REALIADADE DA ADOLESCENTE GRÁVIDA VARIA CONFORME A REGIÃO
Matéria veiculada pela Agência Estado, em 29 de setembro intitulada “Gravidez é projeto de vida para adolescentes de baixa renda” revela que:
“Nos últimos anos, pesquisadores têm alertado para um ‘rejuvenescimento’ da fecundidade no País, isto é, em um período de queda na taxa de fertilidade geral, houve uma concentração de gravidezes de garotas entre 15 e 19 anos – aumentou quase quatro vezes desde a década de 1970. A maioria dos casos ocorreu na camada mais pobre, mostra estudo inédito feito com dados dos censos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O Ministério da Saúde destaca que, com a queda de gravidezes em geral, as adolescentes têm representado uma maior fatia do total. Na última semana, marcada pelo Dia Mundial da Prevenção da Gravidez na Adolescência (26 de setembro), a Síntese de Indicadores Sociais, do IBGE, mostrou que a proporção de jovens de 15 a 17 anos com filhos estava em 6,3% em 2007, patamar semelhante ao de 1997. Na Região Norte, chega a 9,4%. Ainda segundo dados do Ministério, 40% das adolescentes que dão à luz voltam a engravidar em até três anos, em um cenário que envolve, mais do que informação e acesso a anticoncepcionais, conscientização e expectativas de vida. Segundo Maria Luisa Heilborn, coordenadora do Centro Latino-Americano em Sexualidade e Direitos Humanos (Clam), 40% das meninas que engravidaram já estavam fora da escola.” [1]
Na outra ponta, a Pastoral da Criança – um projeto da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) – através de ações sociais tem objetivado a promoção do desenvolvimento integral de crianças – entre 0 e seis anos de idade – em seu ambiente familiar e em sua comunidade. Sua atuação tem caráter ecumênico, atendendo pessoas de todos os credos e etnias e os envolvidos nos projetos são voluntários. Atualmente, mais de 260.000 voluntários acompanham o desenvolvimento de quase 1,8 milhões de crianças de 0 a seis anos e quase 94 mil gestantes, em 42 mil comunidades pobres, de 4.066 municípios, em todos os Estados do País. [2]
PROJETO GESTANTE CARENTE EM UBERLÂNDIA
Por Claudia Zardo
A Diocese de Uberlândia é o ponto estratégico de onde partem as orientações para o desenvolvimento das ações da Pastoral da Criança na cidade e em outros dez municípios, que, entre outros, visam, de início, dar suporte e conscientizar a gestante, além dos que participam do seu seio familiar. Maria Auxiliadora da Silva Ribeiro é a coordenadora da Diocese local e a principal responsável pelo bom andamento dos projetos que são executados.
Ações desenvolvidas
Somente em Uberlândia (MG) , segundo Maria Auxiliadora, o projeto de acompanhamento das gestantes, bem como de seus filhos até os seis anos de idade, está no seu quinto ano de existência; e cerca de 400 jovens já foram beneficiadas por meio das ações.
Método
Especificamente o projeto da Pastoral da Criança para a gestante carente, em primeiro momento, objetiva conscientizá-la quanto aos seus direitos e deveres, além de prepará-la para uma gravidez mais tranqüila e saudável. “Trabalhamos a gestante, primeiro para que ela se sinta bem com ela mesma, pois uma pessoa só pode cuidar bem da outra se estiver bem consigo mesma. Ou seja, a gestante é o primeiro foco de cuidados e depois, em segunda etapa, vem o cuidado com o filho dela”, diz Maria Auxiliadora.
Por etapas
Para cadastrar as participantes, os voluntários fazem visitas de casa em casa. A seleção das grávidas – de até quatro meses de gestação – ocorre por meio de mutirão realizado em 45 comunidades de Uberlândia. Neste, as futuras mamães são localizadas e cadastradas pelos voluntários que, posteriormente, incentivam-nas a participar do curso.
As gestantes selecionadas são as que, para a Diocese, se encaixam no perfil de baixa renda. De acordo com Maria Auxiliadora, somente dentro da Diocese são 66 mil crianças pobres. A definição de “criança pobre” – na visão da Diocese – é a daquela que pertence a uma família em que os pais, juntos, ganham em média dois salários mínimos e geralmente é composta ainda por outros quatro irmãos, contando com a grávida. “Se fôssemos considerar as crianças abaixo da linha de pobreza, teríamos aí um universo de 100 mil crianças somente em Uberlândia”, diz ela.
Perfil e estatísticas
Maria Auxiliadora explica que o perfil das participantes do também chamado “Encontro de Gestantes” abrange jovens na pré-adolescência e adolescência. Entre estas estão meninas de 12 e 13 anos de idade.
A coordenadora cita que há resistência das pré-adolescentes – entre 12 e 13 anos de idade – quando são abordadas, mas que o projeto tem conseguido bons resultados: “Há aquela que não faz o pré-natal por pura vergonha do ocorrido. Através do curso fazemos a conscientização dessa menina e procuramos deixá-la confortável com a sua condição, além de elevar sua auto-estima”.
