Direito Ambiental

. Política Ambiental Constitucional – Ferreira

Hernane Elesbão Wiese*

 

FERREIRA, Heline Silvini. Política Ambiental Constitucional. P. 260-289.

5 Política ambiental constitucional

5.1 Deveres ambientais

5.1.1 Aspectos da regulamentação dos deveres ambientais atribuídos ao Poder Público

“[…] o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado pertence a todos, cabendo ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”[1].

a) A proteção dos processos ecológicos essenciais e o manejo ecológico das espécies e dos ecossistemas

“Dentre as incumbências atribuídas ao Poder Público pela Carta Magna, encontra-se o dever de preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e de prover o manejo ecológico das espécies e dos ecossistemas. Percebe-se que tal provisão constitucional é permeada por conceitos ecológicos, os quais precisam ser adequadamente esclarecidos para que o seu sentido jurídico possa ser, então, compreendido”[2].

“Inicialmente, parte-se do conceito de ecologia […] que data do ano de 1866, a ecologia pode ser compreendida como o estudo do inter-retro-relacionamento de todos os sistemas vivos e não-vivos entre si e com o seu meio ambiente. […] pode-se afirmar que ao utilizar o termo ecológico, não quis o constituinte referir-se a elementos isolados da natureza, mas sim ao conjunto de relações que constituem o objeto de estudo da ecologia”[3].

“[…] quando se refere a processos ecológicos essenciais, quis o constituinte garantir a proteção dos processos vitais que tornam possíveis as inter-relações entre os seres vivos e o meio ambiente. […] é dever do Poder Público preservar e restaurar as condições indispensáveis à existência, à sobrevivência e ao desenvolvimento dos seres vivos”[4].

“No que se refere ao manejo ecológico das espécies e dos ecossistemas, a Constituição outorgou ao Poder Público a gestão planejada da biodiversidade […]. O conceito de biodiversidade […] engloba três planos distintos de diversidade: o de espécies, o de genes e o de ecossistemas. Esses elementos devem figurar conjuntamente […]”[5].

b) A proteção da diversidade e da integridade do patrimônio genético

“[O constituinte] atribuiu ao Poder Público o dever de preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético brasileiro, assim como o de fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e à manipulação de material genético”[6].

“No plano infraconstitucional, a proteção da diversidade e da integridade do patrimônio genético ganhou, recentemente, novos contornos. Trata-se da Lei n. 11.105, de 24 de março de 2005, aprovada após longo embate judicial e normativo. Em resumo, o cenário de conflituosidade envolvendo a liberação de organismos geneticamente modificados teve início quando a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) emitiu parecer favorável à comercialização da soja transgênica roundup ready sem a realização do estudo prévio de impacto ambiental, obrigatório para todas as atividades potencialmente causadoras de significativa degradação do meio ambiente”[7].

“[A Lei n. 11.105/05] autorizou, de imediato, o registro e a liberação em escala comercial dos organismos geneticamente modificados (OGMs), com decisão técnica favorável da CTNBio […]. […] a nova Lei de Biossegurança […] estabelece como diretrizes o estímulo ao avanço científico na área de biossegurança e biotecnologia, a proteção da vida e da saúde dos seres vivos e a observância do princípio da precaução para a proteção do meio ambiente[8].

“Ademais, conferiu à [CTNBio], entre outras atribuições, o poder de decidir sobre os riscos de atividades e projetos que envolvam OGMs e seus derivados, a necessidade de licenciamento ambiental e a liberação para a pesquisa e uso comercial de [OGMs]”[9].

“[…] a própria Constituição institui um sistema de responsabilidades compartilhadas em matéria ambiental, o que quer dizer que o Poder Público e a sociedade deverão proteger e preservar o meio ambiente através de uma relação de colaboração e fiscalização recíproca. Não pode, portanto, a Lei n. 11.105/05 desvirtuar as bases de um sistema ambientalmente democrático, e restringir a participação dos sujeitos sociais nos processos decisórios relacionados aos organismos geneticamente modificados”[10].

“Um outro ponto que merece também ser destacado na Lei n. 11.105/05 é a criação do Conselho Nacional de Biossegurança (CNBS), um órgão de assessoramento superior do Presidente da República para a formulação e implementação da Política Nacional de Biossegurança (PNB). […] Na qualidade de instância superior, caberá ao [CNBS] manifestar-se sobre os recursos interpostos pelos órgãos e entidades de registro e fiscalização relacionados à liberação comercial de [OGMs]. Poderá, também, quando julgar necessário, avocar e decidir, em última instância, os processos relativos a atividades que envolvam o uso comercial de OGM’s e seus derivados”[11].

