Direito Civil

A Homoafetividade sob um Olhar Jurídico

 

RESUMO:

 

União homoafetiva é definida como a união entre pessoas do mesmo sexo. Quando se fala em homossexuais, união homoafetiva, ou outro termo, pode-se dizer que aqui no Brasil é sempre muito polêmico, pois todos os assuntos inerentes ao caso são sempre permeados de muita curiosidade, para não dizer inquietações e tabus por parte da sociedade. Tudo que se diz a respeito da sexualidade é sempre cercado de mistério, tudo que se situa fora dos estereótipos resta por ser rotulado de “anormal” e tais assertivas levam a sociedade a produzir cada vez mais mecanismos de discriminação e exclusão social.

 

Palavras-chaves: Homoafetividade; Homossexuais; Direito; Dignidade; Sexualidade.

 

RESUMEN:

Unión homoafetiva se define como la unión entre personas del mismo sexo. Cuando se trata de homosexuales, homoafetiva sindicato, u otro término, podemos decir que aquí en Brasil es siempre muy controvertido, como todos los asuntos relacionados con el caso son siempre impregnado de una gran curiosidad, por no hablar de las preocupaciones y tabúes de la sociedad . Todo lo que se dice acerca de la sexualidad está siempre rodeado de misterio, todo lo que queda fuera de los estereotipos de ser calificados de “anormales” y estas afirmaciones llevan a la empresa a producir más mecanismos de discriminación y exclusión social.

 

 

AS RELAÇÕES HOMOAFETIVAS E O ORDENAMENTO JURÍDICO:

 

As relações familiares e comportamentais figuram-se mais na esfera privada do que na pública, e a sociedade é que deve regular estas relações. E neste ponto houve um avanço significativo no que tange a sua maturação. Como exemplo, cita-se o divorcio que antes era tido como escândalo social, e hoje a sociedade já convive normalmente. Quando se fala na homossexualidade, observa-se também que houve uma tolerância mais acentuada. Porém, não quer dizer que foram garantidos os direitos das relações homoafetivas.

 

Com o passar dos tempos, os costumes evoluíram e ocorreu mudança dos valores morais e sociais, e com isso, a discussão sobre a orientação sexual é hoje encarada abertamente.

 

O termo homossexual foi cunhado em 1869 pelo escritor e jornalista astro-húgaro Karl-Maria Kertbeny. Este termo deriva do grego “homos”, que significa “semelhante”, “igual”. A homossexualidade existe desde a antiguidade. Define-se como homossexual a pessoa que se sente atraída ou apresenta vivencia sexual com outra pessoa do mesmo sexo. A homossexualidade é uma das variações da sexualidade humana. No século XIX, em termos psiquiátricos a homossexualidade foi definida como um desvio sexual, uma inversão do masculino e do feminino. Na Sexologia, a homossexualidade passou a ser descrita como uma das formas da degeneração. A partir do século XX, essa teoria foi alterada e a homossexualidade deixou de ser considerada como doença e a maioria dos paises não mais se utilizam deste preconceito para com as relações entre pessoas do mesmo sexo.

 