Segundo Maria Auxiliadora, embora entre 100 e 60 jovens gestantes sejam iniciadas no curso, apenas, em média, 35 delas chegam a completá-lo. “Mas dependendo do Encontro atendemos entre 40 até 70 gestantes. O que menos participantes teve foi o do último semestre, com 35 delas”.
O trabalho também se estende à família da gestante. “Trabalhamos a aceitação dos pais diante do problema. Afinal, qual pai ou mãe aceita de bom grado a gravidez de uma filha com 12 ou 13 anos?”, justifica.
Ainda assim, a coordenadora ressalta que a maioria das meninas – entre 12 e 13 anos de idade – grávidas são “filhas de lares desfeitos” [pais separados]. “Em outros casos, ela já até saiu de casa e está vivendo com o companheiro; e aí a gente cuida desse lar que está se formando”, acrescenta.
Geralmente as gestantes vêm de famílias compostas também por um histórico de alcoolismo, drogas e violência doméstica; algumas são usuárias de drogas, álcool e/ou esteio da família. “Posso até afirmar que todas as gestantes de 12 e 13 anos são de lares em que os pais são separados. O perfil da família é o da mãe que trabalha fora de casa e em que a menina tem por obrigação ir à escola e cuidar da casa e dos irmãos. Quando a mãe sai, ela geralmente deixa suas obrigações e vai vadiar”, frisa.
Contexto
Do percentual das cadastradas, 10% são de gestantes vindas de outras localidades. Segundo Maria Auxiliadora, elas são jovens que fazem parte das famílias dos presos que estão cumprindo pena no sistema penitenciário em Uberlândia. “Há também casos tristes como o de meninas que se prostituem em troca de drogas e ‘pegam barriga’”, acrescenta.
“O trabalho da Pastoral é padronizado em todo País, no entanto, há de se considerar o contexto da região. A Sudeste é considerada como uma região rica pela Pastoral. Não temos tanta pobreza, embora tenhamos marginalidade. E o pior de tudo é que é uma marginalidade importada. Ou seja, essas famílias e jovens deságuam aqui na região, vindas de outros Estados. A causa está diretamente ligada às penitenciárias. As famílias chegam para acompanhar os presos e passam a habitar em barracos”, analisa ela.
Comportamento
Em termos de comportamento, Maria Auxiliadora adianta que o efeito gravidez não tem como causa única a falta de informação. Para ela, a base do problema está na carência afetiva. “Creio que elas engravidam também para chamar a atenção dos pais. Falta de informação, por certo, não é, pois a escola previne. É como se quisessem dizer aos pais: ‘Eu estou aqui, você não me vê, não me dá atenção’. E com a gravidez, elas conseguem então essa atenção”, diz.
Seleção e conscientização
No mês de setembro, de acordo com a coordenadora, na Diocese acontece o 11º Curso de Gestantes. A duração do curso é de cinco meses e os encontros são realizados às terças-feiras, no Salão do Santuário Nossa Senhora Aparecida, em Uberlândia.
Durante os encontros, as gestantes que foram previamente selecionadas pelo mutirão – realizado nas comunidades – têm acesso às palestras ministradas por especialistas – psicólogos, nutricionistas, assistentes sociais, delegadas, advogados, ginecologistas, entre outros – e nas quais aprendem quais são seus direitos e deveres; cuidados com o bebê e ainda quais são os cuidados necessários para que tenham uma gravidez saudável.
Os temas dos encontros, de acordo com Maria Auxiliadora, podem variar de curso para curso e têm melhorado conforme o projeto é aperfeiçoado. Saúde física e emocional, relacionamento e planejamento familiar, prevenção de doenças, pré-natal odontológico, cuidados com o bebê e teste do pezinho, aleitamento materno, violência doméstica e acidentes na infância, qualidade de vida e estimulação precoce, entre outros, são tópicos tratados durante os encontros realizados no mês de em setembro.
Segunda etapa
No projeto está previsto ainda o acompanhamento do bebê até o sexto ano de vida, o qual é feito por meio de 370 líderes espalhados nos mais diversos bairros da cidade.
Os voluntários da Pastoral da Criança, membros da própria comunidade, acompanham as famílias assistidas.
Nesta fase, a família recebe orientações para a composição de uma boa alimentação, além dos melhores procedimentos para que a criança cresça de forma sadia, seja no âmbito psíquico, físico e/ou espiritual. “É vizinho cuidando de vizinho. O líder da comunidade, indicado pela Diocese, utiliza um Guia que a ele fornecemos e que contém todas as informações sobre a criança; desde o primeiro mês de vida até os seis anos. Dentro do Guia do Líder encontra-se o conteúdo com orientações para a melhor alimentação daquela criança, o melhor procedimento a ser empregado pela família, além de outras coisas, para que ela se desenvolva intelectualmente etc.”, completa a coordenadora.
