Victor Búrigo Cesa[1]
RESUMO
O presente ensaio reúne esforços para analisar, sob o prisma da Análise Econômica do Direito, as possíveis repercussões da responsabilização civil das instituições financeiras, nos casos de fraudes perpetradas por meio da utilização de serviços bancários disponibilizados em plataformas digitais. Para tanto, a pesquisa retoma conceitos da metodologia econômica, como escolha racional, utilidade, busca por eficiência e externalidades negativas para, de posse dessas informações, buscar esclarecer que a construção de um sólido entendimento jurisprudencial acerca da responsabilidade civil pode representar importante incentivo às instituições financeiras ao investimento em medidas de precaução e segurança. Em síntese conclusiva, considerando-se que a impossibilidade de identificação do agente causador do dano nas fraudes relacionadas aos serviços bancários digitais é um dos grandes propulsores ao aumento de prática deste tipo de delito e está, em grande parte, relacionada à omissão das instituições financeiras quanto às medidas de segurança na disponibilização dos serviços via plataformas digitais, entendeu-se que a não responsabilização dessas instituições, nestes casos, poderá financiar um cenário de incentivos ao fraudador e propício ao cometimento de crimes, à medida que desincentiva as instituições a garantir maior segurança e impelir maiores esforços ao impedimento destas fraudes, prejudicando o bem estar social.
Palavras-chave: Análise Econômica do Direito; responsabilidade civil; fraudes financeiras; instituições financeiras; serviços digitais.
ABSTRACT
This essay assembles efforts to analyze, under the prism of the Economic Analysis of Law, the possible repercussions of the civil liability of financial institutions, in cases of fraud perpetrated through the use of banking services available on digital platforms. Therefore, the research takes up concepts of economic methodology, such as rational choice, utility, search for efficiency and externalities. Having this information, we seek to clarify that the construction of a solid jurisprudential understanding, with a normative character, about civil liability, goes beyond the mere resolution between the litigating parties, and may represent an incentive or a disincentive for financial institutions to invest in measures of precautions. In a conclusive summary, considering that the impossibility of identifying the agent causing the damage in frauds related to digital banking services is one of the main drivers of the increase in the practice of this type of crime and is, to a large extent, related to the omission of financial institutions with regard to security measures in the provision of services, it is understood that the non-accountability of financial institutions in these cases could finance a scenario of incentives for fraudsters and conducive to the commission of fraud.
Keywords: Economic Analysis of Law; civil liability; financial frauds; financial institutions; digital services.
SUMÁRIO: Introdução. 1 Serviços financeiros na era digital: bem-estar social versus risco de dano. 2 Premissas conceituais: escolha racional, utilidade, busca por eficiência e externalidades. 3. Responsabilidade Civil como incentivo às medidas de precaução. 4. Cenários de influência nas tomadas de decisão. Conclusões. Referências bibliográficas.
INTRODUÇÃO
O presente ensaio dedica-se a analisar, sob a óptica da Análise Econômica do Direito, possíveis desdobramentos da responsabilização civil das instituições financeiras, nos casos de fraudes praticadas mediante utilização dos serviços bancários fornecidos por meio digital.
Para tanto – e sem pretender criticar o avanço tecnológico – será apresentada a problemática que envolve a questão, propondo-se que a disponibilização de serviços bancários por meios digitais pode ora se apresentar como como forma de atender ao anseio social por maior comodidade e facilidade (maximizando o bem-estar social); ora implicar em exagerada flexibilização dos processos burocráticos, incorrendo em um incentivo para a prática de fraudes e estelionatos (maior dano social).
Em seguida, retomando conceitos e apresentando métodos da Análise Econômica do Direito, o diálogo propõe que a construção jurisprudencial em relação ao direcionamento dos danos decorrentes das fraudes bancárias digitais (por meio da responsabilização civil) pode ser analisada como forma de incentivo à adoção de medidas de precaução e deve atentar-se às externalidades negativas geradas pela não adoção das referidas medidas.
Concluir-se-á, portanto, que o cenário de baixo investimento por parte das instituições financeiras em medidas de precaução e segurança serve de incentivo aos criminosos à prática de delitos – em especial por conta da baixa chance de identificação –, de modo que a construção de um entendimento jurisprudencial pela não responsabilização dessas instituições pode implicar na manutenção deste atual cenário favorável ao fraudador, e que também beneficia economicamente as instituições financeiras (que se abstêm de suportar os gastos das medidas preventivas), em detrimento de um prejuízo considerável ao bem-estar social e ao cidadão.