O termo gay emerge em Nova York, em junho de 1969, após os movimentos de liberação homossexual, com a finalidade de afastar o teor psiquiátrico que se coloca por trás desta palavra. Por isso, gay é um termo mais politizado e menos estigmatizado. As relações sexuais entre animais são determinadas pelo instinto, já à sexualidade humana manifesta-se através de padrões culturais determinados. No Brasil, a mulher gay ativa chamava-se sapatão por seu comportamento sexual típico do sexo masculino, ela seria o homem para outra mulher, esta, por sua vez, era chamada de lésbica. A homossexualidade era considerada uma doença mental, constando inclusive no Código Internacional de Doenças (CID), e o CID-10 representava o homossexualismo, enquanto que o CID-F65.1 relacionava-se ao “travestismo fetichista” e o CID-F65.6 aos “transtornos múltiplos da preferência sexual”. O transexualismo foi introduzido no DSM-III (Manual Diagnostico e estatístico das Desordens Mentais) em 1980 para designar o termo “Síndrome de Disforia de Gênero”. Em 1992, a Organização Mundial de Saúde removeu a homossexualidade da CID-10, acontecendo o mesmo com o DSM- III. Segundo as teorias psicológicas modernas, travestis, transexuais e homossexuais só podem ser considerados portadores de distúrbios de desordens mentais se ocasionar um enorme sofrimento mental a essa pessoa. No entanto, a tranvestibilidade e a transexualidade permanecem classificadas na CID-10, pois, em alguns casos são recomendados procedimentos médicos como tratamento hormonal e cirurgias plásticas estéticas que somente devem ser realizadas com acompanhamento médico.

 

Especula-se que o primeiro casal homossexual da historia foi Khnumhotep e Niankhkhnum, eles foram serventes reais egípcios. Ambos compartilhavam o titulo de “supervisores dos manicuros” do palácio do rei Niusserré durante a V dinastia – cerca de 2400 a.C – e são registrados como “confidentes reais” em suas tumbas conjuntas. A tumba dos manicuros foi descoberta pelo arqueólogo Ahmed Moussa em 1964 na necrópole de Sacará, Egito e é a única naquele sítio onde são mostrados homens se abraçando e de mãos dadas. Segundo os estudos de Kinsey[1], 10% da população humana teria uma orientação homossexual. Porém, outros estudos apontam que esses valores são diferentes e podem ser de 4% a 14%. E essa dúvida pode ser creditada no fato de que muitos homossexuais esconderem a sua verdadeira opção sexual por diversos motivos.

 

Para caracterizar o sexo de uma pessoa, devem ser levados em consideração seu sexo biológico, sua identidade sexual, seu papel social e sua preferência afetiva. Existem estudos que afirmam que na ótica da psicanálise a conjunção do meio com a figura dominadora do genitor do sexo oposto são decisivos na expressão da homossexualidade. A Neurose homossexual, basicamente, é o conflito entre moral e desejo. A pessoa tem o desejo de ter relações homossexuais, masturba-se ou tem relações homossexuais, ou imagina o cônjuge mantendo relações heterossexuais adúlteras e se masturba, e posteriormente joga este dado para a área do esquecimento. “Aquilo” não está acontecendo com ela. A pessoa acaba por provocar o esquecimento do desejo. O “ciúme” não é mais que um “desejo mascarado”. Provocar o “esquecimento do desejo” é o que se chama de recalque sexual, ou neurose. A neurose deixa as pessoas irrequietas, nervosas. Começa a “tremelicar” os joelhos quando sentada, e quando em qualquer situação, a pessoa apresenta sintomas e sinais de agitação psicomotora. Sono agitado, insônia, movimentação involuntária de diversas partes do corpo.   Não tratada, uma neurose evolui para dependência de drogas, álcool, cocaína, “Síndrome do Pânico”, T.O.C., Ansiedade, Medo, dentre outras manifestações.

 

Segundo Freud (1905) nos Três Ensaios:

 

“O afeto de uma criança por seus pais é sem dúvida o traço infantil mais importante que, depois de revivido na puberdade, indica o caminho para sua escolha de um objeto, mas não é o único. Outros pontos de partida com a mesma origem primitiva possibilitam ao homem desenvolver mais de uma linha sexual, baseada não menos em sua infância, e a estabelecer condições muito variadas para sua escolha de objeto” ·.

