Thais Toledo Rigotti*
I – ABORDAGEM GERAL
ETIMOLOGIA: A PALAVRA NOS DICIONÁRIOS
O autor inicia a obra falando do significado etimológico, ou seja, o encontrado nos dicionários e enciclopédias da teoria, que, em geral, sempre está presente o sentido de “contemplação abstrata”.
No entanto, só a etimologia não é suficiente para a total compreensão de o que é teoria além da pura abstração.
Otaviano Pereira faz uma crítica ao método implantado na reforma da educação no ano de 1971, dizendo que hoje em dia as aulas leves e não cansativas, que na verdade são, segundo ele, sem pesquisa e articulação teórica, são consideradas boas, o que é um equívoco. Tais métodos criam confusões em nossas cabeças e, com o livro, ele tenta desfazê-las, explicando o que é teoria realmente.
Teoria é um ato de abstração, mas não somente isso. Muitos contrapõem teoria e prática, quando na verdade, a contraposição verdadeira da prática é a abstração. A questão central da teoria é a ação do homem como um todo, inserido no mundo e na relação com as pessoas ao seu redor.
Para entender o que é teoria é preciso que tenhamos lucidez para não tratarmos como sinônimos termos que apena são parecidos (como teoria e abstração); entender que a elaboração da teoria não é só uma questão lógica, mas também antropológica; e que o homem está sempre em busca do sentido da vida. É por causa de tudo isso que teorizamos e não só porque somos seres racionais.
O PROBLEMA DA TEORIA NO PENSAMENTO CLÁSSICO
Os conceitos da teoria no esquema de pensamento da filosofia clássica se baseiam em dois campos: o da lógica e o da metafísica. O fundamento de toda filosofia é a lógica, sem ela, todas as outras disciplinas da filosofia não podem ser estudadas.
Mas o livro não se trata da lógica e sim da teoria, tentando estabelecer uma estreita relação entre as duas. A visão da teoria no campo da filosofia nos vem como uma “crítica do conhecimento”, que se sustenta na ciência da lógica. A finalidade desta é organizar os pensamentos de modo hierárquico e sem deixar que escape sequer um detalhe de suas definições.
Por às vezes ser extremamente lógica, a filosofia clássica expressa um “vício de definições acabadas”, que quase fecha as possibilidades de uma reflexão mais dinâmica e concreta sobre o assunto tratado.
Na concepção clássica, teorizar é quase somente abstrair, apenas uma arte de trabalhar com a mente, sem estar junto com a realidade de fato. Dessa abstração nascem idéias, que, por muitas vezes, passam a exercer uma supremacia sobre o real. Essa disciplina é chamada metafísica, ou, o tratado do ser.
Há uma inter-relação entre o conhecimento e outras questões lógicas e metafísicas. No entanto, é quando se trata da relação do homem com o mundo é que o problema do conhecimento se torna ainda mais complexo. Como a filosofia clássica dá tanta importância à razão e ao discurso formal, o homem acaba se tornando apenas um “depositário do conhecimento”.
A filosofia clássica sempre chega a impasses quando contrapõe problemas formalmente contraditórios, porque ela nos fornece os fundamentos das definições formais, mas não pode ceder a dinâmica do discurso. A lógica clássica nos ajuda a organizar os pensamentos, mas não é útil quando queremos dinamizar o discurso. O confronto entre realidade e pensamento não é satisfatório nas definições formais.
Para sairmos dos domínios da filosofia clássica é preciso que vejamos a relação homem-mundo como uma realidade mais ampla e mais dinâmica a partir do discurso da lógico-dialética, que pode ser entendida como uma incorporação da lógica formal. O objetivo é incorporar as leis do pensamento à dinâmica da realidade.
O pensamento é sempre formal, o discurso é dialético. De uma forma ou de outra, direta ou indiretamente, o pensar reside em toda forma de discurso, ou seja, eles necessariamente se completam. A lógica clássica e o discurso humano completo são complementares.
O PROBLEMA DA TEORIA NA CIÊNCIA MODERNA
A teoria na elaboração científica apresenta algumas novidades, tais como: a vinculação com o objeto pesquisado, com a experiência e a relação direta causa-efeito.
A mudança no método de abordagem do objeto na Ciência Moderna acontece porque agora se trabalha com fatos, dados e fenômenos. Sem a experimentação, não se entende a Ciência Moderna e sua teoria. Lembrando que essa vinculação não anula o seu lado de abstração mental.
É na lógica clássica que os elementos básicos do método científico moderno aparecem. Por exemplo, a relação entre dedução-indução (raciocínio lógico-formal) e análise-síntese (vinculados ao fenômeno observado) é o começo da compreensão da Ciência Moderna.
