Direito Internacional Público

Introdução ao Direito Internacional – Akenhurst

Hernane Elesbão Wiese*

 

AKEHURST, Michael. Introdução ao Direito Internacional. Coimbra: Livraria Almedina, 1985. P. 29-52.

1 capítulo III – fontes do direito internacional

O artigo 38º, n.º 1 do Estatuto do Tribunal Internacional de Justiça dispõe que o tribunal que tem a função de decidir de acordo com o Direito Internacional, deverá aplicar:

“a) as convenções internacionais, sejam elas gerais ou particulares, que estabelecem regras expressamente reconhecidas pelo Estado litigantes;

b) o costume internacional, como testemunho de uma prática geralmente aceite como Direito;

c) os princípios gerais do Direito reconhecidos pelas nações civilizadas;

d) …as decisões judiciais e a doutrina dos publicistas mais altamente qualificados das várias nações, como meio subsidiário para a determinação das regras de direito”.[1]

Estes dispositivos têm sido qualificados como uma enumeração das fontes de Direito Internacional, apesar de alguns autores pensarem que não inclui todas as fontes ou que algumas não são genuínas. Examinaremos, então, primeiro as fontes do Estatuto e mais tarde examinaremos outras fontes de Direito Internacional.

Tratados

Tratados são “convenções internacionais, sejam elas gerais ou particulares, que estabelecem regras expressamente reconhecidas pelos Estados litigantes”[2]. Temos como sinônimos de tratado: convenção, acordo, pacto, protocolo, carta, estatuto, ata, convênio, etc.

“Os tratados são uma espécie de <<criados para todo serviço>> do Direito Internacional. Assemelham-se, freqüentemente, aos contratos dos sistemas jurídicos nacionais, mas também assumem funções que nos ordenamentos nacionais são desempenhadas por atos legislativos, por certificados de transferência de título ou pelos estatutos de uma sociedade”[3].

Para alguns autores, os tratados só podem ser considerados fontes do Direito Internacional se o seu conteúdo se assemelhar às leis, recebendo o nome de tratados-lei. Já os tratados-contrato não são fontes, mas apenas negócios jurídicos. De qualquer forma, a analogia entre leis e tratados-lei é incorreta por duas razões:

“1. Nos ordenamentos jurídicos nacionais, qualquer pessoa pode celebrar um contrato, mas as leis são aprovadas por um reduzido número de pessoas. Em Direito Internacional, qualquer Estado pode concluir um tratado, mesmo que possua caráter legislativo.

2. Nos ordenamentos nacionais, os contratos apenas criam direitos e obrigações para as partes contratantes, em número reduzido, enquanto que as leis se aplicam a um grande número de pessoas. Em Direito Internacional, todos os tratados, incluindo os tratados-lei, apenas se aplicam aos Estados que a eles aderiram”[4].

A diferença entre tratado-lei e tratado-contrato está no conteúdo. A diferenciação entre dois tratados é imprecisa para dizer que os tratados-lei são os únicos a constituírem fontes de Direito Internacional (um tratado-contrato pode ser facilmente quebrado por uma guerra ao contrário de um tratado-lei). É mais correto considerar todo tratado como fonte.

Com a tecnologia, a comunicação e o comércio modernos, a interdependência entre os Estados faz com que estes aceitem regras comuns para assuntos de igual interesse, como: extradição de criminosos, normas de segurança para transporte, ajuda econômica, propriedade intelectual, etc. Estas normas costumam ser condensadas em tratados, o que os fez proliferar muito rapidamente nos últimos cento e trinta anos, constituindo o principal instrumento de cooperação entre os Estados (mudando até mesmo a visão de alguns Estados sobre alguns assuntos).

Sempre que é possível obter acordo sobre normas consuetudinárias, há a tendência da codificação dessas num tratado. Quando não há esse acordo, os Estados solucionam através de compromissos especiais (que assumem a forma de tratados).

Costume

“A segunda fonte […] é <<o costume internacional, como testemunho de uma prática geralmente aceita como Direito>>”[5].

Onde procurar a prova de Direito Consuetudinário

“[…] deve ser procurada na atual prática dos diversos Estados, da qual é possível ter uma idéia geral através da consulta de material publicado”[6].

“Podemos também […] encontrar prova do Direito Internacional nos escritos de internacionalistas e nas sentenças de tribunais nacionais ou internacionais”[7].

Os tratados também podem ser prova do Direito Consuetudinário, porém com certo cuidado ao deles se deduzirem normas consuetudinárias.

