Direito Ambiental

Princípios Estruturantes No Estado De Direito Ambiental: Aplicação Ao Sistema Normativo Brasileiro

Otávio Goulart Minatto*

 

Introdução

                   A análise dos novos valores e princípios advindos da contemporaneidade resulta numa discussão muito grande, envolvendo todas as características trazidas. Há, porém, a necessidade de se reter na observação de certos princípios, que são considerados como estruturantes do Direito Ambiental, já que se encontram no núcleo essencial do direito. Exemplos desse princípio, que serão vistos nesse texto, são o da precaução, prevenção, participação em sentido amplo, do poluidor-pagador e da responsabilização.

 

Os princípios estruturantes possuem duas dimensões básicas: “(1) uma dimensão constitutiva, dado que os princípios, eles mesmos, na sua fundamentalidade principal, exprimem, indicam, denotam ou constituem uma compreensão global da ordem constitucional; 2) uma dimensão declarativa, pois estes princípios assumem, muitas vezes, a natureza de superconceitos, de vocábulos designantes, utilizados para exprimir a soma de outros subprincípios e da concretização de normas plamadas” [1].

O estudo desses princípios não pode se restringir à esfera brasileira, pois muito se cria em âmbito internacional e esses trabalhos merecem destaque.

Um questionamento que nasce dessa discussão diz respeito sobre a identificação das fontes de tais princípios. Gerd Winter assinala da seguinte maneira sobre o assunto: “além da legislação, princípios legais podem também surgir da prática jurídica, a pratica da experiência advinda, por exemplo, do senso comum da profissão legal e da amplitude dos debates do tema da sociedade”[2]. Sendo assim, fica visível que os princípios ambientais são também firmados pelas regras normativas.

Na seqüência natural de análises, o próximo ponto é sobre a utilidade desses princípios. Canotilho ensina que “1) constitui padrão que permite aferir validade das leis, tornando inconstitucionais ou ilegais as disposições legislativas ou regulamentares, ou os atos que os contrariem; 2) são auxiliares na interpretação de outras normas jurídicas; e 3) permitem a integração de lacunas” [3].

Porém o entendimento da utilidade dos princípios não basta para elucidar a sua real aplicação. Para se saber como os princípios são efetivados na sociedade, deve-se aprofundar nas características elementares dos princípios. Deve-se ter em mente que os princípios funcionam como standards juridicamente vinculantes, ou seja, tem como pilar a sua efetiva aplicação.

Na aplicação dos diferentes princípios, pode ocorrer um conflito entre eles. Como muitos regulam partes abstratas, estas podem se encontrarem na situação real. O fato é que “não existe priorização legal, os princípios são iguais em sentido abstrato. O peso relativo dos princípios irá mudar de acordo com determinadas circunstâncias individuais, e só pode, portanto, ser determinado no caso concreto”[4].

Retornando à discussão sobre a aplicação de princípios e regras, vemos que não há, necessariamente, uma hierarquia entre os princípios. Porém, a base do direito ambiental está na necessidade de se fazer isto, na medida em que tal direito entra em conflito com tantos outros, como o direito de propriedade, livre atividade econômica, etc.

O grande problema do direito ambiental é se “esquivar” desses outros direitos e implementar um verdadeiro Estado de justiça ambiental. Sobre o assunto pondera Canotilho: “se o Estado de Ambiente não pode construir-se ao arrepio das regras e princípios informadores do Estado de direito, ele não pode respirar livremente, se não transportar nos seus vasos normativos a seiva de justiça ambiental”[5]. Indo mais além, o estudioso faz uma análise de quais são essas exigências: “as exigências de justiça ambiental reconduzem-se fundamentalmente à proibição de discriminação ambiental. Por injustiça ou iniqüidade ambiental entende-se qualquer decisão, seleção, prática administrativa ou atividade material referente à tutela do ambiente ou transformação do território, que onere, em termos discriminatórios, indivíduos, grupos ou comunidades, designadamente os pertencentes a minorias populacionais, em virtude de raça, situação econômica ou localização geográfica”[6].

