Direito Civil

Alimentos: salário mínimo versus IGP-M

Alimentos: salário mínimo versus IGP-M

 

 

Maria Berenice Dias*

 

 

A questão posta

 

Algumas decisões do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul[1]proferidas em ações revisionais de alimentos surpreendentemente passaram a alterar, de ofício, o índice de correção da obrigação alimentar independentemente de solicitação de qualquer das partes. Fixados os alimentos em salários mínimos – quer por acordo, quer por decisão judicial –, diante da singela assertiva do alimentante de que o encargo tornou-se excessivo, o valor dos alimentos é estabelecido em importância certa em dinheiro e determinada a atualização anual pelos índices do IGP-M. Cabe alertar que alguns julgamentos, ainda que unânimes, não retratam a posição de todos os integrantes das 7ª e 8ª Câmaras.[2]

 

A mudança vem sendo levada a efeito mesmo sem comprovação da forma de correção dos ganhos do devedor. Independente da profissão do alimentante, de onde provêm seus ganhos ou qual sua fonte de renda, não é sequer questionada a ocorrência de descompasso de seus rendimentos com a valoração do salário mínimo. A intenção é garantir a equalização do valor dos alimentos para o futuro e, com isso, a evitar novas demandas revisionais. Seja qual é fundamento da ação – por exemplo, o nascimento de outro filho –, vem ocorrendo a automática mudança do índice de correção.

 

Talvez o mais inusitado seja o fato de que tal alteração ocorre até quando é o credor quem recorre ao Tribunal. Ou seja, manejado recurso pelo alimentado pleiteando a majoração dos alimentos, o índice de atualização dos alimentos é alterado, adotando-se outro que lhe é desfavorável. Trata-se, de modo claro, de uma reformatio in pejus, o que é vedado pelo sistema jurídico pátrio.

 

Também cabe alertar que, em face da divulgação que vêm merecendo tais decisões, está-se avolumando significativo número de demandas revisionais na busca da alteração do índice de correção dos encargos alimentícios fixados em salários mínimos, para ser adotado o IGP-M.

 

 

 

O salário mínimo

 

Diz a Constituição Federal (art. 7º, IV) que o salário mínimo deve ser capaz de atender às necessidades vitais básicas do trabalhador e de sua família, como moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social. Também determina que devam ocorrer reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo.

 

O comando constitucional nunca foi obedecido. Durante décadas o salário mínimo perdeu seu poder de compra e sempre foi reajustado bem abaixo da inflação, que durante um largo período teve índices astronômicos. Somente nos últimos anos a atual política governamental vem buscando assegurar sua valorização. Os dois últimos Presidentes da República, com forte comprometimento de ordem social, é que procuraram recuperar o valor do salário mínimo. Significativo mesmo foi o último reajuste, ocorrido até com um mês de antecedência, abril de 2006, por casualidade, em ano eleitoral.

 

Ainda assim, e apesar de todas as promessas de campanha, não adquiriu o salário mínimo o seu real valor a ponto de atender à sua finalidade. O DIEESE[3] comprova que, em agosto de 2006, o seu valor deveria ser quatro vezes maior, ou seja, R$ 1.442,62 ao invés dos atuais R$ 350,00.

 

Dados outros também evidenciam este desequilíbrio. O Centro de Estudos e Pesquisas Econômicas da UFRGS[4], que elabora boletins econômicos mediante o histórico de uma série de produtos que compõem a cesta básica, como condomínio, gás, transporte, luz, telefone, material escolar, etc., reconhece que o salário mínimo, apesar de ter apresentado crescimento nos últimos períodos, continua defasado, pois o aumento do valor de tais produtos é superior à inflação.

 

 

 

O IGP-M

 

Sob a justificativa de que o aumento do salário mínimo supera o aumento dos ganhos do alimentante, foi eleito como índice de atualização o IGP-M. No entanto, se a intenção é corrigir o encargo pelo índice de inflação, dito indexador é o menos indicado, porquanto não mede a evolução do poder de compra dos itens que compõem a pensão alimentícia.

 

Simples análise da composição e do IGP-M elucida essa assertiva. O IGP-M é calculado com base em índices que levam em consideração elementos alheios às despesas que custeiam os alimentos. São eles:

 

– 60% do IPA (Índice de Preços do Atacado), que mede o preço de 431 produtos do atacado, sem relação imediata com o consumidor final.