 

No seu ensaio “Sobre a Psicogênese de um Caso de Homossexualismo Feminino” (1920) Freud escreve:

 

“Não compete à psicanálise solucionar o problema do homossexualismo. Ela deve contentar-se com revelar os mecanismos psíquicos que culminaram na determinação da escolha de objeto, e remontar os caminhos que levam deles até as disposições instintuais”. (pág. 211).[2]

 

Há estudos que apontam que para fatores genéticos que determinam a manifestação da homossexualidade. Estudos com gêmeos univitelinos demonstram que há uma correspondência de mais de 50% entre a sexualidade dos dois irmãos/irmãs. Quando os gêmeos não são univitelinos, os estudos apontam para um mais de 20% de correspondência na homossexualidade. Vários estudos na ciência genética tem sido realizados com a finalidade de investigar origens hereditárias para a homossexualidade. Alguns cientistas tentam estabelecer uma correlação entre a homossexualidade masculina com o gene Xq28. A tese deste estudo coloca a homossexualidade não como uma opção ou estilo de vida, mas sim como resultado de uma variação genética. No entanto, essa tese tem sido recusada por uma boa parte da comunidade cientifica.

 

Pode-se observar, claramente, que no ocidente, a homossexualidade passa por uma fase de maior abertura, havendo uma tendência de maior aceitação na sociedade. E isso pode ser facilmente detectado quando se observa o grande número de organizações que foram criadas para defender os interesses dos homossexuais.

 

A sexualidade integra a própria condição humana. É um direito humano fundamental que acompanha o ser humano desde o seu nascimento, pois decorre de sua própria natureza. Como direito do individuo, é um direito natural, inalienável e imprescritível. Ninguém pode se realizar como ser humano, se não tiver assegurado o respeito ao exercício da sexualidade, conceito que compreende tanto a liberdade sexual como a liberdade de livre orientação sexual. O direito a tratamento igualitário independente da tendência sexual. A sexualidade integra a própria natureza humana e abrange a dignidade humana. Todo ser humano tem o direito de exigir respeito ao livre exercício da sexualidade. Sem liberdade sexual, o individuo não se realiza, tal como ocorre quando lhe falta qualquer outra das chamadas liberdades ou direitos fundamentais.

 

A Constituição Federal de 1988 proíbe qualquer tipo de discriminação contra o ser humano, sendo vedado o tratamento humilhante e vexatório em relação aos homossexuais, o que constitui, inclusive, violação a sua intimidade. De acordo com o art. 3º, IV, da Constituição Federal de 1988:

 

“Constituem objetivos fundamentais da Republica Federativa do Brasil: (…) IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.

 

Já no seu art. 5º, caput, a Constituição Federal estabelece que:

 

“todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”.

 

A escolha da orientação sexual do individuo, hoje, no ordenamento jurídico brasileiro, por força da Constituição federal, é direito fundamental, alem de ser um atributo inerente à personalidade humana. As normas constitucionais que consagram o direito à igualdade proíbem discriminar a conduta afetiva no que respeita a inclinação sexual. A discriminação de um ser humano em virtude de sua orientação sexual constitui, conforme afirma Roger Raupp Rios, precisamente, uma hipótese de discriminação sexual.[3] Diante do avanço da sociedade no que tange ao afastamento de toda forma de discriminação, bem como, ao respeito às diferenças, rejeitar a existência de uniões homoafetivas é afastar o principio contido no inciso IV do art. 3º da Constituição Federal. Conforme José Carlos Teixeira Giorgis, a relação entre a proteção da dignidade da pessoa humana e a orientação homossexual é direta, pois o respeito aos traços constitutivos de cada um, sem depender da orientação sexual, é previsto no art. 1º, inciso 3º, da Constituição, e o Estado Democrático de Direito promete aos indivíduos, muito mais que a abstenção de invasões ilegítimas de suas esferas pessoais, a promoção positiva de suas liberdades.[4]

 