1 SERVIÇOS FINANCEIROS NA ERA DIGITAL: BEM-ESTAR SOCIAL VERSUS RISCO DE DANO
O avanço da tecnologia deu origem a um anseio social por maior praticidade e, acima de tudo, agilidade. A era digital e, especialmente, o surgimento de bancos digitais impulsionaram de forma contundente as instituições financeiras, incluindo corporações mais conservadoras, ao fornecimento de serviços na modalidade digital.
Todavia, com o advento do fornecimento de serviços financeiros e bancários por meio digital, o número de crimes envolvendo estelionatos e fraudes aumentou consideravelmente.[2]
A utilização do aparato tecnológico por bancos e instituições financeiras, como se sabe, possibilita diminuir a burocracia até então existente para a contratação e utilização de serviços bancários, tais como abertura de contas e tomada de crédito, e atender ao anseio social por maior praticidade, garantindo o contentamento dos usuários, aumento do número de clientes e gerando maior bem-estar social.
A problemática surge, porém, quando a utilização da tecnologia, com o intuito de proporcionar maior facilidade ao consumidor, implica em uma exagerada flexibilização dos processos burocráticos – inerentes à prestação de serviços financeiros de maneira segura –, viabilizando a utilização do aparato bancário como meio para prática de atos que ensejam danos à sociedade, como é o caso das fraudes e dos estelionatos.
Segundo dados da International Business Machines Corporation (IBM)[3] e do Serasa Experian[4], a representação monetária dos danos decorrentes de fraudes relacionadas à utilização do sistema bancário e financeiro, somente em 2022, é de um prejuízo de aproximadamente R$ 2.500.000.000,00 (dois bilhões e quinhentos milhões de reais), distribuídos entre mais de 331.000 (trezentos e trinta e um mil) brasileiros. Ainda segundo essas pesquisas, a cada 07 (sete) segundos um brasileiro é vítima de fraude financeira.
O aumento significativo destes crimes se deve, em grande medida, à já mencionada flexibilização exagerada dos processos administrativos bancários relacionados ao fornecimento de serviço, em especial quando realizado por meio de plataformas tecnológicas.
Passou-se de um período em que a atividade bancária era reconhecida por seu excesso de burocracia (quando eram exigidas incontáveis assinaturas e rubricas, cópias autenticadas de todos os documentos e reconhecimentos de firma), para uma modernidade digital de flexibilização exacerbada (em que somente se exige o envio da fotografia de um documento pessoal – muitas vezes sem qualquer tipo de conferência – para que se possa usufruir dos serviços bancários).
Na prática, os crimes ocorrem de formas diversas e bastante criativas. Os criminosos contratam serviços bancários mediante apresentação de documentos falsos – contando com a falta de precaução das instituições financeiras – e, uma vez viabilizada a utilização dos serviços, sem real identificação do titular: recebem e sacam os valores decorrentes de atos criminosos; realizam pedido de empréstimos em nome de terceiros, entre outros. Há, ainda, casos de furtos de celulares ou troca de cartões de crédito, visando realizar uma série operações financeiras (que, na sua grande maioria, fogem completamente ao padrão de renda e de consumo do titular da conta bancária), contando que as instituições financeiras autorizarão as operações, sem quaisquer questionamentos.
Percebe-se, então, uma sensível desarmonia gerada pela adoção de mecanismos digitais como plataforma de prestação de serviços: tem-se, de um lado, o anseio social por maior comodidade e facilidade (e, neste sentido, o uso da tecnologia e das plataformas digitais favorecem o aumento bem-estar social), mas há, no outro extremo, um excesso de desburocratização que – quando desacompanhado de medidas preventivas e de precaução– viabiliza a prática de crimes perfeitos, sem que se possa identificar o infrator.
De antemão, é necessário destacar que não há, nesta exposição, qualquer intenção de depreciar ou se opor ao incentivo de utilização da tecnologia como forma de aumentar o conforto e o bem-estar social (em verdade, o autor se vê como um entusiasta do avanço tecnológico, como forma de melhoria da qualidade de vida social). Todavia, o que se buscará analisar, sob o prisma da Análise Econômica, são os incentivos vislumbrados pelos fraudares, para que esses se apropriem da credibilidade dos bancos para realizar atos criminosos, em detrimento dos incentivos às instituições financeiras para adoção de medidas de precaução.
