desse nome, que não é você,
Fique comigo”.
Os dois resolvem que se casarão já no dia seguinte. Romeu vai procurar frei Lourenço, que a princípio veta o casamento, mas depois concorda, acreditando que, talvez assim, a luta entre as famílias terminasse. Julieta manda a ama saber o que Romeu decidiu, e esta, que criou a jovem, pouco se importa com a briga das famílias e concorda em ajudar Julieta, conseguindo até uma corda para que Romeu suba ao quarto da moça na noite do casamento.
Saindo da cerimônia de casamento, Romeu encontra Teobaldo, primo de Julieta e cultor do ódio familiar, e que estava à sua procura, para vingar-se do fato de Romeu ter ido à festa dos Capuleto sem ser convidado.
Romeu tenta não lutar; seu amigo Mercútio (Mercúcio)[5], alegre e brincalhão, resolve enfrentar Teobaldo em seu lugar, e Romeu, tentando separá-los, permite que Teobaldo fira Mercútio por baixo de seu braço, e este morre em seguida. Revoltado, Romeu desafia Teobaldo e o mata.
O príncipe, cumprindo o que prometera no início da peça, condena Romeu ao exílio, aliviando-o da pena de morte porque há testemunhas de que ele fora o desafiado, e não o desafiante.
Romeu, desesperado, está a ponto de matar-se, mas frei Lourenço lhe dá esperanças de que, com o passar do tempo, tudo se esclarecerá e ele poderá voltar para Verona. Temendo que Julieta não o aceite por ter matado seu primo,
Romeu se acalma quando a ama aparece na cela do frade e afirma que Julieta o aguarda. A despedida dos dois, na madrugada seguinte, é um dos pontos mais tocantes da tragédia, e nenhum deles tem realmente esperança de tornarem a se encontrar.
Julieta[6] chora muito; os pais pensam que é pela morte do primo, e resolvem atenuar-lhe a mágoa, propondo que ela se case imediatamente com o Conde Páris.
Diante da proposta, ela corre para Frei Lourenço para saber se é realmente a morte a única saída para a nova situação, e o frade lhe oferece uma droga que lhe dará a aparência de morta durante algumas horas.
Enquanto ela é colocada no mausoléu da família, o frade escreve uma carta a Romeu pedindo que venha buscá-la e a leve consigo para Mântua. Mesmo com receio de que a droga seja um veneno, Julieta a toma, e tudo parece correr como o frade planejara. No entanto, um caso de peste retém o jovem frade incumbido de levar a carta a Romeu, que não recebe o aviso.
O desencontro faz com que Romeu receba através de seu pajem a notícia da morte de Julieta; desesperado, ele compra um veneno[7] e vai para Verona, a fim de morrer perto de sua amada.
Junto ao corpo da jovem, ele toma o veneno e morre pouco antes de sua amada acordar. Julieta desperta quando chega frei Lourenço, que não consegue convencê-la a fugir e, para não ser capturado, foge, assustado. Vendo Romeu morto, Julieta se mata com o punhal de seu amado.
A história de amor é trágica, o único consolo que nos resta, é saber que, após as catastróficas mortes dos protagonistas, as famílias Montecchio e Capuleto decidem fazer um acordo de paz.
Apesar de não haverem registros históricos que demonstrem a veracidade da história de Romeu e Julieta, grande parte dos elementos são reais. Em outras palavras, Shakespeare inspirou-se em traços existentes na sociedade inglesa da época para criar uma dais mais importantes obras de amor do Ocidente.
O antigo Código Civil de 1916 utilizava a expressão “pátrio poder”, já que o poder era exercido exclusivamente pelo pai. Hoje, temos que o poder familiar é dever conjunto dos pais. O poder parental faz parte do estado das pessoas e por isso não pode ser alienado nem renunciado, delegado ou substabelecido.
A peça teatral de Shakespeare nos leva a refletir sobre o poder familiar, o antigo pátrio poder, traduz da autoridade com responsabilidade, com instituição de mais obrigações do que direitos aos pais quando à criação e educação de filhos menores[8].