 Entretanto, a lei brasileira atualmente não disciplina especificamente a questão da união homoafetiva. É unanimidade na doutrina a consideração que não pode haver casamento entre pessoas do mesmo sexo. Deste jeito, não se concebe a união homossexual com natureza jurídica de casamento. Este instituto, já mereceu a elaboração, pela então Deputada Marta Suplicy, de um Projeto de Lei, n.º 1.151, de 1995, atualmente ainda em tramitação. Com a união estável guarda a referida união civil semelhança por tratar-se de uma evolução social, bem como ser uma situação atualmente não prevista pela legislação, como outrora já com a união estável acontecera. Constitui-se, evidentemente, em negativa tácita de vigência aos anseios de parcelas da população a inexistência de promulgação de legislação tendente a amparar quaisquer atuações que não vulnerem as normas legais vigentes, que só poderiam ser proibidos se, por hipótese, fossem considerados ilícitos.

 

Em tal sentido, a opinião balizada de Guilherme Calmon Nogueira da Gama:

 

“Da mesma forma como o companheirismo já foi totalmente desconsiderado pelo Direito, mormente no Código Civil brasileiro quando no seu advento, o mesmo tratamento vinha sendo dispensado às uniões homossexuais, em tempos mais próximos. Contudo, mais uma vez a realidade fática se impôs, exigindo uma reavaliação do tratamento social jurídico sobre o tema, a ponto de ter sido introduzido em alguns ordenamentos jurídicos estrangeiros ao casamento entre homossexuais, tal como ocorre atualmente na Suécia, Dinamarca e Noruega”.[5]

 

Maria Helena Diniz afirma que “O casamento tem como pilar o pressuposto fático da diversidade de sexos dos nubentes, embora não haja nenhuma referência legislativa a respeito, ante a sua evidência essa condição impõe-se por si mesma. Se duas pessoas do mesmo sexo, convolarem núpcias, ter-se-á casamento inexistente, uma farsa”.

 

De fato, não há um dispositivo legal no ordenamento nacional estabelecendo expressamente a necessidade de diversidade de sexos para a existência do casamento, mas esse requisito fundamental pode ser deduzido indiretamente do sistema.

 

O art. 1.517, do Código Civil, por exemplo, estabelece que “o homem e a mulher com dezesseis anos podem casar, exigindo-se autorização de ambos os pais, ou de seus representantes legais, enquanto não atingida a maioridade civil”.

 

Já o art. 1.535, do mesmo Código, dispõe: “‘De acordo com a vontade que ambos acabais de afirmar perante mim, de vos receberdes por marido e mulher, eu, em nome da lei, vos declaro casados’”.

 

O art. 1.565, do referido Código, determina que “pelo casamento, homem e mulher assumem mutuamente a condição de consortes, companheiros e responsáveis pelos encargos da família”.

 

E pelo art. 1.567, do Código de 2002, “a direção da sociedade conjugal será exercida, em colaboração, pelo marido e pela mulher, sempre no interesse do casal e dos filhos”.

 

Esses são apenas alguns exemplos de artigos do Código Civil em que o legislador se refere à diversidade de sexos no casamento, como um pressuposto essencial para a sua existência.

 

 É histórica, universal e notória a discriminação aos homossexuais. A influência religiosa que amordaça a sociedade impõe às uniões – que passaram a ser chamada de homoafetivas – a mais perversa punição. Excluídas do sistema jurídico, as relações de pessoas do mesmo sexo acabam condenadas à invisibilidade. Por medo de ser rotulado de homossexual, o legislador se omite. Mais preocupado em garantir sua reeleição, não aprova qualquer projeto que atenda a minorias alvo do preconceito. No entanto, o silêncio da lei não significa inexistência de direito.

 

O fato é que, mesmo sem leis, os homossexuais foram bater às portas do Judiciário. Os avanços — ainda que tímidos — vêm da jurisprudência. Em um primeiro momento, as uniões homoafetivas foram reconhecidas como sociedades de fato. As ações tramitavam nas varas cíveis e não nas varas de família. Era como se o casal tivesse se unido para “abrir” um negócio. E, no fim do relacionamento, ou quando da morte de um dos “sócios”, procedia-se exclusivamente à divisão dos “lucros”, isto é, partilhava-se o patrimônio adquirido durante a vigência da união, mediante a prova da efetiva participação de cada um. Uma vez não possuindo a união homossexual caráter de casamento, é certo que também não possui natureza jurídica de união estável.

