KANT, Emmanuel. Doutrina do direito. São Paulo: Ícone, 1993.
A teoria do direito é o conjunto de leis suscetíveis de uma legislação exterior. Assim, quando essa legislação existe, forma a ciência do Direito Positivo. A ciência do justo, entretanto, constitui-se unicamente pela simples ciência do Direito; a qual, por sua vez, convém ao conhecimento sistemático do Direito Natural – fonte dos princípios imutáveis de toda legislação positiva.
O Direito em si é aquilo que prescreve ou prescreveu as leis de determinado lugar ou tempo. Todavia, para saber se o que é prescrito pela lei é justo ou não, deve-se abrir mão dos princípios empíricos em detrimento de uma busca pelas origens desses juízos somente na razão, estabelecendo, desta forma, os fundamentos de uma legislação positiva possível. Para Kant, a ciência puramente empírica do Direito é como a cabeça das fábulas de Fedro –poderá ser bela, mas possui um defeito: o de carecer de cérebro.
A noção de direito, relativamente a uma obrigação correspondente, diz respeito à relação exterior e prática de uma pessoa com outra enquanto suas ações como fato possam ter uma influência sobre outras ações. Porém, essa noção não indica a relação do arbítrio com o desejo de outro, como nos casos de beneficência ou crueldade, mas, sim, a relação do arbítrio do agente com o arbítrio do outro. Além disso, nessa relação mútua de arbítrio, não se toma em consideração a matéria do arbítrio, ou seja, o fim a que cada um se propõe.
Segundo o Princípio Universal do Direito, “é justa toda ação que por si, ou por sua máxima, não constitui um obstáculo à conformidade da liberdade do arbítrio de todos com a liberdade de cada um segundo leis universais”. Dessa forma, a moral exige que todos adotem por máxima o conformar as próprias ações ao direito. Assim sendo, a lei universal do direito pode ser resumida da seguinte forma: age exteriormente de modo que o livre uso de teu arbítrio possa se conciliar com a liberdade de todos.
Para Kant, tudo o que é injusto contraria a liberdade. Assim, quando algum uso dessa liberdade constitui um obstáculo à própria liberdade, ou seja, é injusto; a resistência que objetiva fazer ceder este obstáculo é justa. Nesse contexto, o direito é inseparável, segundo o princípio de contradição, da faculdade de obrigar ao que se opõe ao seu livre exercício.
O direito tem por objeto aquilo que se reporta aos atos exteriores, em outras palavras, o direito estrito exige somente os princípios exteriores de determinação para o arbítrio, sem qualquer mescla de preceitos morais. O direito estrito está fundado, portanto, na consciência da obrigação de todos, segundo a lei; e deve se apoiar na idéia de que a força que se estende a todos pode subsistir com a liberdade geral. Assim, o direito e a faculdade de obrigar são a mesma coisa.
A lei de uma obrigação mútua que se conforma necessariamente com a liberdade de todos é a construção de uma noção do direito, ou seja, sua exposição numa instituição pura a priori. Esta construção do direito fundamenta-se, assim, na noção de uma obrigação igual, mútua, universal, em conformidade com a noção de direito e submetida a uma regra geral.
Direito público é o conjunto das leis que surgem a partir da necessidade de formação de um estado jurídico, no qual um povo, isto é, uma multidão de homens, ou uma multidão de povos se reúnem sob uma influência única. Este estado de relação mútua dos particulares reunidos num povo chama-se estado civil, e a totalidade desse estado em relação aos seus próprios membros chama-se cidade.
Kant define, portanto, a coisa pública como a cidade, a qual mantém os cidadãos unidos em torno do interesse comum de constituição de um estado jurídico. Uma nação, por sua vez, é um povo com relação a outro, devido a sua pretensão à união hereditária.
Sendo assim, pela noção geral de direito público, não há unicamente o direito da cidade; um direito das nações também existe. Este divide-se em dois pontos de vista: o direito das gentes e o direito cosmopolítico ou de cidadão do mundo.