 

– 30% do IPC (Índice de Preços ao Consumidor), que consiste na pesquisa de preços de 388 produtos no eixo Rio-São Paulo e apura a inflação diretamente das famílias que ganham de 1 a 33 salários mínimos.

 

– 10% do INCC (Índice Nacional da Construção Civil), que mensura a variação de preços de materiais de construção e de mão-de-obra, destinando-se primordialmente à atualização dos contratos de construção civil.

 

 

 

As dificuldades do cálculo

 

Não se pode descartar outro fato. O ajuste de valores por indicador econômico depende de cálculos matemáticos de certa complexidade. Cabe lembrar que o IGP-M, utilizado na correção de condenações judiciais, é levado a efeito por um profissional especializado, o contador.

 

O IGP-M tem variação mensal, havendo a necessidade do cálculo da variação acumulada anual. Os índices publicados nos jornais nem sempre correspondem à taxa anual, sendo necessário buscá-la ou em publicações mais especializada, ou via Internet.

 

Assim, se o alimentante foi condenado, em julho de 2005, a pagar alimentos de R$ 1.000,00, com correção anual pelo IGP-M, para calcular o valor da pensão, deverá ou consultar um contador ou encontrar jornais onde constem os índices de até um ano atrás. Pode ainda acessar a Internet, que o leva ao Manual da FGV, o qual explica – em treze páginas – como efetuar a atualização.[5] Assim, após identificar o índice anual, que foi de 1,20%, precisará fazer o seguinte cálculo:

 

1.000,00  x  ( 1 + ( 1,20 ) = 1.012,00

 

                                100

 

Isso tudo para descobrir o valor dos alimentos: R$ 1.012,00.

 

Mas não é tudo. Caso os alimentos sejam ajustados conforme índice do IGP-M, dependendo do mês, há o risco de que ocorra decréscimo no valor da pensão alimentícia, pois em muitos períodos esse índice é negativo, como ocorreu nos meses de setembro e dezembro do ano passado e em março e abril deste ano.[6]

 

 

 

A opinião de especialistas

 

Diante do inusitado da situação, e revestindo-se o tema de enorme complexidade, foi necessário colher a manifestação de alguns especialistas em política econômica[7]. Na opinião do Professor Antonio Carlos Pôrto Gonçalves,[8] o IGP-M não é um índice adequado para o reajuste de pensões alimentícias. A substituição do salário mínimo pelo IGP-M piora as coisas, pois se perde a praticidade e não se ganha em adequação. Questionado sobre o índice mais adequado para medir a inflação, afirmou ser o IPC-FGV – Índice de Preços ao Consumidor, o qual inclui os preços dos alimentos, do vestuário, dos serviços domésticos, os custos de escola, etc. No entanto, acabou reafirmando: mas não é tão prático quanto o salário mínimo, o qual é de aplicação imediata e não necessita de cálculos.

 

Outro especialista ouvido, o Dr. Marco Antônio Rocha,[9] também reconheceu a absoluta inadequação do IGP-M. No entanto, afirmou que, ao pretender-se utilizar índices de inflação, o mais adequado seria o IPCA, considerado índice oficial da inflação e que serve de indexador nas negociações com o Fundo Monetário Internacional. Ainda assim, esclareceu que tais índices não espelham a realidade, pois a Fundação Getúlio Vargas, de forma freqüente, altera a metodologia para sua quantificação.

 

 

 

O IPCA

 

Assim, na hipótese de se pretender utilizar um índice de atualização dos alimentos, parece que o mais adequado não seria o IGP-M mas o IPCA, que é o termômetro para medição das metas inflacionárias, pois verifica as variações dos custos com os gastos das pessoas que ganham de um a quarenta salários mínimos nas regiões metropolitanas de Belém, Belo Horizonte, Curitiba, Fortaleza, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro, Salvador, São Paulo, Goiânia e Distrito Federal.

 

No entanto, nos últimos 8 anos, a comparação do salário mínimo com o IGP-M e o IPCA[10] mostra a flutuação a que ambos estão sujeitos, não se podendo precisar, com segurança, qual melhor espelha a realidade.

