Direito Civil

A linha do tempo, o casamento e a família.

 

O casamento é uma tragédia em dois atos: civil e religioso.

Barão de Itararé

 

 

 

Observando-se as civilizações através de uma linha temporal se constata que as mesmas se constroem e destroem, num movimento espiralado sucessivo, a evolução.

 

As instituições que as compõem, no caso aqui a ser abordado, o casamento e a família, acompanham essa movimentação. A percepção e o significado de ambos vão variando de acordo com uma somatória de convicções políticas, ideológicas, filosóficas assim como com a época e a lugar em que acontecem.

 

Muito provavelmente a primeira união conjugal que se tem notícia remonta ao tempo da criação do Mundo, com Adão e Eva. De lá para cá muitas foram as mudanças, mas para o mundo ocidental houve a predominância de um aspecto muito importante: a monogamia.

 

Em Atenas as jovens se casavam muito cedo, entre 12 e 15 anos, antes de tornarem-se “moças velhas” aos 18 anos. Em Roma acontecia o mesmo. Às vezes o casamento poderia ocorrer com a jovem com menos idade ainda, sob a justificativa de que o marido encontraria um corpo puro e mais casto.

 

Por fim a união era tão importante, que o celibato era punido com multa; permanecer celibatário era uma afronta, um crime contra a sociedade, pois a procriação estaria sendo negada.

 

Objetivamente falando, o que se verifica essencialmente, é que desde os primórdios, o casamento, isto é, a união de um homem com uma mulher, visava à procriação para o crescimento da comunidade assim como a manutenção da raça. Mas visava também, sobretudo à preservação patrimonial.

 

A configuração do matrimônio estava muito mais para um tipo de comércio que beneficiava ambas as famílias, cujo objetivo era no mínimo, preservar o patrimônio já existente, ou aumentá-lo através da conquista de novas propriedades, preferencialmente um aumento de terras. Já os acordos políticos eram feitos nas “negociações” das camadas nobres. Enquanto a monogamia era garantida nessas relações matrimoniais, a escolha do cônjuge não seguia o mesmo caminho.

 

Portanto além de ser objeto de troca a mulher permaneceu submissa ao homem por muito tempo. Sempre o poder naquela nova célula familiar era detido pelo homem. Ele, como chefe de família tinha poder quase absoluto na relação conjugal. À mulher restava tão somente a submissão.

 

Vemos na Idade Média o casamento sendo decidido quando a menina era ainda uma criança de idade tenra. A igreja católica, com forte penetração no mundo ocidental, compartilhava dessa situação. O noivado ganha espaço e as cerimônias são realizadas na igreja.

Essas relações obviamente passavam por regulação do direito, no qual ocorriam transformações.

A era medieval, que tem início com a queda do Império Romano, é um período de muitos vieses e detalhes. Ao longo desse tempo da história européia, a sociedade conviveu com o fim do mundo que conhecia, o mundo romano e, ao mesmo tempo, com a construção de um novo mundo, agora tendo como elementos as culturas germânicas e a Igreja Católica. Abre-se espaço para o direito romano, direito germânico e canônico.

 

É neste contexto que a igreja católica cria o sacramento do matrimônio, indissolúvel. No início a igreja não obrigava a presença de um padre para a cerimônia. Era suficiente a anuência dos noivos e a conjunção carnal e o casamento passava a ter existência.

 

Com o Concílio de Trento em 1563, passa a ser obrigatória a presença do padre para a celebração do casamento assim como de duas testemunhas para darem publicidade ao ato.

 

No entanto o casamento indissolúvel, já na era iluminista será fulminado pelos protestantes, que além de dessacralizarem o matrimônio, adotam o divórcio.

 

O golpe fatal para a igreja católica vem com a Revolução Francesa, que transforma o casamento em ato civil, em nome da lei. Este passa a ser celebrado pelo juiz de casamento. Nos primórdios do século XX, mais precisamente em 1904, aos deveres conjugais agrega-se a palavra amor.

 

No Brasil, nos tempos imperiais o único tipo de casamento celebrado era o religioso. Graças à prevalência da religião católica no país, que além de ser considerada como a religião oficial, proporcionou que o nosso direito conhecesse somente o casamento católico.