É da função desses princípios formarem uma base teórica capaz de fomentar os instrumentos normativos da política ambiental. E é a institucionalização desses princípios que molda a sistematização necessária para garantir a justiça ambiental querida.

2.3.1 Princípios da participação, cidadania, democracia e cooperação ambiental

                   Como já foi dito, existe a necessidade de modificar o paradigma do Estado de Direito Ambiental, de modo a proporcionar novos entendimentos que permitam uma maior eficácia.

                   Um princípio novo, que vem a se juntar à tarefa de modificação do direito ambiental, é o da participação. Ele apela para a necessidade de compartilhar o problema ambiental entre os cidadãos, acabando com a responsabilidade unicamente estatal. Em compartilhar, o princípio insinua conscientizar, e não uma divisão dos danos, que acontece atualmente e que de nada resolve o problema. Carlos Pimenta discorre sobre esse vício comportamental de divisão unicamente dos danos: “nós não sabemos o que estamos a fazer, mas continuamos a fazer porque é muito difícil mudar e porque entramos no problema das responsabilidades difusas. O meu ganho é individual, tal como o é ao nível de cada país. Esse eu posso qualificá-lo. Quanto aos custos globais difusos, esses são repartidos por todos e numa escala temporal que ninguém sabe calcular. Portanto, adotando a velha máxima – com o mal dos outros passo eu bem – continuamos a fazer o que estamos a fazer. Este é um caminho lógico em termos individuais, mas suicida, quando analisado de forma global”[7].

                   Para que essas mudanças ocorram é necessário um esforço do Estado para criar uma política intercomunitária, de modificação do Estado Social. Torna-se assim, dever do cidadão também proteger e defender o meio ambiente, promover educação ambiental, criar espaços de proteção ambiental, executar o planejamento ambiental, entre tantas outras funções que eram exclusivas do Estados.

                   Essa extensão da responsabilidade de proteção do meio ambiente aponta para uma corrente muita difundida mundialmente que é a do pluralismo jurídico comunitário. Tal corrente vem a encontro da intenção do princípio da participação, pois prega a inclusão de várias fontes sociais como atores do direito. Aplicado ao direito ambiental, Birnfeld afirma que: “por um lado, o pluralismo comunitário participativo, exatamente pela sua perspectiva democrática, está apto a constituir-se numa nova e complementar esfera de poder, de conteúdo comunitário, permeando as manifestações subjetivas dos sujeitos coletivos de direito, que não encontrariam ressonância nem nas amplas e genéricas esferas estatais, nem na esfera individualista de mercado”[8].

                   O art. 225 da Constituição Federativa do Brasil de 1988 regula a participação do cidadão na tarefa de proteção do meio ambiente em conjunto com o poder público. O texto constitucional ainda vai além, ao exigir a criação de uma forma inovadora de trabalho e ajuda coletivo. Entretanto, essa participação do privado não pode ser introduzida de forma coativa. O que se procura, muito pelo contrário, é criar uma consciência da necessidade de ajudar, para que o esforço feito pelo cidadão seja verdadeiro e muito maior do que se fosse imposto.

                   Um passo feito para a conscientização da importância de se preservar o meio ambiente foi a definição do mesmo como sendo de interesse público, e não de propriedade pública. “No Estado democrático ambiental, o bem ambiental deve pertencer à coletividade, impedindo-se o uso irracional e autoritário do patrimônio ambiental pelo poder Público e pelo particular”[9]. Dessa forma, o cidadão passa a proteger o meio ambiente, já que ele também o pertence.

