Direito Ambiental

Principais instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente

Otávio Goulart Minatto*

 

3 Principais instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente

3.1 Licenciamento Ambiental

 

Introdução

O seguinte trabalho trata dos conceitos normativos e de efetivação prática do licenciamento ambiental. Procura estabelecer as premissas básicas, como o motivo e importância de o Estado atuar nos empreendimentos considerados de risco na figura do licenciamento ambiental. Esclarece as funções de tal instituto, bem como os diferentes modos em que ele é dado. Define as etapas para o seu deferimento, explicitando seu iter procedimental. Mostra em que casos o licenciamento pode ser revogado, casos estes nos quais o interesse difuso da natureza sobrepõe a autorização legal aferida. Por fim, separa as competências de cada órgão estatal, explicando os critérios classificatórios utilizados, bem como o posicionamento jurídico em situações de controvérsia.

 

3.1.1 Conceito

O licenciamento é instrumento da Política Nacional de Meio ambiente com o objetivo de filtrar a construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos ou atividades que possam causar degradação ambiental considerável. É o meio de conter as ações altamente poluidoras, dando permissão somente àquelas que não representem risco tão grande e eminente. O art. 1º, inc. I, da Resolução n. 237/97 do CONAMA estabelece o conceito jurídico de licenciamento ambiental, sendo o mesmo o “procedimento administrativo pelo qual o órgão ambiental competente licencia a localização, instalação, ampliação e a operação de empreendimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras ou daquelas que, sob qualquer forma, possam causar degradação ambiental, considerando as disposições legais e regulamentares e as normas técnicas aplicáveis ao caso”.

O licenciamento ambiental simboliza a possibilidade do poder público de impor condições à liberdade de livre empreendimento em prol da defesa dos interesses difusos da natureza. É o exercício do poder de polícia da administração pública, pois disciplina e regula o modo de atuação das empresas. O licenciamento representa a busca por uma utilização econômica razoável e sustentável dos recursos da natureza.

 

3.1.2 Funções do licenciamento ambiental

O objetivo principal do licenciamento é controlar as atividades potencialmente poluentes, tentando evitá-las ao máximo. Ele operaciona os princípios da precaução, da prevenção e do poluidor-pagador, pois garante que os recursos serão usados de forma não predatória, evitando-se assim possíveis danos ambientais. Em muitos casos, o licenciamento obriga as empresas a adotarem tecnologias com o intuito de reduzir o impacto que causam ao ecossistema, ou elimina-lo completamente, quando possível.

Contudo, o licenciamento não impede sempre a ação de uma atividade depredadora. Em certos casos, tais são permitidas, desde que impostas medidas mitigadoras e compensatórias aos danos provocados. Exemplo disto é o que prevê o Código Florestal do Estado do Rio Grande do Sul em seu art. 8º, determinando que “para cada árvore cortada deverão plantar 15 mudas, preferencialmente das mesmas espécies”.

O licenciamento exige a existência prévia de um zoneamento ambiental. É através dele que se poderá definir os cuidados que deverão ser tomados na utilização de certo solo, bem como determinar as potencialidades de tal solo. O zoneamento faz-se imprescindível na medida em que caracteriza suporte básico para o planejamento do desenvolvimento econômico sustentável da região ambiental.

 

3.1.3 Etapas do Licenciamento Ambiental: art. 8º, Resolução n. 237/97

Licença Prévia (LP): Atesta apenas a viabilidade ambiental do projeto, aprovando a sua concepção. Não autoriza nenhuma modificação no espaço físico pretendido pelo empreendimento, como a inicialização de obras, aterros, etc. Tem prazo máximo de 5 anos.

Licença de Instalação (LI): É a autorização para a construção das obras do empreendimento, de acordo com as especificações do projeto aprovado, incluindo a aplicação das medidas de controle ambiental impostas. O limite máximo é de 6 anos.

Licença de Operação (LO): Autoriza a operação da atividade após a verificação do cumprimento de todos os quesitos anteriores. Tem prazo de até 10 anos. Esta licença, bem como as outras, pode ser dada em conjunto ou separadamente.

