Tema: Direito Administrativo
Subtema: Processos Sancionatórios
Tese: Os Tribunais de Contas não têm competência para decretar a indisponibilidade de bens de pessoa jurídica que esteja em recuperação judicial ou falência.
Aplicação: Processos em tribunais de contas ou ações judiciais, em favor de empresas que tenham sofrido a decretação de indisponibilidade de seus bens por Tribunal de Contas e estejam em recuperação judicial ou em situação de falência, a fim de que esta seja levantada a constrição de bens.
Conteúdo da tese jurídica:
I. A COMPETÊNCIA PARA DECRETAÇÃO DE INDISPONIBILIDADE DE BENS DE EMPRESA EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL É EXCLUSIVA DO JUÍZO DE FALÊNCIA E RECUPERAÇÃO JUDICIAL.
A legislação brasileira confere aos Tribunais de Contas – a exemplo do que ocorre com o Tribunal de Contas da União, a partir do § 2º do artigo 44 da Lei Federal nº 8.443/1992[1] – a legitimidade para determinar cautelarmente a indisponibilidade de bens no início ou curso de apuração que indique a ocorrência de danos ao erário, na medida em que se considerar necessário para garantia de futuro ressarcimento.
No entanto, se a pessoa jurídica investigada estiver em recuperação judicial, esta competência atribuída ao Tribunal de Contas é afastada, sendo exclusiva do juízo que decretou a falência ou recuperação judicial, conforme disposto no § 3º do art. 6º da Lei nº 11.101/2005[2].
Ainda que a ordem do Tribunal de Contas possua natureza administrativa, e não judicial, deve-se compreender que a indisponibilidade de bens se constitui como restrição ao uso e disposição dos bens da empresa, que estão vinculados ao cumprimento do Plano de Recuperação Judicial. Deste modo, é imprescindível a apreciação judicial do pedido de indisponibilidade dos bens da empresa, que deve ser realizada pelo juízo responsável pelo acompanhamento do cumprimento do Plano.
Este é o entendimento do próprio Tribunal de Contas da União, que reconheceu, em acórdão de fevereiro de 2019, a imprescindibilidade de requerer ao juízo da recuperação judicial a determinação de constrição de bens:
21. Outra questão a ser ponderada, no caso concreto, diz respeito ao fato de a IESA Óleo e Gás S.A. encontrar-se em processo de recuperação judicial perante o juízo da 1º Vara de Falências e Recuperação Judicial do Foro Central de São Paulo/SP.
22. Nesse sentido, registro que o Ministro Edson Fachin, nos autos dos MS 34.793/DF e 35.158/DF, se pronunciou no sentido de que o Tribunal de Contas não pode bloquear os bens de empresa que esteja em recuperação judicial por ato próprio, sendo esta competência do juízo universal de falência e de recuperação judicial. Desse modo, caso o TCU queira efetivar a medida cautelar de indisponibilidade de bens, deve requisitar à Advocacia-Geral da União que o faça perante a Vara de Falências e Recuperações Judiciais, o que, de acordo com a unidade técnica, já foi feito nos presentes autos.[3]
A decisão proferida pelo Ministro Edson Fachin nos autos do Mandado de Segurança nº 35.198/DF reconheceu que se “não se admite que outro Juízo, além daquele detentor da competência para acompanhamento do cumprimento do Plano de Recuperação Judicial, possa, […] promover medidas constritivas do patrimônio de empresa submetida ao regime da recuperação judicial, não parece lógico que o Tribunal de Contas possa impor e executar medida semelhante, colocando em risco a solvência da empresa e abrindo a possibilidade de convolação da recuperação judicial em falência, diante da impossibilidade de saneamento da saúde financeira da pessoa jurídica, além de estabelecer privilégio a crédito em eventual detrimento do rol previsto pela legislação”[4].
Note-se que este não é um entendimento isolado. Pelo contrário, o STJ já se manifestou seguindo a mesma lógica mencionada:
CONFLITO DE COMPETÊNCIA – EXECUÇÃO FISCAL DE DÍVIDAS ATIVAS – RECUPERAÇÃO JUDICIAL – PRELIMINAR AFASTADA – COMPETÊNCIA DO JUÍZO UNIVERSAL PARA TODOS OS ATOS QUE IMPLIQUEM RESTRIÇÃO PATRIMONIAL – PRECEDENTES DO STJ. 1. Nos termos do que restou decidido pela Corte Especial, a Segunda Seção é competente para o julgamento do conflito uma vez que não se discute nos autos a competência para processar e julgar cobrança de crédito fiscal, mas sim para decidir sobre o patrimônio de sociedade em recuperação judicial. Precedentes. 2. O deferimento da recuperação judicial não suspende a execução fiscal, mas os atos de constrição ou de alienação devem ser submetidos ao juízo universal. 3. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo de Direito da 7.ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro/RJ, o qual poderá, a seu prudente critério, manter ou cancelar a penhora promovida pelo juízo fiscal sobre bens das empresas suscitantes.[5]
Por esta razão, requer-se o reconhecimento de que, como a empresa está adstrita a um plano de recuperação judicial aprovado pelo juízo competente, o Tribunal de Contas tem a competência derrogada para determinar qualquer constrição aos seus bens, razão pela qual a medida deve ser reconhecida como nula. Neste sentido, pleiteia-se o levantamento da constrição dos bens.
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[1] Art. 44. No início ou no curso de qualquer apuração, o Tribunal, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, determinará, cautelarmente, o afastamento temporário do responsável, se existirem indícios suficientes de que, prosseguindo no exercício de suas funções, possa retardar ou dificultar a realização de auditoria ou inspeção, causar novos danos ao Erário ou inviabilizar o seu ressarcimento.
§ 2° Nas mesmas circunstâncias do caput deste artigo e do parágrafo anterior, poderá o Tribunal, sem prejuízo das medidas previstas nos arts. 60 e 61 desta Lei, decretar, por prazo não superior a um ano, a indisponibilidade de bens do responsável, tantos quantos considerados bastantes para garantir o ressarcimento dos danos em apuração.
[2] Art. 6º A decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial suspende o curso da prescrição e de todas as ações e execuções em face do devedor, inclusive aquelas dos credores particulares do sócio solidário.
§ 1º Terá prosseguimento no juízo no qual estiver se processando a ação que demandar quantia ilíquida.
§ 2º É permitido pleitear, perante o administrador judicial, habilitação, exclusão ou modificação de créditos derivados da relação de trabalho, mas as ações de natureza trabalhista, inclusive as impugnações a que se refere o art. 8o desta Lei, serão processadas perante a justiça especializada até a apuração do respectivo crédito, que será inscrito no quadro-geral de credores pelo valor determinado em sentença.
§ 3º O juiz competente para as ações referidas nos §§ 1º e 2º deste artigo poderá determinar a reserva da importância que estimar devida na recuperação judicial ou na falência, e, uma vez reconhecido líquido o direito, será o crédito incluído na classe própria.
[3] TCU, Acórdão nº 333/2019, Plenário, Relator Ministro Benjamin Zymler, julgado em 20/02/2019
[4] STF, MS 35158 MC, Relator Min. EDSON FACHIN, julgado em 10/05/2018, publicado em PROCESSO ELETRÔNICO DJe-093 DIVULG 14/05/2018 PUBLIC 15/05/2018
[5] STJ, CC 149.811/RJ, Rel. Ministro MARCO BUZZI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 10/05/2017, DJe 16/05/2017