Direito Ambiental

Responsabilidade criminal por danos ao meio ambiente

Otávio Goulart Minatto*

 

                  

 

1 Introdução

 

O direito penal ambiental busca a prevenção do meio ambiente através da punição de toda e qualquer conduta que ponha em risco este bem jurídico. O norte do direito penal ambiental é o princípio do poluidor-pagador, segundo o qual será responsabilizado, e deverá reparar o dano provocado, todo aquele que coloca em risco a composição ambiental.

 

 

2 Importância da Tutela do Ambiente

 

Na tutela de qualquer direito, o direito penal é visto como a ultima ratio para a proteção desses interesses. Em relação aos direitos ambientais, que abrangem toda coletividade, o pensamento deve ser o mesmo, se não o maior. O direito penal ambiental é de suma importância, pois é através dele que se garante a não agressão ao patrimônio que garante a vida humana no planeta.

 

 

3 A Tríplice Responsabilização

 

A Constituição da República Federativa do Brasil optou por, devido ao fato do dano ambiental atingir tão gravemente a coletividade, não limitar a punição ao âmbito ambiental, mas também estendê-lo ao civil e penal. As três esferas que envolvem o dano ambiental constituem o princípio da tríplice responsabilização.

 

 

4 Panorama Geral do Direito Penal Ambiental

 

A legislação ambiental ainda não se encontra condensada num único dispositivo legal. Atualmente, há uma série de leis que disciplinam parte deste grande assunto. Os tipos penais ambientais encontram-se, atualmente, nos seguintes dispositivos: Lei n. 9.605/98; Lei n. 8.974/95 (Lei do Patrimônio Genérico); Lei n. 7.802/89 (Lei dos Agrotóxicos); Lei n. 7.643/87 (Lei de Proteção aos Cetáceos); Lei n. 6.766/79; Lei n. 6.453/77 (Lei sobre atividades nucleares); Lei n. 4.771/65 (contravenções remanescentes contra a flora); e Decreto Lei n. 3.688/41 (Lei de Contravenções Penais).

 

 

5 A Lei dos Crimes Ambientais (Lei n. 9.605/98)

 

A LCA dispõe sobre infrações penais e administrativas lesivas ao meio ambiente. Porém tais sanções não são muito elevadas. Todas admitem a substituição por pena restritiva de direito.

 

 

6 Co-autoria e Participação na Lei dos Crimes Ambientais

 

O art. 2º da LCA dispõe sobre as diversas formas de concurso da prática delituosa. Repete-se a teoria monista presente no CP, segundo a qual é possível a prática de um ato criminoso por mais de uma pessoa mesmo que não haja nexo psíquico entre eles.

 

Tal disposição apresenta como novidade a introdução do que se diz respeito ao crime comissivo por omissão. É possível, agora, responsabilizar o direitos, administrador ou qualquer outro membro do conselho de certa empresa por ter ciência da atividade criminosa desta e não ter tomado nenhuma atitude quanto a isto.

 

 

7 Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica

 

 

 O art. 3º estabelece a possibilidade de se responsabilizar pessoas coletivas. Essa nova regra representou uma melhor punição aos verdadeiros infratores, pois, ao responsabilizar a pessoa jurídica, a imagem negativa criada sobre ela é muito prejudicial. Antigamente as empresas violavam as disposições legais e responsabilizavam algum subalterno, ficando sua imagem desvinculada do crime cometido. Agora, com a vinculação, a empresa sofre grande marketing negativo, que pode refletir em má aceitação pelo público geral. Com isto, as empresas passaram a ter mais cuidado para com os dispositivos legais.

 

 

O Tribunal de Justiça do Estado, por intermédio da 4ª Câmara Criminal, reforçou essa tendência de receber denúncia contra pessoa jurídica. No voto condutos está transcrito: “Concluindo, resta claro que as condutas lesivas ao meio ambiente podem sujeitar as pessoas jurídicas a sanções penais. Isto porque ela ‘tem vontade própria, vontade esta exteriorizada pela vontade de seus sócios, pois os atos praticados pelos sócios em prol da empresa, constituem-se em atos praticados pela empresa e por isso passíveis de responsabilização a qual será cumulada com a responsabilização dos agente físicos que agiram em prol da pessoa jurídica’”.

 

Há certa discussão se a responsabilidade da pessoa jurídica é ou não aferida constitucionalmente. Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça pronunciou-se sobre o assunto no Recurso Especial n. 564.960-SC, entendendo que “se a pessoa jurídica tem existência própria no ordenamento jurídico e pratica atos no meio social através da atuação de sés administradores, poderá vir a praticar condutas típicas e, portanto, ser passível de responsabilização penal. A culpabilidade, no conceito moderno, é a responsabilidade social, e a culpabilidade da pessoa jurídica, neste contexto, limita-se à vontade do seu administrador ao agir em seu nome e proveito […]”.

 

 

7.1 Principais argumentos contra a responsabilidade penal das pessoas jurídicas

 

1 – Não poderia haver responsabilidade penal sem culpa.