“Existe, porém, outro modo pelo qual um tratado pode constituir prova definitiva de Direito Consuetudinário: se o tratado reclama como sendo declaratório desse Direito ou se propõe codificar as normas consuetudinárias pode ser citado como prova, inclusivamente perante um Estado que não seja parte no mesmo”[8].

Por último, o Direito Consuetudinário pode ser alterado para se adaptar a um tratado anterior.

Problemas semelhantes levam às resoluções, como as da Assembléia Geral das Nações Unidas. Porém essas resoluções não têm caráter obrigatório, atuando mais como recomendações, não constituindo nunca como prova conclusiva de Direito Consuetudinário.

O problema da repetição

Não pode um precedente isolado determinar uma norma consuetudinária. Há a necessidade da repetição durante um certo tempo de maneira constante e uniforme.

O que os Estados dizem e aquilo que fazem

“Sugere-se por vezes que a prática de um Estado consiste apenas naquilo que ele faz e não no que diz. [Porém] a melhor posição parece ser a de que a prática de um Estado consiste, não apenas no que faz, mas também no que diz”[9].

Também se deve atentar para as omissões, algumas normas internacionais determinam o não-fazer.

O elemento psicológico na formação do Direito Consuetudinário

Ao deduzir as normas, deve-se observar não só o que os Estado fazem, mas porque o fazem, apontando para a existência de um elemento psicológico.

Este elemento psicológico tem como nome opinio iuris, definida como a convicção sentida pelos Estado de o Direito Internacional exigir uma conduta determinada. Esta definição leva a crer que todas as normas sejam deveres, algo incorreto, posto que outras normas são permissivas e autorizam a agir de forma específica (sem que tais atos se tornem obrigatórios, como processar estrangeiros que delinqüiram no território de um Estado qualquer). “No caso de uma norma que impõe um dever a definição tradicional de opinio iuris é correta, quando se refere a uma norma permissiva significa a convicção sentida pelos Estado de que o Direito Internacional permite um determinado tipo de conduta”[10].

Porém, deve-se também analisar como outros Estados reagem às atitudes de um determinado Estado. Se uma atitude qualquer for tida como ilegal por outros Estados, esta não constituirá prova de Direito Consuetudinário.

“No que se refere à comparação de normas permissivas, basta demonstrar que alguns Estados atuaram de um modo particular (ou reclamaram que para tal se encontravam intitulados) e que outros Estados, cujos interesses seriam afetados por tais atos (ou reivindicações), não protestaram sobre a sua ilegalidade.

No caso das normas que impõem deveres, não basta provar que os Estados tenham agido de acordo com os requisitos da alegada norma e que outros não tenham protestado a sua ilegalidade, mas também que os Estados consideram obrigatória essa forma de atuação, e não puramente facultativa.

Segundo algumas interpretações, a opinio iuris significa que os Estado devem acreditar que algo já é Direito antes de o ser realmente. Contudo, essa posição não é provavelmente verdadeira: o que importa não é aquilo em que os Estados crêem, mas o que afirmam. Se alguns Estados reclamam para algo o estatuto de direito e outros não desafiam tal reivindicação, uma nova norma entrará em vigor, [mesmo que provenha de uma preexistente].

O Direito Consuetudinário possui mecanismos internos de transformação. Se os Estados concordam na modificação de uma norma, muito rapidamente pode vir a emergir uma nova regra […]. Se o número de Estados [que a ela se opõem] for pequeno, é provável que rapidamente se conformem à prática da maioria. A dificuldade surge quando os Estados defensores duma alteração e os que a ela se opõem se encontram aproximadamente equilibrados em número, [sendo a modificação lenta e difícil]”[11].

A universalidade e a teoria consensual do Direito Internacional

O que acontece se alguns Estados se opuserem à uma norma consuetudinária?

“O Tribunal Permanente de Justiça Internacional declarou: <<As normas de Direito obrigatórias para os Estados… emanam da sua vontade livremente expressa em convenções ou de usos geralmente aceites como expressão de princípios jurídicos”[12].

Esta teoria consensual é criticada no Ocidente, porém aprovada pelos juristas soviéticos.