Isso porque, o avolumamento de fraudes mediante utilização de aparato digital causou um movimento de judicialização, por parte daqueles que foram lesados, que passaram a demandar a responsabilização civil das instituições financeiras, alegando, em especial, o nexo causal entre a omissão (falta de precaução) das referidas instituições, e o dano por eles suportados.
A resposta a ser dada pelo judiciário, como se pretende analisar, implica efeitos passíveis de estudo sob a óptica da AED, mormente por repercutir consequências que superam a resolução da lide entre os jurisdicionados. A responsabilização civil das instituições financeiras (ou mesmo o risco de responsabilização) servirá como incentivo à tomada de precauções e a maiores investimentos visando garantir maior segurança aos serviços financeiros, em especial no âmbito digital, configurando-se como externalidade a ser considerada quando da tomada de decisão pelos agentes financeiros.
À luz da Análise Econômica do Direito, e forte no método econômico, pretende-se, também, questionar se o excesso de facilitação para utilização do aparato bancário, decorrente do fornecimento de serviços na modalidade digital, desacompanhado da devida precaução por parte das instituições financeiras, ensejando a dificuldade de identificação do criminoso, pode ser um incentivo à prática de fraudes. E, ainda, se a criação de uma jurisprudência que implique a responsabilização civil das instituições financeiras nestas situações, como forma de redirecionamento dos danos decorrentes destas práticas fraudulentas às instituições financeiras, serviria como incentivo à maiores precauções e, por consequência, viabilizaria a maximização dos benefícios sociais.
Para que possamos nos aventurar na análise que ora se propõe, é preciso, antes, dedicar alguns parágrafos à aclaração de alguns dos conceitos básicos da Análise Econômica do Direito (como escolha racional, utilidade, busca por eficiência e externalidades) e, posteriormente, esclarecer a visão de responsabilidade civil enquanto incentivo às medidas de precaução, o que nos possibilitará verificar os possíveis efeitos que a construção jurisprudencial pode exercer sobre futuras tomadas de decisões.
2 PREMISSAS CONCEITUAIS: ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO, ESCOLHA RACIONAL, UTILIDADE E EXTERNALIDADES
A Análise Econômica do Direito (AED) é um campo do conhecimento que objetiva aplicar ferramentais teóricos e empíricos econômicos e das ciências afins ao Direito, para expandir sua compreensão e alcance, além de buscar aperfeiçoar o desenvolvimento, a aplicação e a avaliação de normas jurídicas, principalmente com relação às suas consequências[5].
Aos menos familiarizados com os termos e conceitos da AED, são indispensáveis os ensinamentos do Prof. Martín E. Paolantonio[6], que sintetiza os pressupostos básicos sob os quais aquela se funda, sendo eles: a) agentes econômicos perseguem como objetivo aumentar seu benefício (maximização da utilidade); b) agentes econômicos atuam racionalmente, o que permite predizer seu comportamento ou reação a respeito das previsões ou mudanças do ordenamento jurídico; e c) o conjunto de preferências dos agentes econômicos é estável.
A Análise Econômica nos ensina, portanto, que as escolhas dos agentes econômicos têm por fundamento uma equação (ainda que realizada de forma inconsciente[7]) que considera os meios disponíveis para atingir determinada finalidade, partindo-se do pressuposto que a decisão somente será tomada pelos indivíduos quando a utilidade/benefício possivelmente decorrente da decisão seja maior do que os custos para obtê-la[8]. Como se verifica, portanto, a escolha racional está intrinsicamente relacionada à ideia de utilidade[9].
Aplicar essa premissa ao caso das fraudes implica entender que as decisões – por parte dos fraudadores (de realizar o ilícito), bem como das instituições financeiras (de dedicar maior volume de investimentos a garantir a segurança das operações realizadas por meio digital) –, passará, invariavelmente, por um balanço racional entre benefícios e custos de cada ação. Enquanto aqueles ponderarão sobre os custos para realizar os golpes (risco de detecção, gravidade da sanção e certeza de punibilidade[10]) em detrimento dos benefícios (auferir valores monetários), essas realizarão cálculo análogo, verificando os benefícios da disponibilização dos serviços no formato digital (expansão da carteira, competitividade no mercado e aumento do lucro), em detrimento dos custos deste fornecimento na modalidade digital (investimento em tecnologias, dever de garantir segurança e, em especial para este estudo, os riscos de suportar indenizações).