Apesar de o Código Civil brasileiro ainda utilize o termo “poder familiar”, a denominação autoridade parental, vem ganhando maior expressão, especialmente, na doutrina, eis que mais coerente com a autoridade exercida pelos pais sobre os filhos.
Na nomenclatura anterior usada no Código Civil de 1916, o pátrio poder, demonstra poder apenas do pai sobre os filhos, já se mostrava desgastada. A expressão vigente é menos autoritária.
Considerando ainda, que o exercício da autoridade, não se confunde com poder. O artigo 1.630 do Código Civil brasileiro afirma que os filhos estão sujeitos ao poder familiar enquanto menores.
E, durante o casamento e a união estável, o exercício do poder familiar será exercido pelos pais; na falta ou mesmo diante do impedimento de um deles, o outro exercerá com exclusividade (artigo 1.631 CC). E, pelo parágrafo único do referido dispositivo legal, divergindo os pais quanto a este exercício, é assegurando a qualquer deles, recorrer ao juiz para a devida solução de divergências.
A judicialização desse desacordo entre os pais, no exercício do poder familiar, é através de procedimento de jurisdição voluntária. Entretanto, há quem na doutrina discorde. Trata-se de ação de suprimento de vontade, na qual figurará no polo ativo qualquer um dos cônjuges e o outo será o legitimado passivo. A causa remota será filiação. A próxima a divergência existente entre os cônjuges.
O artigo 1.632 CC afirma que a separação judicial, o divórcio e a dissolução da união estável não alteram as relações entre pais e filhos, senão quanto ao direito que aos primeiros cabe de terem em sua companhia os segundos.
Em verdade, o referido dispositivo afirma que a guarda deferida a um dos pais em nada altera o exercício da autoridade parental. O fato de um dos pais não estar com a guarda, não traduz, por conseguinte, em perda da autoridade parental.
Mais adiante, o artigo 1.633 do Código Civil brasileiro, afirma o evidente, isto é, o filho não reconhecido pelo pai fica sob poder familiar exclusivo da mãe e se a mesma não for conhecida ou capaz de exercê-lo, dar-se-á tutor ao menor.
O artigo 1.636 CC esclarece que o pai ou mãe quando contrair novas núpcias ou estabelece união estável não perde, quanto aos filhos do relacionamento anterior, os direitos ao poder familiar, exercendo-os sem qualquer interferência do novo cônjuge ou companheiro.
E o parágrafo único deste aludido artigo determina que igual preceito ao estabelecido neste artigo aplica-se ao pai ou à mãe solteiros que casarem ou estabelecerem união estável.
Observa-se que a autoridade parental é diretamente conexa com a proteção da pessoa dos filhos (guarda), prevista nos arts. 1.583 a 1.590 do Código Civil, com a filiação, prevista nos arts. 1.607 a 1.617 e também com a adoção, que está hoje normatizada no Estatuto da Criança e do Adolescente[9].
A Lei 13.811/2019 alterou o artigo 1.520 do Código Civil brasileiro. O primeiro aspecto a ser destacado, a norma anterior, que excepcionava a possibilidade do casamento do menor de dezesseis anos, recebia os abrandamentos por três leis penais que surgiram sucessivamente à codificação material, a Lei 11.106/2005, a Lei 12.015/2009 e a Lei 13.718/2018.
A verdade é que o casamento do menor de 16 (dezesseis) anos – denominado por parcela da doutrina como “casamento infantil” – já era proibido pelo nosso sistema jurídico, mesmo antes da mudança e como premissa geral, havendo apenas duas exceções previstas no anterior art. 1.520 do Código Civil que tinham sido sobremaneira mitigadas, a saber: a) para evitar a imposição e o cumprimento de pena criminal; e b) em caso de gravidez.
Tal afirmação é retirada da dicção do art. 1.517 da codificação material, que não sofreu modificação pela norma emergente, segundo o qual “o homem e a mulher com dezesseis anos podem casar, exigindo-se autorização de ambos os pais, ou de seus representantes legais, enquanto não atingida a maioridade civil”.
