Tema: Direito Administrativo
Subtema: Licitações e Contratos
Tese: Os efeitos da sanção de suspensão temporária do direito de licitar e de contratar com a administração (Art. 87, III, da Lei 8.666/1993) se restringem ao órgão/entidade que aplicou a penalidade.
Aplicação: Processos licitatórios, processos em tribunais de contas ou ações judiciais, em favor de empresas que tenham recebido a penalidade do artigo 87, III, da Lei Federal nº 8.666/1993, para que os efeitos da sanção se restrinjam ao órgão ou entidade que lhe aplicou tal restrição do direito de participar de licitações e contratos.
Conteúdo da tese jurídica:
I. A SANÇÃO DE SUSPENSÃO TEMPORÁRIA DO DIREITO DE LICITAR (ART. 87, III, DA LEI 8.666/1993) SE RESTRINGE AO ÓRGÃO/ENTIDADE QUE APLICOU A PENALIDADE. ENTENDIMENTO CONSOLIDADO DO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO (TCU) E DA DOUTRINA ESPECIALIZADA.
Uma análise atenta sobre a Lei Federal nº 8.666/1993 revela, tanto em interpretação literal, como em interpretação sistemática e finalística, que o âmbito de abrangência da sanção de suspensão temporária do direito de licitar, prevista no seu art. 87, inciso III[1], é limitado ao órgão ou entidade que o aplicou.
Deste modo, no presente caso, deve-se considerar que o fato de o Requerente ter sido sancionado anteriormente com a pena de suspensão temporária por órgão diverso do presente não implica qualquer restrição ao seu direito de participar da licitação em análise, ou mesmo de celebrar contrato.
Este entendimento é evidente quando se faz uma leitura adequada dos termos legais.
Ora, o dispositivo legal que prevê aplicação da “suspensão temporária” está previsto nos seguintes termos:
Art. 87. Pela inexecução total ou parcial do contrato a Administração poderá, garantida a prévia defesa, aplicar ao contratado as seguintes sanções: […]
III – suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a Administração, por prazo não superior a 2 (dois) anos.
Veja-se que a legislação é clara ao estabelecer que esta sanção é aplicada em face da “Administração” e houve o cuidado, pelo legislador, de determinar o sentido semântico do termo “Administração”, diferenciando-o de “Administração Pública”, definidos conforme os incisos XI e XII do art. 6º da Lei Federal nº 8.666/1993 como:
XI – Administração Pública – a administração direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, abrangendo inclusive as entidades com personalidade jurídica de direito privado sob controle do poder público e das fundações por ele instituídas ou mantidas;
XII – Administração – órgão, entidade ou unidade administrativa pela qual a Administração Pública opera e atua concretamente;
Note-se a flagrante distinção conceitual entre os termos “Administração Pública” e “Administração”, para os fins da Lei Federal nº 8.666/1993. Inclusive, a penalidade estabelecida pelo inciso IV do artigo 87 (declaração de inidoneidade) tem como consequência a inviabilidade de participação em licitações e celebração de contratos na Administração Pública. Ou seja, a penalidade do inciso IV do artigo 87 (declaração de inidoneidade) é mais gravosa do que a penalidade do inciso III do artigo 87 (suspensão do direito de licitar), pois abrange, para além do órgão ou entidade que aplicou a sanção, todos os demais órgãos ou entidades da Administração Pública brasileira.
Neste sentido, o reconhecimento de que o âmbito de aplicação da pena de suspensão do direito de licitar se restringe ao órgão ou entidade que aplicou a sanção decorre da interpretação literal, sistemática e finalística da própria Lei Federal nº 8.666/1993.
Este entendimento é consagrado na doutrina especializada, como se constata em lição de Gustavo Henrique Carvalho Schiefler, no sentido de que “a corrente capitaneada pelo Tribunal de Contas da União é a mais acertada. Essa conclusão se baseia no fato de que a interpretação adotada pelo Superior Tribunal de Justiça viola a regra hermenêutica de que a norma jurídica não deve conter palavras inúteis (MAXIMILIANO, p. 250[2]), o que ocorre caso se conclua que a distinção entre ‘Administração’ e ‘Administração Pública’ é irrelevante para a compreensão da extensão dessa sanção. Ainda, o regime sancionatório previsto pela Lei nº 8.666/93, com a respectiva divisão de competências e escala de gravidade das sanções, permite deduzir que a penalidade prevista no inc. III do art. 87 da Lei nº 8.666/93 tem extensão restrita ao órgão ou à entidade que lhe aplicou.”[3].
É também a lição de Maria Sylvia Di Pietro:
Os incisos III e IV do artigo 87 adotam terminologia diversa ao se referirem à Administração Pública, o que permite inferir que é diferente o alcance das duas penalidades. O inciso III, ao prever a pena de suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a Administração, por prazo não superior a 2 (dois) anos, refere-se à Administração, remetendo o intérprete ao conceito contido no artigo 6o, XII, da Lei, que a define como “órgão, entidade ou unidade administrativa pela qual a Administração Pública opera e atua concretamente”. O inciso IV do artigo 87, ao falar em inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública, parece estar querendo dar maior amplitude a essa penalidade, já que remete o intérprete, automaticamente, ao artigo 6º, XI, que define Administração Pública de forma a abranger “a administração direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, abrangendo inclusive as entidades com personalidade de direito privado sob controle do poder público e das fundações por ele instituídas ou mantidas”.[4]
A propósito, em decisão recentíssima, prolatada em fevereiro de 2019, o Tribunal de Contas de União (TCU) reiterou seu consolidado entendimento sobre o tema, acolhendo a manifestação do Diretor da SELOG, nos seguintes termos:
3. Por outro lado, o Diretor da unidade técnica especializada manifestou concordância parcial com a proposta de mérito, divergindo apenas quanto ao juízo sobre o procedimento da DPU ao inabilitar a representante em face de sanção pretérita de suspensão do direito de participar de licitações e de impedimento de contratar com a Administração (art. 87, inciso III, da Lei 8.666/1993), aplicada por outro órgão promotor, em afronta ao entendimento do TCU de que a abrangência dessa penalidade se restringe ao órgão/entidade sancionadora.[5]
Por esta razão, requer-se o reconhecimento de que a suspensão temporária do direito de licitar deve ser reconhecida estritamente no âmbito do órgão ou entidade que o aplicou, não surtindo qualquer efeito na licitação e contratação em análise.
*É proibida a cópia ou reprodução, total ou parcial, deste conteúdo, em qualquer meio. Fica autorizada a utilização deste conteúdo exclusivamente em petições dirigidas ao Poder Judiciário ou à Administração Pública.
[1] Art. 87. Pela inexecução total ou parcial do contrato a Administração poderá, garantida a prévia defesa, aplicar ao contratado as seguintes sanções: […]
III – suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a Administração, por prazo não superior a 2 (dois) anos.
[2] MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. Rio de Janeiro: Forense, 1993.
[3] SCHIEFLER, Gustavo Henrique Carvalho. Sanções administrativas aplicáveis às licitações públicas e aos contratos administrativos regidos pela Lei nº 10.520/02 (Lei do Pregão). Revista Zênite – Informativo de Licitações e Contratos (ILC), Curitiba: Zênite, n. 258, p. 732-741, ago. 2015.
[4] PIETRO, Maria Sylvia Zanella Di. Direito administrativo. 31. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018. p. 336.
[5] TCU, Acórdão nº 266/2019, TC 042.073/2018-9, Plenário, Relator Aroldo Cedraz, julgado em 13/02/2019.