                   A participação do cidadão implica em outra conseqüência no direito: a necessidade deste obter informações sobre o estado do meio ambiente. Isso é algo imprescindível para o cidadão, pois sem as exatas informações, ele não poderá agir da maneira mais eficaz ou útil. Essa necessidade, inclusive, já foi ditada no Princípio 10 da Declaração do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, de 1992: “ao nível nacional, todos os indivíduos deverão ter acesso à informação relativa ao meio ambiente detida pelas autoridades, incluindo informações sobre materiais e atividades perigosas nas suas comunidades”[10]. Na Constituição, no art. 1º, também está prevista o direito à informação, ao constar que o poder emana do povo.

                   Passada a discussão que o cidadão deve participar dos assuntos envolvendo o meio ambiente, deve-se estudar, agora, como essa participação é feita. Ela pode ocorrer de três formas: “via participação de criação de direito ambiental, via participação da formulação e execução de políticas ambientais e, ainda, por meio da participação via acesso ao Poder Judiciário”[11].

                   O primeiro tipo de participação é a abertura de processo legislativo através da iniciativa pública. É lógico que esse tipo de participação encontra muitos obstáculos e dificilmente é utilizado.

                   A segunda participação é a que acontece quando os cidadãos agem diretamente na tutela ambiental, interagindo com as políticas ambientais, seja por eles mesmos, seja pelos seus representantes civis. Esse acompanhamento significa estar presente, mesmo que indiretamente na formulação de diretrizes e nas suas execuções.

                   O terceiro tipo constitui na denúncia, pelos cidadãos, dos abusos do poder público ou da sua negligência para com os assuntos ambientais. Esse mecanismo, de utilizar as vias judiciais para conseguir a efetiva realização de uma conduta, só é possível com uma total liberdade de denúncia e garantia de que tais serão realmente acatadas. Um grande problema que inflige o judiciário quanto à questão ambiental é que o modelo jurídico não corresponde às reais necessidades do direito ambiental. O modo de punição e análise não cabe em tais questões, que devem ser analisadas de um modo diferente. Todos esses trâmites judiciais são muito discutidos e somente o passar do tempo, ou seja, a prática forense e a jurisdição acomodarão os problemas, solucionando-os.

                   A participação do cidadão se completa, ainda, com a sua completa instrução e educação ambiental. Para que o seu trabalho se torne eficaz, é extremamente necessário que ele entenda sua função e saiba como utilizá-la da forma mais eficaz. A educação do cidadão quanto ao meio ambiente é garantido em artigos como o art. 5º, XIV, XXXIII e XXXIV, da CF, arts. 6º e 8º, da Lei n. 7347/85, edos arts. 4º, V, e 9º, X e XI, da Lei n. 6938/81. É dever do poder público ensinar os cidadãos sobre o ambiente. E é através disso que ele terá um aliado forte na preservação do ambiente, que é uma multidão devidamente instruída e ciente dos seus deveres.

                   Há um outro aspecto da participação que ainda não foi discutido. Ele não tem relação entre o binômio cidadão-estado, estando interessado sim no binômio estado-estado. É a participação inter-estatal no combate à degradação do meio ambiente. Sabe-se que a degradação do ambiente acontece muitas vezes ultrapassando qualquer tipo de fronteira política. Por essa razão, o seu combate também não deve considerá-las, para que sua eficácia seja maior. Esse ponto de vista defende a troca de informação entre os Estados, formando uma verdadeira corrente de informantes. São elementos dessa integração:

“1) o dever de informação de um Estado aos outros nas situações críticas capazes de causar prejuízos transfronteiriços;

2) o dever de informação e consultas prévias dos Estados a respeito de projetos que possam trazer prejuízos aos países vizinhos;

3) o dever de assistência e auxílio entre os países, nas hipóteses de degradações importantes e catástrofes ecológicas;

4) O dever de impedir a transferência para outros Estados de atividades ou substâncias que causem degradação ambiental grave ou que sejam prejudiciais à saúde humana – é o problema da exportação de poluição”[12].

                   Essa interação entre os Estados cria um clima de solidariedade, na qual um ajuda o outro, através de acordos, trocas de informações, etc.; o qual é possível hoje graças à intensidade da globalização que vivemos.

