Foi interrompido no final da tarde de hoje, 4 de novembro, o julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal, da denúncia (INQ 2280) oferecida em novembro de 2007 pelo ex-procurador-geral da República Antonio Fernando de Souza contra o senador Eduardo Brandão de Azeredo (PSDB-MG) pelos crimes de peculato e lavagem de dinheiro praticados em 1998, quando era candidato à reeleição pelo governo de Minas Gerais. O ministro Joaquim Barbosa terminará a leitura do seu voto na sessão de amanhã, mas já adiantou o recebimento da denúncia pelo crime de peculato (art. 312 combinado com art. 327, § 2º do Código Penal) pelo desvio de R$ 3,5 milhões dos cofres públicos do estado de Minas para pagar despesas da campanha, sendo R$ 1,5 milhão da Companhia de Saneamento de Minas Gerais – Copasa, R$ 1,5 milhão da Companhia Mineradora de Minas Gerais – Comig, e R$ 500 mil do Grupo Financeiro do Banco do Estado de Minas Gerais – Bemge, quando este último estava prestes a ser privatizado.
Joaquim Barbosa entendeu que os desvios só foram possíveis graças a participação do ex-governador e da cúpula do estado, ou seja, de seu vice Walfrido dos Mares Guia (que deixaria o cargo para candidatar-se a deputado federal), do secretário de Recursos Humanos e Administração, Cláudio Mourão (que se afastou do cargo para assumir a coordenação financeira da campanha) e do presidente do Partido da Frente Liberal (hoje Democratas) e candidato a vice-governador, Clésio Andrade, que ofereceu a estrutura da sua empresa para a prática dos crimes de peculato e lavagem de capitais.
Os quatro formavam o grupo que comandou a campanha eleitoral, mas os acertos financeiros e de metodologia ficaram por conta de Cláudio Mourão, Clésio Andrade e dos sócios deste último na empresa de publicidade SMP&B Comunicações Ltda, Marcos Valério, Cristiano Paz e Ramon Hollerbach, que obtinham empréstimos fictícios em favor da campanha para serem pagos com os recursos públicos desviados das estatais ou oriundos de repasses clandestinos de empresas privadas com interesses econômicos perante o estado, principalmente empreiteiras e bancos.
Denúncia – De acordo com o ex-procurador-geral, a SMP&B, embora estruturada como de atuação na área de comunicação e publicidade, atuava de fato na lavagem de dinheiro, contando, para isso, com a ajuda de instituições financeiras, como o Banco Rural, para garantir às operações uma aparência de legalidade que inviabilizasse a identificação da origem e natureza dos recursos. As provas indicam a participação dos quatro sócios nos desvios dos cofres públicos mineiros e o direcionamento dos recursos para a campanha à reeleição de Eduardo Azeredo, que tinha como candidato à vice o próprio Clésio.
Os R$ 3 milhões repassados pelas estatais Copasa e Comig foram depositados na conta da SMP&B Comunicações sob o pretexto de patrocinar o evento esportivo Enduro Internacional da Independência, que era explorado com exclusividade pela empresa de Marcos Valério. Em seu voto, o relator citou trecho da denúncia, onde Antonio Fernando explica como se tentou dissimular o repasse de quantia tão elevada para o patrocínio: “Como o esquema criminoso de sangria dos cofres públicos ficaria muito exposto com a justificativa de apenas um evento por valor tão expressivo, os denunciados, em determinado momento da operação, passaram a também incluir outros dois eventos: Iron Biker – O Desafio das Montanhas e Campeonato Mundial de Supercross”.
O Iron Biker justificou formalmente a entrega de R$ 300 mil para a SMP&B Comunicação por parte da Bemge S/A Administradora Geral, Financeira Bemge S/A e Bemge Administradora de Cartões de Crédito Ltda (R$ 100 mil cada uma). Outros R$ 200 mil foram repassados pela Bemge Seguradora S/A e Bemge Distribuidora de Valores Mobiliários S/A sem nenhuma preocupação em mencionar qualquer evento esportivo para justificar o repasse. Segundo o MPF, foi a cúpula do estado, ou seja, Azeredo, Mares Guia e Mourão, que deu as diretrizes para que Eduardo Guedes, secretário adjunto de Comunicação do governo, encaminhasse ofício aos dirigentes da Copasa, Comig e Bemge ordenando a liberação do dinheiro do patrocínio, sem o que não teriam aceitado liberar somas tão altas sem o prévio procedimento licitatório e a necessária formalização do ato por contrato administrativo, como prevê o art. 37, XXI da Constituição Federal.
“Prontamente e sem qualquer questionamento, Ruy Lage, então presidente da Copasa, e Fernando Moreira, então diretor financeiro e administrativo, autorizaram o imediato repasse da milionária quantia para a empresa que seria encarregada de viabilizar, mediante práticas fraudulentas, a destinação criminosa do dinheiro público”, afirmou Antonio Fernando na denúncia. Ele destacou que “o investimento de montante tão expressivo em evento esportivo tinha, necessariamente, que ser precedido de avaliações técnicas, no mínimo, para definir se o retorno a ser alcançado justificaria o repasse. Contudo, não houve qualquer avaliação dessa natureza. A Assessoria de Apoio Empresarial da Copasa não foi sequer consultada sobre o suposto patrocínio em exame”.