 

A união mantida entre pessoas do mesmo sexo, no nosso ordenamento jurídico, jamais poderia se configurar em companheirismo, ainda que duradoura, contínua, única e informal, pois falta o requisito essencial da diversidade de sexos. A Constituição federal de 1988, no art. 226, § 3º, dispõe que, para efeito da proteção do Estado, a união estável entre homem e mulher é reconhecida como entidade familiar, devendo a lei facilitar a sua conversão em casamento. Com a promulgação da Lei maior, a união estável passou receber proteção do nosso ordenamento jurídico como entidade familiar, em adaptação a uma realidade social que não podia mais ser ignorada.

 

Ainda que uma das partes na união homoafetiva possua filhos, o parceiro homossexual que com ele conviva não integra a entidade familiar, uma vez que o art. 226, § 4º, da Constituição Federal, ao conferir à família monoparental o status de entidade familiar, dispõe: “Entende-se, também, como entidade familiar à comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes”. Dos referidos dispositivos legais se deduz que a união homossexual, na legislação brasileira, não origina família ou entidade familiar, não possuindo natureza de casamento ou união estável.

 

A doutrina moderna tem, cada vez mais, reconhecido a possibilidade jurídica da união estável homoafetiva. A Desembargadora Maria Berenice Dias foi pioneira em defender a possibilidade jurídica da união estável homoafetiva por força da analogia. Eis o que diz um trecho fundamental da obra que demonstra o fundamento normativo a possibilitar a união estável homoafetiva – a analogia:

 

“O silêncio constitucional e a omissão legiferante não podem levar à negativa de se extraírem efeitos jurídicos de tais vínculos, devendo o juiz atender à determinação do art. 4oda Lei de Introdução ao Código Civil e fazer uso da analogia, fos costumes e princípios gerais de direito. Não há como fugir da analogia com as demais relações que têm o afeto por causa e, assim, reconhecer a existência de uma entidade familiar à semelhança do casamento e da união estável. O óbice constitucional, estabelecendo a distinção de sexos ao definir a união estável, não impede o uso dessa forma integrativa de um fato existente e não regulamentado no sistema jurídico. A identidade sexual não serve de justificativa para se buscar qualquer outro ramo do Direito que não o Direito das Famílias. Não há dúvida de que a analogia tem o mérito de reconhecer o caráter familiar das uniões homossexuais que satisfazem os pressupostos hoje valorizados pelo direito de família e consagrados na Constituição”.

                     (…)

Buscando a aproximação reclamada por Maximiliano, entre os institutos que se encontram normatizados, as uniões homoafetivas, desamparadas pela lei, mais se identificam com a união estável e o casamento. Abstraindo-se o sexo dos conviventes, nenhuma diferença há entre as relações homo e heterossexuais, pois existe uma semelhança no essencial, a identidade de motivos entre os dois casos. Ambos são vínculos que têm sua origem no afeto, havendo identidade de propósitos, qual seja a concretização do ideal de felicidade de cada um. A omissão legal não pode ensejar a negativa de direitos a vínculos afetivos que não têm a diferença de sexos como pressuposto. A dimensão metajurídica de respeito à dignidade humana impõe que se tenham como protegidos pela Constituição os relacionamentos afetivos independentemente da identificação de sexo do par: se formados por homens e mulheres ou só por mulheres ou só por homens. Atendidos os requisitos legais para a configuração da união estável, necessário que sejam conferidos direitos e impostas obrigações independentemente da identidade ou diversidade de sexo dos conviventes “. [6]

 

Na área da Psicologia, a homossexualidade é encarada como um distúrbio de identidade, e não como uma doença. Também não é hereditária nem é uma opção consciente ou deliberada. Para o psicólogo Roberto Graña, [7] é fruto de um determinismo psíquico primitivo, que tem origem nas relações parentais desde a concepção até os 3 ou 4 anos de idade, quando se constitui o núcleo da identidade sexual na personalidade do indivíduo, que irá determinar sua orientação sexual. Assim, por ser algo involuntário, não poderia ensejar qualquer reprovabilidade social ou jurídica.

