Direito Constitucional

MP para Amazônia é inconstitucional

MP para Amazônia é inconstitucional

 

 

Ives Gandra da Silva Martins*

 

 

 

A M.P. n. 1956-50/2000 (artigo 10) impôs aos possuidores de terras na região amazônica um coeficiente de 80% da área a ser preservada, elevando, portanto, o anterior, que era de 50%. Desta forma, o possuidor de terras naquela região deverá preservar a floresta amazônica em 80%, só podendo explorar suas terras em 20%. A lei não impõe ao governo qualquer ressarcimento, exigindo, entretanto, que o particular –para o bem do Brasil e da humanidade— suporte tal ônus.

 

A lei parece-me nitidamente inconstitucional. O art. 225 inciso I da Constituição, ao tratar da preservação de áreas ambientais –ao contrário de outros dispositivos da Constituição sobre meio ambiente, que dizem ser tal preservação da responsabilidade da sociedade e do Estado–, declara que apenas ao Poder Público é atribuída tal obrigação.

 

Por esta razão, tem o Supremo Tribunal Federal entendido que o Estado pode impor ao particular a obrigação de preservar áreas ambientais, mas cabe-lhe indenizar o proprietário pelo sacrifício de seu direito. O Ministro José Celso, no RE 134297-8-SP, declara que:

 

“A circunstância de o Estado dispor de competência para criar reservas florestais não lhe confere, só por si – considerando-se os princípios que tutelam, em nosso sistema normativo, o direito de propriedade -, a prerrogativa de subtrair-se ao pagamento de indenização compensatória ao particular, quando a atividade pública, decorrente do exercício de atribuições em tema de direito florestal, impedir ou afetar a válida exploração econômica do imóvel por seu proprietário” (grifos meus) (D.J. 22/09/95, Ementário 1801-04),

 

O mesmo o fazendo o Ministro Francisco Rezek, hoje juiz da Corte Internacional de Haia (RE 100.717-6-SP), ao dizer que:

 

0 Código Florestal (Lei n. 4.771, de 1965) define como bens de interesse comum a todos os habitantes do país as florestas existentes no território nacional e as demais formas de vegetação, reconhecidas de utilidade às terras que revestem (art. 1) , classificando como de preservação permanente as situadas ao longo dos rios, ou de outro qualquer curso d´água, ao redor das 1agoas, lagos, nas nascentes, no topo de morros, montes, montanhas, serras, etc.

Trata-se de limitação administrativa de caráter geral e interesse coletivo, fundada na função social da propriedade (Constituição, art.160, III), que não confere direito à indenização (cf. R.L. Meirelles, Dir. Adm. Brasileiro, 3a. ed., p.567 e segs.).

 

Essa restrição ao direito de propriedade não exclui, porém, a obrigação de indenizar o proprietário do solo, em caso de desapropriação. Como assinala o acórdão, negar a indenização representa atribuir efeito confiscatório à limitação administrativa” (grifos meus) (D.J. 10/2/84, Ementário 1323-3).

 

Parece-me, pois, que a lei, ao exigir –sem indenização— um ônus relativo ao possuidor de terras na Amazônia para o bem do Estado, da sociedade, e da humanidade, é inconstitucional por violar a isonomia, e deveria ter sua inconstitucionalidade declarada, em controle abstrato de constitucionalidade junto ao Supremo Tribunal Federal.

 

Em controle difuso, poderão, os proprietários atingidos, impugnar a exigência, com variada gama de medidas judiciais, inclusive pleiteando indenização pelas limitações impostas a sua propriedade a fim de manter incólume reserva florestal ou ambiental.

 

O ponto, todavia, que me parece relevante acentuar, reside no fato de que tal política não só dificulta o povoamento da região amazônica, como –o que é pior— garante, para pouco mais de duas centenas de milhares de indígenas, 25% daquela área a ser preservada de exploração e habitação.

 

Ora, o artigo 231 da Constituição Federal transforma o povo indígena numa civilização a parte do Brasil, com territórios próprios, cabendo à União garantir-lhes a terra, os costumes e a tradição. Em outras palavras, a União apenas tutela um povo que não é considerado brasileiro, mas indígena. Está o “caput” assim redigido:

 

“São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”.

 

Trata-se de um dispositivo que causa preocupação, pois, bastará que uma potência estrangeira com aspirações de conquista da região amazônica, sustente que a União não a está preservando adequadamente, havendo necessidade de assegurar aos indígenas a tutela de que necessitariam, para “legitimar”, com o aval do constituinte, a invasão da Amazônia. O argumento não é teratológico eis que muitas nações desenvolvidas desejam a “internacionalização” desse trecho do território brasileiro.

 

Tenho defendido que só há uma forma de afastar os olhos do mundo das riquezas amazônicas, que é povoando a região e gerando desenvolvimento, o que não se conseguirá com legislação desta natureza ou com o curioso dispositivo constitucional, que desvincula o indígena do povo brasileiro.

 

A matéria, decididamente, merece séria reflexão.

 

 

* Advogado tributarista, professor emérito das Universidades Mackenzie e UniFMU e da Escola de Comando e Estado Maior do Exército, é presidente do Conselho de Estudos Jurídicos da Federação do Comércio do Estado de São Paulo, do Centro de Extensão Universitária e da Academia Paulista de Letras.

 

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Como citar e referenciar este artigo:
MARTINS, Ives Gandra da Silva. MP para Amazônia é inconstitucional. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2008. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-constitucional-artigos/mp-para-amazonia-e-inconstitucional/ Acesso em: 25 abr. 2024