 

3.1.4 Iter procedimental

1- Definição pelo órgão ambiental, com a participação do empreendedor, dos documentos, projetos e estudos necessários para o início do procedimento.

2- Requerimento da LP. Deve ser dada publicidade ao requerimento.

3- Análise pelo órgão ambiental.

4- Possibilidade de formulação de pedidos de esclarecimentos pelo órgão ambiental, podendo haver renovação, caso os esclarecimentos não sejam satisfatórios.

5- Audiência pública, se for o caso.

6 – Novos esclarecimentos ao órgão ambiental, se da audiência surgir necessidade.

7- Emissão de parecer técnico conclusivo e, se for o caso, de parecer jurídico.

8- Deferimento ou indeferimento da LP, com publicidade.

9- Com fundamento no art. 14, da Resolução n. 237/97, o procedimento deverá estar concluído em até seis meses se não houver EIA/RIMA e em até doze meses, se houver EIA/RIMA.

10- Deferimento da LI.

11- Concluídas e aprovadas as obras, deferimento da LO.

 

3.1.5 Natureza Jurídica

Muito se discute sobre a natureza jurídica da licença ambiental. Alguns entendem que ela tem caráter de licença administrativa, pois a mesma simboliza a anuência da autoridade ambiental competente para a localização, instalação e operação do empreendimento. Contudo, a maioria doutrinária entende que licenciamento é instituto diferente da autorização. Eles se aproximarem pelo fato do licenciamento representar a anuência do Poder Público, entretanto, “apesar de ter prazo de validade estipulado, goza de caráter de estabilidade, de jure, e não poderá ser suspensa por discricionariedade ou arbitrariedade (como seria uma simples autorização). Está sujeita à revisão e suspensão em caso de interesse público superveniente e quando houver descumprimento dos requisitos preestabelecidos no processo de licenciamento (MILARÉ, p. 314)”.

Podemos destacar as seguintes diferenças entre ambos:

 

 

Autorização

Licença

Ato administrativo discricionário e precário

Ato administrativo vinculado e definitivo, que implica na obrigação de o Poder Público atender o interessado quando preenchidos os requisitos legais

Envolve interesses públicos

Não há discricionariedade, não se examina conveniência e oportunidade

É ato constitutivo de direito

É ato declaratório de direito pré-existente

Não gera direito subjetivo à obtenção ou à continuidade da autorização, pelo que a Administração pode negá-la sem indenização

O beneficiário tem direito líquido e certo, se preencher os requisitos legais

Não constitui direito subjetivo para o interessado

Resulta em direito subjetivo para o interessado

Admite revogação

Traz presunção de definitividade e a invalidação só pode ocorrer por ilegalidade na expedição do alvará, descumprimento na execução da atividade ou por interesse público superveniente, gerando direito à indenização

 

 

3.1.6 Revogação da licença e o direito à indenização

Qualquer licença ambiental pode ser revisada pela justificativa de se preservar o interesse público. Como os métodos de preservação e de exploração sustentável são passíveis de aprimoramento, é ilógico pensar que uma licença que determina a utilização de certa tecnologia para a preservação da natureza possa existir quando houver tecnologia mais avançada e mais eficaz para ser usada.

Segundo o art. 19 da Resolução n. 237/97, “[…] o órgão ambiental competente, mediante decisão motivada, poderá modificar os condicionantes e as medidas de controle e adequação, suspender ou cancelar uma licença expedida, quando ocorrer: I – violação ou inadequação de quaisquer condicionantes ou normas legais; II – omissão ou falsa descrição de informações relevantes que subsidiaram a expedição da licença; III – superveniência de graves riscos ambientais e de saúde”. Novas determinações não podem ser feitas enquanto vige uma licença ambiental, pois se o pudessem o instituto da licença como permissão para atuação estaria totalmente descaracterizado. É por isso que a revogação deve ser feita. Revogada a licença, a empresa deve se ajeitar às novas determinações para que a tenha de volta.

As causas que motivam a revogação são: a) mudança das circunstâncias que envolvem o empreendimento; b) adoção de novos critérios de proteção; c) erro na concessão da licença anterior. Sendo assim, a inadequação a qualquer condição, seja ela presente ou futura, resulta na revogação da licença.