 

Graña afirma que há ainda uma controvérsia envolvendo a discussão da questão homossexual, e que, sob este rótulo, faz-se referência a diversos fenômenos que não faria sentido colocá-los sob o mesmo título, não fosse pela atitude de rejeição preconceituosa que há séculos existe em relação aos comportamentos erótico-afetivos entre pessoas do “mesmo sexo”.

 

Quando se fala em reconhecimento da homossexualidade pode-se elencar quatro principais modelos. O primeiro é aquele que adota políticas de não-discriminação, descreve condutas, realiza ações afirmativas e concede apoio à organizações homossexuais. Como exemplo pode-se citar a Holanda, que inclusive já admitia o registro da união homossexual, desde 1998, sendo o primeiro país a reconhecer o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo. A Dinamarca, Suécia, Noruega Groenlândia e Islândia possuem leis que concedem os mesmos direitos aos casais homossexuais, só não permitem a adoção. Na Constituição da África do Sul, de 1996, é expressamente proibida a discriminação em razão da opção sexual.

 

No modelo chamado de intermediário, alcança a discriminação, mas não aponta iniciativas positivas, é o caso da França, Austrália e alguns Estados americanos, como New York e New Jersey. No entanto, em nenhum dos 50 Estados americanos é reconhecida à união matrimonial homossexual.

Um outro modelo de grau mais inferior há aqueles que impedem a criminalização, porém, não articula nenhuma medida que vise à proteção dos direitos fundamentais dos homossexuais.

 

Em contrapartida nos países de orientação religiosa islâmica, a homossexualidade é reconhecida como crime e tais pessoas são punidas com a pena de morte.

 

As Uniões homoafetivas tiveram que ser encaradas de outra forma pelo judiciário, uma vez que as pessoas foram à justiça em busca dos seus novos direitos.

 

A mudança começou pelo Rio Grande do Sul, a partir do ano de 2001. Definida a competência das varas de família, as uniões de pessoas do mesmo sexo passaram a ser identificadas como entidade familiar. Atualmente, já existem muitas decisões, e de vários Estados, as reconhecendo como união estável. E, no momento em que as uniões homoafetivas são inseridas no Direito das Famílias, um leque de direitos lhes são assegurados também no âmbito do direito sucessório: meação, exercício da inventariança, direito real de habitação e outros da mesma linha.

 

Diante dos acontecimentos recentes, resta quase unânime que estamos diante de uma sociedade de fato, e que são encontradas as premissas que configuram uma entidade familiar, como, mútua assistência, cooperação para aquisição de patrimônio, afetividade e respeito. Mas, chamar essa sociedade de família ainda não há condições jurídicas, pois, a Constituição Federal de 1988 não abarca tal fato. Quando se fala nas questões patrimoniais e adoção, as relações homoafetivas já são reguladas pela jurisprudência dos tribunais brasileiros, e isso nos leva a prognosticar que a nossa legislação está preste a atender tais anseios dos homossexuais.

 

Há doutrinadores que, em respeito à literalidade da dicção constitucional e com argumentação que guarda certa coerência lógica, afirmam que qualquer outro tipo de entidade familiar que se queira criar, só poderá acontecer através de emenda constitucional. O raciocínio jurídico que surge deste posicionamento pode ser comparado com a chamada teoria da ‘norma geral exclusiva’, norma que, ao regular um comportamento, ao mesmo tempo exclui daquela regulamentação todos os demais comportamentos[8]. Por isso, a teoria da norma geral exclusiva tem o seu ponto fraco no fato de que, nos ordenamentos jurídicos, há uma outra norma geral (denominada inclusiva), cuja característica é regular os casos não previstos na norma, desde que semelhantes a ele, de maneira idêntica[9].

