Jessika Cardoso de Medeiros[1]
O documentário “As crianças da Guerra na Síria”, descreve a situação da Guerra Civil síria (parte da série de revoluções iniciadas na Primavera Árabe) na cidade de Aleppo, dividida em regiões controladas pelo regime de Bashar al-Assad e outras, pelas forças rebeldes. O documentário possui as visões dos filhos (Farah, 8 anos; Sara, 5 anos; Helen 13 anos; Mohammed, 14 anos) de um dos líderes rebeldes, com relatos de todos os membros da família, além do depoimentos de Aboude, um ativista pacifista de apenas 12 anos, e sua mãe, Warda.
O primeiro depoimento é de Farah, nele ela descreve que sua tarefa favorita é ajudar seu pai na construção de bombas caseiras, em sequência, Sara relata ataques ocorridos perto de sua casa. Os dois filhos mais velhos, Helen e Mohammed, contam da situação do seu bairro, que como muitos outros dessa região, estão destruídos e praticamente desertos, e o apoio que dão ao seu pai, Abu Ali Al-Saliba, e a causa rebelde.
A esposa de Abu e mãe das crianças, Hala, explica que no começo dos bombardeios dopava as crianças com xarope para tosse, conforme os mesmos foram se intensificando, ela mentia que eram fogos de artifício, tudo isso para minimamente tentar proteger seus filhos da realidade da guerra, contudo, não conseguiu mentir por muito tempo, já que a guerra é a visão que elas tinham na janela.
Com tiroteios diários as crianças da cidade de Aleppo, tentam levar sua vida, entretanto sem aquela doce inocência, pois ela desmorona junto com as casas atingidas por morteiros e a constante visão de armamentos pesados e até o uso deles, dando lugar ao medo e a coragem para resistir. Durante um dos depoimentos de Farah é possível escutar um ataque, que assusta a menina, o que contrasta com seu relato sobre uma bomba que explodiu no jardim e decapitou um dos soldados liderados pelo pai, pois a naturalidade de seu relato se misturou com medo intrínseco à situação de guerra. Nem os sonhos conseguem ser infantis ou esperançosos, Sara narra um sonho que tem ao dormir, no qual é cercada por franco-atiradores e alvejada, chegando a contar onde os tiros atingem, ratificando o medo intrínseco à pessoa.
A Guerra Civil síria conta com mais um ator em seu cenário devastado, além dos soldados do governo e os soldados rebeldes, existem os ativistas pacíficos, que apesar de protestarem contra o regime de Assad, não fazem parte do exército da oposição. Um de seus mais engajados ativistas está Aboude, de 12 anos. De acordo com que é narrado no documentário, Aboude, no início da revolução liderava protestos na escola, no entanto, o menino foi delatado por professores e espancado por sua desobediência, isso com apenas 10 anos. Após dois anos, ele virou uma referência dos ativistas e canta nos protestos pacíficos. Conforme ele conta em seu depoimento, “Protestar virou nossa profissão”; o menino é reconhecido em toda a cidade, o que faz dele um alvo do governo, que possui espiões dentro dos grupos ativistas. Mas como sua vida está intimamente ligada aos protestos e a causa, Aboude está disposto a se tornar um mártir e tem a esperança que um dia a Síria se torne um lugar pacífico para todos.
A sociedade síria se dividiu em pró-governo e rebeldes, e não importava o nível de amizade, se fossem ideologias diferentes, seu inimigo poderia ser qualquer um. Helen retrata o preconceito que sofreu quando descobriram que seu pai era líder dos rebeldes. Ela sofria preconceitos dos amigos que se afastaram, era espancada pela diretora da escola e os professores a tratavam mal, e tinha temor de morta a qualquer momento dentro da escola, mostrando que mais uma vez o medo dominava em um lugar onde deveria ser para educação e uma fuga da realidade.
O irmão de Aboude foi sequestrado pelo Estado Islâmico e pouco tempo depois das filmagens, Abu Ali, também teve o mesmo destino. Quando o documentário foi feito o Estado Islâmico estava começando a entrar no país, se aproveitando da fragilidade local, transformando a guerra civil para depor um governo em uma guerra santa, de cunho extremista.
Esse grupo surgiu de um braço da Al-Qaeda no Iraque, se utiliza da ideologia da jihad e faz uso de extrema violência para dominar, sequestros, violência sexuais, decapitações públicas, são alguns dos exemplos. De inicio, sua presença na Síria era para ser contra o regime de Assad, contudo também se voltaram contra os rebeldes, já que nem todos aderiram à causa islâmica. Atualmente o Estado Islâmico domina a Síria, que enfrenta uma catástrofe humanitária, sofrendo ataques constantes às escolas usadas como base para a Cruz Vermelha, além de agressões serem focadas em áreas civis, também há investidas em edifícios religiosos (ex: destruição da grande mesquita de Aleppo), tais prédios e pessoas são protegidas pelo direito internacional humanitário e devem ser preservados por todas as partes envolvidas no conflito. Todos esses ataques são condenados pela ONU.
Com o agravamento do conflito número de refugiados da região aumentou, de acordo com o Alto Comissariado da ONU para Refugiados (ACNUR), “O número de 03 milhões de refugiados sírios anunciado hoje representa o maior grupo de refugiados sob o mandato do ACNUR, e a operação de resposta a esta crise é maior nos 64 anos de história do Alto Comissariado” (ACNUR, 2014).
Esse documentário retrata de perto a realidade de quem mais sofre com esses conflitos, as crianças. Com seus depoimentos, vemos os medos, sonhos e opiniões fortes sobre a Guerra na Síria. Por ser curto, com 50 minutos de duração, é rápido de se assistir e o tema não poderia ser mais atual, já que anos depois, o conflito continua e teve a escalada na crise com a dominação do Estado Islâmico, que à época estava começando a entrar em território sírio.
Referências
DOCUMENTÁRIO “As Crianças da Guerra na Síria” (2013), Direção: Anthony Wonke.
ACNUR. Refugiados sírios chegam a 3 milhões em meio à crescente insegurança. 29 de agosto de 2014. Disponível em: < http://www.acnur.org/t3/portugues/noticias/noticia/refugiados-sirios-chegam-a-3-milhoes-em-meio-a-crescente-inseguranca/>
ONU. ONU condena destruição de santuários e ataques indiscriminados do Estado Islâmico em nome da fé. 3 de outubro de 2014. Disponível em: < http://www.onu.org.br/onu-condena-destruicao-de-santuarios-e-ataques-indiscriminados-do-estado-islamico-em-nome-da-fe/>
RUIC, Gabriela. 10 fatos para entender o violento Estado Islâmico. REVISTA EXAME. 22 de setembro de 2014. Disponível em: < http://exame.abril.com.br/mundo/noticias/10-fatos-para-entender-o-violento-estado-islamico>