                   A idéia da troca de informações tem como objetivo também manter um desenvolvimento sustentável e duradouro, na medida em que a preservação é feita. O consenso entre as nações deve tender a uma eqüidade ambiental para as futuras gerações, ou seja, a garantia de que haja ambiente preservado em sintonia com o desenvolvimento econômico-social. Sobre a eqüidade mantida pelas gerações, James Nickel alerta: “eqüidade intergeracional requer de nós atitudes de não destruição dos recursos naturais e culturais, Ao invés de assumir que a natureza é toda para o nosso uso, consumo, nossa transformação e destruição, nós necessitamos limitar nosso impacto na natureza, para que as gerações futuras possam ter justo acesso aos recursos e às oportunidades”[13].

2.3.2 Princípios da atuação preventiva e da precaução

                   Estes são dois princípios que tem como objetivo garantir a eqüidade intergerencional. Ambos são muito semelhantes, apresentando pequenas diferenças, e tem como ponto em comum a tentativa de evitar que uma degradação ambiental aconteça, ao invés de remediá-la. Sobre esse aspecto, tome-se a lição de Canotilho e Moreira: “As ações incidentes sobre o meio ambiente devem evitar sobretudo a criação de poluições e perturbações na origem e não apenas combater posteriormente os seus efeitos, sendo melhor prevenir a degradação ambiental do que remediá-la a posteriore[14]

                   A diferença entre os dois princípios, como assinala Alexandre Kiss, está “na avaliação do risco ao meio ambiente”[15]. A prevenção, importa-se com o perigo que se conhece, impedindo-o de acontecer de novo. O mecanismo preventivo é aquele utilizado em situações concretas, isto é, as quais já são comprovados e previsíveis seus efeitos danosos. Ayala dispõe que: “o objetivo fundamental perseguido pelo princípio da prevenção é, fundamentalmente, a proibição da repetição da atividade que já se sabe perigosa”[16]. Ou seja, a prevenção tem atuação ampla e genérica, antecipando e impedindo o dano através da avaliação dos aspectos negativos, ambientalmente, das atividades que se pretendem executar. Já a precaução se preocupa com riscos mais altos, tentando impedir que ocorram degradações irreversíveis num longo período de tempo. Ela opera em relação a um dano muito mais abstrato, considerado apenas como risco de dano, pois não é efetivamente conhecido pelo homem. Sendo assim, a precaução tem aplicação muito mais específica, conectando-se ao momento inicial, o qual o risco é analisado.

                   A utilização do princípio preventivo, pelo Estado, acarreta em várias ações, pois ele é extremamente complexo. Kiss salienta que o princípio “pode ser considerado um arco complexo de múltiplos aparatos legais, tais como prévia avaliação da degradação ambiental, licenciamento e autorização, que impunha condições e conseqüências para violação desses. Limites e procedimentos standards (padrão), uso de melhor tecnologia possível (BAT) e técnicas aplicáveis ao princípio da prevenção”[17].

                   O princípio da precaução teve origem em meados de 1960, com a crescente preocupação de se evitar, ao máximo, os efeitos de uma degradação ambiental. “Precaução significa, nesse contexto, que as melhores técnicas disponíveis de minimização de dano devem ser aplicadas, independentemente da sua previsibilidade”[18].

                   A precaução se baseia na constatação de que “uma vez consumada uma degradação ao meio ambiente, a sua reparação é sempre incerta e, quando possível, excessivamente custosa”[19]. Isso significa que é preferível não realizar uma atividade que possa, mesmo que minimamente, causar algum tipo de dano ambiental, do que correr o risco de ter que reparar as perdas. É o chamado in dúbio pro ambiente, que tem um peso tão forte que não se limita só à avaliação dos riscos iminentes, mas de todos os que possivelmente possam ocorrer no futuro, desestabilizando a sustentabilidade ambiental. Outra prova da força desse princípio é que os danos não precisam nem ser comprovados cientificamente, bastando que haja algum indício para que a precaução seja aplicada.

