Direito Administrativo

Julgamento de licitações públicas de publicidade

As licitações públicas para a contratação de serviços de publicidade prestados por intermédio de agências de publicidade são regidas por legislação especial, mais precisamente pela Lei nº 12.232/10, que prescreve normas gerais impositivas para a União, estados, Distrito Federal e municípios.

O art. 5º da Lei nº 12.232/10 enuncia que as licitações de publicidade devem adotar, obrigatoriamente, os tipos melhor técnica ou técnica e preço. Portanto, é vedada a licitação cujo critério de julgamento é baseado exclusivamente no preço. O aspecto técnico deve necessariamente ser levado em consideração para efeito de comparação das propostas.

Em tais licitações, como se depreende do inciso I do art. 6º da Lei nº 12.232/10, ocorre a inversão das fases, seguindo o padrão da modalidade pregão. Em primeiro lugar, julgam-se as propostas e depois os documentos de habilitação dos licitantes classificados no julgamento final.

Os licitantes devem apresentar quatro envelopes, um destinado à proposta de preço e três destinados às propostas técnicas, conforme prescreve o art. 9º da Lei nº 12.232/10. Dos três envelopes com propostas técnicas, um abriga via não identificada do plano de comunicação e outro via identificada do plano de comunicação. O terceiro veicula as demais informações integrantes da proposta técnica, composta de quesitos destinados a avaliar a capacidade de atendimento do proponente e o nível dos trabalhos por ele realizados para seus clientes, em harmonia com o art. 8º da Lei nº 12.232/10. O quarto envelope versa sobre as propostas de preços.

O art. 7º da Lei nº 12.232/10 preceitua que o plano de comunicação deve ser composto pelos seguintes quesitos:

a) raciocínio básico, vertido em texto, que apresenta diagnóstico, compreensão do objeto e os desafios de comunicação;

b) estratégia de comunicação, também vertido em texto, cujo propósito é apresentar e defender a proposta, tudo visando vencer os desafios e atingir as metas admitidas;

c) ideia criativa, vertida em peças publicitárias, que externa a resposta criativa dos licitantes; e

d) estratégia de mídia e não mídia, vertida em texto, tabelas, gráficos, planilhas e quadros de resumo, demonstrando e justificando a estratégia de comunicação proposta em razão da verba disponível, com indicação de peças, quantidades, inserções e custos.

Percebe-se que os quesitos do plano de comunicação são conexos. Em resumo, o raciocínio básico apresenta o diagnóstico, os problemas e os objetivos. A estratégia de comunicação é um texto que introduz e defende a ideia criativa. Esta, por sua vez, é a solução criativa, a proposta criativa propriamente dita. E a estratégia de mídia e não mídia é o plano de como a ideia criativa será veiculada e atingirá o público visado pela Administração, levando-se em consideração os custos e os valores disponíveis para as ações publicitárias.

As licitações de publicidade são processadas por comissão permanente ou especial, exceto o julgamento das propostas técnicas, que, consoante o §1º do art. 10 da Lei nº 12.232/10, é de competência de subcomissão técnica constituída por três membros, formados em comunicação, publicidade ou marketing ou que atuem em tais áreas, sendo que pelo menos um terço deles não poderão manter qualquer espécie de vínculo com o órgão ou a entidade promotora da licitação.

A escolha dos integrantes desta subcomissão encarregada das propostas técnicas ocorre por sorteio. Como preconiza o §2º do art. 10 da Lei nº 12.232/10, a Administração deve dispor de lista com, no mínimo, o triplo do número dos integrantes da subcomissão técnica. O §3º do mesmo artigo prescreve que, se o valor estimado da contratação não ultrapassar em dez vezes o limite previsto na alínea “a” do inciso II do art. 23 da Lei nº 8.666/93, o que atualmente soma R$800.000,00, a lista deve conter, no mínimo, o dobro dos integrantes da subcomissão técnica.

O sorteio para a escolha dos integrantes da subcomissão deve ser realizado em sessão pública, antecedida em 10 dias da devida publicação. Em até 48 horas da sessão pública do sorteio, os nomes integrantes da lista podem ser impugnados. Acatada a impugnação, deve ser elaborada e publicada nova lista, com a substituição do nome do impugnado (parágrafos 5º a 7º do art. 10 da Lei nº 12.232/10). A Lei nº 12.232/10 não deixa claro, porém não há nada que impeça que a lista com os potenciais membros da subcomissão técnica seja divulgada junto com o edital. Portanto, se assim for, em 10 dias após a publicação do edital, o sorteio já pode ser realizado. Tal prazo, diga-se de passagem, não interfere no prazo de publicidade do edital, preconizado nos incisos do §2º do art. 21 da Lei nº 8.666/93, substancialmente dependentes da modalidade de licitação utilizada.

