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STF recebe denúncia do MPF contra senador Eduardo Azeredo

Por cinco votos a três, o plenário do Supremo Tribunal Federal recebeu nesta quinta feira, 3 de dezembro, a denúncia (INQ 2280) oferecida pelo ex-procurador-geral da República Antonio Fernando de Barros contra o senador Eduardo Brandão Azeredo (PSDB-MG) pelos crimes de peculato e lavagem de dinheiro. O julgamento, que teve início em 4 de novembro, foi interrompido no dia 5 por pedido de vista do ministro Dias Toffoli após o relator, Joaquim Barbosa, votar pelo recebimento integral da denúncia. Toffoli rejeitou a denúncia e foi acompanhado pelos ministros Eros Grau e Gilmar Mendes. Votaram com o relator os ministros Ricardo Lewandowski, Carlos Britto, Cezar Peluso e Marco Aurélio.

Azeredo é acusado de desviar R$ 3,5 milhões do estado de Minas Gerais para pagar contas da sua campanha à reeleição ao cargo de governador, em 1998, caso que ficou conhecido como mensalão mineiro. O crime teria ocorrido mediante a simulação de patrocínios a eventos esportivos pelas estatais mineiras Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa), Companhia Mineradora de Minas Gerais (Comig), e Grupo Financeiro do Banco do Estado de Minas Gerais (Bemge), todas dirigidas por amigos pessoais de longa data de Azeredo, que inclusive se licenciaram dos cargos para ajudá-lo na campanha. A Copasa e a Comig doaram R$ 1,5 milhão cada uma para patrocinar o evento Enduro Internacional da Independência, e o  Bemge doou R$ 500 mil para o Irom Biker, um campeonato de motociclismo.

A empresa SMP&B Comunicações, de propriedade de Marcos Valério, Clésio Andrade (o candidato a vice-governador pela chapa de Azeredo), Cristiano Paz e Ramon Hollerbach detinha a exploração exclusiva dos eventos e foi na conta dela que as estatais depositaram a verba destinada ao patrocínio. Mas, segundo apontaram os laudos periciais elaborados a partir da quebra de sigilo bancário dos acusados, o dinheiro foi empregado para pagar fornecedores e prestadores de serviços da campanha eleitoral. Dentre essas pessoas pagas com o dinheiro público, 79 afirmaram, em interrogatório, que tinham sido contratadas pelo próprio governador ou pelo seu comitê de campanha e que não conheciam Marcos Valério nem sabiam que era a empresa dele que lhes fazia o pagamento por meio de depósitos em conta corrente.

Em seu voto vista, o ministro Dias Toffoli rejeitou a denúncia por considerá-la genérica e por não descrever de forma pormenorizada a conduta do acusado e seu vínculo com os crimes. “Como se dizer que Eduardo Azeredo entregou R$ 1,5 milhão aos co-denunciados? Eu não vi nada nos autos que indique que ele entregou o dinheiro. Não se imputa nenhum fato a ele a não ser por ter sido beneficiado como candidato à reeleição. De tudo o que eu li nos autos, eu não vi um ato praticado por Eduardo Azeredo. A denúncia imputa a ele a responsabilidade simplesmente for ser ele o governador de Minas Gerais”.

Após o voto de Toffoli, o relator pediu a palavra para esclarecer algumas questões e rebater as afirmações do ministro de que não havia indícios suficientes contra o senador para o recebimento da denúncia. Lembrou que o Ministério Público deu ênfase à prática intelectual do crime, pois a execução teria sido delegada aos demais indiciados. “Era tão patente a verticalidade da ordem de comando para o repasse dos recursos que alguns dirigentes das estatais declararam que foram contra o patrocínio, mas obedeceram por ser uma ordem superior. Outros nem conheciam os eventos. E a SMP&B sequer prestou contas da aplicação dos recursos, o que seria necessário, por se tratar de recursos públicos”.