 

Outra disposição normativa do art. 5º da “Lei Maria da Penha” (Lei nº.: 11.340/06), que após uma análise mais profunda, pode-se dizer que deu um grande passo ao reconhecer a união homoafetiva pelo menos, entre mulheres. Senão vejamos:

 

 

“Art. 5º: Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e de dano moral ou patrimonial:

I – (…)

II no âmbito familiar, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;

III – (…)

Parágrafo único. As relações enunciadas neste artigo independem de orientação sexual” (art. 5º, Lei nº.: 11340/06).

 

 

CONCLUSÃO:

 

Para entender a homoafetividade é necessário esmiuçar os problemas que surgem por causa da opção sexual. As diversas manifestações sexuais enfrentam problemas do preconceito, da marginalização e da violência. Neste ponto, é extremamente importante entender a homossexualidade do ponto de vista da sexologia, desde que seja, confrontada com as disposições doutrinárias e legais.

 

Sendo assim, podemos afirmar que a sexualidade é mais abrangente do que o sexo. O respeito à sexualidade deve ser encarado como direito fundamental do ser humano, tornando assim, a vida das pessoas mais felizes[10]. E o principal papel do Direito deve ser a busca pelos princípios que tutelem a livre manifestação sexual, dentro é claro, da ética e da moral para que os valores familiares possam ser garantidos. E isso é destacado claramente ao longo do nosso texto Constitucional. O nosso Estado é laico e por isso mesmo não se pode manter a discriminação e o preconceito, se isso não for garantido não será efetivada jamais a vontade soberana do nosso Texto Maior.

 

Ao longo deste trabalho ficou claro que a garantia dos direitos nas relações homoafetivas envolve um grande debate de cunho cultural, social e, sobretudo religioso, e ai está o maior desafio do legislador fazer valer os efeitos sociais e jurídicos da família, pois, hoje, ela é compreendida tão-somente por valores constitucionais da dignidade, igualdade, afetividade, ostensibilidade e estabilidade.

 

As informações aqui contidas dão conta que atualmente é pacifico o entendimento de que a família homoafetiva é uma entidade familiar e não uma sociedade de fato. O próprio STF e a jurisprudência reconhecem as uniões homoafetivas como família.

 

Os códigos brasileiros não diferenciam hetero de homoafetividade no que diz respeito à adoção. Diante da inexistência de vedação legal, os aspectos morais e educacionais da criação das crianças são os pontos-chave da argumentação contrária à adoção dentro do que os juizes consideram o melhor para o desenvolvimento psicológico e social do adotado.

 

Independente de orientação sexual se basear em fatores biológicos ou fisiológicos é inquestionável a característica pessoal e a privacidade é garantida na Constituição Federal de 1988.

 

Enquanto a lei não acompanhar a evolução dos usos e costumes, as mudanças de mentalidade, a evolução do conceito de moralidade, os aplicadores do Direito não podem em nome de uma postura preconceituosa ou discriminatória, fechar os olhos a essa nova realidade e ser fontes de grandes injustiças.

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS:

 

DIAS, Maria Berenice. União Homossexual: o Preconceito & a Justiça! 3a Edição, Porto Alegre: Editora Livraria do Advogado, 2006, pp. 93 e 94.

 

E.Zietelman, Lüken im Recht, (1903) e D. Donati. Il problema delle ordinamento giuridico (1910) apud N. Bobbio. Teoria do Ordenamento Jurídico, (1950), Brasília-São Paulo: Ed. UNB-Polis, 1989, p. 132.

 

FREUD, Sigmund. Três ensaios sobre a teoria da sexualidade. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro, Imago Editora, v. VII, 1972.