O preço – cujo conceito não se limita à expressão monetária –, portanto, influencia o comportamento humano, de modo que cada opção será analisada considerando-se os benefícios auferidos por meio de uma comparação qualitativa e quantitativa.[11]
Um outro conceito que importa destacar é o conceito de eficiência, enquanto maximização de riquezas, como forma de verificar se os recursos (naturalmente escassos) estão sendo bem utilizados. “Trata-se de uma das preocupações basilares da Ciência Econômica, o pressuposto de que os desejos são ilimitados, mas os recursos disponíveis são limitados, o que motiva a buscar a melhor alocação de bens para que a maior quantidade possível de demandas seja satisfeita”.[12]
Há casos, porém, em que determinadas circunstâncias específicas levam um sistema livre de mercado à alocação ineficiente de bens ou serviços, a isso a microeconomia denominou “falhas de mercado”. Segundo a definição dos professores Antônio M. Porto e Nuno Garoupa[13]:
“A microeconomia ocupa-se do estudo das causas de falhas de mercado e dos possíveis meios para corrigi-las. O conceito de falha de mercado, dentro da teoria econômica, refere-se a circunstâncias específicas que levam um sistema de livre mercado à alocação ineficiente de bens e serviços. As imperfeições refletem desvios das condições ideais de um sistema competitivo: indivíduos e organizações, que buscam maximizar seus interesses próprios, passam a agir em dissonância com o interesse social.
Normalmente, indivíduos focam sua atenção somente em custos e benefícios privados, ignorando os gerais. Para que se corrija essa situação, deve-se tentar alinhar objetivos privados e sociais, criando incentivos que induzam os sujeitos racionais, maximizadores de sua própria utilidade, a considerar todos os custos e benefícios em seus cálculos.”
Uma das principais falhas de mercados identificadas pela teoria econômica, trata-se dos casos em que a tomada de decisão dos agentes implica consequência (benefícios ou malefícios) a terceiros, não envolvidos na relação jurídica. A isso, denominou-se “externalidades”, sendo elas positivas, quando geram benefícios; e negativas, quando ensejam malefícios.
A conceituação de externalidades, proposta por Cabanellas, em sentido amplo, refere-se aos efeitos de certa atividade ou relação econômica sobre aqueles que não fazem parte dessa atividade ou relação.[14]
As externalidades são, portanto, exemplos clássicos daquilo que a microeconomia denomina “falhas de mercado”, enquanto circunstâncias específicas que levam um sistema de livre mercado à alocação ineficiente de bens e serviços.
Segundo o Prof. Sergio G. Guestrin, ambas as externalidades (positivas e negativas) geram falhas de mercado, uma vez que o custo marginal social difere do custo marginal privado, os preços não refletem os custos, de forma que a produção estaciona em um nível que não é o socialmente ótimo.Nas palavras do autor, “consomem-se bens e serviços que não correspondem à sua real escassez ou abundância e não se concretiza a combinação ótima nem um adequado equilíbrio entre sua oferta e sua demanda”, pelo que não se materializam transações eficientes, acarretando perda de bem-estar”.[15]
Neste contexto, é possível retomar apontamento anterior, no sentido de que a resposta que o judiciário dará à crescente onda de demandas judiciais (em especial pela não imputação de responsabilidade às instituições financeiras pelos danos decorrentes dos crimes praticados mediante utilização de seus serviços digitais) deverá considerar as externalidades negativas – isto é, os danos causados às vítimas, que suportam integralmente o prejuízo – ocasionadas pela disponibilização dos serviços financeiros, sem efetivo investimento em medidas de segurança.
Nas palavras de Décio Zylbersztajn e Rachel Sztajn[16], “o Direito, por sua vez, ao estabelecer regras de conduta, deverá levar em conta os impactos econômicos que delas derivarão, os efeitos sobre a distribuição ou alocação de recursos e os incentivos que influenciam o comportamento dos agentes econômicos privados”.
A eventual construção de uma jurisprudência que abrande a responsabilização das instituições financeiras produzirá efeitos para além de resolver a lide entre jurisdicionados, uma vez que representará substancial desincentivo às institutos à adoção de medidas de precaução, o que, por sua vez, representa um incentivo aos criminosos, que têm conhecimento da dificuldade de efetiva identificação do agente causador do dano. O resultado a reprodução e manutenção de um cenário de substancial perda de bem-estar social.