Barbosa destacou a importância de vários depoimentos que confirmaram a participação de Azeredo nos desvios e o papel de Marcos Valério como intermediador para lavar o dinheiro público. Leu trechos do testemunho de Vera Lúcia Mourão, prima do tesoureiro da campanha, Cláudio Mourão, em que esta denunciou estar recebendo ameaças depois que se prontificou a testemunhar contra os acusados. Vera disse que trabalhou na campanha por indicação de seu primo e manipulava grandes somas de dinheiro, pois sua função era visitar diariamente todos os comitês da campanha e controlar a entrada das contribuições. Todo início de semana prestava contas do dinheiro recebido em reuniões das quais participavam, além dos membros do comitê, o próprio governador e Marcos Valério, que, segundo afirmou Vera, aparentava ser um coordenador da campanha, tamanho o empenho que demonstrava.

Barbosa destacou que essa presença constante de Marcos Valério nas reuniões do comitê não era algo esperado, pois suas empresas não mantinham qualquer vínculo formal com a campanha, já que a firma contratada para cuidar da publicidade era a de Duda Mendonça. Citou o nome de vários supostos doadores e colaboradores que foram remunerados pela SMP&B, embora não tivessem nenhum negócio com ela, para depois transferirem o dinheiro à campanha. “O que esse supostos financiadores fizeram foi desviar para o acusado os recursos desviados”, afirmou o ministro.

CPMI – Também citou o fato de a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito dos Correios ter identificado 72 ligações telefônicas de Marcos Valério para o celular de Azeredo, e a farta documentação dos autos que mostra os artifícios utilizados para lavar o dinheiro desviado, como os saques em espécie, depósitos nas contas dos militantes sem identificação de que o depósito fora feito pela SMP&B, o que só teria sido possível com a cumplicidade do Banco Rural.

Joaquim Barbosa criticou Toffoli por trazer levantamentos de despesas de campanhas  apresentadas à Justiça eleitoral por Itamar Franco e candidatos à presidência da República para comparar com os cerca de R$ 100 milhões que Cláudio Mourão afirmou terem sido arrecadados para a campanha à reeleição de Azeredo em 1998. Toffoli alegou que Itamar Franco declarou como arrecadação da sua campanha em 1998 a quantia de R$ 2,867 milhões, e que todas as campanhas presidenciais de 1998 somadas arrecadaram  R$47 milhões, e as de 2002 chegaram a R$ 87 milhões. “Diante da discrepância do arrecadado entre Itamar e essa quantia de 100 milhões, a indagação que fica é se essa quantia estaria compatível com os valores daquela época. Me parece que essa lista é muito mais para outras finalidades. A própria denúncia diz que ela visava arrancar dinheiro. Isso tem um nome, extorsão”.

Segundo Barbosa, “em 11 de abril de 2003 foi celebrado um acordo em que o banco aceitou R$ 2 milhões para quitar uma dívida de cerca de R$ 14 milhões. O laudo demonstra que os empréstimos são simulados. Os recursos não saíram do Banco Rural, mas serviram para adar aparência lícita aos desvios. Comprovação disso foi o acordo feito com o banco para quitar a dívida”. De acordo com o relator, informações repassadas pelo Banco Central no caso do mensalão mostram que foi instaurado processo contra o Banco Rural e declarada a inabilidade temporária de dois de seus funcionários por cumplicidade com esse esquema de lavagem de dinheiro.

Patrocínio – Um outro indício muito forte contra Eduardo Azeredo apontado pelo ministro era a certeza que o grupo de Marcos Valério tinha de que obteria o patrocínio do governo, pois antes mesmo de a direção das estatais autorizar a assinatura do contrato, este já tinha sido dado como caução para um empréstimo que fizeram em 28 de julho de 1998 no Banco Rural, no valor de R$ 2,3 milhões. Clésio Andrade, que tinha deixado a sociedade na SMP&B três semanas antes, foi o avalista, o que, de acordo com Barbosa, “demonstra que sua saída da empresa foi uma simulação”.

Antes de ser quitado esse primeiro empréstimo, o Banco Rural concedeu um segundo à DNA Propaganda, também dirigida por Marcos Valério, no valor de R$ 9 milhões. Segundo o relator, “os documentos comprovam que a DNA precisou da obtenção da autorização do governo de Minas Gerais para obter o empréstimo. E a autorização foi dada. O laudo pericial diz que tomaram o empréstimo usando o contrato com o governo como garantia”.