Não podemos tomar da experiência o fato de que os homens têm por máxima a violência e que sua maldade os leve a um estado de guerra antes da constituição de um poder legislativo exterior. A idéia racional a priori deste estado não-jurídico implica a da falta de segurança contra a violência antes de os homens terem se reunido em povos, os povos em Estado e os Estados numa grande nação.
Assim sendo, o primeiro princípio que deve ser decretado, se o homem não quer renunciar a todas as suas noções de direito, é a formação de um estado civil. Para isso, o homem deve sair do estado natural, onde cada um age somente com o objetivo de sua satisfação pessoal, de acordo com seus próprios caprichos, e convencionar com todos os demais em submeter-se a uma limitação exterior, publicamente acordada, e, desta forma, entrar num estado em que tudo o que deve ser reconhecido como bem de cada pessoa é determinado por um poder exterior.
Se antes de entrar no estado civil não se quisesse reconhecer nenhuma aquisição como legítima, nem provisoriamente, este estado seria, por sua vez impossível. Porque no que se refere à forma, a leis contêm sobre o Meu e o Teu no estado natural o que prescrevem no civil concebido somente segundo as noções da razão pura. Existe, todavia, a exceção de que no estado civil se dão as condições segundo as quais deve ser executada a lei natural de conformidade com a justiça distributiva. Se não houvesse Meu e Teu exterior no estado natural, ao menos provisoriamente, não haveria nenhum dever de direito sobre esta relação, nem, portanto, nenhuma obrigação de sair desse estado.
Uma cidade é a reunião de um número maior ou menor de homens sob leis de direito. Quando estas, como leis a priori, são necessárias; em outras palavras, derivam espontaneamente da noção do direito exterior, a forma da cidade é de uma cidade em geral, ou seja, a cidade em idéia, como deve ser segundo os princípios de direito puro.
Cada uma destas cidades encerra em si três poderes: o poder do soberano na pessoa do legislador; o poder executivo na pessoa do governo e o poder judicial na pessoa do juiz.
Os membros reunidos de uma sociedade civil ou, melhor, de uma cidade para a legislação, são os cidadãos. Estes são “constituídos” unicamente pela faculdade do sufrágio, a qual supõe no povo a independência daquele que quer não só fazer parte da república, mas também ser membro ativo, isto é, tomar parte na comunidade por sua própria vontade. Desta forma, àqueles que são simples operários da coisa pública – por serem mandados e protegidos por outros indivíduos – e não gozam de nenhuma independência civil, nomeia-se cidadãos passivos.
Não obstante, esta dependência com relação à vontade do outro não é oposta à liberdade e à igualdade daqueles que, como homens, formam juntos um mesmo povo. Consiste em um direito inegável destes cidadãos dependentes o fato de que as leis positivas que votam, qualquer que seja o seu objeto, não sejam mais contrárias à liberdade natural e a essa igualdade proporcional de todos no povo que permite a cada um trabalhar para elevar-se da condição passiva à condição ativa.
O contrato primitivo é o ato pelo qual o povo se constitui em uma cidade. Através dele, todos se desprendem de sua liberdade exterior diante do povo para tornar a recobrá-la na qualidade de membros de uma comunidade ou do povo como cidade. Assim, não se pode dizer que um homem em sociedade tenha sacrificado a um objetivo uma parte de sua liberdade exterior natural; e sim que deixou inteiramente sua liberdade selvagem e sem freio para encontrar toda a sua liberdade no estado jurídico.
A respeito dos já mencionados três poderes das cidades, considerados em sua dignidade, deve-se dizer que a vontade do legislador – com respeito ao que se reporta ao Meu e ao Teu exterior – é irrepreensível; que o poder executivo do governo é irresistível e que a sentença do juiz supremo é sem apelação.
Nesse contexto, o governador do Estado é a pessoa – moral ou física – que está investida do poder executivo; é o agente do Estado – institui os magistrados, dá ao povo as regras segundo as quais cada um possa adquirir ou conservar alguma coisa no estado conforme a lei.