No atual contexto, conta a coordenadora, e até setembro do ano corrente, mais de quatro mil crianças foram ou estão sendo assistidas pelo projeto. “Cada um dos líderes de comunidade chega a orientar até 15 famílias; algumas com três crianças a mais a cada ano. No entanto, precisaríamos de no mínimo quatro mil líderes somente para atender as crianças da cidade de Uberlândia, pois eles, além de acompanharem os recém-nascidos, também observam os que estão em fase de crescimento e até os que por ventura nasçam dentro da família acompanhada”, ressalta Maria Auxiliadora.
Investimento social
Na primeira fase do projeto é por meio de parceria que os profissionais da área de saúde ministram palestras. A coordenadora explica que os profissionais fazem parte do corpo técnico de um hospital particular e trabalham no projeto sem qualquer remuneração; e os demais voluntários de outras áreas, idem.
As participantes que alcançam a marca de pelo menos 70% de presença no curso ganham ainda um enxoval para gestantes, o qual é composto por um par de chinelos, uma calcinha, um roupão e/ou camisola, um pente e um kit de higiene.
Ainda de acordo com a coordenadora, um Hospital particular em Uberlândia fornece às gestantes vale-transporte e lanche. O gasto estimado pela Diocese em Uberlândia com cada uma dessas gestantes está avaliado entre R$400,00 e R$500,00. Parte desses custos é subsidiada pelo Município e outra, pelo Ministério da Saúde (Governo Federal).
Maria Auxiliadora ressalta que o projeto da Pastoral é preventivo e que, nos casos em que são detectados problemas de saúde da mãe ou da criança, imediatamente a Secretaria Municipal de Saúde é acionada. “Nossa trabalho é de prevenção. Caso a criança já esteja doente, acionamos a Secretaria de Saúde. Existe ainda a criança que é emocionalmente doente. Desde que ela começa a ser gerada, já tem sentimento. Se a mãe teve uma gestação perturbada, se é agredida, essa criança vai nascer com algum problema. Neste caso é que entramos com a prevenção dessas doenças do ponto de vista emocional”, explica.
As obras sociais desenvolvidas nas paróquias que compõem a Diocese são também subsidiadas por verba que é repassada pelo Ministério da Saúde ao Município e por sua vez às ações sociais. “No dia da Celebração da Vida [data em que é realizada a pesagem das crianças nas comunidades] é servido um lanchinho e este é o único custo arcado pela Pastoral da Criança”, complementa Maria Auxiliadora. Além disso, o Ministério da Saúde cede também o Cartão da Gestante – tabela de aferição do desenvolvimento do feto.
Pontos críticos
A coordenadora cita quais são os entraves que o projeto tem encontrado quando tenta realizar o seu trabalho e quais são os bairros de Uberlândia com maior demanda. “A área Leste da cidade é para nós a de mais difícil penetração. Os bairros Esperança e Lagoinha são os de mais difícil acesso. Um dia a cada mês celebramos o aumento de peso e o desenvolvimento integral da criança. Quando avisados, quando ‘eles’ sabem que estamos entrando no bairro, já começam a se posicionar contra. Fazem inclusive um churrasco em frente ao local da celebração. Com bebida e comida de graça, qual pessoa faminta deixaria de participar de um churrasco para participar de pesagem?”
Maria Auxiliadora aponta o controle do tráfico como um dos motivos para que o trabalho da Pastoral não tenha um melhor desenvolvimento. “Se a família se organiza, se pode lutar pelos seus direitos, não vai querer seu filho no tráfico; para ‘eles’ não é nada interessante que essas famílias tenham uma boa assistência”.
Há ainda a questão da desistência. Segundo conta a coordenadora, no geral, de um grupo de 35 participantes, apenas uma consegue “tomar um bom rumo na vida”.
Ponto positivo
Mas quando questionada se vale a pena lutar tanto para salvar uma única vida, a coordenadora é enfática: “Vale a pena. O mais triste seria se não salvássemos nenhuma. Acreditamos que a semente está lá e que no momento propício ela há de germinar. A compensação está principalmente quando encontramos aquela mãe que não quer de jeito nenhum o filho, que só faz pensar em abortar, e após cinco meses de curso, ela está totalmente consciente e feliz por ser uma futura mamãe. Definitivamente, vale a pena!”. [3]
Fontes de pesquisa
[1] Agência Estado. Gravidez é projeto de vida para adolescentes de baixa renda. http://www.netsite.com.br/netsite.php?resolucao=&cod_canal=
70&cod_noticia=70909&cod_tipo_componente=2&cod_layout=2&resolucao=max. Acesso em 29/09/2008.
[2] Pastoral da Criança. Disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Pastoral_da_Crian%C3%A7a. Acesso em 22/09/2008.
[3] Entrevista realizada no dia 22 de setembro de 2008 com a coordenadora da Diocese de Uberlândia, Maria Auxiliadora da Silva Ribeiro.