3 RESPONSABILIDADE CIVIL COMO INCENTIVO ÀS MEDIDAS DE PRECAUÇÃO
Partindo do ponto de vista econômico, a AED entende que a Responsabilidade Civil pode ser tida como uma forma de corrigir externalidades negativas, à medida que essa estabelece critérios para a seleção das situações nas quais a ocorrência de dano deve ser indenizada e define os critérios para transferência do prejuízo causado por esses danos[17].
Desta maneira, ao formular normas de responsabilidade civil[18], o ordenamento jurídico pode apresentar quatro funções para o referido instituto, sendo elas: a) reparação da vítima que sofreu danos; b) prevenção de danos futuros, criando incentivos para que níveis adequados de precaução sejam adotados; c) punição, ao impor ao autor do dano ônus monetário adicional ao prejuízo efetivamente verificado; d) informação, ao disponibilizar dados sobre riscos e medidas preventivas das atividades, com o objetivo de conformar comportamentos das partes envolvidas em situações potencialmente danosas[19].
O estudo quanto à responsabilidade civil, neste contexto – em especial quanto ao tema que ora se propõe debater – transcende o mero diagnóstico quanto à possibilidade de reparação do dano a um determinado particular, como forma de resolver a lide entre esse e a instituição financeira. Pelo contrário, a construção de uma jurisprudência sólida, seja no sentido de condenar as instituições financeiras à indenização pelos danos suportados em decorrência das fraudes, seja por afastar sua responsabilidade, implicará em uma série de comandos – com caráter normativo – que farão parte de uma equação em tomadas de decisões futuras, em especial para análise de riscos e benefícios quando da adoção de políticas de fornecimento de serviço em formato digital e de investimentos em melhoria da segurança.
Paula Forgioni há muito apontava para a necessidade abandonar o método clássico da análise jurídica. Isso porque, o método clássico considera apenas o prejuízo que uma parte causou a outra, para verificar em que medida as partes se prejudicaram mutuamente (sem avaliar eventuais externalidades) de modo que seria mais interessante examinar os custos e benefícios para todas as partes da relação. Além disso, destaca que o sistema jurídico deve proporcionar um maior grau de segurança e de previsibilidade, reduzindo os custos de transação e facilitando as contratações entre os agentes[20].
Para melhor esclarecer os parâmetros propostos na presente análise, é importante destacar os ensinamentos do Prof. Antônio Maristrello Porto[21], que esclarecem a forma como a Análise Econômica do Direito estudo o fenômeno da responsabilização civil:
“A análise econômica parte precisamente da ideia de que existem níveis médios ótimos de precaução para cada atividade. Esta noção não é particularmente original, sendo compartilhada pela doutrina jurídica tradicional, que também leva em consideração a necessidade de se caracterizar níveis médios ideais de precaução compatíveis com as especificidades de cada atividade. A diferença entre as abordagens, no entanto, consiste no fato de que a doutrina jurídica tradicional parte de uma conceituação deontológica do dever geral de cuidado, atrelando o nível ótimo de precaução à natureza da conduta praticada. A AED, a seu turno, adota um conceito de precaução instrumental, avaliado a partir de sua capacidade de promover eficiência econômica.”
Note-se que não há pretensão, aqui, de adentrar às acaloradas, e bastante válidas, discussões sobre a validade do critério de eficiência como objetivo a ser alcançado pelo Direito, nem tampouco discorrer sobre o critério de eficiência como maximização de riqueza e promotor de justiça e/ou equidade – que possuem como expoentes, entre outros estudiosos, o Prof. Richard A. Posner[22]. De igual modo, o presente ensaio se distanciará, em certa medida, da visão tradicional da responsabilidade civil, buscando analisar, com enfoque no método econômico e na Análise Econômica do Direito, o que a responsabilização civil (ou o risco de responsabilização) pode representar em tomadas de decisões futuras e os desdobramentos sociais em que essas decisões podem incorrer (influência em externalidades negativas).
Fato é que, para a AED, a responsabilidade civil empreende efeitos diversos e potencializados em relação à atividade empresarial, quando comparada com seu efeito sobre pessoas físicas ou situações específicas e pontuais. Isso porque, dado o volume de serviços e produtos fornecidos pelas grandes corporações – como é o caso das instituições financeiras – o risco de responsabilização pode implicar perdas econômicas milionárias. Decorre daí o fato de que a normatização quanto à responsabilização civil, pode se apresentar como forte incentivo à tomada de decisões para fazer cessar o dano.