O legislador ou preceptor do povo é aquele de quem deve proceder todo direito, em outras palavras, é aquele que possui a incumbência de fazer as leis. A despeito disto, ele está, também, submetido à lei, é obrigado por ela; está, portanto, submetido à virtude de outro, do soberano.
O povo julga a si mesmo através dos juízes. Estes são cidadãos livremente eleitos e que funcionam como representantes do povo.
Conclui-se, portanto, que uma cidade tem sua autonomia, isto é, conserva-se segundo as leis de liberdade através destes três poderes diferentes – potestas legislatoria (legislativo), executoria (executivo) e judiciária (judiciário).
Segundo Kant, a origem do poder supremo é inescrutável, sob o ponto de vista prático, para o povo submetido a ele. Em outras palavras, o súdito não deve raciocinar praticamente sobre essa origem. Não devemos, portanto, questionar se houve ou não um contrato primitivo, uma vez que para o povo – que já está submetido à lei civil – esta interrogação são disputas vãs e perigosas para o Estado. Em suma, é preciso obedecer ao poder legislativo atual, não importa qual sua origem.
Assim, não pode haver na Constituição artigo que conceda a um poder do Estado ou aos súditos o direito de se opor ao soberano no caso de este violá-la. O povo, portanto, tem o dever de suportar até o abuso do poder do soberano, visto que um estado jurídico somente é possível pela submissão à vontade universal legislativa. A sublevação contra o poder legislativo soberano deve sempre ser considerada como contrária à lei, e mesmo como subversiva de toda constituição legal. Para que a sublevação fosse permitida, seria preciso haver uma lei pública que a autorizasse. Mas, neste caso, a legislação suprema encerraria em si uma disposição segundo a qual não seria soberana, e o povo, como súdito, num mesmo e único juízo se constituiria soberano daquele a quem está submetido, o que é contraditório.
A alteração de uma constituição pública só pode ocorrer, desta forma, através do próprio soberano, por meio de uma reforma e não por meio do povo; não pode ser feita, então, por meio da revolução.
A vontade universal do povo se reúne para a formação de uma sociedade que deve ser conservada perpetuamente e que se submete ao poder público interno, para conservar seus membros.
O direito do soberano no Estado tem por objeto: 1) a distribuição dos empregos como missão assalariada; 2) as dignidades que são somente honoríficas como elevação de condição, sem salário algum, isto é, a hierarquia dos superiores com relação aos inferiores e; 3) o direito de punir (direito relativamente benéfico).
Nenhum homem pode carecer, no Estado, de toda a dignidade, porque teria, pelo menos, a de cidadão; exceto quando a haja perdido por algum crime e esteja no número dos vivos convertidos no puro instrumento da vontade de outro.
Ninguém pode, por meio de um contrato, obrigar-se a uma dependência pela qual cesse de ser uma pessoa; porque somente na qualidade de tal pessoa pode-se contratar.
Os elementos do direito das gentes: a) as cidades, os Estados considerados em suas relações mútuas externas (como os selvagens sem lei) estão naturalmente num estado não-jurídico; b) o estado não-jurídico é um estado de guerra (do direito do mais forte) ainda que não haja na realidade sempre guerra e sempre hostilidade; c) é necessário que haja um pacto internacional concebido segundo a idéia de um contrato social primitivo e pelo qual os povos se obriguem respectivamente a não se intrometerem nas discórdias internas de uns e outros, porém, garantindo-se mutuamente dos ataques estrangeiros; d) a aliança não deve supor nenhum poder soberano, mas somente uma Federação, à qual se possa renunciar sempre e que deve ser renovada de tempos em tempos.
A lesão ativa, isto é, a primeira agressão de um povo contra o outro dá a este último o direito de fazer a guerra (meio lícito de sustentar seu direito pela força) contra o primeiro; em outras palavras, exigir satisfação e usar de represália, sem buscar reparação por vias pacificas.