“A doutrina soviética sustenta que o Direito Internacional é o resultado de um acordo entre Estados, e que única diferença entre tratados e costumes é de caráter formal, já que os tratados representam um acordo expresso e o costume um acordo tácito. Esta visão tem a vantagem de explicar as divergências existentes nas práticas estatais: do mesmo modo que diferentes tratados podem vigorar entre diversos grupos de Estados, também diferentes normas de Direito Consuetudinário podem ser aplicadas a distintos grupos de Estados”[13].

A teoria consensual torna-se pouco convincente quando aplicada aos novos Estados. “Segundo a norma tradicional, os novos Estados ficariam automaticamente vinculados ao Direito Internacional de modo geral aceite”[14]. A análise do principal internacionalista soviético, Tunkin, diz que “o novo Estado encontra-se na posição de obrigado, não porque tenha consentido, mas porque não conseguiu opor-se às normas vigentes”[15], reduzindo o consentimento a uma ficção.

“O elemento consensual pode também se tornar fictício quando confrontado com a emergência de novas normas consuetudinárias entre os Estados já existentes. O Tribunal Internacional de Justiça tem sublinhado que um Estado reivindicante que procure apoiar-se numa norma consuetudinária deve provar que esta se tornou obrigatória para o Estado visado”[16].

A codificação do Direito Consuetudinário

“São evidentes as vantagens conseguidas pela codificação do Direito Consuetudinário através de tratados, na medida em que as normas se tornam mais precisas e acessíveis e os novos Estados se mostram mais dispostos a acatar normas em cuja elaboração tenham participado. Atendendo porém às diferenças entre as práticas estatais, a codificação significa freqüentemente a necessidade de compromissos, e existe um limite de compromissos que os estados se encontram dispostos a concluir num dado momento”[17].

A Comissão de Direito Internacional procura codificar o Direito num relatório apresentado à Assembléia Geral das Nações Unidas, porém sem um caráter obrigatório.

Alguns organismos não oficiais, como a Faculdade de Direito de Harvard, têm feito trabalho semelhante, porém mais como uma orientação, de valor derivado do prestígio dos seus autores.

Princípios gerais do Direito

“A terceira fonte do Direito Internacional […] é constituída pelos <<princípios gerais do Direito reconhecidos pelas nações civilizadas>>”[18].

Têm como objetivo dar uma solução para os casos em que nem os tratados e nem os costumes conseguem orientar.

Princípios gerais de Direito Internacional

Constituem “um método de utilizar as fontes existentes: extensão das normas existentes mediante o recurso à analogia, inferência de princípios genéricos a partir de normas mais específicas através dum raciocínio indutivo, etc.”[19].

Princípios gerais de Direito nacional

“As lacunas do Direito Internacional devem ser preenchidas pela utilização de princípios comuns a todos ou à maior parte dos sistemas nacionais de Direito; se as normas específicas de Direito variam de país para país, os princípios básicos são freqüentemente similares”[20].

Decisões judiciais

São tidas como meios subsidiários para a determinação das regras de Direito. “A decisão do Tribunal não é obrigatória senão para as partes em litígio e em relação a esse caso específico”[21]. Os tribunais não são obrigados a seguirem as decisões anteriores, apesar de quase sempre as tomarem em consideração.

Então, os juízes podem criar novas normas jurídicas, sendo muitas inovações posteriormente aceitas no Direito Internacional. Há probabilidade que essas decisões sejam seguidas, de forma a evidenciar a imparcialidade dos tribunais.

Também estão inclusas as sentenças de tribunais nacionais, porém devem ser utilizadas com precaução: os juízes podem acreditar estar aplicando Direito Internacional, quando na verdade estão aplicando uma norma de seu próprio Direito nacional.

A doutrina

“O Artigo 38.º-1-d) também impõe ao Tribunal a aplicação <<da doutrina dos publicistas mais altamente qualificados, das várias nações, como meio subsidiário para a determinação das regras de Direitos>>. […] Tal como as decisões judiciais, as publicações acadêmicas podem constituir prova de Direito Consuetudinário, mas também podem desempenhar uma função auxiliar no desenvolvimento de novas regras jurídicas”[22].

Outras possíveis fontes de Direito Internacional

Atos de organizações internacionais

“A maior parte dos órgãos das organizações internacionais são compostos por representantes dos Estados membros, e muitas vezes, os atos de tais órgãos não são mais que os atos dos Estados neles representados. Assim, uma resolução da Assembléia Geral das Nações Unidas pode constituir prova de Direito Consuetudinário na medida em que reflete as posições dos estados apoiantes, tal com teria provavelmente o mesmo significado se houvesse sido aprovada numa conferência fora do âmbito das Nações Unidas. E se muitos Estados votam contra, o seu valor enquanto testemunho torna-se conseqüentemente reduzido.