 

CONTRA: Este argumento é falso porque não há no direito penal clássico estabelecimento satisfatório quanto ao assunto, pois trabalha somente com a responsabilidade individual. Sendo a responsabilidade da pessoa jurídica social, o enfoque ao instituto deve ser outro. Paulo José da Costa Júnior afirma que o princípio societas delinquere non potest vem sendo erroneamente utilizado, pois “esse fenômeno, de que se vem tomando consciência, determina várias tentativas de liberar o Direito Penal societário do caráter personalista da responsabilidade penal, para que se dê vida a uma forma anômala de responsabilidade penal das empresas, de natureza direta ou indireta”.

 

2- Tendo em vista o princípio da personalidade da pena, não é possível punir a pessoa jurídica.

 

CONTRA: Este argumento não representa uma impossibilidade real da responsabilização da pessoa jurídica. Se for ela que cometeu o ato, ela que irá responder. Não se está indo além da figura do autor. É inválido dizer que responsabilizar a pessoa jurídica atinge terceiros, pois não são os sócios da pessoa jurídica que são atingidos, mas sim somente ela como um todo.

 

3 – As pessoas jurídicas jamais seriam passíveis de apenamento com privação de liberdade.

 

CONTRA: Existe uma série de sanções específicas para as pessoas jurídicas que as pune de forma efetiva sem desconsiderar sua “situação” peculiar.

 

4 – Há impossibilidade de fazer a pessoa jurídica “arrepender-se” por ela ser desprovida de vontade.

 

CONTRA: A imagem negativa gerada pela sanção tem força suficiente para fazer com que a pessoa jurídica “arrependa-se”.

 

 

7.2 Requisitos para configuração da responsabilidade penal das pessoas jurídicas

 

1 – O benefício deve ser somente em relação à pessoa jurídica, não de seus membros. Se for constatado que algum sócio utilizou-se da empresa para infringir disposições legais para beneficiar exclusivamente a si, ocorrerá a desconsideração da pessoa jurídica, respondendo aquele sócio individualmente.

 

2 – Deve existir vínculo entre o ato praticado e a atividade da empresa. O delito praticado sem a menor relação com o que a empresa faz é uma clara evidência ocultação da pessoa real atrás do véu da pessoa jurídica.

3 – Deve haver vínculo entre a empresa e o autor material do delito. Não se pode atribuir a uma empresa o delito praticado por pessoa que não tenha nenhuma relação civil com ela.

4 – O delito deve ser praticado utilizando-se dos recursos da empresa. Assim fica caracterizada a “participação” da empresa, pois se não houvesse tais recursos, o crime não seria praticado.

5 – O delito deve ter sido deliberado por toda a diretoria da entidade. Se por só um dos membros, ficará clara a intenção deste de beneficiar-se exclusivamente.

 

 

7.3 Responsabilidade penal das pessoas jurídicas de direito público

 

Esta questão não é nova nem pacífica. A responsabilização penal de pessoas jurídicas de direito público representa uma auto-punição do Estado, o que não faz muito sentido.

 

A Lei n. 9.605/96 não veda expressamente a criminalização de pessoas jurídicas de direito público, porém as sanções estabelecidas na legislação impossibilitam tal responsabilização. O art. 3º, da LCA, por exemplo, impõe que o crime deve ser cometido “no interesse ou benefício da sua entidade”. Como os órgãos públicos representam a sociedade, o interesse que representam é o geral, não podendo ser este o que leva a entidade a cometer o delito. Ademais, responsabilizar tal pessoa jurídica seria punir, indiretamente, a sociedade, o que não faz o mínimo sentido.

 

Quando um ente público comete delito ambiental quem deve ser responsabilizado são os membros diretos, individualmente, porque o interesse que os faz cometer tais crimes não é o da empresa, mas sim os seus próprios.

 

 

8 Responsabilização penal da Pessoa Jurídica e co-autoria

 

O delito praticado por pessoa jurídica ocorre sempre com co-autoria, pois pra ele ter sido feito é necessário que haja participação de pelo menos uma pessoa física, deliberando o ato.

 

 

9 Desconsideração da pessoa jurídica

 

Desconsidera-se a pessoa jurídica quando algum membro de entidade usa o véu do interesse geral para acobertar o seu benefício próprio. A desconsideração torna possível que a pessoa física seja responsabilizada com seus bens pelos danos que causou em nome da pessoa jurídica.

 

 

10 Das penas na Lei de Crimes Ambientais

 

À pessoa natural são aplicáveis as penas privativas de liberdade (parte especial), as restritivas de direito (arts. 7º a 14) e multa (art. 18 e parte especial). Já em relação às pessoas jurídicas, as penas aplicáveis são as prevista nos arts. 21 a 23 da Lei n. 9.605/98.

 

 

10.1 Das penas restritivas de direitos aplicáveis às pessoas físicas (arts. 7º e 8º)

 

O legislador fez questão de ressaltar a autonomia de tais penas, não possuindo caráter acessório. Os requisitos para a substituição devem estar presentes cumulativamente. Quanto ao requisito objetivo, a pena máxima deve ser inferior ou igual a 4 anos.