O direito depois da guerra, ou seja, no momento do tratado de paz e com relação às conseqüências deste tratado, consiste na imposição, feita pelo vencedor, das condições sob as quais costumam ser celebrados os tratados e a paz com os vencidos.
O direito da paz consiste em: 1) o direito de permanecer em paz se houver guerra em território próximo, ou o direito da neutralidade; 2) obter segurança a partir da continuação da paz acordada, ou seja, o direito de garantia; 3) a união mútua para a garantia de vários Estados, para a defesa em comum contra estrangeiros ou contra os movimentos internos que pudessem ocorrer; porém não houve uma aliança ofensiva e de engrandecimento exterior.
Assim, o fim último de todo direito de gentes é a paz perpétua.
A idéia racional de uma comunidade pacífica perpétua de todos os povos da Terra, entre os quais podem ser estabelecidas relações é um princípio de direito e não um princípio filantrópico (moral).
O direito cosmopolítico é a união possível de todos os povos, com relação a certas leis universais de seu comércio possível.
BOBBIO, Norberto. Positivismo jurídico. São Paulo: Ícone, 1995.
As características fundamentais do positivismo jurídico podem ser resumidas sete pontos:
1) Modo de abordar o direito: o positivismo jurídico considera o direito como um fato e não como um valor. Assim o jurista deve estudar o direito abstendo-se de todos os julgamentos, estudando-o como são estudadas as ciências naturais, de modo empírico.
2) Definição do direito: o juspositivismo define o direito em função do elemento de coação. Teoria da coatividade do direito (as normas são feitas valer por meio da força).
3) Fontes do direito: o positivismo afirma a teoria da legislação como fonte preeminente do direito. Aponta o problema das outras fontes, mas essas não desaparecem totalmente, existindo ainda uma relação entre os costumes e a lei.
4) Teoria da norma jurídica: considera a norma um comando, formulando a teoria imperativista do direito, esta se divide em subgrupos. Há o problema das normas permissivas, ou seja, manifestam em menor grau a natureza imperativa do direito; e, enfim, trata-se de estabelecer a quem é dirigido o comando.
5) Teoria do ordenamento jurídico, que considera não a estrutura tomada isoladamente, mas dentro de um conjunto de normas vigentes numa sociedade. Ainda sustenta a teoria da coerência e da completitude, na primeira não podem existir duas normas que se contradigam, na segunda o juiz pode a partir da norma extrair um regula decidendi para resolver qualquer caso, isso exclui a existência de lacunas no direito.
6) Método da ciência jurídica: apresenta a teoria da interpretação mecanicista, que na atividade do jurista faz prevalecer o elemento declarativo sobre o produtivo ou criativo do direito.
7) Teoria da obediência: sustentam a obediência absoluta as leis (lei é lei).
O positivismo jurídico nasce do esforço de transformar o estudo do direito numa verdadeira e adequada ciência que tivesse as mesmas características das ciências físico-matemáticas, naturais e sociais. Sendo a característica principal da ciência a avaloratividade, isto é, na distinção entre juízos de fato e juízos de valor; excluem-se os juízos de valor, consistindo apenas nos juízos de fato.
O juízo de fato é uma tomada de conhecimento da realidade, tendo a finalidade de apenas informar outro, já o juízo de valor é uma tomada de posição frente a realidade, tendo o objetivo de influenciar outro. A ciência exclui os juízos de valor pois deseja ser um conhecimento puramente objetivo da realidade. O positivismo jurídico passa a representar o estudo do direito então como um fato e não como valor, tendo assim como objeto do direito apenas o direito que realmente se manifesta na realidade histórico-social.
A validade da norma indica a qualidade da norma, segundo a qual existe na esfera do direito, existe como norma jurídica. O valor do direito indica a qualidade da norma em relação ao direito ideal (síntese de valores nos quais o direito deveria se inspirar).