“A nov Lei de Biossegurança também inovou ao criar um sistema destinado à gestão das informações sobre análise, autorização, registro, monitoramento e acompanhamento de atividades que envolvam organismos geneticamente modificados e seus derivados. Trata-se do Sistema de Informações em Biossegurança (SIB) […]”[12].

c) Os espaços territoriais especialmente protegidos

“A Carta Magna também incumbiu o Poder Público de definir em todas as unidades da Federação os espaços territoriais e os componentes a serem especialmente protegidos. Acrescenta, ainda, que a alteração e a supressão desses espaços só será permitida através de lei […]”[13].

“ […] a expressão espaços territoriais e seus componentes remete à concepção de ecossistemas, aqui entendido como parte integrante de um conceito mais amplo, o de biodiversidade”[14].

“O conceito de unida de conservação foi estabelecido pela Lei n. 9.985/00 nos seguintes termos: ‘unidade de conservação: espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente instituído pelo Poder Público, com objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção’. Percebe-se, portanto, que as unidades de conservação encontram-se inseridas no amplo conceito de espaços territoriais especialmente protegidos. Assim sendo, é possível afirmar que toda unidade de conservação constitui um especo territorial protegido, muito embora a recíproca não seja verdadeira”[15].

“De acordo com a Lei n. 9.985/00, as unidades de conservação dividem-se em dois grandes grupos, Unidades de Proteção Integral e Unidades de Uso Sustentável […]. As Unidades de Proteção Integral objetivam a preservação da natureza, sendo admitido apenas o uso indireto de seus recursos naturais, excetuando-se os casos previstos em lei. As Unidades de Uso Sustentável, por sua vez, visam a compatibilizar a conservação da natureza com o uso racional e sustentável de parte dos recursos naturais que abriga”[16].

Unidades de Proteção Integral: Estação Ecológica, Reserva Biológica, Parque Nacional, Monumento Natural e Refúgio da Vida Silvestre. Unidades de Uso Sustentável: Área de Proteção Ambiental, Área de Relevante Interesse Ecológico, Floresta Nacional, Reserva Extrativista, Reserva de Fauna, Reserva de Desenvolvimento Sustentável e Reserva Particular do Patrimônio Natural.

“A criação de qualquer das categorias de unidades de conservação pertencentes ao grupo de proteção integral ou uso sustentável dependerá de ato do Poder Público, devendo ser precedida de estudos técnicos e, na maioria dos casos, de consulta pública”[17].

“[…] a Lei n. 9.985/00 também instituiu as Reservas de Biosfera. […] são definidas como modelos de gestão integrada, participativa e sustentável dos recursos naturais. Apesar de serem declarados pela UNESCO e reconhecidos internacionalmente, esses espaços permanecem sob a completa jurisdição do país onde estão localizados”[18].

“[…] a Lei n. 9.985/00 não congregou […] todas as áreas especialmente protegidas, tendo negligenciado, inclusive, espaços que a legislação anterior definia como unidades de conservação”[19].

d) O estudo prévio de impacto ambiental

“[…] o estudo prévio de impacto ambiental (EPIA) deverá ser exigido para a instalação de qualquer oba ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação ambiental. […] Tem […] natureza preventiva, o que o torna um dos mais importantes instrumentos da política de defesa da qualidade ambiental”[20].

“[…] a Resolução n. 001/86 do CONAMA definiu impacto ambiental como ‘qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente, causada por qualquer forma de matéria ou energia resultante das atividades humanas que, direta ou indiretamente, afetam: a saúde, a segurança e o bem-estar da população; as atividades sociais e econômicas; a biota; as condições estéticas e sanitárias do meio ambiente; a qualidade dos recursos ambientais”[21].

“O EPIA deverá ser realizado por profissionais legalmente habilitados e, além de atender à legislação pertinente, terá, ainda, que observar algumas diretrizes gerais, tais como: contemplar todas as alternativas tecnológicas e de localização do projeto, confrontando-as com a hipótese de não execução; identificar e avaliar sistematicamente os impactos ambientais que poderão ser gerados durante as fases de implantação e operação da atividade; definir a área de influência do projeto considerando, em todos os casos, a bacia hidrográfica na qual se localiza; e considerar os planos e programas governamentais em implantação na área de influência e a sua compatibilidade com o projeto a ser desenvolvido”[22].

