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RECURSO ESPECIAL Nº 807.551 – MG (2006/0006443-0)
R E L ATO R : MINISTRO LUIZ FUX
RECORRENTE : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE
MINAS GERAIS
RECORRIDO : SILVANA FERNANDES DE OLIVEIRA E
OUTROS
ADVOGADO : PABLO PICININ SAFE E OUTRO(S)
EMENTA
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚ-
BLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. AUSÊNCIA DE
MÁ-FÉ DO ADMINISTRADOR AGENTE PÚBLICO. REEXAME
DE MATÉRIA FÁTICA. SÚMULA N.° 07/STJ. VIOLAÇÃO
DO ART. 535, II, DO CPC. INOCORRÊNCIA.
1. Ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Estado de
Minas Gerais em face de servidores públicos municipais, membros de
Comissão de Julgamento de Licitação, na modalidade de convite, por
ato de improbidade administrativa, decorrente do favorecimento de
empresa no procedimento atinente à contratação de serviços de transporte
e monitoramento de crianças cadastradas no Programa Brasil
Criança Cidadã – Projeto a Caminho do Futuro.
2. É de sabença o caráter sancionador da Lei 8.429/92 aplicável aos
agentes públicos que, por ação ou omissão, violem os deveres de
honestidade, imparcialidade, legalidade, lealdade às instituições e notadamente:
a) importem em enriquecimento ilícito (art. 9º); b) causem
prejuízo ao erário público (art. 10); c) atentem contra os princípios
da Administração Pública (art. 11) compreendida nesse tópico
a lesão à moralidade administrativa.
3. A egese das regras insertas no art. 11 da Lei 8.429/92, considerada
a gravidade das sanções e restrições impostas ao agente
público, deve se realizada cum granu salis, máxime porque uma
interpretação ampliativa poderá acoimar de ímprobas condutas meramente
irregulares, suscetíveis de correção administrativa, posto ausente
a má-fé do administrador público, preservada a moralidade
administrativa e, a fortiori, ir além de que o legislador pretendeu.
4. A má-fé, consoante cediço, é premissa do ato ilegal e ímprobo e a
ilegalidade só adquire o status de improbidade quando a conduta
antijurídica fere os princípios constitucionais da Administração Pública
coadjuvados pela má-intenção do administrador.
5. A improbidade administrativa, mais que um ato ilegal, deve traduzir,
necessariamente, a falta de boa-fé, a desonestidade, o que não
restou comprovado nos autos pelas informações disponíveis no acórdão
recorrido.
6. À luz de abalizada doutrina “A probidade administrativa é uma
forma de moralidade administrativa que mereceu consideração especial
da Constituição pune o ato improbo com a suspensão e direitos
políticos (art. 37, § 4º). A probidade administrativa consiste no
dever de o “funcionário servir a Administração com honestidade,
procedendo no ercício das suas funções,sem aproveitar os poderes
ou facilidades delas decorrentes em proveito pessoal de outrem a
quem queira favorecer”. O desrespeito a esse dever é que caracteriza
a improbidade administrativa. Cuida-se de de uma imoralidade administrativa
qualificada pelo dano ao erário e correspondente a uma
vantagem ao ímprobo ou a outrem.(…)” José Affonso da Silva, in
Curso de Direito Constitucional Positivo, 24ª ed., São Paulo, Malheiros
Editores, 2005, litteris:
7. In casu, o Tribunal a quo, com ampla cognição probatória, revisitando
os fatos que nortearam os atos imputados aos cinco Servidores
Públicos Municipais, membros de Comissão de Julgamento
de Licitação, na modalidade de convite, entendeu pela ausência de ato
de improbidade, ao fundamento de que na hipótese vertente o processo
licitatório desenvolveu-se em estrita observância aos requisitos
legais atinentes à espécie, com a efetiva prestação dos serviços contratados,
sem nenhum prejuízo ao erário público, consoante se infere
do voto condutor, verbis:
“(…)A questão nodal a ser enfrentada meritoriamente, é se houve as
irregularidades apontadas pelo Ministério Público, e praticadas pela
Comissão de Julgamento de Licitação, e se encontram suporte nas
penas dos arts 11 e 12 da lei 8.429/92, conforme decretado na
sentença hostilizada.