O campo da ciência jurídica deve deter-se na formulação de juízo de validade do direito, isto é, a assegurar sua existência jurídica. Isso fica clara na distinção de juízo de validade e juízo de valor e não caso particular do direito ao juízo de fato e juízo de valor.
A filosofia do direito é um estudo do direito do ponto de vista de um determinado valor, com base no qual se julga o direito do passado e tenta-se influir no direito vigente. Os positivistas acabam por não aceitar as definições filosóficas do direito porque estas (introduzindo uma qualificação valorativa que distingue o direito em verdadeiro e aparente, segundo satisfaça ou não um certo requisito deontológico) restringir arbitrariamente a área dos fenômenos sociais que, empírica e factualmente, são direito.
Uma definição ontológica do direito é factual, ou seja, a lei indica somente uma realidade factual, um comando. Já na deontológica o direito é um ordenamento que serve para conseguir certo valor. Esse valor varia de filósofo para filósofo. Com Marsílio de Pádua (pensador medieval) podemos encontrar a primeira definição neutra (segundo Bobbio), para Marsílio o que é justo não é de per si o próprio direito; o justo não é requisito essencial da lei, visto que a ausência de justiça não exclui a juridicidade da norma; o justo serve pra distinguir não tanto a lei da não-lei, mas sim a lei perfeita da imperfeita, isto é, a justiça incide sobre o valor e não sobre a juridicidade da lei. Uma definição avalorativa do direito seria: “é a técnica social que consiste em obter a desejada conduta social dos homens mediante a ameaça de uma medida de coerção a ser aplicada em caso de conduta contrária”.
A escola realista do direito apesar de ser uma escola positiva aponta como insuficiente a definição do direito baseado apenas na sua validade, mas devemos também considerar a sua eficácia. Os positivistas consideram o fenômeno jurídico como um dever ser, considerando assim o direito como realidade normativa, por outro ponto de vista, os realistas consideram como um ser, considerando o direito como uma realidade factual. A partir do fenômeno jurídico podemos analisar a diferença do positivismo e do realismo partindo do modo diverso de individualizar a fonte do direito. O primeiro como ordem posta e com validade e o segundo como ordem posta com validade e eficácia. Tanto o positivismo jurídico e o realismo são antiideológicos, não fazem referencias a valores que poderiam ser próprios do direito, sendo assim ambas podem ser consideradas positivas.
A característica fundamental das definições positivistas é que procuram estabelecer o que é o direito prescindindo de seu conteúdo. Qualquer tentativa de definir o direito Por seu conteúdo fracassará, pois não existe matéria que historicamente o direito já não tenha regulado ou que não poderá vir a regular.
Definir o direito exclusivamente em função da sua estrutura formal, prescindindo completamente de seu conteúdo é chamado de formalismo.
Há o formalismo ético que é a concepção própria do positivismo jurídico, a ação justa consiste pura e simplesmente no cumprimento do dever imposto pela lei.; e, também, o formalismo cientifico que é a concepção da ciência jurídica que dá relevo predominante à interpretação lógico-sistemática.
O Positivismo Jurídico pode ser considerado por três aspectos: 1) Um certo modo de abordar o estudo do direito 2) Uma certa teoria do direito 3) uma certa ideologia do direito. Este Positivismo nasce do esforço de transformar o estudo do direito numa verdadeira e adequada ciência que tivesse as mesmas características das ciências físico-matemáticas, naturais e sociais. Sua característica fundamental se concentra na avaloratividade, ou seja, a distinção entre juízos de fato e juízos de valor e na rigorosa exclusão destes últimos do campo científico: a ciência consiste somente em juízos de fato. Enquanto o juízo de fato representa uma tomada de conhecimento da realidade com a finalidade simples da informação, o juízo de valor representa uma tomada de posição frente à realidade, visto que este não possui a finalidade de informar, mas sim a finalidade de influir no outro, aliciá-lo, fazê-lo seguir as minhas escolhas e prescrições. Assim, a ciência exclui-se do ramo dos juízos de valor porque deseja ser uma ciência objetiva da realidade, formulando conhecimento puramente objetivo enquanto os juízos tratados são fundamentalmente pessoais e subjetivos contrariando a exigência da objetividade.