“Uma vez concluído, o EPIA será sucedido por um relatório de impacto ambiental (RIMA), cujo conteúdo mínimo se encontra estabelecido no art. 9º da Resolução nº 001/86 do CONAMA”[23].

“A Resolução nº 001/86 do CONAMA estabelece, ainda, que o RIMA deverá ser acessível ao público, respeitada a matéria relativa ao sigilo industrial. Também a Constituição aponta para esse sentido, garantindo a EPIA publicidade”[24].

e) A gestão dos riscos

“Ao Poder Público foi, também, atribuído o dever de controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que possam representar risco à vida, à qualidade de vida e ao meio ambiente. […] toda e qualquer atividade que possa vir a comprometer a integridade do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado deve ser devidamente avaliada pelo Poder Público com o propósito de afastar ou minorar os riscos que dela possam ocorrer”[25].

“A sociedade de risco decorre […] de um processo de modernização complexo e acelerado que priorizou o desenvolvimento e o crescimento econômico”[26].

“[…] exigindo do Poder Público a adoção de medidas que afastem ou minimizem o risco, quando este não for plenamente conhecido, ou evitem a consumação do dano, em se tratando de risco potencial. […] A gestão de risco está […] necessariamente associada à avaliação das atividades potencialmente causadoras de significativa degradação ambiental”[27].

“[…] no plano infraconstitucional, a gestão dos riscos é ainda regulamentada pela Lei nº 11.105/05”[28].

f) A Política Nacional de Educação Ambiental

“A Carta magna também deixou a cargo do Poder Público o dever de promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino, bem como a conscientização pública visando à preservação ambiental. […] Apenas através de um processo de alfabetização ecológica, será possível formar cidadãos ambientalmente responsáveis e esse é um passo indispensável para garantir a todos o usufruto de uma verdadeira democracia ambiental”[29].

“Nos termos da Lei nº 9.795/99, a educação ambiental pode ser entendida como um processo através do qual ‘o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade’. Muito embora possua um conteúdo bastante específico, a educação ambiental é considerada parte integrante da educação nacional e, portanto, deve estar presente em todos os níveis e em todas as modalidades do processo educativo, seja ele formal, seja não-formal”[30].

“[…] a responsabilidade pela efetividade do direito à educação ambiental foi atribuída não apenas ao Poder Público e à sociedade, mas também às instituições educativas, aos órgãos integrantes do Sistema Nacional de Meio Ambiente (SISNAMA), aos meios de comunicação em massa, às empresas, às entidades de classe e às instituições públicas e privadas”[31].

g) A proteção da fauna e da flora

“Finalmente, a Constituição estabelece que incumbe ao Poder Público proteger a fauna e a flora, sendo vedas, na forma da lei, qualquer prática que coloque em risco sua função ecológico, provoque a extinção de espécies ou, ainda, submeta os animais à crueldade”[32].

“A fauna e a flora […] integram a biocenose, um dos elementos que compõem o conceito de ecossistema. De forma ampla e generalizada, portanto, a proteção acima referida já havia sido abraçada pelo inc. I do § 1º do art. 225 da Carta Magna […]”[33].

“Por ser mais específica e utilizar conceitos pré-jurídicos, a norma constitucional em análise merece algumas considerações para que seja devidamente compreendida. Assim sendo, convém assinalar que ao se reportar à função ecológica da fauna e da flora, a Carta Magna referiu-se ao papel que os animais e as plantas desempenham nos ecossistemas, possibilitando seu perfeito funcionamento. Considerando, pois, que cada espécie contribui de forma particular para a manutenção do meio ambiente ecologicamente equilibrado, qualquer interferência na sua ecológica tem como conseqüência o transtorno do todo”[34].

“Em se tratando do sentido e do alcance da proibição de práticas cruéis contra os animais, é indispensável que algumas questões fundamentais sejam aqui retomadas. […] o termo crueldade deve ser interpretado com cautela, pois a proibição de atos cruéis contra exemplares da fauna não abrange todo e qualquer ato, excetuando-se aqueles que se façam imprescindíveis para a obtenção e a manutenção dos direitos fundamentais da pessoa humana”[35].