                   Vários tratados já trabalharam e positivaram a precaução. São exemplos disso a Conferência do Mar do Norte, de 1990, a Convenção do Rio de Janeiro, de 1992, o Protocolo de Montreal, o Tratado da União Européia, dentre outros. Na nossa legislação, há variais passagens que fazem referência à precaução, como: art. 225, §1º, II, III, IV e V, da Constituição Federal, bem como o art. 54, § 3º, da Lei n. 9605/98, o Decreto federal n. 4297/2002, o art. 9º, inciso II, da Lei n. 6938/81 e o art. 2º do Decreto federal n. 5098/2004.

                   O objetivo da precaução é deixar claro que as qualidades de saúde, tanto ambiental quanto humana, devem se sobrepujar ao interesse econômico. Contudo se deve compreender que nem todos os riscos podem ser eliminados, face à urgência que a humanidade tem em evoluir. Os riscos são então minimizados, abolindo-se as práticas que ferem a natureza em demasia.

                   A precaução vai muito além de prevenir e reduzir a poluição já existente, sendo ela, nas palavras de Eckard Rehbinder, aquela que “assegura que a poluição é combatida na sua insipiência e que os recursos naturais são utilizados numa base de produção sustentada”[20].

                   Cristiane Derani afirma que a precaução resulta nas seguintes atitudes: “Defesa contra perigo ambiental iminente, afastamento ou diminuição de risco para o ambiente, proteção à configuração futura do ambiente, principalmente com a proteção e desenvolvimento das bases naturais de existência”[21]. Indo além, ela define as medidas que devem ser tomadas pelo governo para que ocorra a precaução, as quais são: “implementação de pesquisas no campo ambiental, melhoramento e desenvolvimento de tecnologia ambiental, construção de um sistema para observação de mudanças ecológicas, imposição de objetivos de política ambiental a serem alcançados a médio e longo prazo, sistematização das organizações no plano de um política de proteção ambiental, fortalecimento dos órgãos estatais competentes para a melhora na execução de planos ambientais, bem como de textos legislativos visando a uma efetiva organização política e legislativa de proteção ambiental”[22].

                   A implantação do princípio da precaução é pressuposto para que possamos viver e nos desenvolver sem o risco de acontecer catástrofes ambientais. É a busca de um desenvolvimento que agrida o menos possível o ambiente. Nas palavras de Leme Machado: “O princípio da precaução não significa a prostação diante do medo, não elimina a audácia saudável, mas equivale à busca de segurança do meio ambiente, indispensável para dar continuidade à vida”[23].

2.3.3 Princípios do poluidor-pagador e da responsabilização

                   Após estudar os meios existentes para impedir que danos ambientais aconteçam, temos que definir o que será feito em relação aos danos que já foram cometidos. É claro que todo o trabalho de precaução e prevenção é inútil se não há um sistema para punir aqueles que poluem o meio ambiente. Por isso, a importância do princípio da responsabilidade, que pretende fazer com que o poluidor seja responsável pelos seus atos, impondo limites na liberdade de exploração de recursos naturais que prevalecia até pouco tempo atrás.

                   Derivando dessa preocupação, surge o princípio do poluidor-pagador, que dá contornos econômicos ao assunto. Tal princípio estipula valores a serem pagos para cada tipo de infração cometida. Dessa forma, ficam fortalecidos a precaução e prevenção, pois o estímulo negativo de uma multa acaba evitando que agentes degradem o ambiente.

                   O pagamento estipulado pelo princípio leva em conta vários fatores, que visam à efetiva reparação do dano, como assinala Derani: “com a aplicação do princípio do poluidor-pagador, procura-se corrigir este custo adicional à sociedade, impondo-se sua internalização. O causador da poluição arca com os custos necessários à diminuição, eliminação ou neutralização deste dano”[24]. É a visão de que quem lucra com uma atividade de risco ao ambiente deve pagar pelos danos que causa em decorrência disso.