Nos tempos atuais, admite-se o estudo do direito respaldado numa concepção cientifica puramente experimental (mecanicista). O Positivista estudo o direito como ele é, e não como ele deveria ser, estuda o direito como fato e não como valor. Dessa forma, não se preocupa em indagar sobre um direito ideal, restringindo sua esfera de trabalho apenas ao direito real, seu objeto da ciência encontra-se na realidade histórico-social. Neste ponto há conflito do juspositivismo com o jusnaturalismo, este que admite um estudo do direito sempre baseado no ponto de vista de como o direito deveria ser, o ideal (Direito Natural).
A fim de esclarecer a contraposição entre o juspositivismo e o jusnaturalismo introduzem-se dois conceitos: a validade do direito e o valor de direito.
A validade da norma jurídica indica sua qualidade segundo qualidade existente na esfera do direito. Dizer que a norma é válida, é dizer que faz parte de um ordenamento jurídico real, efetivamente existente numa dada sociedade.
O valor da norma jurídica indica a qualidade pela qual esta é conforme o direito ideal (síntese de todos os valores fundamentais inspiradores do direito). Então, dizer que uma norma jurídica é válida ou justa significa ela corresponde ao direito ideal.
Para que uma norma seja válida deve antes ser valorosa (justa) segundo a teoria jusnaturalista. Porém nem todo o direito existente é justo portanto nem todo direito é válido. Isso evidencia a correlação estrita de validade a valor, reduzindo a primeira à segunda.
Há, porém, uma visão extrema positivista que afirma ser o valor subordinado a validade. Existiriam normas válidas injustas e normas justas e inválidas (o Direito Natural) o que justificaria as ações do soberano em Hobbes. Contudo não é uma posição aceita pela maioria dos estudiosos devido ao seu nível de perigo. No âmago dessa situação a questão se resolve na divergência entre o juízo de fato e o juízo de valor. Dizer que um direito é válido implica num juízo de fato na medida em que serve somente para comunicar informação aos cidadãos, juizes, sociedade, etc. Em contraposição dizer que um direito é justo ou injusto incide pontualmente nos juízos de valor. O conceito de justo e injusto influi no comportamento dos cidadãos fazendo com que obedeçam ou, respectivamente, desobedeçam ao direito. O campo de atuação da Ciência Jurídica se restringe apenas a formular um juízo de validade do direito, isto é, assegurar a sua existência jurídica – o Ciência Jurídica é avalorativa.
Um fator que veio a servir de separação entre a ciência do direito e a filosofia do direito foi a valoração e a validade. Assim fica a encargo do filósofo do direito não apenas discutir sobre o empirismo dessa ciência, mas transcender esse ponto e investigar o fundamento, a justificação. A filosofia do direito o estudo do ponto de vista de um valor, com base no direito passado e o que este pode influir num futuro.
Daí deriva-se duas definições do direito:
· Definições factuais, ou avalorativas, ou ontológicas – definem o direito tal como ele é; (SER)
· Definições ideológicas, ou valorativas, ou deontológicas – definem o direito tal como deve ser para satisfazer um certo valor; (DEVER SER)
Os juristas negam as definições filosóficas à medida que estas introduzem uma definição valorativa cerceando o direito à dois currais: o direito aparente e o direito verdadeiro. Essa divisão arbitrária restringe a área de fenômenos sócio-jurídicos que de modo empírico e factual são direito.
As definições valorativas caracterizam-se por possuir uma estrutura teleológica definindo o direito como um ordenamento que serve para conseguir um certo valor, este facultativo de filosofo para filosofo.
Nesse cenário histórico apercebe-se a diferente evolução da valoração do direito, sendo a primeira encontrada na Grécia Antiga em Aristóteles definindo direito em função da justiça.