As organizações internacionais, contudo, costumam possuir pelo menor um órgão que não é integrado por representantes dos Estados membros, e cuja prática é capaz de constituir uma fonte de Direito.

Por vezes, uma organização internacional é autorizada a tomar decisões (geralmente por voto majoritário) obrigatórias para os Estados membros”[23].

Eqüidade e Direito Natural

O termo eqüidade é utilizado como sinônimo de justiça. “Aliás, aqueles que consideram a eqüidade como fonte […] costumam com freqüência invocar o Direito Natural […]. Deste modo, os termos eqüidade, justiça e Direito Natural tendem a fundir-se entre si”[24].

Apesar do passado, é duvidoso que a eqüidade hoje seja uma fonte de Direito Internacional, pois “um dos problemas que a eqüidade coloca é que só pode muitas vezes ser definida por referência a um sistema ético específico”[25], o que levaria a conflitos éticos na esfera internacional.

A hierarquia das fontes

1º.    Tratado = Costume = Atos das organizações internacionais;

2º.    Princípios gerais do direito;

3º.    Decisões judiciais;

4º.    Doutrina dos publicistas (não muito mais fracas que as decisões);

5º.    Eqüidade (se constituir fonte de Direito Internacional será de muito fraco valor).

Ius cogens

Alguns dos primeiros autores sustentaram que um tratado seria nulo caso fosse contrário a certos princípios ou à moral (não especificados) do Direito Internacional. O tratado não poderia se sobrepor ao Direito Natural, mas com o declínio do jusnaturalismo essa lógica foi esquecida.

O maior defensor da volta de tal tese é a União Soviética, porém sem um embasamento no Direito Natural. “Afirma-se hoje que a regra limita a liberdade de concluir tratados, atuando portanto, como um contrapeso da tendência de desintegração do Direito Internacional em diversos sistemas regionais”[26].

Ius cogens é o nome técnico dado aos princípios básicos do Direito Internacional (normas imperativas de Direito Internacional). Segundo o ius cogens é nulo todo tratado que entre em conflito com uma norma imperativa de Direito Internacional.

“Uma norma não pode tornar-se imperativa se não for <<aceite e reconhecida [como tal] pela comunidade internacional de Estados no seu conjunto>>. […] Com um pouco de sorte, este perigo deveria desaparecer ao exigir-se que os Estados provassem ter a suposta norma de ius cogens sido <<aceite e reconhecida [como tal] pela comunidade internacional de Estados no seu conjunto>>”[27].

São poucas as normas que preenchem esses requisitos, sendo a mais notável de todas a norma de não agressão.

“Apesar da questão ser controversa, a melhor perspectiva parece ser a de que uma norma de ius cogens pode ser derivada do costume e, possivelmente, dos tratados, mas nunca provavelmente de outras fontes”[28].



[1] AKEHURST, p. 29.

[2] Estatuto do Tribunal Internacional de Justiça apud AKEHURST, p. 29.

[3] AKEHURST, p. 30.

[4] AKEHURST, p. 30-31

[5] AKEHURST, p. 32.

[6] AKEHURST, p. 32.

[7] AKEHURST, p. 33.

[8] AKEHURST, p. 33.

[9] AKEHURST, p. 35-36.

[10] AKEHURST, p. 37.

[11] AKEHURST, p. 37-38.

[12] AKEHURST, p. 39.

[13] AKEHURST, p. 39.

[14] AKEHURST, p. 40.

[15] AKEHURST, p. 40.

[16] AKEHURST, p. 40.

[17] AKEHURST, p. 41.

[18] AKEHURST, p. 42.

[19] AKEHURST, p. 43.

[20] AKEHURST, p. 44.

[21] Art. 59 do Estatuto do Tribunal Internacional de Justiça apud AKEHIRST, p. 45.

[22] AKEHURST, p. 46.

[23] AKEHURST, p. 47-48.

[24] AKEHURST, p. 48.

[25] AKEHURST, p. 49.

[26] AKEHURST, p. 51.

[27] AKEHURST, p. 52.

[28] AKEHURST, p. 52.

Como citar e referenciar este artigo:
WIESE, Hernane. Introdução ao Direito Internacional – Akenhurst. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2008. Disponível em: https://investidura.com.br/resumos/dip/introaodip/ Acesso em: 26 dez. 2024