O ministro acrescentou que as práticas de lavagem utilizadas “aparentam inúmeras semelhanças com o mensalão e foram consideradas o embrião deste último. Não só alguns dos agentes envolvidos, mas também o modus operandi, os empréstimos fictícios, tudo permite a comparação. A utilização de recursos públicos nesse caso é patente. O crime foi praticado para obter recursos para a campanha”.

Ainda em resposta ao voto de Toffoli, Barbosa acrescentou: “Procurei deixar claro que o recibo de R$ 4,5 milhões, não é, nem de longe, o único indício em que me baseei para receber a denúncia”. Ele se referia a um recibo assinado por Eduardo Azeredo afirmando ter recebido essa importância da empresa de Marcos Valério. O documento foi apresentado à polícia por Nilton Monteiro, que disse tê-lo obtido de Cláudio Mourão, mas a defesa do senador nega a sua autenticidade. “Sinto-me obrigado a informar que o informante Nilton Monteiro fez juntar aos autos uma cópia do recibo em que há uma autenticação do cartório. Não mencionei esse fato antes porque o acusado não teve a oportunidade de se pronunciar sobre ele. Mas estou trazendo essa informação por causa dessa polêmica artificial criada em torno desse documento, porque o meu voto não se baseou nele”.

Ao votar pelo recebimento da denúncia, Lewandowski lembrou que “a Constituição de 1988 deu ao Ministério Público o poder-dever de promover a ação penas. Ou seja, tendo notícia de um crime, o Ministério Público está compelido a abrir a ação penal, dela não podendo se esquivar. Ele não age de forma arbitrária”. O ministro considerou que a denúncia apresenta vários indícios de autoria do crime por parte de Azeredo: “Além do recibo, dando quitação às empresas acusadas de serem beneficiárias dos repasses, outros indícios também existem. Muitos documentos, depoimentos, além do fato de que o maior beneficiário seria o ora acusado. A denúncia não lhe imputa a acusação só por ele ser o governador, mas pelos indícios, como o depósito em sua conta, os valores recebidos por 79 colaboradores de dinheiro da SMP&B, os valores dos patrocínios, nunca dantes praticados, os telefonemas para Marcos Valério, que não tinha qualquer ligação formal com  a campanha…”.

O ministro Carlos Britto louvou a qualidade técnica do inquérito, da denúncia e do relatório: “A meu ver são três peças de grande qualidade que sequenciam os fatos e contêm indícios convincentes e consistentes de autoria de fatos, em tese, delituosos. Não me parece que incorram na pecha da inépcia. Pelo menos nesse juízo primeiro, entendo que se montou mesmo no estado de Minas Gerais um esquema de caixa 2. E o caixa 2 é um modelo maldito de financiamento de campanha em nosso país. Ele costuma ser o início da corrupção. É uma desgraça da tradição brasileira. E nós já vimos esse script. Fez escola. Os protagonistas, o agente central, que não entendia nada de publicidade, mas entendia tudo de finanças… Sempre que ponho os olhos nas peças do processo, encontro motivos para perfilhar o entendimento do ministro Joaquim Barbosa. Há provas de todo tipo: documentais, testemunhais, periciais, evidências de que tudo se passou de acordo com um concerto escalonado a partir de um hierarca maior, o principal beneficiário”.

O ministro Marco Aurélio afirmou, ao receber a denúncia: “Temos uma peça que revela a dedicação exemplar à causa pública do ex-procurador geral da República Antonio Fernando. […] Ninguém nesse colegiado, que é de alto nível, caminha no sentido de se exigir a responsabilidade objetiva. A situação concreta é muito mais favorável ao recebimento da denúncia do que a situação que nos levou a receber a denúncia do mensalão”.

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Fonte: MPF

Como citar e referenciar este artigo:
NOTÍCIAS,. STF recebe denúncia do MPF contra senador Eduardo Azeredo. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/noticias/mpf/stf-recebe-denuncia-do-mpf-contra-senador-eduardo-azeredo/ Acesso em: 05 dez. 2023