Tema: Direito Administrativo
Subtema: Concurso Público
Tese: O edital deve prever quais especialidades ou cargos ocuparão os aprovados pela lista especial reservada a cotistas.
Aplicação: Requerimento administrativo, petição inicial, réplica ou recursos judiciais para reverter decisão de nomeação de candidato aprovado nas vagas reservadas em concurso público, sem que existam previamente as regras de divisão das vagas. Esta tese pode ser utilizada tanto no âmbito administrativo como no judicial.
Conteúdo da tese jurídica:
I. CONCURSO PÚBLICO PARA PROVIMENTO DE DIVERSOS CARGOS. VAGAS RESERVADAS DE FORMA GENÉRICA E SEM ESPECIFICAÇÃO DOS CRITÉRIOS PARA DEFINIÇÃO DE QUAIS CARGOS SERÃO CONTEMPLADOS COM AS VAGAS RESERVADAS. ILEGALIDADE. POSSIBILIDADE DE ARBÍTRIO POR PARTE DA ADMINISTRAÇÃO.
Em razão de regra constitucional, o ingresso em cargo ou emprego público depende de aprovação em concurso público, ocasião em que o candidato será avaliado por critérios objetivos, previstos, regra geral, em lei e no edital do certame.
Com o objetivo de ampliar as oportunidades destinadas às pessoas com deficiência, promovendo uma ação afirmativa, o Constituinte estabeleceu que parte das vagas destinadas em concurso público deveriam ser reservadas a pessoas com deficiência, conforme percentual estabelecida em lei:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
[…]
VIII – a lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras de deficiência e definirá os critérios de sua admissão;
No caso dos concursos públicos federais, esta regra é definida na Lei Federal nº 8.112/1990, nos termos do § 2º do artigo 5º:
Art. 5º São requisitos básicos para investidura em cargo público:
[…]
§ 2º Às pessoas portadoras de deficiência é assegurado o direito de se inscrever em concurso público para provimento de cargo cujas atribuições sejam compatíveis com a deficiência de que são portadoras; para tais pessoas serão reservadas até 20% (vinte por cento) das vagas oferecidas no concurso.
Para assegurar a efetividade desta política, é comum que, em concursos nos quais há provimento de vagas pulverizadas em diversos cargos, o percentual de vaga reservada esteja atrelado ao total de vagas do concurso público, e não a um cargo específico.
Até aí, não há qualquer ilegalidade.
O cerne do problema em questão é que, no concurso público objeto deste caso, não foi especificado, no edital, qualquer critério para definir sobre quais cargos iriam incidir as vagas reservadas. Ou seja: após a realização de todo o concurso público e conhecidos os candidatos aprovados, a Administração poderá, de forma arbitrária e sem qualquer isonomia, definir sobre quais cargos haverá vaga reservada.
Trata-se de caso em que há flagrante ausência de critérios que garantam a impessoalidade, objetividade e isonomia – imprescindíveis para a higidez de um concurso público.
Aliás, recentemente, em decisão de junho de 2019, o Tribunal Regional Federal da 4a Região (TRF-4) decidiu neste mesmo sentido. Veja-se a ementa do acórdão de Relator do Desembargador Sérgio Renato Tejada Garcia:
DIREITO ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. MAGISTÉRIO SUPERIOR. RESERVA DE VAGA PARA CANDIDATO COTISTA. AUSÊNCIA DE PREVISÃO EDITALÍCIA QUANTO AOS CRITÉRIOS PARA NOMEAÇÃO. PRETERIÇÃO.
1- O edital do concurso previa a reserva de 20% das vagas para “pessoas com deficiência” e de 20% das vagas para “pessoas pretas ou pardas”. Entretanto, o edital foi omisso em estabelecer os critérios pelos quais seria feita a escolha dos candidatos que seriam chamados para prover as vagas. O edital não estabeleceu que as vagas seriam consideradas individualmente para cada especialidade ou para cada cargo, não havendo um critério geral que pudesse estabelecer quais dos cargos seriam preenchidos por candidatos aprovados na listagem geral e por candidatos aprovados nas listagens específicas. Se havia apenas 1 vaga disponível para aquela especialidade do concurso, e se o edital nada previa a serem consideradas as 30 vagas para todos os cargos, não parece que a administração pudesse descumprir as regras do próprio edital, tendo nomeado para a vaga o quarto colocado, apenas porque ele disputasse as vagas das cotas específicas. Tal situação acabaria resultando numa situação de favorecimento das condições especiais (pessoa com deficiência ou pessoa autodeclarada), em detrimento da ampla concorrência, tudo sem o suficiente amparo no edital do concurso (que não permite considerar todas as 30 vagas do concurso).
2 – Apelação provida.[1]
Deste modo, resta claro que é juridicamente imprópria a escolha da Administração de quais cargos serão contemplados com vagas reservadas sem que haja, anteriormente e de modo público, a divulgação de quais critérios serão adotados para seleção destas vagas.
Diante do exposto, é de se reconhecer, com base na jurisprudência pátria, a ilegalidade de reserva de vagas que incida sobre o total de vagas abertas em concurso público distribuídas em diversos cargos, quando desacompanhada de critérios que definam como será realizada a seleção de quais cargos serão contemplados com as vagas reservadas.
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[1] TRF-4 – AC: 50095566920184047110 RS 5009556-69.2018.4.04.7110, Relator: SÉRGIO RENATO TEJADA GARCIA, Data de Julgamento: 12/06/2019, QUARTA TURMA.