 

O tempo da pena restritiva de direitos é o mesmo da prevista para a privativa de liberdade. Em relação aos diversos tipos de penas restritivas existentes, o art. 8º enumera-os.

 

 

10.2 Penas de interdição temporária de direitos aplicáveis às pessoas físicas

 

                   A Lei ambiental prevê as seguintes espécies (art. 10):

a) proibição de contratar com o Poder Público;

b) proibição de receber incentivos fiscais ou qualquer outro benefício;

c) proibição de participar de licitações.

 

 

10.3 A pena de prestação pecuniária

 

A prestação pecuniária difere-se da multa e da indenização civil. Ela pode ser aplicada desconsiderando-se o caráter difuso do dano ambiental, permitindo ao juiz aferir valor maior do que o dano e favorável à vítima.

 

 

10.4 A suspensão condicional da pena (sursis)

 

A LCA permite a concessão do sursis a penas de até três anos de reclusão. Na prática, contudo, o sursis é muito pouco utilizado, sendo a pena geralmente substituída por uma restrição de direitos.

 

 

10.5 A pena de multa

 

                   O teto da pena de multa é o estabelecido no Código Penal, podendo ser elevado em até três vezes. Não é possível substituir a pena privativa de liberdade por pena de multa quando esta já é aferida cumulativamente com uma multa.

 

 

10.6 As penas aplicáveis às pessoas jurídicas

 

                   O art. 21 prevê as seguintes penas para as pessoas jurídicas:

                   a) multa;

                   b) restritiva de direitos;

                   c) prestação de serviços à comunidade.

                   O art. 22 enumera o rol de penas restritivas de direitos cabíveis nestes casos.

 

 

                   É importante ressaltar que as penas restritivas de direito não são substitutivas (como acontece com as pessoas físicas), mas sim principais. Elas podem ser aplicadas cumulativamente com outros tipos de punições.

 

 

10.7 Critérios para apenamento da pessoa jurídica

 

                   Os critérios para o cálculo do quantum da pena estão definidos no art. 44, § 2º, do CP. O máximo de duração da pena restritiva d direitos é o máximo da pena privativa de liberdade que ela substitui.

 

                   Em relação à pena restritiva de direito nos casos de pessoas jurídicas, o Desembargador Federal Fábio Bittencourt da Rosa menciona em acórdão que “a dosagem parte do mínimo e, conforme as circunstâncias judiciais, legais e causas de aumento, pode ir aumentando. Tomando por base o limites temporais do tipo, vai-se ajustando a pena à pessoa jurídica pelo grau de censura”.

10.8 Efeito extrapenal da condenação.

 

                   O art. 24 da Lei n. 9.605/96 estabelece como efeito extrapenal da condenação a liquidação forçada da pessoa jurídica constituída ou utilizada, preponderantemente, com o fim de permitir, facilitar ou ocultar a prática de crime definido em lei.

 

 

11 A transação no âmbito da Lei n. 9.605/98

 

                   Ada Grinover entende que o art. 28 estabelece que para as infrações com pena com mínimo não superior a um ano, aplica-se a transação penal e a suspensão condicional do processo. Porém esta não é a posição predominante. Eládio Lecey afirma que o art. 28 regulamenta a extinção da punibilidade nos casos de suspensão condicional do processo. Eládio expõe, no entanto, que a transação penal é perfeitamente cabível em relação à pessoa jurídica. O Tribunal de Justiça gaúcho entendeu, recentemente, pertinente a revogação da suspensão condicional do processo quando o beneficiado não demonstra a cabal reparação do dano ambiental, em atenção ao disposto no art. 28, inciso I, da Lei n. 9.605/98.

 

 

12 A composição do dano

 

                   A prévia composição do dano é condição primordial para a proposta de transação penal. A composição consiste na celebração de acordo, que tem como objetivo a efetiva reparação do dano. Nos crimes de ação penal privada e nos de ação penal pública condicionada à representação, a composição do dano é causa extintiva da punibilidade (instituto despenalizador).

 

 

13 Conclusão

 

                   Apesar de não haver ainda uma lei específica regulando todo o assunto referente ao meio ambiente, a responsabilização criminal por danos ao meio ambiente possui uma forte regulamentação legal. Há, em dispositivos dispersos, todo o procedimento para os diversos casos de danos ambientais, cada um em sua peculiaridade. A responsabilização e punição efetiva do agressor é imprescindível para que se mantenha a conservação do bem ambiental. Sem ela, o controle das atividades que envolvem a exploração dos recursos naturais seria muito precário e as empresas atuariam de forma desgovernada, gerando impactos negativos à natureza irreversíveis.

    

 

* Acadêmico de Direito da UFSC

 

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Como citar e referenciar este artigo:
MINATTO, Otávio. Responsabilidade criminal por danos ao meio ambiente. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2008. Disponível em: https://investidura.com.br/resumos/direito-ambiental/respcrim/ Acesso em: 06 out. 2024