Após mais de dez anos de tramitação, de discussão e votação nas duas casas do Congresso Nacional e aprovada por mais de três quintos dos seus membros, democraticamente eleitos, em votações feitas em dois turnos em cada uma delas, uma decisão liminar monocrática feita, em um único dia e horas após o ajuizamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (em prejuízo de diversos habeas corpus pendentes de análise), suspendeu os efeitos da emenda que criou quatro novos Tribunais Regionais Federais no Brasil.
Esta liminar decorreu de ADI ajuizada por associação que representa alguns procuradores federais, sob o fundamento de que seria inviável a criação dos novos TRFs sem a criação de correspondente quadro de procuradores federais.
Para se propor uma ADI, alguns órgãos e entidades necessitam demonstrar a pertinência temática entre seus propósitos institucionais e a ação ajuizada. Para a referida associação, e para o ministro Joaquim Barbosa, que deferiu a liminar, parece que existe pertinência temática entre a criação de novos tribunais e a eventual, futura e incerta necessidade de se aparelhar melhor a Procuradoria Federal.
Analisando-se de outro modo, o precedente indica que uma carreira vinculada ao Executivo poderá sempre pretender obstar a ampliação de uma carreira vinculada a outro poder, no caso, o Judiciário.
Não se pode esquecer, porém, que a alegada necessidade da estruturação de carreira é matéria afeta apenas ao poder a que está vinculado, ou seja, cabe exclusivamente à Administração Pública Federal a análise discricionária da necessidade ou não de sua ampliação, não tendo como se atribuir ao Judiciário tal prerrogativa.
Até porque, caso assim o fosse, todo e qualquer projeto visando alterar a estrutura do poder Judiciário necessitaria de prévia autorização da referida associação ou de prévia estruturação da Procuradoria Federal correspondente. Jamais se poderia, por exemplo, criar uma vara federal sem antes ter se criado um quadro de procuradores federais, com a tramitação que é peculiar, ou seja, promoção de concurso público, lotação e posse do procurador, para somente então poder ser instalada a vara federal.
Embora evidente a ausência de pertinência temática[1] da referida associação na ADI, este texto tem por objetivo a análise de outro tema constante da ADI, qual seja, o alegado vício de iniciativa.
Quanto a este, a decisão liminar da ADI afirma que: “A Constituição de 1988 (art. 96, II, a, b, c e d) manifestamente quis romper com o passado de dependência do poder Judiciário em relação aos poderes políticos, ao conferir aos tribunais superiores e aos tribunais de justiça o poder de iniciativa quanto à ‘criação ou a extinção de tribunais’ (art. 96, II, c da Constituição). Este é um aspecto crucial da independência do Judiciário em nosso país.”
A decisão não entra no mérito do que se deve entender por iniciativa, muito embora desde sempre se entende que diz respeito à iniciativa legislativa.
O equívoco reside no fato de que a emenda que criou os novos TRFs foi uma alteração constitucional decorrente do exercício do Poder Constituinte Derivado Reformador e não de simples atividade legislativa ordinária. Trata-se de reformar a própria Constituição e não apenas se aprovar uma lei comum.
O Poder Constituinte Derivado Reformador é o único poder legitimado a alterar a Constituição e está, apenas e tão somente, limitado às cláusulas pétreas constantes do artigo 60, parágrafo 4º, da Constituição Federal (voto direto, secreto, universal e periódico, a separação dos poderes e os direitos e garantias individuais), nenhuma das quais foi afetada pela Emenda Constitucional que criou os novos TRFs.
Com efeito, não houve ofensa alguma à separação dos poderes, mas, muito pelo contrário, referida emenda visou justamente reforçar a independência entre os poderes na medida que tem por objetivo fortalecer o poder Judiciário “ampliando a estrutura já existente, significando com isso respeito à função jurisdicional, atividade típica da autoridade judiciária, e, por isso mesmo, ao arranjo constitucional da separação de poderes”[2], permitindo que a Justiça Federal de segundo grau possa ter uma estrutura mínima compatível com o grau de importância das matérias que julga e da quantidade de processos em seu acervo. Leia mais
Fonte: AJUFE