                   Todavia, esse princípio apresenta várias falham que prejudicam a sua implementação. Uma delas é que o cálculo de quanto se deve pagar não é um consenso entre os Estados, já que não existe, ainda, um meio para avaliar e exteriorizar as degradações ambientais. Como salienta Rehbinder: “Na prática política, aplica-se no sentido limitado de que o poluidor suporta apenas os custos de controle da poluição que surgem devido à regulamentação ambiental; não há intenção de uma completa internalização do custo. Além disso, o princípio não é absoluto. Com freqüência, aplica-se o princípio do encargo comum, o que significa que o público suporta os custos da proteção do ambiente”[25]. A solução para esse problema é articular o princípio com outros meios, como as proibições e imposições do Direito Civil, dando mais credibilidade e força a ele.

                   Outro problema enfrentado é a efetiva imposição do princípio poluidor-pagador. Muitos Estados têm dificuldade de impor as restrições e, além disso, manter a fiscalização periódica. Álvaro Mirra justifica essa inoperância dos mecanismos de controle ambiental em decorrência ao fato de que “isso acontece principalmente em razão de uma tolerância da Administração e, por vezes, da própria legislação diante de determinadas agressões ao meio ambiente e também em função da negligência e imprudência do homem no exercício de suas atividade, contra as quais, como se sabe, nenhum dispositivo ou mecanismo preventivo pode ser inteiramente eficaz”[26]. Outra justificativa à ineficácia é a rigidez estrutural que as vezes impede que uma ação rápida seja feita.

                   Mais uma vez aparece a necessidade de se usar de instrumentos do Direito Civil para fortalecer o ambiental. A figura da responsabilidade civil ressurgiu na década de 1980 como meio para se contornar a inoperância do direito público ambiental. Contudo, a implementação da responsabilidade civil não pode se dar de forma direta, ela deve observar as peculiaridades e se ajeitar às pretensões do direito ambiental. Dessa forma, há maior segurança jurídica, pois os poluidores terão maior certeza de que serão punidos e, conseqüentemente, tomaram maiores precauções em suas atividades. A responsabilidade civil também permite uma maior socialização do direito, já que permite, à esfera privada, a exigência de restituição de bens e danos ambientais.

                   Entretanto, há vários outros problemas não solucionados no sistema de responsabilidade civil pelo dano ambiental, como a dificuldade de se mensurar os danos causados pela poluição generalizada.

                   Caminhando ao encontro de uma resposta, vemos o surgimento de alguns mecanismos, tanto no estrangeiro, quanto no Brasil, para melhor identificar e punir os crimes ambientais. Cada Estado tem desenvolvido instrumentos específicos para atender as exigências também específicas de cada um. No plano brasileiro, a tripla responsabilização (na esfera civil, administrativa e criminal) tem-se mostrado eficiente para a responsabilização dos danos.  Gilles Martin aponta para a necessidade desse desenvolvimento: “será, pois, através de um esforço conjunto de investigação e de criatividade, profundamente inspirado nas iniciativas internacionais e nas soluções dos diferentes direitos positivos, que poderão estabelecer-se novas normas, para evitar que os danos causados à vida e às gerações futuras fiquem por reparar”[27].


Conclusão

                   O presente texto teve como objetivo elucidar todos os pontos que dizem respeito aos princípios estruturantes no Estado de Direito Ambiental.

                   Ao observar tais pontos, podemos perceber que o direito ambiental está alicerçado numa série de princípios. Esses princípios, que foram detalhadamente trabalhados no texto, reproduzem os objetivos do Direito Ambiental nas suas mínimas facetas. Após a leitura do texto é possível identificar a importância dos princípios, bem como o do Direito Ambiental e como se dá a sua aplicação.

*Acadêmico de Direito na UFSC.

 

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[1] CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, cit., p.1058.

[2] WINTER, Gerd. A natureza jurídica dps princípios fundamentais do direito ambiental. In: OLIVEIRA JÚNIOR, José Alcebíades; LEITE, José Rubens Morato (orgs.). Cidadania coletiva. Florianópolis: Paralelo 27, 1996, p.103-104.