A intenção manifesta do legislador ao tratar e prescrever as competências da subcomissão técnica é assegurar a isenção e evitar o favorecimento e o direcionamento no julgamento das propostas técnicas. Como a avaliação das propostas técnicas é impregnada por inevitável e altíssima dose de subjetividade, não é raro que os agentes responsáveis sejam escolhidos deliberadamente para privilegiar agências de publicidade predeterminadas, que acabavam vencendo as licitações. Com a introdução da lista e do sorteio dos integrantes da subcomissão, quer-se dificultar a indicação de pessoas previamente favoráveis ou comprometidas com agências de publicidade predeterminadas. Agora, com as normas enfeixadas na Lei nº 12.232/10, quem pretende direcionar ou favorecer dadas agências de publicidade, indicando os agentes responsáveis pelo julgamento técnico, tem que realizar os seus acertos escusos com um grupo bem maior. Antes da Lei nº 12.232/10, bastava indicar três pessoas, número usualmente adotado para as comissões de licitação ou de julgamento das propostas técnicas. Agora, com a Lei nº 12.232/10, este acerto triplica ou dobra. É mais difícil — não é impossível, evidentemente — controlar o triplo ou o dobro de pessoas, que são os servidores ou pessoas integrantes da lista.

A comissão de licitação recebe os quatro envelopes, inclusive os dois planos de comunicação, o identificado e o não identificado. O plano de comunicação identificado, diferente da versão não identificada, não contém os exemplos de peças referentes à ideia criativa (§2º do art. 9º da Lei nº 12.232/10). De resto, afora a identificação, devem ser idênticos.

O plano de comunicação não identificado é encaminhado para a subcomissão, juntamente com o terceiro envelope com os quesitos destinados a avaliar a capacidade de atendimento do proponente e o nível dos trabalhos por ele realizados para seus clientes. Em primeiro lugar, a subcomissão julga o plano de comunicação e encaminha à comissão de licitação as propostas, as planilhas com as pontuações e as justificativas escritas das razões que a fundamentaram. Somente depois, em segundo lugar, a subcomissão avalia o terceiro envelope, com os quesitos destinados a avaliar a capacidade de atendimento do proponente e o nível dos trabalhos por ele realizados para seus clientes, encaminhando à comissão de licitação, da mesma forma como ocorre em relação ao plano de comunicação, as propostas, as planilhas com as pontuações e as justificativas escrita das razões que a fundamentaram (incisos I a VI do §4º do art. 11 da Lei nº 12.232/10).

A comissão de licitação, então, realiza sessão pública para a apuração do resultado final das propostas técnicas, cotejando os planos de comunicação identificados, de posse dela, com os não identificados, que foram avaliados pela subcomissão (inciso VII do §4º do art. 11 da Lei nº 12.232/10). O resultado do julgamento da proposta técnica é publicado, abrindo-se prazo para a interposição de recursos administrativos, na forma da alínea “b” do inciso I do art. 109 da Lei nº 8.666/93.

Mais uma vez nota-se a intenção do legislador de assegurar a isenção e evitar o favorecimento e o direcionamento no julgamento das propostas técnicas. Como dito, a subcomissão encarregada do julgamento das propostas técnicas recebe plano de comunicação não identificado. A ideia é que os membros da subcomissão não saibam quem são os autores das respectivas propostas e, pois, analisem as mesmas com imparcialidade. Quer-se que a avaliação técnica seja realizada às cegas, determinada pelo conteúdo das propostas e soluções e não pela identidade da agência de publicidade que os produziu.

Dessa sorte, para fazer com que os responsáveis pela avaliação técnica não conheçam a identidade dos licitantes, o legislador tornou obrigatória a padronização dos elementos formais dos planos de comunicação. Neste sentido são as prescrições dos incisos IX a XIII do art. 6º da Lei nº 12.232/10. Todos os licitantes devem apresentar os seus planos de comunicação com a mesma fonte, tamanho, espaçamento, quantidades e formas dos exemplos das peças. Os dispositivos supracitados proíbem categoricamente a aposição no plano de comunicação de qualquer elemento que, direta ou indiretamente, possa identificar o seu autor.

O professor Carlos Pinto Coelho Motta tece comentários sobre a padronização dos planos de comunicação e a premissa de não identificação dos seus autores:

 

As advertências contidas nos incisos XII e XIII remetem, ambas, ao inciso III, no qual se estabelecera a apresentação do plano de comunicação publicitária em duas vias — uma delas, lembre-se, sem identificação do proponente.