De todo o processado, restou comprovado terem os réus, membros da
Comissão de Licitação, promovido na modalidade de Convite em
obediência às regras legais previstas na lei 8666/93, bem como após
dado publicidade necessária ao edital, a contratação de pessoas
físicas habilitadas para fins de monitoramento e de uma empresa
jurídica para fins de transporte de sessenta crianças cadastradas no
programa Brasil Criança Cidadã, desenvolvido no Município.
A resistência maior apontada na decisão recorrida é quanto à contratação
da pessoa jurídica que realizou o transporte, ao argumento
de que não possuía finalidade social a prestação dos serviços contratados
e que teria ela participado sozinha da licitação.
Como acima referido, a licitação realizada obedeceu à modalidade
de Convite. No magistério do insígne Hely Lopes, “Convite é a
modalidade de licitação mais simples, destinada às contratações de
pequeno valor, consistindo na solicitação escrita a pelo menos três
interessados do ramo, registrados ou não, para que apresentem suas
propostas no prazo mínimo de cinco dias úteis. (art 21 parágrafo 2º,
IV).
O convite não exige publicação, porque é feito diretamente aos escolhidos
pela administração através de carta- Convite. A lei nova,
porém, determina que cópia do instrumento convocatório seja afia
em local apropriado, estendendo-se automaticamente aos demais
cadastrados na mesma categoria, desde que manifestem seu
interesse até vinte e quatro horas antes da apresentação das propostas
(art 22 parágrafo 3º) por outro lado, a cada novo convite
realizado, para objeto idêntico ou assemelhado, deverá ser convidado
outro fornecedor que não participou da licitação imediatamente
anterior, enquanto existirem cadastrados não convidados (art
22 parágrafo 6º).
Dada sua singeleza, dispensa a apresentação de documentos, mas,
quando estes forem exigidos, a documentação, como nas demais
modalidades de licitação, deverá ser apresentada em envelope distinto
do da proposta.
O convite deve ser julgado pela Comissão de Julgamento das licitações,
mas é admissível a sua substituição por servidor, formalmente
designado para esse fim (art 51 parágrafo 1º) .
Uma vez julgadas as propostas, adjudica-se o objeto do convite ao
vencedor, formalizando-se o ajuste por simples ordem de eução de
serviço, nota de empenho da despesa, autorização de empenho ou
carta contrato, e fazendo-se as publicações devidas no órgão oficial,
em resumo ou na íntegra, para possibilitar os recursos cabíveis e
tornar os ajustes eqüíveis.
O convite é admissível nas contratações de obras, serviços e compras
dentro dos limites de valor fios pelo ato competente.”
Observa-se dos autos, que para os serviços de transporte, além do
vencedor, os documentos de f 134/135 comprovam que dois outros
candidatos habilitados no ramo receberam o convite, mas não se
interessaram pelo edital . E o documento de f. 136 , venia concessa,
comprova pelo contrato social da empresa vencedora no ramo do
transporte, devidamente registrado na JUCEMG desde 22/07/96, que
dentre os objetos da sociedade está previsto o de agenciamento e
locação de mão de obra para serviços temporários, fato que em
nenhum momento foi impugnado pelo RMP. Também para contrapor
os documentos de fl 134/135, aneo pelos réus, nada veio aos
autos, e a simples presunção, não dá suporte à condenação, principalmente
em se tratando da prática do ilícito apontado, o qual
requer ampla comprovação dos fatos alegados, face à gravidade das
penas a serem impostas.
