Tema: Direito Administrativo
Subtema: Serviços Sociais (Educação)
Tese: Na correção de provas escritas prestadas por deficientes auditivos, não deve ser levado em consideração o aspecto formal-gramatical da resposta, e sim o conteúdo do texto.
Aplicação: Recurso administrativo, petição inicial ou recursos judiciais para anular reprovação de candidato em concurso público, ou de aluno de ensino fundamental, médio ou superior, que seja enquadrado como deficiente auditivo. A tese jurídica é de que, por apresentarem dificuldade para se expressarem por meio da linguagem escrita, os candidatos que possuírem deficiência auditiva e prestarem provas escritas não devem ser avaliados pelo aspecto formal-gramatical de suas respostas, mas pelo conteúdo do texto escrito e das ideias nele apresentadas.
Conteúdo da tese jurídica:
I. CRITÉRIOS DIFERENCIADOS DE AVALIAÇÃO DE PROVAS DISCURSIVA E REDAÇÃO PARA CANDIDATOS COM DEFICIÊNCIA AUDITIVA. DEFINIÇÃO EM EDITAL. DESCONSIDERAÇÃO DO ASPECTO FORMAL-GRAMATICAL. VALORIZAÇÃO DA SEMÂNTICA E CONSTRUÇÃO DAS IDEIAS. ADOÇÃO DE CRITÉRIOS E CORREÇÃO DIFERENCIADOS.
Como já exposto, o Requerente é pessoa com deficiência auditiva e, em razão disso, faz jus a um conjunto específico de direitos e garantias assegurados pelas normas brasileiras. A propósito, o artigo 208, inciso III da Constituição Federal estabelece que “O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino.”.
Para o que interessa diretamente ao presente caso, cita-se que o Tribunal Federal Regional da 1ª Região decidiu, recentemente, que mecanismos e critérios de avaliação em provas discursivas e de redação devem ser diferenciados para candidatos portadores de deficiência auditiva, em razão de sua singularidade linguística. Em síntese, o aspecto semântico deve ser valorizado em detrimento da perspectiva formal-gramatical:
Ensino superior. Deficientes auditivos. Provas discursivas e de redação. Mecanismos e critérios diferenciados de avaliação. Possibilidade.
A ausência de previsão legal específica para a adoção de mecanismos e critérios de avaliação de provas discursivas e de redação dos candidatos com deficiência auditiva não pode servir de justificativa para a Administração Pública deixar de implementar as ações de sua competência constitucionalmente atribuídas. Tampouco o Estado pode invocar o princípio da reserva do possível para justificar a sua inação quanto à implementação das políticas públicas e o cumprimento dos deveres do Poder Público. Precedentes do STF.
Os deficientes auditivos apresentam grande dificuldade para se expressarem em linguagem escrita, dada a base essencialmente fonética do nosso alfabeto, mas nem por isso eles deixam de apresentar plena capacidade de aprendizado e compreensão. Na aplicação de provas escritas deve considerar-se sua dificuldade em definir a extensão de uma sentença ou a correta regra gramatical, motivo pelo qual não deve ser levado em consideração o aspecto formal-gramatical, mas sim o conteúdo do texto. Unânime.
(TRF-1, ApReeNec 0004080-60.2006.4.01.4000, rel. Juiz Federal Roberto Carlos de Oliveira (convocado), em 18/02/2019.)
A decisão decorre da interpretação do dispositivo constitucional mencionado. Por intermédio dele, depreende-se que é função do Estado proporcionar às pessoas com deficiência – no caso destes autos, àquelas que possuem deficiência auditiva – o acesso ao ensino em igualdades de condições com os demais. Esse pensamento deve ser projetado a todos os outros âmbitos de direito do indivíduo para que ele possa ser avaliado de maneira equiparada a qualquer outro cidadão.
É função da Administração Pública implementar políticas públicas para promover a igualdade e o acesso aos direitos das pessoas com deficiência auditiva. Em razão disso, é fundamental que a feitura de provas escritas seja diferenciada, além de que a correção deve levar em consideração as singularidades da expressão linguística do candidato nesta condição.
Por possuírem dificuldade fonética ao utilizarem o alfabeto, os deficientes auditivos acabam tendo sua pontuação e avaliação prejudicadas em uma correção formal-gramatical e, por isso, seus esforços devem ser mensurados de forma diferenciada, preferencialmente por professores especiais para surdos, que avaliem o conteúdo apresentado e as ideias expostas nos textos requisitados.
Nesta linha também se encontra a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal:
Agravo regimental em recurso extraordinário com agravo. […]
2. Direito Constitucional. Educação de deficientes auditivos. Professores especializados em Libras.
3. Inadimplemento estatal de políticas públicas com previsão constitucional. Intervenção excepcional do Judiciário. Possibilidade. Precedentes.
4. Cláusula da reserva do possível. Inoponibilidade. Núcleo de intangibilidade dos direitos fundamentais.
5. Constitucionalidade e convencionalidade das políticas públicas de inserção dos portadores de necessidades especiais na sociedade. Precedentes.
6. Ausência de argumentos suficientes a infirmar a decisão recorrida.
7. Agravo regimental a que se nega provimento. (STF, ARE 860979 AgR, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 14/04/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-083 DIVULG 05-05-2015 PUBLIC 06-05-2015.)
Diante da inércia estatal em cumprir o que a Constituição Federal impõe, a intervenção do Poder Judiciário, no que diz respeito a implementação de políticas públicas, é uma forma de neutralizar efeitos negativos e perversos que se vertem de insultos de direitos básicos que a própria norma assegura à todas as pessoas sem diferenciá-las: direito à educação, à ocupação de cargos públicos, à igualdade.
O critério formal-gramatical, que é um dos principais utilizados na correção de provas dos candidatos que disputam concursos públicos ou frequentam ensinam fundamental, médio ou superior, deve ser afastado para que se sobressaia o conteúdo semântico apresentado pelo candidato deficiente auditivo em sua questão discursiva e redação, sendo extraída a coerência daquilo que é apresentado.
É fato que a peculiaridade na escrita é decorrência da fonética comprometida. No entanto, isso não se equipara à incapacidade técnica. O candidato ou aluno possui plena capacidade de compreensão e aprendizado, ainda que presencie seus esforços sendo praticamente anulados pela decisão que se busca reformar.
Portanto, deve ser considerada a dificuldade do indivíduo com deficiência auditiva em precisar a regra da gramática portuguesa, fundamento pelo qual se justifica o abandono do aspecto formal-gramatical nestes casos e se coloca em evidência o teor do texto elaborado e verificando se, mesmo diante das adversidades, possui regularidade nas ideias.
Isto posto, com base na jurisprudência apresentada e em razão da necessidade de adimplir os preceitos constitucionais e jurisprudenciais estabelecidos no ordenamento jurídico, para que se assegure o acesso à direitos básicos pelos deficientes auditivos, em paridade de condições em relação aos demais cidadãos brasileiros, é necessária a implementação de avaliação diferenciada no presente caso, para que a correção seja adequada e adaptada à linguagem utilizada pelo candidato.
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