                   Uma grande discussão que envolve o tema é a necessidade de se indenizar ou não a empresa que teve sua licença revogada. A questão é muito controversa, sendo que cada caso deve ser analisado separadamente.

                   Quando a atividade da empresa representa risco ambiental, seja ele descoberto futuramente, ou sempre existiu, mas foi negligenciado pela licença, entende-se que a indenização não é cabível, “pois em se verificando a nocividade do empreendimento ao meio ambiente, não teria ele mesmo nenhum direito à instalação ou operação de sua obra ou atividade, em face da irrelevância da sua licitude; e, se porventura, viesse tal obra ou atividade a ser instalada ou operada, ainda que com a licença devida, estaria o interessado sujeito à obrigação de reparar e indenizar plenamente os prejuízos ambientais (DAWALIBI, p. 186)”. Outro fator para que não se de a indenização é o fato não sofrer avarias muito grandes, pois na medida em que ele estiver de acordo com as novas determinações, o empreendimento voltará a funcionar.

                   Contudo, “no caso em que a indústria estivesse cumprindo exatamente as normas legais e regulamentares, nenhuma sanção se lhe poderia impor […] Entendendo, contudo, o Poder Público que não mais conviria a presença da indústria […] parece-nos possível a revogação, desde que o Poder Público desaproprie a indústria (MACHADO, p. 136)”. São os casos nos quais pequenos reajustes não seriam suficientes para evitar o dano ambiental, sendo a total remoção do empreendimento a única solução. Entende-se aí que, em vista do grande prejuízo à empresa, que a indenização seria cabível. Porém se tal impedimento se desse na fase da Licença Prévia, não caberia indenização, pois nessa fase aprova-se apenas o projeto, não havendo nenhuma obra ou atividade em efetivo curso.

 

3.1.7 Competência para o licenciamento ambiental

Conforme consta no artigo 23, da Constituição Federal, tanto a União, como os estados, o DF e os municípios podem exigir o licenciamento ambiental. Contudo é notório que não existe a especificação da competência de cada um prevista no mesmo artigo. Na falta dessa determinação, aplica-se o artigo 10 da Lei n. 6.938/81, que esclarece a atuação do IBAMA para a liberação de licenças ambientais.

                   O IBAMA possui, basicamente, duas ordens de competência. A primeira é de caráter originário, ou seja, o IBAMA atua de forma principal. É quando a obra, e conseqüentemente o licenciamento, envolve estudo sobre grande impacto ambiental de projeções nacionais ou regionais. O IBAMA atua também de forma supletiva, sempre que o órgão estadual responsável por determinado estudo não cumprir com suas obrigações.

 

Competência Originária

Para entender a efetivação da competência originária do IBAMA, faz-se mister compreender o conceito de impacto ambiental de projeção nacional e regional. Segundo o artigo 1º, inciso IV, da Resolução n. 237/97, “impacto ambiental regional é todo e qualquer impacto ambiental que afete, diretamente no todo ou em parte, o território de dois ou mais Estados”. A definição de impacto de projeção nacional não está contida na resolução, mas estende-se o mesmo, por indução, como sendo aquele que afete mais de um Estado – nação ao mesmo tempo.

Esta definição do CONAMA é totalmente fixada em critério territorial. Não importa o tamanho da degradação que é feita no local, o impacto terá projeção se ultrapassar as fronteiras territoriais. A construção de um shopping, por exemplo, causa grandes transformações na paisagem local, podendo gerar imensas degradações ambientais. Entretanto, não é da competência originária do IBAMA, pois não ultrapassa os limites geopolíticos.

Todavia, a extensão territorial não é o único critério para as atribuições do IBAMA. Nas questões que envolvem mar territorial, plataforma continental e zona econômica exclusiva, percebe-se que o critério utilizado para a atribuição ao IBAMA é o da dominialidade do bem. Mesmo não ultrapassando fronteiras, nesses casos, devido sua importância nacional, são de responsabilidade do IBAMA.