Em suma, por este último preceito, a capacidade específica para o casamento é atingida aos 16 (dezesseis) anos, sendo essa a idade núbil para todos os gêneros.
Como é notório, não se pode confundir a incapacidade para o casamento com os impedimentos matrimoniais[10]. A primeira impede que alguém se case com qualquer pessoa, enquanto os impedimentos somente atingem determinadas pessoas em situações específicas, previstas no art. 1.521 do CC/2002. Em outras palavras, os impedimentos envolvem a legitimação, conceituada como uma capacidade ou condição especial para celebrar determinado ato ou negócio jurídico.
Nesse contexto, segundo Flávio Tartuce, não se pode dizer que a alteração do art. 1.520 do Código Civil tenha criado hipótese de impedimento matrimonial, estando no âmbito da incapacidade, que não foi alterada, pois não houve qualquer modificação do texto do art. 1.517.
Sobre as citadas leis penais que mitigaram as exceções de autorização judicial do casamento do menor de 16 anos, de início, a lei 11.106/2005 afastou a extinção da punibilidade nos casos do então estupro presumido (art. 107, incisos. VII e VIII, do Código Penal), ou seja, na hipótese de alguém manter relação sexual com uma criança ou adolescente com idade inferior a 14 (quatorze) anos, e depois se casar com ela.
Como não havia que se falar mais em extinção da punibilidade, muitos passaram a entender que o art. 1.520 do CC/2002 estaria revogado na parte que tratava da extinção da pena criminal.
Todavia, nessa realidade legislativa, existia manifestação em sentido contrário, ou seja, ainda pela possibilidade do casamento, havendo o anterior estupro presumido. Segundo os que assim entendiam, não se poderia falar em revogação da norma civil, pois o menor poderia sim, em alguns casos, exercer a opção de se casar com aquele que praticara o crime contra os costumes.
Como a ação penal, no caso do crime em questão, ainda era considerada de natureza privada, estávamos diante de um caso de renúncia ou perdão tácito, que decorreria de fato incompatível com a pretensão de ver o agente punido, no caso, com a celebração do casamento.
Em casos tais e naquele sistema anterior, se a menor de idade quisesse se casar, a sua vontade poderia ser considerada relevante para tal finalidade, conforme o Enunciado n. 138 do Conselho da Justiça Federal, aprovado na I Jornada de Direito Civil (“A vontade dos absolutamente incapazes, na hipótese do inc. I do art. 3º, é juridicamente relevante na concretização de situações existenciais a eles concernentes, desde que demonstrem discernimento bastante para tanto”).
A Lei 13.718/2018 incluiu um novo parágrafo no art. 217-A do Código Penal, prevendo que “As penas previstas no caput e nos §§ 1º, 3º e 4º deste artigo aplicam-se independentemente do consentimento da vítima ou do fato de ela ter mantido relações sexuais anteriormente ao crime” (§ 5 º). Trata-se de confirmação legal da sumular superior por último citada.
Em suma, por tudo o que foi exposto, parece-me que, de fato, o art. 1.520 do Código Civil encontrava-se já derrogado tacitamente em relação à hipótese fática de casamento envolvendo menor de 14 anos, somente sendo aplicado à pessoa entre essa idade e os 16 anos, o que passou a não ser mais permitido, de forma peremptória e inafastável.
Todas essas modificações comprovam a afirmação de Flávio Tartuce, no sentido de que o casamento do menor de 16 (dezesseis) anos não seria possível juridicamente antes da alteração de 2019, ou seja, era algo condenado e proibido como regra pelo nosso sistema jurídico.
E, como consequência, diante de um tratamento específico[11], apesar dessa proibição, a lei previa a solução da anulabilidade, pela dicção expressa do art. 1.550 do Código Civil, segundo o qual “é anulável o casamento: (…) I – de quem não completou a idade mínima para casar”. Esse dispositivo não foi revogado, expressa ou tacitamente, pela lei 13.811/2019[12], e, sendo assim, a solução da anulabilidade ou nulidade relativa do casamento infantil continua em vigor.