[3] CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Introdução ao direito do ambiente. Lisboa: Universidade Aberta, 1998, p.43.

[4] WINTER, Gerd. Op.cit

[5] CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Juridicização da ecologia ou ecologização. Revista Jurídica do Urbanismo e do Ambiente. Coimbra, n. 4, p. 74, dez. 1995.

[6] CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito público do ambiente. Coimbra: Faculdade de Direito de Coimbra, 1995. p.35.

[7] PIMENTA, Carlos. Enquadramento geral da problemática do ambiente. In: AMARAL, Diogo Freitas do (org.). Direito do ambiente. Oeiras: INA, 1994, p.45.

[8] BIRNFELD, Carlos André Souza. A emergência de uma dimensão ecológica para a cidadania: alguns subsídios aos operadores jurídicos. Florianópolis, 1997, 209 p. Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade Federal de Santa Catarina.

[9] MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Princípios fundamentais do direito ambiental, cit., p. 107.

[10] NAÇÕES UNIDAS. Declaração do Rio de Janeiro sobre o meio ambiente e desenvolvimento (1992). IN: SILVA, Geraldo Eulálio do Nascimento e. Direito ambiental internacional. Rio de Janeiro: Thex, 1995, p.163-170.

[11] MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Princípios fundamentais do direito ambiental, cit., p.109-111. LEME MACHADO, Paulo Affonso. Estudos de direito ambiental. São Paulo: Malheiros, 1994, p.39-40.

[12] MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Princípios fundamentais do direito ambiental, cit., p.123. LEME MACHADO, Paulo Affonso. Estudos de direito ambiental, cit., p.28-44. NAÇÕES UNIDAS. Declaração de Estcolmo sobre meio ambiente, cit., p.170-172. Princípios 7, 9, 12, 13, 14, 18 e 27.

[13] NICKEL, James W. International equity, future generations and sustainable development. Congresso Internacional de Direito Ambiental, 1997, São Paulo, Cinco anos após a ECO/92. São Paulo: Instituto o Direito por um Planeta Verde, 1997, p.73 e s.

[14] CANOTILHO, José Joaquim Gomes; MOREIRA, Vital. Constituição da República Portuguesa anotada, cit., p. 348.

[15] KISS, Alexandre. The rights and interests of fuctere generations and the precautionary principle, cit., p.26-27.

[16] LEITE, José Rubens Morato; Ayala, Patrick de Araújo. Direito ambiental na sociedade de risco, cit., p. 71.

[17] KISS, Alexandre; SHELTON, Dinah. International environmental law, cit., p. 204.

[18] WINTER, Gerd. A natureza jurídica dos princípios ambientais em direito internacional, direito da comunidade européia e direito nacional, cit.

[19] MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Princípios fundamentais do direito ambiental, cit., p. 116-117.

[20] REHBINDER, Eckard. O direito do ambiente na Alemanha, cit., p.257

[21] DERANI, Cristiane. Direito ambiental econômico, cit., p.165.

[22] Ibid., p. 167.

[23] LEME MACHADO, Paulo Affonso. Princípio da precaução, cit.

[24] DERANI, Cristiane. Direito ambiental econômico, cit., p.158.

[25] REHBINDER, Eckard. O direito do ambiente na Alemanha, cit.., p. 257.

[26] MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Princípios fundamentais do direito ambiental, cit., p.118.

[27] MARTIN, Gilles. Direito do ambiente e danos ecológicos. Revista Crítica de Ciências Sociais. Coimbra, v. 31, p. 140, mar. 1990.

Como citar e referenciar este artigo:
MINATTO, Otávio. Princípios Estruturantes No Estado De Direito Ambiental: Aplicação Ao Sistema Normativo Brasileiro. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2008. Disponível em: https://investidura.com.br/resumos/direito-ambiental/princestrsist/ Acesso em: 16 set. 2024