Nas palavras de Antonio Maristrello Porto e Nuno Garoupa, “as regras de responsabilidade civil devem criar incentivos para que a empresa atue com precaução especial, se comparada às pessoas físicas, uma vez que, ao mudar o seu comportamento, afetará diversos sujeitos e relações”[23].
A resposta que o Poder Judiciário dará às demandas judicias que discutem a responsabilidade civil das instituições financeiras (e, por consequência, o direcionamento do dano sofrido) poderá criar diferentes cenários de influências que poderão intensificar ou não as tomadas de decisões, tanto dos fraudadores, de praticar ou não o ato criminoso, seja das instituições financeiras, em ampliar esforços e investimentos para assegurar maior garantia na disponibilização de seus serviços em formato digital.
4 CENÁRIOS DE INFLUÊNCIAS NAS TOMADAS DE DECISÃO
Transportando os entendimentos e métodos econômicos de análise até então apresentados ao objeto de estudo (fraudes no sistema financeiro), torna-se claro que eventual inclinação da jurisprudência, ainda não consolidada quanto ao tema, em relação ao direcionamento dos danos resultantes destas fraudes implicará em incentivo e/ou desincentivo a uma série de tomadas de decisão, dentre as quais: a do fraudador, de realizar ou não o ilícito; bem como a tomada de decisão das instituições financeiras, de investir ou não no aprimoramento do sistema bancário digital e na extensão da segurança que promovem.
Conforme se antecipou, nos casos de fraude mediante utilização do sistema bancário digital, há, de um lado, um possível fraudador que levará em consideração, ainda que de forma inconsciente, incentivos ao cometimento do crime (lucro a ser obtido, aumento de status social) e os desincentivos (risco de detecção, grau e certeza de penalização); e há, no outro extremo, a instituição financeira que deliberará sobre o capital financeiro e humano dedicado à disponibilização dos serviços no formato digital. Para tanto, considerará, dentre outras variáveis, os incentivos (qualidade do serviço prestado de forma digital, competitividade em relação aos concorrentes, aumento da carteira de clientes) e os desincentivos (extensão dos gastos para desenvolvimento e manutenção das plataformas digitais, risco de responsabilização pelo fornecimento dos serviços, entre outros).
Neste contexto, existe uma série de fatores que envolve as tomadas de decisão, incluindo medidas de competência do Estado (como é o caso do grau das penalidades, certeza da aplicabilidade da sanção, entre outras), ou mesmo de aplicação social (como é o caso da repressão em relação à determinadas condutas). Todavia, há, também, medidas que podem ser adotadas pelos particulares, e que possuem elevado potencial de fazer cessar, ou de pelo menos reduzir, o número de fraudes cometidas.
No início deste ensaio, fez-se menção aos levantamentos estatísticos da International Business Machines Corporation (IBM) e do Serasa Experian, que tornam claro que o atual cenário, de extrema flexibilização de acesso aos serviços digitais, proporciona maior inclinação à prática de crime, em especial em decorrência da elevado grau de certeza do criminoso quanto à impossibilidade de detecção. Não coincidentemente, em virtude destas “facilidades” promovidas pelas precárias medidas de precaução, em especial em âmbito digital, financiaram um avolumamento exponencial dos crimes de estelionato e fraudes, alcançando patamares nunca antes verificados (onde um brasileiro é vítima deste tipo de crime, a cada 07 segundos e cujas 20% das contas bancárias digitais possuem suspeitas de fraudes).
Torna-se claro, portanto, que a tomada de decisão que o Estado dará quanto ao direcionamentos destes danos (que somaram mais de 2,5 bilhões de reais, somente no ano de 2022) representará uma mudança de circunstâncias e de influências a ser consideradas pelos agentes econômicos envolvidos nesta relação.
Enquanto não advirem medidas legislativas que regulem, de forma específica, a questão de direcionamento dos danos decorrentes dos crimes perpetrados por meio das plataformas bancárias digitais, a resposta dada pelo Poder Judiciário representará comandos normativos bastante potentes aptos a incentivar as instituições financeiras à adoção de maiores medidas de precaução.
O risco de suportar os danos causados pelos fraudadores a seus clientes e consumidores (que, em grande medida, é avaliado pelo entendimento jurisprudencial), será, sem dúvida, considerado quando da tomada de decisão das instituições financeiras em relação ao investimento em segurança digital. De outro lado, inexistindo normas jurídicas específicas quanto à responsabilização e seu direcionamento, ou mesmo eventual inclinação jurisprudencial em afastar a responsabilidade civil das instituições financeiras nestes casos, representará um comando normativo de incentivo às referidas empresas para que essa se abstenham de ampliar suas medidas de precaução e de reunir esforços para evitar a prática dos delitos.