Para entendermos bem a teoria nesse âmbito, é preciso saber que existem três modalidades de ciência: (a) ciências formais; (b) ciências empírico formais; e (c) ciências hermenêuticas ou interpretativas.
Para entender a Ciência Moderna, é preciso primeiramente compreender o que é indução: este é um modo de raciocínio que parte da visão do particular para o geral. A indução científica verifica o caso concreto, já que está sempre ligada à relação causa-efeito. Ao contrário da indução formal, a indução científica não se baseia no numero de casos de experiências, mas sim o caráter de necessidade e generalidade nas verdades induzidas e em alguns casos repetidos.
A dedução faz o caminho inverso da indução, ou seja, parte do geral para o particular.
A análise, assim como a dedução, é a decomposição de um todo em suas partes. Já a síntese é a junção do todo decomposto pela análise. Existem duas espécies de análise e síntese: a racional e a experimental.
A racional, elaborada mentalmente, aplica-se a verdades não concretas no sentido clássico de abstrato.
A experimental é a efetuação de um duplo movimento de pensamento, mas que, ao contrário da indução-dedução, parte do que a Ciência Moderna tem como concreto.
A relação entre análise e indução e síntese e dedução é que a indução é uma espécie de análise, já que decompõe o objeto, indo de sua parte a seu todo. E, com isso, a dedução é uma forma de síntese, pois parte do todo e vai para suas partes. Em ambos os casos são duas formas de resolução de um mesmo problema.
Quem vai dar enfoque específico a essas relações são a lógica formal e a lógica material. O problema é que nem sempre a conformidade do raciocínio condiz com a do objeto em sua verdade.
Na Ciência Experimental não se pode trabalhar da mesma forma que se trabalha em pensamento. Por isso, é preciso que se saiba os princípios básicos para o acontecimento da experiência. São eles:
A análise deve preceder a síntese;
1- A análise deve penetrar até os menores detalhes e a síntese deve juntá-los sem nada omitir;
2- Ambas devem proceder gradualmente e sem omitir intermediários, ou seja, nada de suposições ou lacunas no raciocínio.
No entanto, somente a relação com a lógica clássica não é suficiente para um estudo mais profundo da Ciência Moderna. A sua abordagem teoria é feita em etapas:
1- Observação;
2- Hipótese;
3- Experimentação;
4- Lei.
Uma ou várias leis permitem a elaboração de uma teoria. Isso, é claro, sem se tratar dos aspectos mais profundos do ato de teorizar. Teoria aqui é, portanto, somente resultante da experimentação.
A Ciência Moderna apresenta diferentes características em sua formação metodológica em relação à ciência antiga, é claro. Essas se tornam chaves para o entendimento daquela. Essas características são: a matematização, a funcionalidade, o caráter seletivo (o que define o método como indutivo), o caráter aproximativo (invenção e interpretação), o caráter progressivo (pois a ciência é um processo cumulativo) e a exatidão.
Sabidas as características, é bom ressaltar as diferenças que distanciam a Ciência Moderna de sua origem, a Filosofia Grega ou Clássica. Na verdade, não existiu de fato uma ciência grega. O mais próximo que eles chegaram foram algumas disciplinas ligadas à filosofia. A diferença mais marcante é que a Ciência Grega era qualitativa, enquanto a Moderna é quantitativa. Na primeira, também, as coisas e substâncias apresentavam um cunho metafísico de conhecimento. Além disso, a Ciência Grega voltava-se para a busca da causa e era mais antropocêntrica. Já a Moderna apenas constrói uma lei geral a partir de uma linguagem matematizada e é excêntrica.
Teoria, para a Ciência Moderna, resulta e depende exclusivamente de seu método. É vinculada às leis da natureza e aos resultados práticos de experiências. Além disso, é irreversível em relação às teorias anteriores (verdades do passado), que passam a serem chamadas de pré-ciência.
A concepção de teoria para a Ciência varia muito no tempo e também de acordo com os autores.
Na Matemática, que é uma ciência abstrata, já que na trabalha com objetos reais, a teoria é apenas um trabalho com as conjeturas, postulados e hipóteses feitos pelos seus estudiosos.
Já nas ciências Humanas, a formulação da teoria tem de ser mais aberta, pois o objeto de investigação desta é o próprio sujeito. Por isso, é complicado falar delas, já que não podem ser consideradas ciência propriamente dita e não têm resultados fixos. Ou seja, mais do que nas outras, nas ciências humanas fica cada vez mais claro que a teoria não é apenas uma questão lógica, mas principalmente antropológica. Vale dizer, nelas se reflete muito bem a complexidade do ato teórico.