 

O Império não legislava sobre direito matrimonial: a habilitação, impedimentos, solenidade e forma de celebração, unidade, indissolubilidade, nulidade, separação; todo o direito matrimonial, substantivo e adjetivo, eram regulados pelas leis da Igreja e as causas matrimoniais decididas pelos tribunais eclesiásticos. O matrimônio era celebrado segundo as regras do direito canônico, únicas reconhecidas no Brasil. (DONISETE, Pe. Dr. José, Sistema Matrimonial no Brasil).

 

No entanto, com o rápido crescimento populacional e o aumento do número de pessoas não-católicas, necessária se fez uma outra forma de regulamentação.

 

Eis que surge a lei n° 1.144, de 11.9.1861, que veio reconhecer o casamento entre pessoas de outros cultos religiosos, bastando que o registrassem, surgindo, dessa forma, o registro civil. O Estado, ao regulamentar essa lei através do Decreto n° 3.069/1863, reconheceu sua competência para regular qualquer questão referente ao casamento dos acatólicos. Essa lei e decreto constituem o marco de libertação do casamento do jugo da Igreja Católica no país.

 

Temporariamente se passou a ter três (três) modalidades de casamento, a saber:

 

a)       O casamento católico, celebrado segundo as normas do Concílio de Trento, de 1563 e a Constituição do Arcebispado Baiano;

 

b)      O casamento misto, entre católico e seguidor de religião dissidente, contraído segundo as formalidades do direito canônico;

 

c)       O casamento entre membros de seitas dissidentes, celebrado em harmonia com as formalidades estabelecidas pelas respectivas religiões. (Gonçalves, p. 118)

 

Após a Proclamação da República e com a promulgação do Decreto nº181, de 24 de janeiro de 1890, fica instituído o casamento civil. Posteriormente a Constituição republicana de 1891 decreta: ”A República só reconhece o casamento civil, cuja celebração será gratuita”.

 

Pouco a pouco o casamento civil foi ocupando seu espaço na sociedade brasileira, apesar dos reclamos da igreja católica. No entanto, graças aos costumes religiosos, as duas cerimônias passaram a ser celebradas, a religiosa e a civil, costume este que permanece até os dias atuais.

 

O Código Civil de 1916 disciplinou apenas o casamento civil, não fazendo alusão ao religioso e aos esponsais, que eram regulados no direito anterior. A Constituição de 1934, atendendo ao pronunciamento de várias personalidades públicas e tendo em vista o exemplo da concordata entre a Itália e a Santa Sé, realizada pouco antes, e ainda ao fundamento de serem desaconselháveis as duplas núpcias, atribuiu efeitos civis ao casamento religioso, dispondo no artigo 146, que o “casamento perante ministro de qualquer confissão religiosa, cujo rito não contrarie a ordem pública e os bons costumes, produzirá, todavia, os mesmos efeitos que o casamento civil, desde que, perante a autoridade civil, na habilitação dos nubentes, na verificação dos impedimentos e no processo de oposição, sejam observadas as disposições da lei e seja ele inscrito no registro civil.”.

 

O Código Civil de 2002 em seu artigo 1.516 disciplina expressamente a casamento religioso. Senão vejamos:

 

Art. 1.516. O registro do casamento religioso submete-se aos mes­mos requisitos exigidos para o casamento civil.

 

§ 1o  O registro civil do casamento religioso deverá ser promovido dentro de noventa dias de sua realização, mediante comunicação do celebrante ao oficio competente, ou por iniciativa de qualquer interessado, desde que haja sido homologada previamente a habilitação regulada neste Código. Após o referido prazo, o registro dependerá de nova habilitação.

 

§ 2o  O casamento religioso, celebrado sem as formalidades exigidas neste Código, terá efeitos civis se, a requerimento do casal, for regis­trado, a qualquer tempo, no registro civil, mediante prévia habilitação perante a autoridade competente e observado o prazo do artigo 1.532.

 

Enfim século XXI, novos tempos, avanços, mudanças e ainda conseguimos visualizar na linha do tempo, a prevalência do elo entre o casamento – homem e mulher – e a família.  No entanto, em nome de uma evolução na legislação, do assim chamado politicamente correto, de uma sociedade mais moderna, a instituição casamento, e em consequência a família, começam a adquirir uma outra conotação.