Adiante, São Tomás de Aquino vem defender um direito como um bem comum. Essa definição possui um caráter extremamente deontológico visto que a lei possui um fim particular, o bem comum. Com isso, a lei de um tirano quoad exercitium não seria uma lei verdadeira, pois atenderia somente aos interesses individuais do tirano e não do bem comum.
Kant também conceitua o direito no campo valorativo deste. Para ele o direito é definido em função de uma liberdade individual, a liberdade externa como ausência de impedimento – liberdade que o Estado deve garantir através do ordenamento jurídico. Portanto, aqueles ordenamentos que não garantem a liberdade do individuo é negado o caráter da juridicidade. Uma corrente recente das idéias de Kant se encontra em Piovani com a individualidade humana: “O direito é a atividade dirigida à criação de meios capazes de impedir, atentados à expansão da individualidade que se realiza no mundo histórico” (PIOVANI, 1958).
As definições avalorativas são aquelas que dão uma definição de direito factual. Marsílio de Pádua, um pensador medieval, fez uma clara distinção entre as definições deontológicas e ontológicas chegando por fim a afirmar a lei como manifestação única de um direito ontológico avalorativo-factual.
“A lei pode… ser considerada de dois modos. No primeiro, pode ser considerada em si (caráter deontológico; valorativo), enquanto mostra somente o que é justo ou o que é injusto, vantajoso ou nocivo… Pode-se, em seguida, considerar a lei ainda de um outro modo (ontológico, avalorativo), segundo o qual pela sua observância é dado um preceito coativo ligado a uma punição ou a uma recompensa serem atribuídas neste mundo, ou segundo seja derivada de um tal preceito; e somente quando é considerada deste último modo é chamada de ‘lei’ e o é propriamente” (PÁDUA, Marsílio, trad.it., UTET, 1960).
Segundo Pádua a lei no primeiro sentido indica o que é justo ou injusto e no seu segundo sentido indica apenas uma realidade factual, um comando do Estado que se faz valer coativamente. Ele propõe três postulados para o direito:
1. O que é justo não é de per si o próprio direito;
2. O justo não é um requisito essencial da lei, visto que a ausência da justiça não exclui a juridicidade da norma;
3. O justo serve para distinguir não tanto a lei da não-lei, mas sim a lei perfeita da lei imperfeita, isto é, a justiça incide não sobre a juridicidade, mas sobre o valor lei;
As leis, desta forma, quando não emanadas mediante um comando, mesmo se, em seguida, um tal conhecimento verdadeiro seja certamente necessário para haver uma lei perfeita. Pádua foi o primeiro autor a estabelecer um direito neutral ligado ao poder soberano e àquela expressão típica desse poder, que é a coerção. Kelsen, neste intuito, enuncia que o direito é a técnica social que consiste em obter a desejada conduta social dos homens mediante a ameaça de uma medida de coerção a ser aplicada em caso de conduta contrária. Há aí uma definição depurada de todo elemento valorativo e todo termo que possa ter uma ressonância emotiva. O direito é definido como uma simples técnica. Serve à realização de qualquer propósito ou valor, porém é independente de todo propósito e de todo valor.
Enquanto o positivismo jurídico destaca o direito como ciência que aceita o elemento único da validade em sua definição, não introduzindo a idéia de eficácia nesse conceito, uma doutrina aceita por outra escola chamada de escola realista do direito anexa ao direito este tema. Para esta escola seria insuficiente a definição do direito baseada no requisito único da validade, sendo necessário, introduzir o tal requisito da eficácia. O direito seria uma realidade social, uma realidade de fato, sendo sua função ser aplicado. Logo, uma norma que não seja aplicada não é direito. Em suma, o direito é o conjunto de regras que são efetivamente seguidas numa determinada sociedade.