 

Competência Supletiva

Tal competência, também conhecida como suplementar, segundo Paulo de Bessa Antunes, “limita-se a atender aspectos secundários do licenciamento. Não pode o órgão federal discordar da licença concedida pelo órgão estadual e, na vigência desta, embargar obras, etc. Isso só pode ocorrer se o órgão federal demonstrar que a licença estadual está eivada de vício. A observância desse parâmetro é fundamental para a existência do SISNAMA (ANTUNES, p. 105)”. Isto significa que a competência supletiva do IBAMA é de, na verdade, supervisionar o trabalho feito pelos órgãos estaduais, e não revisá-los. Só permite-se que o IBAMA revogue o que foi estabelecido pelos outros órgãos quando estes agem de forma a não preservar os reais interesses difusos da natureza.

 

A definição das competências pela Resolução n. 237/67

                   A Resolução n. 237/67 dispõe da seguinte maneira em relação aos órgãos ambientais:

IBAMA

Licenciamento de atividades ou empreendimentos com significativo impacto ambiental de âmbito nacional ou regional, a saber: localizadas ou desenvolvidas conjuntamente no Brasil e em país limítrofe, no mar territorial, na plataforma continental, na zona econômica exclusiva, em terras indígenas ou em unidades de conservação do domínio da União; localizadas ou desenvolvidas em dois ou mais Estados cujos impactos ambientais diretos ultrapassam os limites territoriais do País ou de um ou mais Estados; destinados a pesquisar, lavrar, produzir, beneficiar, transportar, armazenar e dispor material radioativo, em qualquer estágio, ou que utilizem energia nuclear; bases ou empreendimentos militares (art. 4º)

Órgão Ambiental Estadual ou do Distrito Federal

Licenciamento de empreendimentos ou atividades: localizados ou desenvolvidos em mais de um município ou em unidade de conservação de domínio estadual; localizados ou desenvolvidos nas florestas e demais formas de vegetação natural de preservação permanente (art. 2º, Lei n. 4771/65) cujos impactos ambientais diretos ultrapassem os limites territoriais de um ou mais municípios; delegados pela União aos estados ou ao Distrito Federal, por instrumento legal ou convênio (art. 5º)

Órgão Ambiental do município

Licenciamento de atividades ou empreendimentos de atividades de impacto ambiental local e daquelas que lhe forem delegadas pelo Estado por instrumento legal ou convênio

 

Importante notar que a Resolução n. 237/67 inovou ao estabelecer também que o licenciamento será feito em um único nível de competência (art. 7º). Apesar de uma corrente doutrinária se opor a tal disposição, declarando-a inconstitucional, a mesma é seguida, tendo em vista que nenhum ajuizamento de correção ou mudança foi feito.

A falta de definição específica da competência de cada órgão, causada pela lacuna deixada no artigo 23, da Constituição Federal, é motivo para que muitas ações civis públicas entrem no judiciário questionando a atuação de órgãos ambientais em determinados empreendimentos. Essa discussão não terá fim até que se estabeleça por definitivo qual o papel de cada um. Enquanto isso não acontece, o judiciário tem se posicionado no sentido de observar tanto a territorialidade atingida pela degradação quanto a dominialidade do bem para definir quem deve responder por ele.

 

Conclusão

                   A perscrutação do trabalho nos faz refletir sobre a importância do licenciamento ambiental para a preservação dos interesses difusos da natureza. É através do licenciamento que o Estado controla as atividades que envolvem a exploração do meio ambiente, permitindo que a mesma se dê de forma responsável e sustentável. Todas as disposições legislativas quanto ao assunto regulam os diversos níveis de controle e anuência do Estado para com os empreendimentos. A necessidade de se institucionalizar o iter procedimental reside na eminência de conter a sociedade de risco que até hoje impera nas movimentações econômicas. O licenciamento é a concretização dos princípios da precaução e preservação, simbolizando mais um passo em direção da consolidação da relação estável entre homem e natureza.

 

*Acadêmico de Direito na UFSC.

 

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Como citar e referenciar este artigo:
MINATTO, Otávio. Principais instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2008. Disponível em: https://investidura.com.br/resumos/direito-ambiental/licenciamentoamvb/ Acesso em: 30 dez. 2024