A seguir, a íntegra do encaminhamento do trabalho enviado ao presidente nacional da OAB pelo conselheiro João Henrique Café:
“Exmo. Sr. Presidente do
Eg. Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil
Dr. Raimundo Cezar Britto
Sr. Presidente,
Tenho a enorme satisfação de submeter à criteriosa análise e apreciação de V. Exa., com vistas a sua ampla divulgação, o trabalho desenvolvido pela Comissão Nacional de Acesso à Justiça, que tenho tido a honra de presidir durante a profícua gestão de V. Exa. à frente dos destinos da Ordem dos Advogados do Brasil.
O trabalho, contendo os dados do Poder Judiciário relativos à movimentação processual do ano de 2008, tenta trazer a lume a identificação pormenorizada da Justiça no Brasil em todas as instâncias e inclusive nos Juizados Especiais, na Justiça Estadual, na Justiça Federal e na Justiça Especializada do Trabalho, e também junto aos Tribunais Superiores, no Tribunal Superior do Trabalho, no Superior Tribunal de Justiça e no Supremo Tribunal Federal.
Intitulado ‘Análise do Poder Judiciário Brasileiro’, o trabalho da Comissão foi elaborado à partir dos dados quantitativos apurados pelo CNJ, o “Justiça em Números”, e também à partir de dados divulgados pelos próprios Tribunais dos Estados, com o cruzamento desses dados de forma horizontal e vertical, visando melhor identificar o estado atual do Judiciário brasileiro, com vistas à visualização dos seus maiores problemas.
Esse levantamento, ao permitir a melhor visualização dos problemas da nossa Justiça, não visa achincalhar ou desmerecer o desempenho desse ou daquele Magistrado, desse ou daquele Tribunal mas, ao contrário, visa servir de retrato fiel do atual momento, para que os inúmeros problemas existentes, a começar por sua intolerável e já enraizada morosidade, possam ser devidamente enfrentados e senão resolvidos prontamente, pelo menos minimizados a partir de ações efetivas de todos os atores do Poder Judiciário, juízes, promotores, serventuários e advogados.
De fato, quando se examina a missão Constitucional destinada à advocacia pelo art. 133 da Constituição Federal de 1988, verifica-se que o papel do advogado vai muito além daquele retratado no art. 1o da Lei 8.906/94
Art. 133. O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.
Essa indispensabilidade do advogado à administração da Justiça há que ser feita não só com responsabilidade, mas principalmente com conhecimento de causa, com o espírito pronto e voltado para a obtenção da melhoria dos serviços jurisdicionais. Até porque, para sair em defesa da Constituição, da ordem jurídica do estado democrático de direito, dos direitos humanos e da justiça social, para que possamos pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas, como idealizado nas finalidades da própria OAB pelo comando do art. 44, inciso I, da Lei 8.906/94, a corporação dos advogados simplesmente não pode desconhecer a realidade do sistema judicial brasileiro.
E foi justamente inspirada na efetivação e na concretização dessa idéia de indispensabilidade do advogado e, consequentemente, da OAB, na administração da justiça, que a Comissão Nacional de Acesso à Justiça teve por prioridade examinar os números disponíveis sobre o desempenho do Poder Judiciário, a fim de identificar os seus principais problemas e as suas maiores distorções, dessa nobilitante missão de garantir e levar “justiça” aos cidadãos brasileiros.
Aliás, as próprias dificuldades de acesso do cidadão à justiça, principalmente no que respeita àquela parcela da sociedade mais sofrida e menos assistida pelo Estado, do cidadão menos afortunado, é que tivemos a iniciativa de priorizar o estudo desse tema, aproveitando-nos, inclusive do entusiasmo e grande colaboração técnica do eminente membro da Comissão Dr. Guilherme Zagalo que muito contribuiu, juntamente com os demais membros e os operosos funcionários da casa, na concepção dos trabalhos da Comissão.
Sabe-se que o acesso à justiça não se esgota no acesso puro e simples ao judiciário e nem no próprio universo do direito estatal, mas na própria efetividade da busca pela solução de conflitos em tempo razoável de tramitação processual e a custos acessíveis à maior parte da população. Por isso, é bom não confundir ACESSO À JUSTIÇA com o mero acesso ao Poder Judiciário.