Conclui-se, por consequência, que o cenário de menor risco de responsabilização das instituições financeiras implica incentivo ao baixo investimento em medidas de precaução e segurança, o que, por sua vez, serve de incentivo aos criminosos e à prática de delitos. Em contrapartida, a eventual construção de um entendimento jurisprudencial pela responsabilização dessas instituições poderá representar eficaz medida econômica de rompimento deste aumento do número de crimes, em detrimento de um prejuízo considerável ao bem-estar social e ao cidadão.
CONCLUSÃO
Sob o ponto de vista da Análise Econômica do Direito, a tomada de decisão dos agentes financeiros envolve um sopesamento de incentivos e/ou desincentivos, que resultarão na escolha dos agentes por aquela opção que maior lhe trará utilidade e cujo preço para sua efetivação seja menor do que o benefício dela decorrente.
A crescente demanda social por maior praticidade, impulsionada pela democratização do acesso à tecnologia, portanto, levou as instituições financeiras a decidirem pelo fornecimento de seus serviços no formato digital e desburocratizado.
Nada obstante os inúmeros benefícios trazidos pela modalidade de fornecimento digital dos serviços bancários, não se pode negar que a flexibilização excessiva dos processos de abertura de contas e utilização dos serviços bancários ensejou, também, alguns malefícios ao bem-estar social, como é o caso do aumento considerável da prática de crimes de estelionato e fraudes.
Neste contexto, sob o ponto de vista econômico, a resposta a ser dada pelo Poder Público no tocante ao direcionamento destes danos (mediante promulgação de normas de responsabilidade civil) deverá se dar com vistas a minimizar as externalidades negativas advindas das relações de consumo destes serviços bancários fornecidos via plataformas tecnológicas.
A construção de um entendimento jurisprudencial sólido acerca do tema, com caráter jurídico-normativo, representará um importante fator na ponderação das instituições financeiras e poderá patrocinar um maior investimento em medidas de precauções e segurança, em especial sob pena de suportar ônus bastante elevados pelas condenações judiciais.
Por óbvio, a resolução de uma problemática que alcança contornos de extensão nacional não decorre de uma única medida. Porém, acredita-se que a abstenção do poder judiciário e/ou o posicionamento pelo não direcionamento da responsabilização civil às instituições financeiras – em especial quando consideramos que o aumento da prática dos crimes se dá pela baixa possibilidade de detecção do infrator, por sua vez financiada pela omissão das instituições – promoverá uma manutenção do cenário atual, em que o incentivo à prática dos crimes é elevado e o incentivo ao aumento de investimentos em medidas de precaução é bastante baixo.
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[1] Mestrando em Direito Civil pela UFSC. Pós-graduado em Direito Tributário pelo IBET e em Direito Empresarial pela PUC-MG. Bacharel em Direito pela UFSC. Advogado. Endereço eletrônico: victor@burigocollaco.adv.br.
[2] Segundo reportagem da revista Exame, um estudo realizado pela empresa AllowMe, apontou que 20% das contas digitais abertas no Brasil são suspeitas de fraudes. A pesquisa analisou mais de 1,3 milhão de transações de entrada de novos clientes em conta digitais. Disponível em: <https://exame.com/future-of-money/20-contas-digitais-brasil-suspeitas-fraude/>. Acesso em 24 de abril de 2023.
[3] 2022 IBM Global Financial Fraud Impact Report. Disponível em: <https://filecache.mediaroom.com/mr5mr_ibmnewsroom/193031/MC%20%2B%20IBM%20Financial%20Fraud%20Study%20-%20Global%20Report%20Updated%203.8.22.pdf>. Acesso em 15 de setembro de 2022.
[4] Pesquisa realizada pelo Serasa Experian. Disponível em <https://www.serasaexperian.com.br/sala-de-imprensa/analise-de-dados/tentativas-de-fraude-crescem-189-em-relacao-ao-mesmo-periodo-do-ano-passado-revela-serasa-experian>. Acesso em 15 de setembro de 2022.
[5] GICO JR., Ivo Teixeira. Metodologia e Epistemologia da Análise Econômica do Direito. Economic Analysis of Law Review, Jan.-Jun.: 7-32, 2010, p. 02.