O sigilo provisório sobre o autor da proposta justifica-se por ser elemento assegurador da objetividade da avaliação técnica, em mais uma cautela contra a preconcepção ou contaminação do julgamento pela imagem do licitante. A Corte de Contas da União, em acórdão de 2006, já recomendava essa práxis, ao determinar à entidade fiscalizada que:

“9.2.1.7 adote procedimentos administrativos para que as propostas sejam examinadas pelos membros da Comissão de Licitação sem identificação de sua autoria, com o fim de alcançar-se maior isenção no julgamento;” (TCU, Acórdão 222/2006 – Plenário, DOU 1º mar. 2006)

Esse requisito é agora reiterado, proibindo-se qualquer forma de identificação do licitante até o momento de abertura do invólucro.

Como se verá, as duas vias do aludido plano, apresentadas pelo licitante, não são idênticas e cumprirão procedimentos diversos. Os §§1º e 2º do art. 9º estabelecem a distinção entre as formas de apresentação do plano, donde se percebe que a segunda via, não identificada, contém dados e exemplos omitidos na primeira. Também no invólucro destinado as informações sobre o proponente não pode figurar qualquer elemento que identifique a autoria do plano de comunicação publicitária; o sigilo sobre a autoria do plano deve ser mantido até a abertura dos invólucros.[1]

 

A intenção do legislador de proibir a identificação dos licitantes autores dos planos de comunicação é evidente e foi ressaltada inúmeras vezes durante a tramitação do Projeto de Lei que deu origem à Lei nº 12.232/10. Leia-se trecho de autoria do Deputado Federal José Eduardo Cardozo, autor do Projeto de Lei:

 

(…) Dentro dos mesmos objetivos, o projeto busca, ainda, alterar o processamento da licitação de serviços de publicidade, fazendo com que, durante o julgamento da proposta técnica sejam desconhecidos, dos membros da comissão de licitação, os autores das propostas que serão julgadas.

 

Tal aspecto também foi destacado no Relatório que recomendou a aprovação do Projeto de Lei na Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público da Câmara dos Deputados:

 

O projeto de lei em exame, com o propósito de evitar desvirtuamentos nas licitações de serviços de publicidade, institui criteriosa sistemática de seleção de projetos de publicidade e de controle da execução dos contratos decorrentes, devendo, entre outros pontos, ser destacados os seguintes:

– Composição da comissão especial de licitação feita por sorteio, em sessão pública, com a escolha de cinco membros entre quinze cadastrados, o que permite a prevalência do princípio da impessoalidade.

– Utilização de metodologia para recebimento de propostas técnicas (partes dissertativa e artística) que impeça a prévia identificação dos proponentes, o que enfatiza, mais uma vez, o princípio da impessoalidade.

– Adoção obrigatória de licitação dos tipos “melhor técnica” ou “técnica e preço”, em atenção aos princípios constitucionais da eficiência e da economicidade.

Todos esses elementos atestam a nítida pretensão moralizadora e a feição de modernização contidas no Projeto de Lei nº 3.305, de 2008.

Dessa forma, por todo o exposto, manifestamo-nos pela aprovação do Projeto de Lei nº 3.305, de 2008, com fundamento no art. 129, inciso II, do Regimento Interno da Câmara doa Deputados.

 

A propósito, o inciso XIV do art. 6º da Lei nº 12.232/10 é categórico e peremptório ao prescrever a desclassificação dos licitantes que desatenderem aos incisos XII e XIII do mesmo artigo. A identificação das propostas técnicas, ainda que por elementos indiretos, em face do descumprimento das exigências de padronização, importa na desclassificação das respectivas propostas.

Tais prescrições de padronização e de não identificação, inclusive indireta, dos planos de comunicação, vêm causando polêmica. Ocorre, com frequência, que licitante, por engano, por exemplo, utiliza papel em formato diferente do exigido no edital, ou espaçamento proibido. Tais características, em tese, poderiam permitir a identificação do licitante pela subcomissão técnica. É comum que, em situações deste naipe, ou o licitante é desclassificado ou os demais licitantes interpõem recursos administrativos pleiteando a desclassificação do mesmo, instaurando-se litígio. Como a matéria é nova, a jurisprudência não estabeleceu parâmetros para distinguir que tipo de incorreção leva à desclassificação e que tipo deve ser relevado pela subcomissão técnica e pela comissão de licitação.