Ainda o documento de f. 114 comprova a existência de apenas uma
empresa cadastrada, na Prefeitura, para fins de prestação de serviços
de transporte , sendo que esta veio aos autos, conforme documento
de f 134 , confessando ter sido convidada a participar, porém não se
interessou.
(…)
Dentro desta mesma linha de compreensão, entendo que a decisão
hostilizada merece reforma, posto não ter-se configurado nos autos
os atos de improbidade debitados aos réus. Pequenas irregularidades
administrativas cometidas por membros de comissão de julgamento,
in casu, constituída pelos próprios servidores municipais, muitas das
vezes carentes de assessoria técnica, não podem ser admitidos como
atos de improbidade, principalmente quando vislumbra-se terem os
serviços contratados sido desempenhados com satisfação, sem nenhum
prejuízo ao erário público, e ter o processo licitatório atendido
os requisitos legais.
Ademais, as penas previstas na lei 8.429/92 foram feitas para aplicação
em endereço certo e não a ermo ou por via oblíqua, pois fere
direitos e garantias constitucionais do cidadão.
Ao deduzido, dou provimento ao recurso e em reformando a sentença
monocrática julgo improcedente o pedido formulado na exordial.
Sendo postulante o RMP não há por se falar em sucumbência .
(…)
Alegam, em preliminar, cerceamento de defesa, face ao antecipado
julgamento do feito.
É de ser rejeitada, pela ampla prova documental acostada aos autos,
e em sendo a matéria posta , de fato e de direito, e não necessitar de
produção de prova em audiência, o juiz conhecerá do pedido, proferindo
sentença, em conformidade com o art 330 ¿ I do CPC.
Rejeito a preliminar.
Meritoriamente aduzem falta de transgressão à norma legal, além da
falta de necessidade da licitação empreendida, face à dispensabilidade
prevista no inciso II do art 24 da Lei 8.666/93.
Da mesma forma que decidi no primeiro recurso, estou a entender
que a decisão hostilizada merece reforma, posto não ter-se configurado
nos autos os atos de improbidade debitados aos réus. Pequenas
irregularidades administrativas cometidas por membros de
comissão de julgamento, in casu, constituída pelos próprios servidores
municipais, muitas das vezes carentes de assessoria técnica,
não podem ser admitidos como atos de improbidade, principalmente
quando vislumbra-se terem os serviços contratados sido desempenhados
com satisfação, sem nenhum prejuízo ao erário público e ter
o processo licitatório atendido os requisitos legais.
Conforme já decidido e fundamentado no primeiro recurso, buscando
não ser repetitivo e por economia processual, faço parte integrante
deste voto a fundamentação acima expendida, em seu inteiro teor ,
por assistir razão aos apelantes.
Mediante tais fundamentos dou provimento ao recurso e em reformando
a sentença monocrática, julgo improcedente o pedido, não
sendo caso de inversão dos ônus sucumbenciais, em face da presença
do MP no polo ativo da ação. Custas ex lege. ” (fls. 351/356)
8. Inexiste ofensa ao art. 535, I e II, CPC, quando o Tribunal de
origem pronuncia-se de forma clara e suficiente sobre a questão posta
nos autos, cujo decisum revela-se devidamente fundamentado. Ademais,
o magistrado não está obrigado a rebater, um a um, os argumentos
trazidos pela parte, desde que os fundamentos utilizados
tenham sido suficientes para embasar a decisão. Precedente desta
Corte: RESP 658.859/RS, publicado no DJ de 09.05.2005.
9. Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, desprovido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, os Ministros da PRIMEIRA
TURMA do Superior Tribunal de Justiça acordam, na conformidade
dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer
parcialmente do recurso especial e, nessa parte, negar-lhe
provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.Os Srs. Ministros
Teori Albino Zavascki (Presidente), Denise Arruda, José Delgado
e Francisco Falcão votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília (DF), 25 de setembro de 2007(Data do Julgamento)