II – SEGREDOS DA UNIDADE TEORIA/PRÁTICA
JUSTIFICATIVA DESTA ABORDAGEM
Para abordar a teoria num plano mais amplo, não se pode optar nem pela abordagem clássica e nem pela da Ciência Moderna.
A clássica não serve porque ela esqueceu-se do elemento fundamental do pensamento, ou seja, a síntese. Esse tipo de abordagem não atribui o caráter concreto ao elemento estudado, fazendo com que a teoria pareça apenas uma abstração de idéias.
Já a científico-experimental é o contrário da clássica. Prendeu-se muito ao objeto concreto e às experiências feitas com ele. Além disso, a Ciência praticamente esqueceu-se do homem, criando um ser mitológico que ela mesma não e capaz de domar, a não ser que ela peça ajuda para a filosofia. É por isso que esta última é chamada hoje para fazer críticas à ciência: para tentar redescobrir o homem que a tecnologia robotizou.
Talvez as Ciências Humanas pudessem nos ajudar mais. No entanto, ela ainda é considerada pelo autor muito imatura na sua intenção de estabelecer o discurso sobre o homem.
TEORIA E PRÁTICA NA “PRÁXIS”
A abordagem da teoria se prende a uma base antropológica: a teoria, a ação ou prática e a práxis. Para que se torne possível a melhor compreensão, é necessário ressaltar que esses três elementos são conceitos diferentes de um mesmo processo. É também necessário saber que a teoria e a abstração são coisas diferentes. A segunda é uma parte da primeira, mas não ela completa.
O homem é sempre o centro de todos os aspectos que envolvem o estudo da teoria. Ele, sua presença e sua ação no mundo. A ação do homem faz dele o próprio sujeito, pois transforma a natureza (já que toda a ação feita pelo homem não é advinda da prática pura, ou seja, feita sem a elaboração de uma teoria), transformando assim também a si mesmo.
Para falar em teoria é preciso buscar o significado cultural (antropológico) básico da questão, sem esquecer que esta relação implica uma dependência de fundamentação da teoria com relação à prática. Isso porque a prática é o fundamento da teoria.
Se a teoria não tem esse fundamento, ela é apenas uma abstração porque não ascendeu ao nível da ação, com isso, não avançou ao nível da práxis (esta última entendida como o coroamento da relação teoria/prática e só atingível aos humanos).
A prática, ao mesmo tempo em que é o pressuposto básico da teoria, ela não pode ser entendida separadamente da teoria, pois isso seria uma animalização das ações humanas. Do mesmo jeito, é impossível falar de teoria sem falar do aspecto teórico da prática, que corresponde mais ou menos à abstração.
Ao mesmo tempo em que não se pode separar uma da outra, elas mantêm uma autonomia. A teoria antecipa a prática, pois o homem é capaz de projetar uma prática antes de ela acontecer.
Com essas informações fica possível definir o que é práxis: é a prática objetivada pela teoria; a prática aprofundada por esta reflexão sobre a capacidade do ato teórico em antecipar idealmente a prática. O próprio sentido de unidade no interior da práxis já assimila a teoria na ação.
É óbvio que a prática é mais perceptível do que a teoria, já que é o dado concreto entre as duas. Contudo, não podemos cair no senso-comum de menosprezo à teoria.
Temos também que lembrar-nos dos aspectos ideológicos que interferem no ato teórico de cada um, já que o homem não teoriza a partir do nada.
O ato teórico estabelece-se a partir do que o homem é como um todo, entrelaçado em suas relações com o mundo.
OPINIÃO PESSOAL
A leitura do livro, embora um pouco cansativa, é muito didática e me mostrou uma visão muito interessante sobre o ato de pensar, ou, teorizar.
É interessante a introdução da teoria e da prática como coisas diferentes, mas fugindo do senso-comum de que a teoria é apenas a abstração. A obra de Otaviano Pereira me permitiu compreender que a teoria não é apenas o ato de pensar, mas também é o ambiente em que a prática se torna possível. E também que é graças à teoria que as ações de um ser humano são diferenciadas das ações de um animal não-humano, como o autor se refere, já que o primeiro é capaz de teorizar e, por consequência, de imaginar a prática antes de fazê-la de fato.
Outra parte que me chamou a atenção foi na qual Otaviano diz que o próprio homem se faz por meio de suas ações, e que só as pratica por ser quem ele é, se construindo, assim, o tempo todo por meio de seus atos.
*Acadêmica de Direito da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC