O tema tratado divide-se em quatro partes:
1) Filosofia da práxis: notas para uma sociologia jurídica crítica do direito;
2) Guerra de posições e novas juridicidades;
3) Operadores do direito e mudança social: sensos comuns, novo senso e outros consensos;
4) Direito moderno e pluralismo jurídico: repensando a racionalidade jurídica processual.
O primeiro ensaio mostra o lado descrente da sociologia de Gramsci. O objetivo é desenhas conceitos válidos para uso efetivo da filosofia crítica do
direito.
O segundo ensaio levanta a possibilidade da pertinência e urgência de uma guerra de posição nas instituições jurídicas como estratégia plausível, até
mesmo, no interior do Estado.
O terceiro ensaio procura indicar sentidos para as novas direções culturais e políticas em meio às lutas progressivas travadas dentro das instituições
jurídicas.
Chegando, por fim, ao quarto ensaio, o qual trata parte de uma ideia que deverá ser continuada se o desejo de reorganizar o senso comum entre os
operadores do direito permitir uma ponte para se ultrapassar a crise jurídica.
A construção de alternativas para a situação atual se expressa de múltiplas formas, a instância jurídica, foco dos ensaios, tem abrangência tanto da
sociedade civil como na sociedade política, servindo de importante arma nessa batalha, pois o profissional do direito pode se inserir nas lutas
democráticas e atuar tanto por dentro como por fora, exercendo a sua cidadania. Para Gramsci, ele seria “o organizador de uma nova cultura, de um novo
direito”. O marxismo historicista de Gramsci será de grande relevância para a abordagem do fenômeno jurídico sob uma ótica realista, prospectiva e
democrática.
O senso comum interdisciplinar, inicialmente tido como progressista, hoje é visto como político-teórico de veias academicistas, restringindo-se a esse
campo e se afastando da realidade devido ao excesso de idealização e abstração. Apoiando-se em Gramsci, “a ciência ganha maior força quando se torna um
conhecimento vulgarizado nas práticas sociais”.
A preocupação de Gramsci com um novo senso comum, a partir da identidade entre filosofia, história e política, posto que haja um aproveitável no bom
senso, revela a crença na possibilidade de transformação social. Tal estratégia é redefinida através da ação política presente no terreno da cultura.
Tem-se aqui o surgimento da sociologia crítica da cultura, bem como o entendimento político da mesma.
O senso comum não deve ser abolido e substituído por conhecimento acadêmico, mas usar este como fonte de ideias balizando sua tendência a tornar-se
modo de produção hegemônico.
Ampliando o conceito de hegemonia gramsciniano à sociedade política, isto é, o Estado, pode-se conceber o que é a prática já tem demonstrado de fato: a
guerra de posição dentro das instituições jurídicas do Estado. A partir da tipologia dos intelectuais proposta por Gramsci, mediante a escolha pela
identificação funcional dos intelectuais, pode-se entender que operadores jurídicos, magistrados, advogados, procuradores e promotores da justiça, a
todos, enfim, a concepção gramsciniana de intelectual.
O conceito de intelectual para Grasmci está intimamente ligado ao conceito de liderança. Interconecto então o que é intelectualidade em Gramsci com o
Movimento de Direito Alternativo (MDA). Esse movimento, justiça seja feita, se já está presente na academia desde a década de cinquenta, com Cornélio
Castoriadis, Claude Lefort e tantos outros, ainda é uma espécie de dogma na militância tradicional. Há até entre os que apoiam Lula, tendências de
esquerda, que jogam o jogo democrático com o “tabuleiro de damas liberal” e sonham com as rupturas de fundo que superem o capitalismo e suas “formas
burguesas”. Quero dizer com isso que apesar de não ser unanimidade, Lula se encaixaria muito confortavelmente ao conceito de intelectual contornado por
Gramsci.
Os intelectuais orgânicos, acompanhando o surpreendente crescimento espontâneo de nossos militantes, inclusive com a entrada de muitos operadores do
direito inicialmente avessos ao MDA, ou sem o devido conhecimento do mesmo, mas todos agora irmanados na hermenêutica constitucional que gerou um
conceito mais abrangente para o intelectual: o jurista orgânico constitucional (JOC).
Outro plano de ação desses juristas comprometidos com a justiça social é o da releitura da legalidade, de forma a ampliar o horizonte de ação social e
coletiva. Parece defrontar-se, nesse momento do estudo, com uma tarefa muito difícil: compreender a progressão geométrica de práticas perfeitamente
inseridas dentro da afirmação de modernidade jurídica em nosso país, refletindo sobre os alcances desse processo social (mesmo em face da precariedade
que é a não-socialização dos resultados de boa parte dos trabalhos acadêmicos produzidos em programas de mestrado e doutorado no Brasil) e seus
alcances práticos em termos de eficácia social do direito. Desta maneira propõe-se o caminho ético e hermenêutico para teorizações constitucionais e
infraconstitucionais, vale dizer, com o abandono definitivo dos duvidáveis apelos a ideias etéreas com as de “justiça dos pobres” ou “justiça dos
oprimidos”.
Faz-se mister, portanto, uma adequação mínima entre racionalidade formal e racionalidade material. Mesmo as demandas sociais legítimas devem ser
ajustadas a critérios jurídicos formais. É possível e permitido citar exemplos como pluralismo jurídico, waratianos, psicanalistas, sistêmicos,
gramscinianos, leninistas, alternativistas pró-Amilton, alternativistas pró-Edmundo, alternativistas pró-Wolkmer, garantistas, entre outros, que sem
tempo e espaços apropriados de legitimação, inclusive de temas mais amplos, como a discussão política sobre o que é de fato guerra de posição na frente
de governabilidade e o que é clara cooptação, o que é avanço popular (com seus alcances e limites, como o Bolsa-Família, programa Fome Zero, o ProUni,
a reforma agrária, onde realmente aconteceu) e de aproximação com o Congresso de Berlim, o que é nítido obliterador das lutas sociais, como o
atrelamento externo aos ditames do Congresso de Washington, às alianças conservadoras que mantinha Lula (leia-se atualmente na figura da presidenta
Dilma) no poder e a reprodução de culturas tradicionais (vícios corporativos sindicalistas, glamour com o regime de Fidel, desdém com a democracia
liberal e atração pelo novo timoneiro Chávez) encontram um fim em si mesmos. Ora, nas academias o MDA, ao politizar o direito na conjuntura dos efeitos
globais do neoliberalismo, seja o jurídico, através de um nítido avanço de pequenos grupos que visualizam a competição acadêmica como uma incapacidade
crônica de somar e um talento todo especial de se anular mutuamente. A crítica interna no MDA parece ser fundamental para o avanço.
A filosofia da práxis de Gramsci permite a intelectuais orgânicos das mais diversas áreas, e no caso do direito não poderia ser diferente, a superação
do academicismo e uma concepção não romântica da política. Permite, pois, condições ideais ao estabelecimento de práticas jurídicas concretas de
redefinição do sentido geral do direito positivo, adequando-o aos ideais modernos de direito, ainda não efetivados.
Não se afirma que a ideologização não deva desaparecer, mas apenas que deve ser deslocada num outro patamar, no qual a crítica acadêmica tornar-se-ia
possível, conforme nova compreensão da racionalidade jurídica enquanto conhecimento digno do estatuto da ciência, livre embora de rigorismos
positivóides.
Ao que tudo indica, a crise de paradigmas é uma crise global, pois, embora o capitalismo tenha vencido esse não resolveu os problemas estruturais,
tampouco as carências mínimas de maior parte da população, deixando um rastro para que o sonho igualitário socialista continue a existir.
REFERÊNCIAS
ARRUDA JÚNIOR, Edmundo Lima de. Direito Moderno e Mudança Social. Belo Horizonte: Del Rey, 1998.
ARRUDA JÚNIOR, Edmundo Lima de. Direito Alternativo e Contingência. Florianópolis: CESUSC, 2007.
Gisele Witte
Acadêmica de Direito da UFSC
Estagiária no Tribunal de Justiça de Santa Catarina