[6] PAOLANTONIO, M. E. El análisis econômico del derecho y la estructura societária apud JAKOBI, Karin B.; RIBEIRO, Marcia Carla P. A análise econômica do direito e a regulação do mercado de capitais. São Paulo: Atlas, 2014, p. 33
[7] O avanço dos estudos na ciência da análise econômica, em especial da econômica comportamental (Behavioral economics), implicou em relativa superação do conceito de “decisão racional”, passando a entender que as deliberações humanas, muitas vezes, ocorrem de forma mais rápida e irracional, ainda que levando em consideração fatores como heurísticas e vieses. Os estudos neste sentido têm como principais expoentes o já falecido Prof. Amos Tversky e Prof. Daniel Kahneman, cujas pesquisas em conjunto agraciaram Kahnemann com o Prêmio Nobel de Economia, em 2002.
[8] PINHEIRO, Armando Castelar; SADDI, Jairo. Direito, Economia e Mercados. Rio de Janeiro: Campus, 2005, p. 89.
[9] JAKOBI, Karin B.; RIBEIRO, Marcia Carla P. A análise econômica do direito e a regulação do mercado de capitais. São Paulo: Atlas, 2014, p. 37.
[10] BECKER, Gary Stanley. LANDES, William M. Essays in the economics of crime and punishment (Human behavior and social institutions), 1974, NBER, p. 1-54.
[11] PINHEIRO, Armando Castelar; SADDI, Jairo. Direito, Economia e Mercados. Rio de Janeiro: Campus, 2005, p. 88-90.
[12] RIBEIRO, Marcia Carla P.; JUNIOR, Irineu Galeski. Teoria Geral dos Contratos: contratos empresariais e análise econômica. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 85.
[13] PORTO, Antônio M.; GAROUPA, Nuno. Curso de Análise Econômica do Direito. São Paulo: Atlas, 2022, p. 73.
[14] CABANELLAS, G. El análisis económico del derecho: evolución histórica. Metas e instrumentos, 2006 apud JAKOBI, Karin B.; RIBEIRO, Marcia Carla P. A análise econômica do direito e a regulação do mercado de capitais. São Paulo: Atlas, 2014.
[15] GUESTRIN, S. G. Fundamentos para un nuevo análisis econômico del derecho: de las fallas del mercado al sistema jurídico. Buenos Aires: Depalma, 2004, p. 338.
[16] ZYLBERSZTAJN, Decio; SZTAJN, Rachel. Direito & Economia: análise econômica do direito e das organizações. Rio de Janeiro: Campus, 2005, p. 03.
[17] PORTO, Antônio M.; GAROUPA, Nuno. Curso de Análise Econômica do Direito. São Paulo: Atlas, 2022, p. 261.
[18] Para fins desta análise, utilizou-se o vocábulo “norma” de forma ampla, de modo a abarcar a construção das decisões e dos comandos judiciais, o entendimento jurisprudencial e os precedentes como “normas” jurídicas. Sobre o tema, ver: SCHMITZ, Leonard Z., Fundamentação das Decisões Judiciais: a crise na construção de respostas no processo civil. São Paulo: RT, 2015, p. 74-80; MÜLLER, Friedrich. O novo paradigma do direito. São Paulo: RT, 2013. cit. p. 291.
[19] BATTESINI, Eugênio. Direito e Economia: Novos horizontes no estudo da responsabilidade civil no Brasil. São Paulo, LTr, 2011, p. 284.
[20] FORGIONI, Paula Andrea. Análise econômica do direito (AED): paranóia ou mistificação. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, v. 54, n. 139, p. 243-256, 2005. Acesso em: 23 abr. 2023.
[21] PORTO, Antônio M.; GAROUPA, Nuno. Curso de Análise Econômica do Direito. [Digite o Local da Editora]: Grupo GEN, 2021. E-book. ISBN 9786559771394. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786559771394/. Acesso em: 05 abr. 2023, P. 263.
[22] “(…) economists do not claim the competente to make ultimate value judgments. They can illuminate the effects of public policies, actual or proposed, on efficiency on its economic sense or senses, but they cannot tell the policy maker how Much weight to assign efficiency as policy goal, though They may be able to advise him concerning the seasibility of achieving others goals, such as more equal distribuition of incame”. POSNER, Richard A. Economic Analysis of Law, Aspen books, 1998, 5a ed, p. 16.
[23] PORTO, Antônio M.; GAROUPA, Nuno. Curso de Análise Econômica do Direito. São Paulo: Atlas, 2022, p. 289.