 

 

 

 

 Variação real do

 Salário Mínimo

 IGP-M

 IPCA

 

 

 R$

 %

 %

 %

 

1998

 130,00

 3,4

  1,78

 1,65

 

1999

 136,00

 1,4

 20,10

 8,94

 

2000

 151,00

 5,3

  9,95

 5,97

 

2001

 180,00

           11,3

 10,37

 7,67

 

2002

 200,00

 1,4

 25,30

         12,53

 

2003

 240,00

 0,5

  8,69

 9,30

 

2004

 260,00

 2,2

 12,42

 7,60

 

2005

 300,00

 7,9

  1,20

 5,69

 

2006 *

 350,00

          13,0

  1,97

 4,03

 

 

(*) até junho/2006

 

Como o IPCA teve, em 2005, variação de 5,69%, acabando 1,91% abaixo do resultado de 2004, que foi de 7,60%, cabe trazer, a título de curiosidade, a justificativa apresentada: a redução na taxa do IPCA de 2004 para 2005 foi propiciada, basicamente, pela significativa influência do câmbio, mantendo certa estabilidade de preços em alguns produtos como os de higiene pessoal (0,31%) e contribuindo para a redução nos preços de outros, a exemplo dos aparelhos de TV, de som e de informática (-8,49%). Assim, aliado à boa safra do ano, o câmbio favoreceu a queda de preços de produtos agrícolas vinculados ao mercado internacional. O óleo de soja ficou 17,21% mais barato, e a farinha de trigo passou a custar 6,91 % a menos.[11]

 

Ao que tudo indica, a variação sofreu ingerência da flutuação do dólar. Cabe trazer então a tabela comparativa do salário mínimo com o dólar, ao menos desde 1994, quando a moeda passou a ser o Real, período em que houve 13 reajustes no salário mínimo.[12]

 

 

 

Como se vê, o jogo de dados entre o salário mínimo e o dólar é muito sutil, fragilizando qualquer indexador que se sujeite às suas flutuações, pois não empresta segurança para medir os custos dos produtos de primeira necessidade.

 

Essas explicações bastam para evidenciar que sequer o IPCA serve como indicador para o ajuste do valor da obrigação alimentar, que, de um modo geral, é a única fonte de subsistência de crianças e adolescentes.

 

Finalmente, não se pode olvidar que inúmeros indicadores econômicos foram extintos e ensejaram enxurradas de demandas judiciais. A esta ciranda não se podem sujeitar os credores de alimentos.

 

 

 

A vedação constitucional e a opção da lei e da jurisprudência

 

Ainda que a Constituição Federal (art. 7°, inc. IV) vede a vinculação do salário mínimo para qualquer fim, e o Código Civil determine (art. 1.710) que as prestações alimentícias, de qualquer natureza, serão atualizadas segundo índice oficial regularmente estabelecido, nunca houve, em momento algum, qualquer preocupação em buscar outro indexador que não o salário mínimo para a atualização do encargo alimentar. Aliás, Yussef Cahali[13] sustenta que não há como prevalecer a interpretação literal desse artigo, na medida em que o alimentante e o alimentário ainda continuam sendo árbitros de suas conveniências e possibilidades, prevalecendo o binômio necessidade-possibilidade.

 

Tanto a indexação das prestações alimentícias pelo salário mínimo não se revela incompatível com a Constituição, que foi consagrada pela jurisprudência. Há longa data o Supremo Tribunal Federal, de forma pacífica, permite a tal indexação como critério de fixação dos alimentos, pois ambos têm por natureza a mesma finalidade.

 

A regra jurídica do inc. IV do art. 7° da Carta Magna, inserida no Capítulo dos “direitos sociais” dos trabalhadores urbanos e rurais, veda, em sua parte final, a vinculação do salário mínimo para qualquer fim. Tal vedação visa a impedir a utilização do referido padrão como fator de indexação. O Supremo Tribunal Federal, sob a ordem constitucional precedente, considerou inaplicável a proibição do uso do salário mínimo como base de cálculo em se tratando de ato jurídico perfeito e em cálculo de pensão em ação de indenização por ato ilícito. A esse respeito versam os Recursos Extraordinários n°s 96.037, 108.414 e 89.569. No caso dos autos, a fixação da pensão com base no salário mínimo foi utilizada como parâmetro para o fim de assegurar ao beneficiário as mesmas garantias que o texto constitucional concede ao trabalhador e à sua família, presumivelmente capazes de atender às necessidades vitais básicas como alimentação, moradia, saúde, vestuário, educação, higiene, transporte, lazer e previdência social. Sendo assim, nenhum outro padrão seria mais adequado à estipulação da pensão. (STF – Primeira Turma – RE 170203 – Ministro Relator Ilmar Galvão – julgado em 30/11/1993).