Entre tantas versões do que parece ser uma mesma obra, muitos historiadores chegaram à conclusão de que Shakespeare teria compilado uma peça teatral de origem completamente desconhecida.
Entre tantas versões e possibilidades, ninguém sabe afirmar se Romeu e Julieta remontam histórias de um tempo remoto ou se vieram a viver na Península Itálica. O único elemento realmente comprovado de toda essa história é o de que as famílias Montecchio (Montéquio) e Capelletti (ou Capuleto) existiam.
A peça, assim como toda a obra de Shakespeare, é riquíssima. Tem objetos das mais variadas discussões, mas nunca se propôs a ser um ideal de amor. Trata-se da ordem política e obediência aos pais. A ideia de que seria um modelo de amor foi passada de geração em geração e aumentando de proporção, ao passo que as outras questões foram deixadas de lado. Todo o romance percorre apenas quatro dias[13].
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[1] Séculos antes de Cristo, nos tempos babilônicos, a tradição oral foi repassando a lenda de bela e trágica história de amor que Ovídio, na aurora da Era cristã, narrou no livro “As Metamorfoses”. É a história de Píramo e Tisbe. Ela dona de inexcedível beleza, sobrepujando todas as donzelas que o Oriente viu nascer. Os jovens viviam em casas contíguas onde Semíramis erigiu uma grande cidade com muralhas de tijolos. O amor que brota entre ambos é abafado pela hostilidade entre as suas famílias e, como não podem viver seus sentimentos recíprocos, encaminham-se para o desfecho inexorável da morte. A lenda é semelhante à dos amantes Romeu Montague e Julieta Capuleto, que teriam vivido em Verona, Itália, no ápice da Idade Média. O irredutível amor entre ambos derivou para a tragédia que Shakespeare imortalizou em uma das mais belas produções literárias de todos os tempos. Shakespeare recriou Ovídio, evidentemente. E fez da tragédia de Romeu e Julieta exuberante comprovação literária de que a grande obra artística não tem de ser necessariamente enraizada na absoluta originalidade. Inspirando-se em Ovídio, Shakespeare, em vez de reduzir, ampliou a dimensão de um caso trágico de amor.
[2] O amor romântico é o sentimento expressivo e geralmente agradável de uma atração emocional por outra pessoa, e os comportamentos corteses empreendidos por um indivíduo para expressar esses sentimentos gerais e emoções resultantes. Esse sentimento está associado, mas não requer, atração sexual. Historicamente, o termo “romance” se origina do ideal medieval de cavalaria, conforme estabelecido em sua literatura de romance cavalheiresco. O amor idealizado é considerado um sentimento diferente e superior às necessidades fisiológicas puras, como desejo sexual ou luxúria, e geralmente envolve uma mistura de desejo emocional e sexual, dando, no entanto, mais ênfase às emoções do que ao prazer físico. Ao contrário do amor platônico, que se concentra no espiritual ou impessoal. Um aspecto do amor romântico é a aleatoriedade dos encontros que levam ao amor. A cultura ocidental historicamente enfatizou o amor romântico muito mais do que outras em que os casamentos arranjados são a regra. No entanto, a globalização espalhou ideias ocidentais sobre amor e romance.
[3] Um dos momentos mais icónicos, nas adaptações da peça de Shakespeare, é a cena onde Julieta aparece a Romeu numa varanda. Apesar de ser um momento importante para o casal, a verdade é que a palavra varanda nunca é mencionada na peça publicada em 1597. De acordo com o dicionário Merriam-Webster, só em 1618 se usou, pela primeira vez, este termo. No texto, é apenas mencionado que Julieta aparece numa janela, no jardim dos Capuletos.
[4] Amor cortês foi um conceito europeu medieval de atitudes, mitos e etiqueta para enaltecer o amor, e que gerou vários gêneros de literatura medieval, incluindo o romance. Ele surgiu nas cortes ducais e principescas das regiões onde hoje se situa a França meridional, em fins do século XI, e que se propagou nas várias que enalteciam o “Ideal cavaleiresco”. Na sua essência, o amor cortês era uma experiência contraditória entre o desejo erótico e a realização espiritual, “um amor ao mesmo tempo ilícito e moralmente elevado, passional e autodisciplinado, humilhante e exaltante, humano e transcendente. A expressão “amor cortês” foi popularizada por Gaston Paris em 1883, e desde então tem caído sob uma ampla variedade de definições e usos, sendo mesmo descartado como uma ficção romântica do século XIX. A sua interpretação, origens e influência continuam a ser assunto de discussão.