 

GIORGIS, José Carlos Teixeira. A Natureza Jurídica da Relação Homoerótica. In Revista da AJURIS, n. 88, – Tomo 1. Porto Alegre: dezembro de 2002, p. 244.

 

GRAÑA, Roberto (org.). Homossexualidade – Formulações Psicanalíticas Atuais. Porto Alegre: Editora Artmed, 1998.

 

RIOS, Roger Raupp. Direitos Fundamentais e Orientação Sexual: o Direito Brasileiro e a Homossexualidade. Revista CEJ do Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal. Brasília. Dez. 1998. Nº 6. p. 29.

 

Sigmund Freud, (1905), “Três Ensaios Sobre a Sexualidade Infantil”, S.E., vol. VII.

 

Sigmund Freud, (1920), “A Psicogênese de um Caso de Homossexualismo numa Mulher”, S.E., vol. 18.

 

União estável no sistema jurídico brasileiro/ Francisco Eduardo Orcioli Pires e Albuquerque Pizzolante. – São Paulo: Atlas, 1999. pág. 152.

 

 

* Camila Oliveira Chaves, Cláudio José do Carmo, Juan Alexandre Almeida Berino e Telma Oliveira Teixeira, Graduandos do Curso de Direito do Centro Universitário da Bahia – FIB, 3º semestre, matutino, Campus Gilberto Gil.

 

** Luis Antonio Santos e Santos, é Professor do Curso Exatas Sem Fronteiras, Pesquisador da FAPESB, Pesquisador do Grupo de Pesquisas Juridicas e Sociais – GPJS, Graduando de Direito da Universidade Estacio/FIB.



[1] A.C. Kinsey, W.B. Pomeroy, C.E. Martin, Sexual Behavior in the Human Male, (Philadelphia, PA: W.B. Saunders, 1948).

 

[2] Sigmund Freud, (1920), “A Psicogênese de um Caso de Homossexualismo numa Mulher”, S.E., vol. 18.

 

[3] RIOS, Roger Raupp. Direitos Fundamentais e Orientação Sexual: o Direito Brasileiro e a Homossexualidade. Revista CEJ do Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal. Brasília. Dez. 1998. Nº 6. p. 29.

[4] GIORGIS, José Carlos Teixeira. A Natureza Jurídica da Relação Homoerótica. In Revista da AJURIS, n. 88, – Tomo 1. Porto Alegre: dezembro de 2002, p. 244.

 

[5] União estável no sistema jurídico brasileiro/ Francisco Eduardo Orcioli Pires e Albuquerque Pizzolante. – São Paulo: Atlas, 1999. pág. 152.

[6]DIAS, Maria Berenice. União Homossexual: o Preconceito & a Justiça!, 3a Edição, Porto Alegre: Editora Livraria do Advogado, 2006, pp. 93 e 94.

 

[7] GRAÑA, Roberto (org.). Homossexualidade – Formulações Psicanalíticas Atuais. Porto Alegre: Editora Artmed, 1998.

 

[8] E.Zietelman, Lüken im Recht, (1903) e D. Donati. Il problema delle ordinamento giuridico (1910) apud N. Bobbio. Teoria do Ordenamento Jurídico, (1950), Brasília-São Paulo: Ed. UNB-Polis, 1989, p. 132.

 

[9] N. Bobbio. Teoria do Ordenamento. Op. cit. p.135 (nota do original).

 

[10] DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito & a justiça. Porto Alegre: livraria do Advogado. 2000.

 

Como citar e referenciar este artigo:
SANTOS, Camila Oliveira Chaves, Cláudio José do Carmo, Juan Alexandre Almeida Berino, Telma Oliveira Teixeira e Luis Antonio e. A Homoafetividade sob um Olhar Jurídico. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-civil/a-homoafetividade-sob-um-olhar-juridico/ Acesso em: 25 abr. 2024