 

 

 

O entendimento firmado desde tão remota data é adotado até os dias de hoje:

 

(…) o aresto atacado mostra-se em consonância com o entendimento firmado pelas Turmas desta Suprema Corte, no sentido de que o art. 7°, IV, da Carta Federal proíbe tão-somente o emprego do salário mínimo como indexador, sendo legítima a sua utilização como base de cálculo de pensões alimentícias. Cito, a propósito, o RE 170.203, Rel. Min. Ilmar Galvão, Primeira Turma, unânime, DJ 15.04.1994, e o RE 166.586, Rel. Min. Marco Aurélio, Segunda Turma, unânime, DJ 29.08.1997.Diante do exposto, nego seguimento ao recurso extraordinário (art. 557, caput, do CPC).(STF – RE 274897 – Ministra Relatora Ellen Gracie – julgado em 20/09/2005).

 

 

 

A legitimidade de tal indexação está cristalizada na Súmula 490: A pensão correspondente à indenização oriunda de responsabilidade civil deve ser calculada com base no salário mínimo vigente ao tempo da sentença e ajustar-se-á às variações ulteriores.

 

Ademais, a utilização do salário mínimo como base de cálculo dos alimentos foi recentemente confirmada pelo legislador, por meio da Lei 11.232/05, que, incluindo no Código de Processo Civil o art. 475–Q, § 4°, determinou a aplicação do salário mínimo para fixação dos alimentos oriundos de indenização por ato ilícito.

 

Athos Gusmão Carneiro[14] diz que a novidade elide qualquer dúvida de que os alimentos podem ser fixados tomando por base o salário mínimo.

 

Assim se manifesta C. A. Alvaro de Oliveira:[15]

 

O STF entende, de modo pacífico, ser inaplicável a proibição da vinculação ao salário mínimo, em caso de indenização por ato ilícito. Significativa esta motivação (RTJ 151/652): ‘A vedação da vinculação do salário mínimo, constante do inciso IV do artigo 7º da Carta Federal, visa a impedir a utilização do referido parâmetro como fator de indexação para obrigações sem o conteúdo salarial ou alimentar. Entretanto, não pode abranger as hipóteses em que o objeto da prestação expressa em salários mínimos tem a finalidade de atender às mesmas garantias, presumivelmente capazes de suprir as necessidades vitais básicas’. Daí a explicitação do artigo ora comentado (475 – Q,, § 4°), que se encontra, assim, perfeitamente afinado com o sistema constitucional.

 

Outra não é a posição de Humberto Theodoro Junior [16]:

 

Muito se controvertia a respeito de ser, ou não, lícito o uso do salário mínimo como referência para fixar o valor de pensionamento derivado de ato ilícito. A controvérsia está superada, pois o atual parágrafo 4º do art. 475-Q,, na redação da Lei n. 11.232, de 22 de dezembro de 2005, dispôs claramente que ‘os alimentos podem ser fixados tomando por base o salário mínimo’. Com isso, guarda-se relação ao caráter alimentar da condenação na espécie e simplifica-se o problema da correção monetária, diante da multiplicidade de índices existentes no mercado. Aliás, o STF já vinha decidindo que a pensão no caso de responsabilidade civil deveria ser calculada com base no salário mínimo vigente ao tempo da sentença e ajustada às variações ulteriores (Súmula n. 490).

 

Finalmente a opinião de Glauco Gumerato Ramos:[17] a fixação do valor da pensão em salários mínimos viabiliza uma maior segurança em relação aos valores devidos a este título, independentemente das discussões no plano nacional acerca do poder aquisitivo do valor nominal do salário mínimo. O mais importante, já que se trata de obrigação alimentar, é o firmamento de critérios seguros quanto aos limites da prestação imposta, o que sem dúvida é importante tanto sob a ótica do credor quanto do devedor.

 

Ora, se por força de lei os alimentos devidos em razão de ato ilícito, que sequer são fixados atentando às necessidades do credor, devem ser fixados com base no salário mínimo, maior razão há para que as pensões alimentícias do âmbito do Direito de Família também o sejam. Nada justifica deixar de fazer uso do mesmo critério atualizador na dívida alimentar decorrente de obrigação que visa a garantir a subsistência do alimentando.

 

 

 

A única solução

 

Eleito pela lei o salário mínimo como parâmetro, descabida sua substituição por qualquer índice de atualização monetária na fixação dos alimentos. Não há como simplesmente alterar a base de cálculo sem que alguma das partes tenha buscado reverter o critério de atualização. Nada justifica que passe a Justiça, de ofício, a fixar pensões alimentícias de acordo com indexador sujeito a flutuações que não guardam consonância com a variação dos itens que integram o encargo.