Para o Mestre KAZUO WATANABE “… a problemática do Acesso à Justiça não pode ser estudada nos acanhados limites do acesso aos órgãos judiciais já existentes. Não se trata apenas de possibilitar o acesso à Justiça enquanto instituição estatal, e sim de viabilizar o acesso à ordem jurídica justa. (…) , que ele qualifica como sendo: O direito à informação; O direito à adequação entre a ordem jurídica e a realidade socioeconômica do país; O direito a uma justiça adequadamente organizada e formada por juízes inseridos na realidade social e comprometidos com o objetivo de realização da ordem jurídica justa; O direito à preordenação dos instrumentos processuais capazes de promover a objetiva tutela dos direitos; O direito à remoção dos obstáculos que se anteponham ao acesso efetivo a uma justiça que tenha tais caracterísiticas.” ( in Participação e processo. São Paulo. Rev. Dos Tribunais, 1988, p. 128/135 )
O Prof. VALDENIR CARDOSO ARAGÃO observa, com propriedade, que “…até bem pouco tempo, o entendimento que se empregava, restringia o significado somente ao acesso aos órgãos judiciais. Atualmente, existe uma posição unânime no fato de que o acesso à justiça não se limita a um direito à ordem jurídica, ou seja, não é o acesso à justiça a admissão do processo, ou simplesmente a possibilidade do ingresso em juízo.
Nessa perspectiva, o ilustrado Professor adverte que quando se emprega e se utiliza a expressão “acesso à justiça” deve-se entender como sendo a garantia de proteção a qualquer direito, sem qualquer restrição, não bastando simplesmente a garantia formal da defesa dos direitos e o de acesso aos tribunais, mas a garantia de proteção material desses direitos, assegurando a todos os cidadãos, independente de qualquer condição social.
O jurista italiano MAURO CAPELLETTI teve a oportunidade de observar – com rara felicidade – que a expressão “acesso à justiça” serve para determinar duas finalidades básicas do sistema jurídico ( – o sistema pelo qual as pessoas podem reivindicar seus direitos e/o resolver seus litígios sob os auspícios do Estado.) deve ser igualmente acessível a todos e deve produzir resultados que sejam individuais e socialmente justos. Em suas palavras:
“O direito ao acesso efetivo tem sido progressivamente reconhecido como sendo de importância capital entre os novos direitos individuais e sociais, uma vez que a titularidade de direitos é destituída de sentido, na ausência de mecanismos para a sua efetiva reivindicação. O acesso à justiça pode, portanto, ser encarado como requisito fundamental – o mais básico dos direitos humanos – de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar, os direitos de todos” (Cappelletti, Mauro & Garth, Bryant. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Sergio Antônio Fabris Editor. Porto Alegre, 1988. P. 9.)
Até porque, reconheçamos, o acesso à Justiça é direito fundamental que vem expresso no inciso XXXV da CF/88 no sentido de que “… a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de lesão”.
Inspirada, pois, na máxima efetivação do primado que garante ao cidadão o verdadeiro acesso à justiça, numa estrutura que pretende a obtenção de uma ordem jurídica justa, dentro da perspectiva da plenitude do estado democrático de direito e da justiça social, a Comissão Nacional de Acesso à Justiça, inserida no protagonismo constitucional que nos torna indispensáveis à administração da Justiça, levou a cabo a tarefa de esmiuçar os números e os resultados que o Poder Judiciário vem alcançando em todo o país, tanto nos 27 sete estados da federação, nos Juizados Especiais, na 1a e na 2a instâncias, no âmbito da Justiça Estadual, da Justiça Federal e da Justiça do Trabalho, quanto perante os Tribunais Superiores, fazendo um cruzamento objetivo de dados que são extremamente reveladores do desempenho e da realidade do Poder Judiciário Brasileiro.
Esse não é, no entanto, um trabalho pronto e acabado. Ele é apenas uma ferramenta que deve ser sempre aperfeiçoada, debatida, estudada, atualizada e, principalmente, criticada, para ser colocada permanentemente à disposição do cidadão brasileiro, através de cada dirigente da OAB como agente indispensável de transformação de administração da justiça.
Com essa apresentação, Sr. Presidente, solicito seja determinada a publicação desses achados numéricos a respeito do desempenho do Poder Judiciário Brasileiro, com ampla divulgação nos informativos e periódicos da OAB, a fim de que estes possam funcionar como ferramenta crítica que permita a atuação altaneira, livre e independente dos advogados na sua indispensável participação no processo de administração da justiça, constitucionalmente reconhecida.
Muito obrigado.
Brasília, novembro de 2009
João Henrique Café de Souza Novais
Conselheiro Federal ( MG )
Fonte: OAB