 

Prevalecem ainda as razões que impulsionam duas pessoas a casar-se: construir uma família, construir a dois, ter filhos, enfim… Porém concorrem, seriamente, algumas razões que tentam justificar relações ou práticas sexuais diferenciadas.

 

Assim é que em nome de uma evolução na legislação, de uma sociedade dita mais moderna, mais democrática, a instituição casamento, e em consequência a família, começam a adquirir uma outra conotação. Entretanto, a sociedade que por questões que não cabem ser aqui apreciadas, parece estar anestesiada, e não de dá conta do rumo que a sociedade como um todo toma ao aquiescer com essas idéias. O excesso de permissividade para tudo acaba sendo o elemento mais perigoso. Tudo passa a ser normal e natural. Aceita-se tudo, a  indiferença reina absoluta, simplesmente se permite, se aquiesce.

 

No fundo por trás disto tudo, temos segmentos sociais e financeiros aproveitando-se destas brechas e impulsionando estas mudanças, para assim atingir seus intentos. É impossível, por exemplo, negar o interesse político-eleitoral bem como o econômico-financeiro existente por trás destes movimentos gays. Quantos já se questionaram sobre o efeito financeiro angariado por uma parada gay?

 

São estes interesses externos, quase subliminares, que fomentam em grande parte este movimento homossexual e, não que representem um verdadeiro engajamento com a causa.

 

Dentre as justificativas, para equiparar uma união homossexual a uma união heterossexual, a variedade é grande. O Estado deve proteger o direito de minorias, o Estado deve combater as discriminações, o Estado tem o dever de proteger o direito de afeto. Não se está tratando de fatos iguais. São naturalmente diferentes e, portanto não podem se nivelar.

 

 Não se está posicionando contra a comunidade homossexual, contra o ser homossexual. Não se discute as suas razões e suas preferências homossexuais, mas sim justamente as conseqüências dessa preferência. Ação e reação, pura e simplesmente. Ao fazer esta escolha, elimina-se a outra. O homem ou a mulher que optam por casar-se, não podem pretender levar vida de solteiros. Aquele ou aquela que opta pela vida religiosa, ato contínuo abre mão de uma vida matrimonial, da vida familiar. Assim será com um homem que pretenda viver com outro homem ou mulher que pretenda viver com outra mulher. O casamento e a constituição de uma família não fazem parte dessa opção.

 

Em nome de direitos falaciosos, já se constata, em alguns países, a admissão deste tipo de matrimônio, quer na forma convencional, quer através de contratos civis. Nesta esteira, de pronto, nasce um outro problema, já presente inclusive aqui no Brasil. Querem filhos, mas não podem tê-los. Novas permissões, novas concessões; na seqüência novos regramentos para a adoção, casos esdrúxulos de reprodução assistida.

 

Segundo César Fiúza, citado por Dimas Messias de Carvalho, no direito atual, casamento é união estável, diferenciando de namoro e noivado, e formal, com rito de celebração prescrito em lei, entre homem e mulher, com o objetivo de satisfazer-se e amparar-se mutuamente, constituindo a família.

 

Uma profunda reflexão se faz necessária. Perpetrando-se essas mudanças, como ficam os direitos dos heterossexuais? Serão então discriminados? Que tipo de sociedade será a do futuro? Quais os valores que se farão presentes? Terá valido a pena?

 

 

 

BIBLIOGRAFIA:

 

CARVALHO, Dimas Messias. Direito de Família: Direito Civil 2ª ed.- Belo Horizonte : Del Rey, 2009.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, volume VI: direito de família. – 2.ed.rev. e atua. – São Paulo : Saraiva, 2006.

FERRY, Luc. Famílias, amo vocês: política e vida privada na época da globalização. Tradução Jorge Bastos. – Rio de Janeiro : Objetiva, 2008.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil; direito de família. – 9.ed. – São Paulo : Atlas, 2009.

 

 

* Regina Maria de Paula – Estudante do Curso de Direito da Universidade de Ribeirão Preto – UNAERP – 7ª etapa

Como citar e referenciar este artigo:
, Regina Maria de Paula. A linha do tempo, o casamento e a família.. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-civil/a-linha-do-tempo-o-casamento-e-a-familia/ Acesso em: 26 jul. 2024