 

Aliás, sequer está havendo a preocupação de saber se a receita do alimentante está sujeita a qualquer defasagem, qual a forma de atualização de sua renda ou qual o índice de crescimento de seus lucros. Nem sempre os profissionais liberais ou os empresários deixam de ter ganhos compatíveis com o aumento do salário mínimo. Ao menos seria necessária a comprovação de que os rendimentos do devedor não alcançam o reajuste do salário mínimo. Assim, sem a prova de que os rendimentos do alimentante não acompanham os seus índices, é inadmissível a modificação, de ofício, do fator atualizador dos alimentos. Às claras que este proceder, sem que seja buscada tal alteração em juízo, se evidencia flagrantemente prejudicial ao alimentando, não se revelando apto à preservação do princípio da proporcionalidade.

 

Não bastasse tudo isso, é inadequado o índice escolhido. O IGP-M leva em consideração elementos alheios às despesas a serem custeadas pela prestação alimentícia. Além de haver a insegurança em face da possibilidade da sua extinção, também há o risco da ocorrência de deflação, o que poderia levar a eventual redução do valor dos alimentos. Finalmente, há o inconveniente da mensuração de tais valores, inacessível à maioria da população, por exigir cálculos com significativo grau de complexidade.

 

O salário mínimo como indexador possui a vantagem da simplicidade. Todos sabem, com antecedência, qual será o seu valor, e conseguem determinar, com facilidade, o que deve ser pago e o montante a ser recebido. Portanto, de todo desarrazoado deixar de aplicá-lo, em prol da utilização de um índice difícil de calcular e que sequer possui relação com as despesas que devem ser custeadas com a prestação alimentícia.

 

O compromisso da Justiça é resguardar o critério da proporcionalidade, não podendo, por mera expectativa de que futuramente possa haver eventual desequilíbrio, alterar o fator de atualização, sujeitando o credor dos alimentos à insegurança quando ao seu valor em face do índice escolhido.

 

Ainda que este motivo não deva nunca ser invocado, não há como deixar de atentar à avalanche de demandas que já estão sendo ajuizadas com a finalidade de alterar o índice de correção, uma vez que a quase integralidade das pensões alimentícias são fixadas segundo o salário mínimo.

 

De forma aleatória, e partindo da hipotética premissa de que eventualmente venha a ocorrer desequilíbrio futuro no binômio alimentar, não pode a Justiça colocar em risco a vida e a sobrevivência de crianças e adolescentes a quem o Estado assegura, com prioridade absoluta, especial proteção.

 

 

 

 

 

[1] Esta foi a decisão que deu origem à nova orientação: APELAÇÃO CÍVEL. SEPARAÇÃO JUDICIAL. MAJORAÇÃO DE ALIMENTOS. PARTILHA. CULPA. 1. Os elementos dos autos não revelam situação de opulência financeira do varão, principal responsável pelo sustento da família ao longo do casamento. 2. A mulher, que conta mais de sessenta anos, faz jus a alimentos pela ponderação do binômio necessidade/possibilidade, pois a renda que aufere como professora aposentada é insuficiente para o custeio de suas despesas ordinárias. 3. O salário mínimo é instrumento de política econômica e não tem qualquer compromisso com a variação do poder aquisitivo da moeda. Tanto assim que a Lei nº 6.205, de 29 de abril de 1975, já estabelecia a descaracterização do salário mínimo como fator de correção monetária, regra que foi alçada à dignidade constitucional no inc. IV do art. 7º da Carta Magna.  Por sinal, não é por outra razão que a Súmula 201 do STJ veda a indexação dos honorários advocatícios – de inegável cunho alimentar – ao piso salarial. O salário mínimo não pode mais se prestar para indexar os alimentos, sob pena de, a curto prazo, desestabilizar o equilíbrio do binômio alimentar, o que inexoravelmente dará origem a uma ação revisional. Por essa razão, a verba alimentar deva ser estipulada em valor certo, determinando-se sua correção monetária anual, a partir da data da decisão que os define (não de seu trânsito em julgado), conforme comando do art. 1.710 do Código Civil.   E, dentre os indexadores, o IGP-M é o que se mostra mais adequado, tanto que é regularmente utilizado para correção de cálculos judiciais. Proveram em parte, à unanimidade. (TJRS – AC 70015627979 – 7ª CCív. – Rel. Des. Luiz Felipe Brasil Santos – j. 2.8.2006).