No ato de distinção dessas duas escolas contrárias tem-se a consideração de cada uma delas sobre o fenômeno jurídico. Para os juspositivistas o direito é visto pelo ângulo visual do dever ser, considerando assim o direito como uma realidade normativa; os realistas enfocam o direito do ângulo visual do ser, considerando assim o direito como uma realidade factual.
A diversidade entre o positivismo e o realismo jurídico pode ser analisada a partir do modo diverso o qual as duas escolas individualizam a fonte do direito.
Segue-se um problema comum as duas escolas. O problema em analisar uma fonte do ponto de vista da validade (dever ser) ou da eficácia (ser) está na seguinte pergunta: Qual é o verdadeiro ordenamento jurídico? Existe uma controvérsia em significar o direito como sem o imposto pelo legislador, embora não aplicado pelos juizes, ou o dos juizes, embora não sendo conforme às normas postas pelo legislador. Os realistas tentaram resolver esse problema alegando que a segunda proposição seria a verdadeira, o direito dos juizes. Assim as normas que procedem do legislador, mas não chegam ao juiz, não são direito, mas um mero flatus vocis. Decorre desta idéia inúmeras definições de outros autores. Para Kantorowicz o direito seria o conjunto de regras da conduta externa, de cuja aplicação o juiz está encarregado. Posteriormente o mesmo autor criaria a característica primordial do direito: justiciable (suscetível de ser aplicado por um órgão judiciário com um procedimento bem definido).
Se formos elencar entre o positivismo jurídico e o realismo jurídico um ponto em comum, mesmo sendo elas definições anti-ideológicas, definições que não fazem referência a valores ou fins que seriam próprios do direito, ambas poderiam ser qualificadas como definições positivistas (em sentido lato). As mesmas procuram estabelecer o que o direito prescindindo de seu conteúdo, vale dizer, da matéria por este regulada; isto porque o conteúdo do direito é infinitamente variado.
Qualquer tentativa de definir o direito em relação ao seu conteúdo estaria fadada ao fracasso, porque não existe matéria que o direito não tenha historicamente regulado ou não possa num eventual futuro regular – até que a limitação do direito a disciplina exclusiva das relações externas (como faz Kantorowicz na primeira de suas duas definições1) pudesse ser desmentida por uma sociedade do tipo daquela imaginada por George Orwell, onde um Estado supertotalitário controla até mesmo os pensamentos e os sentimentos dos súditos.
Analisando o conteúdo das normas jurídicas, em sua referencia faz-se somente uma afirmação: o direito pode disciplinar todas as condutas humanas possíveis, isto é, todos os comportamentos que não são nem necessários, nem impossíveis; e isto precisamente porque o direito é uma técnica social, que serve para influir na conduta humana. Ora, uma norma que ordene um comportamento necessário ou proíba um comportamento impossível seria supérflua e uma norma que ordene um comportamento impossível ou proíba um comportamento necessário seria vã.
Este modo de definir o direito pode ser chamado de formalismo jurídico; a concepção formal do direito define portanto o direito exclusivamente em função da sua estrutura formal, prescindindo completamente do seu conteúdo – isto é, considera somente como o direito se produz e não o que ele estabelece.
Das diferentes acepções do formalismo atualmente cria-se um paradigma. A diferença entre o formalismo cientifico e o ético para os quais estes são empregos na linguagem jurídica.
Entende-se como formalismo jurídico a concepção que dá abrangência predominante à interpretação lógico-sistemática, teleológica, como na escola da exegese.
Entende-se por formalismo ético a concepção segunda a qual a ação justa consiste pura e simplesmente no cumprimento do dever imposto pela lei, qualquer que seja esta, qualquer que seja seu conteúdo (também entendida por concepção legalista da moral)2.
Bruno Crasnek Luz, 20, acadêmico da 7ª fase do curso de graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina, é estagiário da assessoria do Gabinete do Juiz Substituto de 2º Grau Henry Petry Junior, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Foi bolsista de Iniciação Científica pelo programa PIBIC/CNPq entre 2005 e 2007.
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