[5] Mas Mercúcio não seria Mercúcio se Shakespeare não houvesse lhe dado uma morte memorável. Embora não seja Montéquio nem Capuleto, ele acaba envolvido na luta entre as duas famílias — e recebe um golpe fatal pelas mãos de Teobaldo, inimigo de Romeu. Apalpando a ferida, Mercúcio percebe que vai morrer pela briga dos outros; e, compreendendo que seu destino era ser coadjuvante em drama alheio, lança estas que talvez sejam as mais veementes palavras finais da literatura: Malditas sejam vossas duas casas! A maldição há de cumprir-se: até o fim da peça, ambas as famílias serão dizimadas por sua própria intransigência. A praga de Mercúcio representa uma epifania recorrente na acidentada história da prudência humana: o momento em que, no calor de um conflito ou no estrépito de uma discussão, advém um súbito clarão de ceticismo, revelando que todos os lados estão igualmente errados, ou que são identicamente daninhos. À alma solitária e raivosamente lúcida, resta apenas praguejar contra Montéquios e Capuletos. “Malditas sejam vossas duas casas!” — quantas vezes, em nossa vida, não nos seria útil recorrer à maldição de Mercúcio? É pena que, no mais das vezes, esse píncaro de clarividência só se alcance quando já é tarde demais: lançada a imprecação imortal, o grande coração de Mercúcio logo se calou, para sempre, em alguma rua anônima da bela Verona.
[6] Julieta tinha apenas 13 anos quando manteve relação amorosa com Romeu, fato esse que a enquadraria – na legislação ora vigente no Brasil – no conceito de vulnerável. A Lei 12.015/09 trouxe para o Código Penal brasileiro o chamado “Estupro de Vulnerável”, ou seja, reprime-se no artigo 217-A a conduta de “ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos ou com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência”. Jurisprudência: “Para a caracterização do crime de estupro de vulnerável previsto no art. 217-A, caput, do Código Penal, basta que o agente tenha conjunção carnal ou pratique qualquer ato libidinoso com pessoa menor de 14 anos. O consentimento da vítima, sua eventual experiência sexual anterior ou a existência de relacionamento amoroso entre o agente e a vítima não afastam a ocorrência do crime” (REsp 1480881/PI, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 26/08/2015, DJe, 10.09.2015.
[7] No ato final de Romeu e Julieta, nossa trágica heroína bebe uma poção para se fingir de morta e fica em estado catatônico. Muitos creem que a poção era feita, provavelmente, de beladona (Atropa belladonna), planta nativa da Europa. Outros candidatos a soporíferos encontrados na natureza seriam as sementes de junco ou a Arnica montana, da família da arnica. Ambas são plantas tóxicas, mas nenhuma seria capaz de induzir ao coma e a desacelerar tanto os batimentos cardíacos a ponto de a pessoa ser dada como morta.
[8] A questão da obediência à lei não se resolve pela força, como afirma a tradição, mas sim pela opinião e pelo número daqueles que compartilham o curso comum de ação expresso no comando legal. Em síntese, a pergunta essencial não é por que obedece à lei, mas porque se apoia a lei, obedecendo-a. Na obra “Romeo and Juliet”, o Príncipe de Verona (Escalo) é a autoridade soberana que busca estabelecer uma condição harmoniosa nas coisas do governo, de forma a evitar que seu principado se perca em guerras civis. Para tanto, é fundamental que as duas principais famílias de Verona/Itália, abaixo da autoridade principesca e, portanto, intermediárias de seu poder, cessem as suas guerras. Não se pode, por outro lado, negligenciar o papel da Igreja e dos frades da época na conciliação das famílias, que era realmente efetivo.
[9] O Estatuto da Criança e do Adolescente também apresentou mudanças, deixou de ser um instituto de dominação e passara a ser um instituto de proteção. Como bem enfatiza Carlos Roberto Gonçalves, “o poder familiar nada mais é do que um múnus público, imposto pelo Estado aos pais, a fim de que zelem pelo futuro de seus filhos”. Nas palavras de Paulo Luiz Lôbo Netto, “a denominação “poder familiar” é mais apropriada que “pátrio poder” utilizada pelo Código de 1916, mas ainda não é a mais adequada, porque ainda se reporta ao “poder”. Algumas legislações estrangeiras, como a francesa e a norte-americana, optaram por “autoridade parental”, tendo em vista que o conceito de autoridade traduz melhor o exercício de função legítima fundada no interesse de outro indivíduo, e não em coação física ou psíquica, inerente ao poder”
[10] Impedimentos matrimoniais são condições positivas ou negativas, de fato ou de direito, físicas ou jurídicas, expressamente especificadas pela lei, que, permanente ou temporariamente, proíbem o casamento ou um novo casamento ou um determinado casamento; impedimento matrimonial é a ausência de requisitos para o casamento. A celebração do casamento é pública. É precedida de um processo preliminar destinado à verificação da existência de impedimentos. Há impedimentos dirimentes absolutos, impedimentos dirimentes relativos e impedimentos impedientes.
[11] Não se pode afirmar que a alteração do art. 1.520 tenha criado hipótese de impedimento matrimonial, na linha do que pontuei no início deste breve texto. Primeiro, porque não houve qualquer inclusão nesse sentido no art. 1.521 do CC, sendo certo que os impedimentos não podem ser presumidos ou subentendidos, uma vez que a norma é restritiva da autonomia privada. Segundo, pelo fato de se tratar de hipótese de incapacidade que já estava prevista no sistema, pelo art. 1.517 do Código Civil. Terceiro, porque os impedimentos são específicos, o que não é o caso. Essa afirmação repercutirá no debate a respeito da união estável do menor de 16 anos, o que será objeto de um próximo texto de minha autoria, a ser publicado neste canal.
[12] Para aqueles que são maiores de 16 e menores de 18 anos¹, entende-se que podem se casar, desde que com a autorização de seus pais (artigo 1517 do Código Civil Brasileiro). Caso os pais não autorizem o casamento do filho que possui entre 16 e 18 anos, existe o que se chama de suprimento judicial de consentimento. A idade núbil é o atingimento legal para contrair núpcias, é a condição necessária para estar apto para casar, estar pronto e preparado para esse ato que reflete outras responsabilidades na vida civil do indivíduo. No Brasil, a aptidão para o casamento, chamada também de idade núbil, é de 16 (dezesseis) anos, conforme art. 1.517, caput, do Código Civil (2002), o qual prescreve que: “O homem e a mulher com dezesseis anos podem casar, exigindo-se autorização de ambos os pais, ou de seus representantes legais, enquanto não atingida a maioridade civil”.
[13] Em mais de cinco séculos de realização, Romeu e Julieta tem sido adaptada nos infinitos campos e áreas do teatro, cinema, música e literatura. Enquanto William Davenant tentava revigorá-la durante a Restauração inglesa, e David Garrick modificava cenas e removia materiais considerados indecentes no século XVIII, Charlotte Cushman, no século XIX, apresentava ao público uma versão que preservava o texto de Shakespeare. A peça tornou-se memorável nos palcos brasileiros com a interpretação de Paulo Porto e Sônia Oiticica nos papéis principais, e serviu de influência para o Visconde de Taunay em seu Inocência, também baseado em Amor de Perdição, de Camilo Castelo Branco, considerado o “Romeu e Julieta lusitano”. Além de se mostrar influente no ultrarromantismo português e no naturalismo brasileiro, Romeu e Julieta mantém-se famosa nas produções cinematográficas atuais, notavelmente na versão de 1968 de Zeffirelli, indicado como melhor filme, e no mais recente Romeu + Julieta, de Luhrmann, que traz seu enredo para a atualidade.