Muito embora a intenção do legislador de evitar o favorecimento e prestigiar a impessoalidade seja louvável, as normas que impõe padronização e que vedam a identificação do plano de comunicação destinado à subcomissão técnica merecem críticas, porque flagrantemente inócuas. Por bom senso, se dado licitante pretende que membros da subcomissão técnica o identifique, ele não precisaria, por exemplo, utilizar um papel com tamanho diverso do indicado no edital. Ele poderia valer-se de vários outros subterfúgios e estratagemas, muito mais eficazes, simples e fáceis. Bastaria que ele entrasse em contato previamente e não de maneira oficial com os membros da subcomissão técnica e apresentasse aos mesmos uma cópia do plano de comunicação ou os informasse sobre alguma característica do seu plano de comunicação. Pronto, resolvido, os membros da subcomissão técnica saberiam qual dos planos de comunicação é de autoria do licitante que eles pretendem beneficiar. É de espantar que os autores do projeto de lei que deu origem à Lei nº 12.232/10 e os deputados e senadores não vaticinaram tal hipótese e não perceberam que todo o esforço e o cavalo de batalha que armaram para não identificar o autor do plano de comunicação é ineficaz.

Aliás, em sentido contrário, a não identificação oficial do plano de comunicação levado ao conhecimento da subcomissão técnica produz efeito negativo, porque acaba ajudando a legitimar o julgamento empreendido por ela, valendo como justificativa de antemão para qualquer tipo de questionamento. Por exemplo, alguém denuncia que dada agência de publicidade foi beneficiada pela subcomissão técnica. A subcomissão técnica pode defender-se com a alegação de que os seus membros não conheciam os autores dos planos de comunicação, porque, como prescreve a Lei nº 12.232/10, eles não são identificados — pelo menos não oficial e abertamente. Assim o sendo, a não identificação oficial pode, ao contrário do pretendido e anunciado pelo legislador, colaborar com o direcionamento da licitação. O ponto é que a Lei nº 12.232/10 determina a desclassificação de planos de comunicação identificados oficialmente. Conquanto seja proibida a identificação oficial ou não oficial, aberta ou escondida, não há nada que impeça — de fato — a identificação não oficial, escondida e, por corolário, que os membros da subcomissão técnica, de fato, conheçam os autores dos planos de comunicação, beneficiando apadrinhados e prejudicando desafetos.

Encerrado o julgamento das propostas técnicas, realiza-se nova sessão pública, para a abertura dos envelopes com as propostas de preço (inciso IX do §4º do art. 11 da Lei nº 12.232/10). Publica-se o resultado do julgamento final das propostas e abre-se prazo para a interposição de recurso, em acordo com a alínea “b” do inciso I do art. 109 da Lei nº 8.666/93 (inciso X do §4º do art. 11 da Lei nº 12.232/10).

Vencida a fase de julgamento, os licitantes classificados são convocados para apresentarem os seus respectivos envelopes com os documentos de habilitação, tudo em sessão pública (incisos XI e XII do §4º do art. 11 da Lei nº 12.232/10). Da decisão sobre a habilitação cabe recurso em consonância com a alínea “a” do inciso I do art. 109 da Lei nº 8.666/93 (inciso XIII do §4º do art. 11 da Lei nº 12.232/10). Encerrada a habilitação, segue a fase integrativa do certame com a homologação e adjudicação (inciso XIV do §4º do art. 11 da Lei nº 12.232/10)

 

Joel de Menezes Niebuhr

Advogado. Doutor em Direito Administrativo pela PUC/SP. Mestre em Direito pela UFSC. Presidente do Instituto de Direito Administrativo de Santa Catarina (IDASC). Professor Convidado de Direito Administrativo da Escola do Ministério Público de Santa Catarina. Professor Convidado de diversos cursos de especialização em Direito Administrativo. Autor dos livros “Princípio da Isonomia na Licitação Pública” (Florianópolis: Obra Jurídica, 2000); “O Novo Regime Constitucional da Medida Provisória” (São Paulo: Dialética, 2001); “Dispensa e Inexigibilidade de Licitação Pública” (3ª ed. Belo Horizonte: Fórum, 2011), “Pregão Presencial e Eletrônico” (6ª ed. Belo Horizonte: Fórum, 2011), “Registro de Preços: aspectos práticos e jurídicos” (Belo Horizonte: Fórum, 2008, em co-autoria com Edgar Guimarães) e “Licitação Pública e Contrato Administrativo” (2ª ed. Belo Horizonte, Fórum, 2011), além de diversos artigos e ensaios publicados em revistas especializadas.

 



[1] MOTTA. Divulgação institucional e contratação de serviços de publicidade: legislação comentada, p. 121-123.

Como citar e referenciar este artigo:
NIEBUHR, Joel de Menezes. Julgamento de licitações públicas de publicidade. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2011. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-administrativo/julgamento-de-licitacoes-publicas-de-publicidade/ Acesso em: 18 mai. 2024