Tema: Direito Administrativo
Subtema: Processos Sancionatórios
Tese: Os Tribunais de Contas não têm autorização normativa para renovar o prazo limite de um ano de indisponibilidade de bens.
Aplicação: Processos em tribunais de contas ou ações judiciais, em favor de empresas que tenham sofrido a decretação de indisponibilidade de seus bens por Tribunal de Contas, cujo prazo de um ano tenha transcorrido, a fim de impedir a renovação deste período e o levantamento da constrição de bens.
Conteúdo da tese jurídica:
I. OS TRIBUNAIS DE CONTA TÊM AUTORIZAÇÃO PARA DECRETAR INDISPONIBILIDADE DE BENS POR PERÍODO MÁXIMO DE UM ANO, QUE NÃO PODE SER RENOVADO.
A legislação brasileira confere aos Tribunais de Contas – a exemplo do que ocorre com o Tribunal de Contas da União, a partir do § 2º do artigo 44 da Lei Federal nº 8.443/1992[1] – a legitimidade para determinar cautelarmente a indisponibilidade de bens no início ou curso de apuração que indique a ocorrência de danos ao erário, na medida em que se considerar necessário para garantia de futuro ressarcimento, pelo prazo máximo de um ano.
Deste modo, transcorrido este período (um ano), contado da data da averbação da medida cautelar de indisponibilidade dos bens, a Corte de Contas não tem autorização normativa para renovar esta medida, uma vez que a legislação vigente estabelece o limite máximo de um ano da excepcionalíssima constrição.
Em Mandado de Segurança julgado pelo Supremo Tribunal Federal, sob a relatoria do Min. Ricardo Lewandowski, foi reconhecido que a lei não prevê possibilidade de renovação da medida, razão pela qual não pode ser admitida a sua manutenção por período superior a um ano:
Percebe-se da leitura do dispositivo transcrito [§ 2º do art. 44 da Lei nº 8.443/1992], que a lei de regência do Tribunal de Contas da União autorizou a decretação de indisponibilidade dos bens do responsável por prazo não superior a um ano. Não há, por outro lado, a autorização para prorrogação do respectivo prazo de constrição dos bens do administrado. Tem-se, desse modo, uma regra de aplicação excepcional e de interpretação necessariamente restritiva, pois restringe um direito fundamental dos administrados.[2]
Este precedente se baseou em entendimento firmado em acórdão de relatoria do Min. Gilmar Mendes, no qual também foi julgada a presente controvérsia, em mais uma decisão pela impossibilidade de o Tribunal de Contas renovar a indisponibilidade de bens:
Agravo regimental em mandado de segurança. 2. Direito Administrativo. 3. Tribunal de Contas da União. Renovação da medida cautelar de indisponibilidade de bens com fundamento nos mesmos fatos. Impossibilidade. Ausência de previsão legal. Interpretação restritiva. 4. Ausência de argumentos capazes de infirmar a decisão agravada. 5. Agravo regimental a que se nega provimento.[3]
Inclusive, em acórdão de fevereiro de 2019, o próprio Tribunal de Contas da União admitiu a plausibilidade desta tese, constatando a inexistência de previsão legal para adoção da referida medida:
20. Como exposto, cabe reconhecer que há fundadas dúvidas acerca da possibilidade jurídica de ser efetuada a prorrogação da medida de indisponibilidade de bens prevista na Lei Orgânica do TCU. Isso deve-se ao conflito entre valores constitucionais que decorre dessa medida. De um lado a busca pela tutela do patrimônio público e de outro os direitos à propriedade e à duração razoável do processo.[4]
Ora, na verdade, analisando-se de modo aprofundado, sequer se trata de um conflito de valores constitucionais, mas de mera subsunção normativa: a lei prevê, de modo objetivo, que esta medida pode ser adotada pelo prazo máximo de um ano e, não há, nesta mesma lei, o permissivo legal de renovação da medida.
Disso, a conclusão evidente é de que esta medida, por se tratar de restrição grave ao direito dos jurisdicionados, foi prevista como excepcional. Esta excepcionalidade se traduz, também, na sua limitação temporal, já que os agentes privados não podem se submeter ilimitadamente ao poder sancionatório e restritivo estatal.
Deste modo, é ônus do Tribunal de Contas que, constatando eventual razão para decretar esta medida cautelar, finalize a tomada de contas dentro do prazo máximo de um ano, o qual, aliás, é bastante razoável. Findo este período, não se pode renovar esta medida indefinidamente a pretexto de garantir futuro (e incerto) ressarcimento ao erário.
Por esta razão, requer-se o reconhecimento de que, transcorrido o prazo de um ano da averbação da indisponibilidade dos bens da parte autora, pelo Tribunal de Contas, é vedada a renovação deste período, motivo pelo qual a constrição deve ser imediatamente levantada.
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[1] Art. 44. No início ou no curso de qualquer apuração, o Tribunal, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, determinará, cautelarmente, o afastamento temporário do responsável, se existirem indícios suficientes de que, prosseguindo no exercício de suas funções, possa retardar ou dificultar a realização de auditoria ou inspeção, causar novos danos ao Erário ou inviabilizar o seu ressarcimento.
§ 2° Nas mesmas circunstâncias do caput deste artigo e do parágrafo anterior, poderá o Tribunal, sem prejuízo das medidas previstas nos arts. 60 e 61 desta Lei, decretar, por prazo não superior a um ano, a indisponibilidade de bens do responsável, tantos quantos considerados bastantes para garantir o ressarcimento dos danos em apuração.
[2] STF, MS 34545 MC, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, julgado em 05/06/2018, publicado em PROCESSO ELETRÔNICO DJe-114 DIVULG 08/06/2018 PUBLIC 11/06/2018.
[3] STF, MS 34233 AgR-segundo, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 25/05/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-123 DIVULG 20-06-2018 PUBLIC 21-06-2018
[4] TCU, Acórdão nº 333/2019, Plenário, Relator Ministro Benjamin Zymler, julgado em 20/02/2019