Desregulação e reforma do Estado – Carvalho
Gabriella Rigo*
Referência: CARVALHO, Vinícius Marques de. Desregulação e reforma do Estado: impacto sobre a prestação de serviço público. In. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella (coord.). Direito Regulatório: Temas Polêmicos. Belo Horizonte: Fórum, 2003. p. 27-59.
Regulação é o “conjunto de regras que visa à correção das deficiências do mercado através do estabelecimento de regras e da manutenção ou restabelecimento do funcionamento equilibrado de um sistema” (p. 157).
Por possibilitar o enquadramento e dimensionamento jurídico-institucional dos fenômenos decorrentes do processo chamado de desregulação, a sistematização das formas da atuação do Estado na esfera econômica tem um papel fundamental.
Uma série de funções na organização do processo econômico é atribuída ao Estado. São duas as grandes categorias: intervenção estatal na economia e sobre a economia. Esta se desmembra em atuação por direção – quando o Estado exerce pressão sobre a economia, estabelecendo normas de comportamento para os agentes econômicos – e atuação por indução – que prevalece quando o Estado dinamiza instrumentos de intervenção em consonância e na conformidade das leis que regem o funcionamento dos mercados. Já a primeira categoria se divide em atuação por absorção – quando o Estado assume o controle dos meios de produção e/ou troca (monopólio) – e atuação por participação – quando o Estado atua em regime de concorrência com o setor privado, ou participa do capital de agente que detém o controle patrimonial de meios de produção e/ou troca.
O critério delimitador da competência da jurisdição administrativa é a noção de serviço público, consagrada como fator determinante do regime administrativo, saudada como solução para identificar os contratos de direito público e erigida como fonte de aplicação dos princípios da responsabilidade do Estado.
“Há três elementos – material, orgânico e formal – que, com maior ou menor intensidade, interagem na constituição da noção de serviço público. Os dois primeiros aparecem como condições da existência de um serviço público: a atividade deve satisfazer o interesse geral e ser prestada por uma coletividade pública. O último é a conseqüência, residindo na aplicação, nas atividades consideradas serviços públicos, de um direito especial, exorbitante às regras de direito privado” (p. 162).
Esta noção clássica de serviços públicos deixou de representar e conformar situações concretas, apesar da elasticidade de algumas definições. Por isso, entrou em crise.
Ainda se busca, hoje, nos serviços públicos e naquilo que representam em termos de garantia de bem-estar social, o fundamento para uma atuação estatal que dê prioridade à universalização e à expansão dessas atividades. Isto é, não se trata, necessariamente, de uma prestação direta do Estado, mas de um condicionamento efetivo do particular ao interesse da sociedade, quando este estiver à frente na prestação.
Di Pietro aborda os serviços públicos dizendo que podem estar sujeitos à concessão ou permissão. Alega que os serviços sociais, como educação e saúde, seriam incompatíveis com a concessão, uma vez que têm como característica a gratuidade. Assim, seria impossível a contraprestação dos usuários pelo serviço, e juntamente por isso, deviam ser prestados diretamente pelo Estado.
A possibilidade de delegação ao particular se resumiria aos serviços de natureza comercial ou industrial em que a concessão seria possível desde que prevista na Constituição Federal ou em lei específica.
“A concessão de serviço público, principalmente após as privatizações (desregulação) no Brasil, ainda é considerada uma das principais formas de regulação econômica e de intervenção estatal” (p. 165).
Conforme o Direito Administrativo clássico, o mecanismo adequado para a participação de particulares na prestação de serviços públicos seria o intuito da concessão de serviço público. Alguns autores costumam chamar isso de regulação contratual.
Não obstante a concessão de serviços públicos não significar uma abdicação do Estado em relação a essas atividades – já que é responsável constitucional pela sua adequação e efetividade social – é um mecanismo de direcionar recursos privados para atividades públicas.
“O regime de concessão procura aliar duas idéias opostas. De um lado a necessidade de que o serviço público funcione no interesse geral e, de outro, a empresa capitalista, que atua para retirar maior lucro possível da atividade oferecida” (p. 166). Através do contrato de concessão é que, nas situações concretas, se busca atingir a coordenação das ações privadas com o interesse público.
A concessão se configura em um instrumento de ação estatal e, nesta medida, faz parte do aparato regulatório dimensionado pelo Estado. Entretanto, pode vir a servir como um instrumento relevante para fundamentar um processo de desregulação. É o que ocorreu no Brasil por meio das privatizações.
Di Pietro ensina que a desregulação constitui a diminuição do regramento da atividade privada, com o intuito de diminuir a intervenção do Estado na vida do cidadão. Do ponto de vista da desregulação econômica, apresentam-se outros conceitos como: desmonopolização, desestatização, privatização e a própria concessão de serviços públicos.
Para o autor, a idéia de desregulação tem um caráter genérico de redução do intervencionismo estatal, que pode se dar de várias formas em função das políticas públicas econômicas. Abrangendo, assim, a alienação da propriedade dos meios de produção públicos, a cessão de sua gestão, a abertura de setores, até então vedados à iniciativa privada, a liberação dos regimes legais da atividade privada e a colaboração de entidades privadas na execução de tarefas públicas.
“Privatizar significa publicizar o Estado, acabando com a dominação e ingerência políticas nas empresas estatais que as tornavam ineficientes e deficitárias” (p. 170).
“Falta saber se as Agências Reguladoras brasileiras, da forma como foram concebidas e implementadas, não estariam sujeitas também a processos de captura, trazendo grandes transtornos à sociedade brasileira, tendo em vista a necessidade de se garantir mecanismos de universalização dos serviços públicos com o aporte de altos investimentos” (p. 170).
É indispensável uma regulação que preserve um caráter de política pública com efeitos eminentemente redistributivos, em um país com níveis de desigualdade social e econômica como o Brasil.
No caso brasileiro, o que se observou com o advento das privatizações foi a concessão de serviços públicos à iniciativa privada (regulação contratual) e o aparecimento das chamadas agências de regulação (regulação setorial).
“O desenvolvimento de um marco regulatório que organizasse a prestação dos serviços públicos no Brasil deveria conciliar, assim, a realidade socioeconômica com as exigências emergentes de nossa ordem legal e constitucional” (p. 173).
* Advogada