 

[2] A posição já não é mais majoritária, tendo alguns desembargadores abandonado esta tendência.

 

[3] Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos. Salário Mínimo Necessário. Disponível em: <http://www.dieese.org.br/rel/rac/salminset06.xml>. Acesso em 04 out. 2006.

 

[4] SANTOS, Everson Vieira dos. Centro de Estudos e Pesquisas Econômicas. Boletim Econômico. Porto Alegre/RS. Disponível em: <http:// www.ufrgs.br/iepebanco/pesq_produtos.asp>. Acesso em 04 out. 2006.

 

[5] Informação Econômica On Line. Busca por assunto. Rio de Janeiro.

 

Disponível em: <http://www.fgvdados.com.br> Acesso em 19 out. 2006.

 

[6] Economia. Canal Finanças Pessoais. São Paulo. Disponível em:

 

< http://www.estadao.com.br/economia/financas/cotacoes/inflacao.htm > Acesso em: 19 out. 2006.

 

[7] A dificuldade na obtenção de informações levou ao contato direto com os Drs. Antonio Carlos Pôrto Gonçalves e Marco Antônio Rocha, que, de forma atenciosa, prestaram, por telefone e e-mail, as manifestações que seguem.

 

[8] Mestre e doutor (PhD) em Economia pela Universidade de Chicago, EUA, que dirige o Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas desde 1998, coordena o levantamento de dados que servem de base para alguns dos índices econômicos mais utilizados no país, como os Índices Gerais de Preços (IGP-DI, IGP-10 e IGP-M).

 

[9] Jornalista, advogado e editorialista econômico do Jornal Estado de São Paulo.

 

[10] Ministério do Trabalho e Emprego. Salário Mínimo. Apresentação de 24.01.2006. Brasília/DF. Disponível em: <http://www.mte.gov.br/EstudiososPesquisadores/salariominimo/default.asp>. Acesso em 19 out. 2006. Economia. Canal Finanças Pessoais. São Paulo. Disponível em: < http://www.estadao.com.br/economia/financas/cotacoes/inflacao.htm > Acesso em: 19 out. 2006.

 

[11] MANCE, Euclides André. Globalização, Subjetividade e Totalitarismo . Elementos para um estudo de caso: O Governo Fernando Henrique Cardoso. 1998. Seções 14 a 19.

 

Disponível em: < www.milenio.com.br/mance/qst/062.htm>. Acesso em 06 nov. 2006.

 

[12] Salário Mínimo no Brasil. Informação retirada do Portal Brasil – Índices financeiros brasileiros; Taxa de câmbio fornecido pelo Banco Central do Brasil; Inflação do US dollar estimado usando o Inflation Calculator. Disponível em: <http://www.wikipedia.org/wiki/Sal%C3%A1rio_m%C3%ADnimo> Acesso em: 05 nov. 2006.

 

[13] CAHALI, Yussef  Said. Dos Alimentos. 5a ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 660.

 

[14] CARNEIRO, Athos Gusmão. Revista Dialética de Direito Processual n. 38. Do “Cumprimento da Sentença”, conforme a Lei n. 11.232. Parcial Retorno ao Medievalismo? Por que não? p. 38.

 

[15] OLIVEIRA, C. A. Alvaro. A Nova Execução: Comentários à Lei nº 11.232, de 22 de dez. de 2005. Editora Companhia Forense, 2006. p. 229 e 230.

 

[16] THEODORO JUNIOR, Humberto. Revista Dialética de Direito Processual n. 43. Títulos Executivos Judiciais: o Cumprimento da Sentença segunda a Reforma do CPC Operada pela Lei n. 11.232, de 22 de dezembro de 2005. p. 70.

 

[17] RAMOS, Glauco Gumerato. LIMA, Rodrigo da Cunha. MAZZEI, Rodrigo Reis. NEVES, Daniel Amorim Assumpção Neves. Reforma do CPC. Cumprimento da Sentença e Obrigação Alimentar. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 288.

 

 

 

* Advogada especializada em Direito Homoafetivo, Famílias e Sucessões. Ex-desembargadora do Tribunal de Justiça do RS. Vice-Presidente Nacional do IBDFAM

 

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Como citar e referenciar este artigo:
IGP-M, Alimentos: salário mínimo versus. Alimentos: salário mínimo versus IGP-M. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-civil/alimentos-salario-minimo-versus-igp-m/ Acesso em: 26 abr. 2024