Voto – Joaquim Barbosa acatou essas considerações do ex-procurador geral e acrescentou que o governador era o único que poderia autorizar a liberação do dinheiro, pois pela longa relação de amizade pessoal que tinha com Fernando Moreira, datada de 1970 conforme depoimento do próprio Fernando, este último “não teria motivos para trair sua confiança. O fato de ele ter autorizado um patrocínio milionário sem ao menos analisar sua viabilidade técnica é sinal de que Eduardo Azevedo sabia do repasse e o autorizou”. O relator também destacou que a primeira ordem dada por Guedes à direção da Copasa foi informal, pois seu presidente, Rui Lage, teria se negado a cumpri-la se não fosse formalizada através de ofício, pois era contrário ao patrocínio por entender que era atribuição da Secom cuidar dessa parte de publicidade.
E, neste ponto, Lage tinha razão, pois o patrocínio ao evento Enduro sempre tinha sido feito pela Secretaria de Comunicação Social e em valores muito inferiores aos contratados para aquele ano. De acordo com dados do relatório final da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito que investigou as irregularidades nos Correios, a participação do governo de Minas no evento evoluiu de R$ 50 mil em 1995 e 1996, e R$ 250 mil em 1997, para e R$ 3,5 milhões em 1998. Além da extraordinária elevação dos valores, o ministro relator destacou que o patrocínio ocorreu quando faltava menos de 15 dias para a realização do evento, demonstrando a exigüidade de tempo para incluir no material de divulgação a marca das empresas patrocinadoras.
No mesmo dia em que Eduardo Guedes enviou o ofício para a Copasa, a SMP&B emitiu notal fiscal referente ao serviço que iria prestar, antes mesmo da anuência da estatal à concessão do patrocínio, e utilizou essa nota fiscal como caução para obter no Banco Rural um empréstimo de R$ 2,3 milhões. Os avalistas do empréstimo foram os sócios da SMP&B e Clésio Andrade, que três semanas antes havia vendido seus 40% de participação na empresa para a Star Alliance Participações Ltda. As investigações revelaram, no entanto, que a venda foi uma simulação, pois a compradora era uma empresa de fachada, constituída apenas com a finalidade de ocultar que a SMP&B, intermediária dos patrocínios, tinha como sócio majoritário o candidato a vice-governador.
O segundo empréstimo, de R$ 9 milhões, contraído também no Banco Rural pela DNA Propaganda Ltda, cujo diretor financeiro era Marcos Valério, também foi direcionado para a campanha, como admitido pelos denunciados. Neste caso, a caução dada foram os direitos a crédito que a DNA Propaganda possuía com o estado de Minas Gerais em decorrência do Contrato de Produção e Veiculação de Matéria Publicitária firmado entre ela e a Secretaria de Estado da Casa Civil e Comunicação Social – SECOM. Segundo o ex-procurador-geral, o secretário adjunto de Comunicação Social, Eduardo Guedes, que já tinha assinado os ofícios para a Copasa e a Comig solicitando o patrocínio, autorizou, por orientação do seu chefe Eduardo Azeredo, que o contrato público fosse dado como garantia, o que “revela, mais uma vez, que a cúpula do estado de Minas Gerais estava absolutamente ciente do modelo criminoso de desvio implementado”.
Em seu depoimento à Polícia Federal, Cláudio Mourão afirmou “que solicitou a Marcos Valério mais R$ 9 milhões para despesas finais da campanha no segundo turno”, e que este lhe respondeu que conseguiria o dinheiro no Banco Rural usando como caução um crédito que tinha com o governo de Minas em razão de serviços prestados de publicidade. Ramon Hollerbach, quando indagado acerca das razões que levaram a SMP&B a emprestar R$ 11 milhões para uma campanha eleitoral, respondeu que havia um interesse da empresa e dos sócios em “reforçar o relacionamento com o governo do estado de Minas Gerais”.
Desse empréstimo de R$ 9 milhões, R$ 325 mil foram repassados para a empresa Carbo Cia de Artefatos de Borracha, que tinha entre seus sócios Clésio Andrade. No dia seguinte Clésio repassou R$ 200 mil para a conta bancária da campanha eleitoral em nome de Eduardo Azeredo, conforme apurou a análise da quebra de sigilo bancário dos denunciados. De acordo com o ex-procurador-geral, “é fato comprovado que Eduardo Azeredo foi um dos principais mentores de toda a gama de ilicitudes praticada. Nesse contexto, tinha ciência que estava recebendo, em sua conta de campanha (aberta em seu nome), duzentos mil reais do esquema”.
Joaquim Barbosa destacou que o maior indício de que Eduardo Azeredo tinha conhecimento da ilegal captação de recursos para sua campanha foi o recibo que assinou em 13 de outubro de 98 acusando o recebimento de R$ 4,5 milhões da SMP&B para saldar compromissos diversos. Segundo o relator, essa prova “mostra que ele tinha pleno conhecimento que a SPM&B praticava os ilícios e irrigava sua campanha com o dinheiro desviado. A defesa não faz referência a esse recibo. Não explica a causa do recebimento de R$ 4,5 milhões de Marcos Valério em plena campanha”.
Outro dado, segundo Barbosa que confirma a parceria do governador com a SPM&B é que os prestadores dos serviços realizados para campanha emitiram notas fiscais em nome de Azeredo, mas foram pagos por cheques da empresa de Marcos Valério. Quando prestaram depoimento no inquérito, constatou-se que a maioria deles tinha ligação de amizade com o governador e foram por ele indicados para trabalhar na campanha, mas não conheciam Marcos Valério nem sabiam que o depósito em suas contas tinham sido feitos pela empresa dele. Pelo encaminhamento que deu ao seu voto, o relator deverá amanhã receber também a denúncia pelo crime de lavagem de dinheiro.
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Fonte: MPF