“No que se refere à regulamentação infraconstitucional da matéria, convém mencionar que ainda não existe uma Política de Proteção à Fauna devidamente definida, muito embora algumas regras já regulamentem parcialmente a questão. Dentre essas regras, cita-se a Lei nº 5.197/67, a qual, de início, estabelece que os animais de qualquer espécie, em qualquer fase do seu desenvolvimento e que vivem fora do cativeiro, constituindo a fauna silvestre, bem como os seus ninhos, abrigos e criadouros naturais são propriedade do Estado, sendo proibida a sua utilização, perseguição, destruição, caça ou apanha. É de se atentar para o fato de que a Lei nº 5.197/67 é anterior à Constituição da República e, por essa razão, refere-se ainda à fauna silvestre como sendo propriedade do Estado. Com o advento da Carta Magna, entretanto, o meio ambiente passou a ser considerado um bem de uso comum do povo que, em razão da sua natureza difusa, não é passível de apropriação”[36].

“No que se refere à proibição da caça, é importante que se mencione que a própria Lei de Proteção à Fauna, como também é conhecida, abre exceções. Dessa forma, permite a caça amadorista, de controle e para fim científico, proibindo apenas o exercício da caça profissional”[37].

“Convém, ainda, destacar que a Lei de Proteção à Fauna proíbe a introdução de qualquer espécie no país sem que haja um parecer técnico oficial favorável e uma licença expedida na forma da lei. […] Por fim, menciona-se que a Lei nº 5.197/67 proíbe o comércio de espécies da fauna silvestre e de produtos e objetos que impliquem sua caça, perseguição, destruição ou apanha, excetuando-se o comércio de espécies provenientes de criadouros devidamente autorizados”[38].

“Um outro diploma que cuida da proteção à fauna é a Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, a qual dispõe genericamente sobre infrações penais e administrativas derivadas de condutas lesivas ao meio ambiente. A Lei de Crimes Ambientais, como também é conhecida, dedica nove artigos á disciplina dos crimes contra a fauna, especificando os comportamentos antijurídicos e as sanções a eles correspondentes”[39].

“Em se tratando, especificamente, da proteção da flora, menciona-se que a Lei nº 4.771/65 institui o Código Florestal brasileiro”[40].

“Por fim, tem-se a Lei nº 9.985/00 […] cujo espectro de proteção alcança a fauna e a flora como componentes dos espaços territoriais especialmente protegidos. […] regulou concomitantemente os incs. I, II, III e VII do § 1º do art. 225 da Constituição, estabelecendo entre tais deveres uma relação de interdependência que deve ser observada pelo Poder Público para que o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado seja efetivamente assegurado”[41].

 

* Acadêmico de Direito da UFSC.

 

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[1] FERREIRA, p. 260.

[2] FERREIRA, p. 260.

[3] FERREIRA, p. 260-1.

[4] FERREIRA, p. 261.

[5] FERREIRA, p. 261.

[6] FERREIRA, p. 262.

[7] FERREIRA, p. 262-3.

[8] FERREIRA, p. 264.

[9] FERREIRA, p. 264.

[10] FERREIRA, p. 265.

[11] FERREIRA, p. 266-7.

[12] FERREIRA, p. 267.

[13] FERREIRA, p. 268.

[14] FERREIRA, p. 268.

[15] FERREIRA, p. 269.

[16] FERREIRA, p. 270.

[17] FERREIRA, p. 270.

[18] FERREIRA, p. 270-1.

[19] FERREIRA, p. 271.

[20] FERREIRA, p. 271-2.

[21] FERREIRA, p. 272.

[22] FERREIRA, p. 273.

[23] FERREIRA, p. 273.

[24] FERREIRA, p. 274.

[25] FERREIRA, p. 277.

[26] FERREIRA, p. 277.

[27] FERREIRA, p. 277.

[28] FERREIRA, p. 281.

[29] FERREIRA, p. 281-2.

[30] FERREIRA, p. 282.

[31] FERREIRA, p. 283.

[32] FERREIRA, p. 285.

[33] FERREIRA, p. 285.

[34] FERREIRA, p. 285.

[35] FERREIRA, p. 286.

[36] FERREIRA, p. 287.

[37] FERREIRA, p. 288.

[38] FERREIRA, p. 288.

[39] FERREIRA, p. 288-9.

[40] FERREIRA, p. 289.

[41] FERREIRA, p. 289.

Como citar e referenciar este artigo:
WIESE, Hernane. . Política Ambiental Constitucional – Ferreira. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2008. Disponível em: https://investidura.com.br/resumos/direito-ambiental/dtoambferreira/ Acesso em: 23 fev. 2025