Medicina Legal

Crimes Sexuais, Homicídio e Suicídio

Crimes Sexuais – Análise de Laudo

 

 

 Questão 1: Especifique onde, quando, o autor, como e qual foi o ato criminoso praticado?

 

R: O ato criminoso sob investigação de ter sido praticado trata-se de estupro (Marli) e atentado violento ao pudor (Alcione). Na leitura do parecer médico-legal não se destacou o local do sinistro sob suspeita, no entanto pelas circunstâncias expostas deduz-se que o ato tenha ocorrido na própria residência da família, na localidade de São Martinho Município de Aurora. Os atos foram relatados por Marli a sua mãe em março de 1981. O suspeito pelos atos criminosos é GOSVIN, Z, pai de Marli, Alcione e Eliana. O pai, certamente, aproveitou-se de sua autoridade paterna, bem como da submissão de suas filhas para praticar os atos criminosos.

 

Questão 2: O histórico é duvidoso, típico ou falso? Justifique.

 

R: O histórico é duvidoso carece de informações precisas, contradições e sentimentos. O ato em si, o local e os dados foram relatados de maneira insuficiente. O fato de Marli já ter tido conjunção carnal não serve de álibi para excluir a suspeita, conforme consta no parecer. Depois de determinado lapso temporal é impossível precisar a quanto tempo o ato sexual foi praticado. O fato de não ter sido a primeira denúncia que o acusado sofre de tais atos e narrados, da mesma maneira, é intrigante. Certamente a mulher vendo que poderia prejudicar fortemente sua família, colocando-a sob perigo, retratou-se da primeira denúncia quando acusou seu marido de estupro contra sua outra filha Eliana. Igualmente, é grande a possibilidade de que IRMA tenha se retratado justamente por estar sob coação. Testemunhos de Eliana auxiliariam na constatação deste fato. Percebe-se que exames para a verificação de crimes sexuais são de difícil comprovação via laudo pericial, cuja única finalidade é de aferir se houve ou não relação sexual. In casu, a vítima não era mais virgem, fator este que potencializa a incerteza quanto ao fato-crime, tornando o laudo mero instrumento de relato de circunstâncias superficiais que se restringe à análise temporal da ocorrência das últimas relações sexuais. Na maioria das vezes os crimes de estupro ocorrem por meio de grave ameaça, apercebida por meio dos depoimentos e testemunhos prestados ao decorrer do procedimento inquisitorial ou do trâmite processual. Na verdade este é o único instrumento do qual o perito pode-se valer para verificar a efetiva ocorrência do estupro, mormente por grave ameaça.

 

Florianópolis, 26 de outubro de 2007.

 


Crimes Contra a Vida: Homicídio e Suicídio – Análise de Laudo

 

 

Cícero Alcebíades Costa

Felipe Cidral Sestrem

Rafael Souza Bezerra de Mello

Samanta Ruiz da Silva Camacho

Acadêmicos de Direito da Universidade Federal de Santa Catarina

 

 

Questão 1: Quais são os principais elementos técnicos para a tese do suicídio? (CITÁ-LOS SEPARADAMENTE).

a)         Antecedentes psicológicos/psiquiátricos/comportamentais (motivos para se matar – citar até cinco elementos);

b)         Local (preservado, alinhado, arma, bilhete, dinâmica – citar até cinco elementos);

c)         Lesões (nº, local, distância, direção e sentido, sobrevida – citar até cinco elementos);

d)         Exames complementares (pesquisa de pólvora e chumbo, dosagem alcoólica, pesquisa de psicotrópicos, identificação da arma – citar até cinco elementos).

 

R: Após a análise e discussão dos elementos técnico-periciais, os médicos legistas concluíram pela tese do auto-extermínio (suicídio) calcados nos seguintes elementos que adiante analisaremos.

 

(a) 1: B.G. possuí inúmeros elementos psicológicos e comportamentais para cometer o suicídio. Dentre eles podemos citar a contemporânea investigação (inspeção) de sua agência (já que B.G. era bancário), na qual inspetores descobririam, como vieram depois a confirmar, as diversas irregularidades nas contas bancárias, cuja implicação direta recaía sob B.G.

(a) 2: Outrossim, o autor possuía fortes indícios de estar sob grande pressão, à medida que não possuía um quadro clínico estável (diarréia).

(a) 3: Comunicou a um amigo que deveria “esconder-se até as coisas melhorarem”, demonstrando sua instabilidade psico-emocional. Estava, ainda, B.G. envolvido com grandes somas de dinheiro, fato este que o teria deixado muito nervoso e preocupado, senão desesperado.

(a) 4: Quando chegou ao local do crime, seu sítio, acompanhado de seu amigo A.G., pediu-lhe que emprestasse as armas que A.G. possuía no carro, para que pudesse testá-las. Evidentemente não o fez com o intuito de praticar tiros, mas sim de matar-se.

(a) 5: B.G. possuía duas apólices de seguro em favor da esposa, totalizando a época CR$ 50.000,00 (cinqüenta mil cruzeiros), fato este que deve ter encorajado sua escolha.

 

(b) 1: Por ter-se matado sozinho em seu sítio, em local ermo e distante do movimento, quando encontrado, o local estava preservado. O cadáver foi localizado a 2,50 metros de um veículo de marca Mercedes Benz. O veículo era de propriedade da vítima. O carro estava estacionado em local de pouco movimento e apresentava a porta dianteira esquerda aberta e as demais fechadas e trancadas com os vidros levantados. O fato ocorreu em local ermo, afastado, de pouco acesso e trafego de pessoas e automóveis.

(b) 2: Igualmente, os peritos verificaram que o local estava alinhado, o que afasta, em tese, a hipótese de homicídio. Não encontraram nenhum sinal de arrombamento ou de luta. O porta-luvas encontrava-se fechado a chave, sem qualquer sinal de arrombamento, havendo uma pistola tipo “Mauser” em seu interior, bem como várias unidades de munição. Inexistiam sinais de luta, conforme se afere da inexistência de perfurações na parte anterior da camisa e da preservação dos botões, que foi aberta antes de efetuados os disparos.

(b) 3: A arma de marca “Taurus”, calibre 32, carga dupla, encontrava-se sob o tapete traseiro direito, abaixo do encosto da poltrona dianteira direita, contendo em seu tambor quatro unidades de carga deflagradas, com o número de disparos idênticos aos encontrados no local.

(b) 4: Outro fato que nos leva a crer a existência de auto-extermínio é a ausência de bilhete ou quaisquer outras formas de comunicação do suicida expressando suas ultimas vontades, anseios, desejos ou pensamentos, bilhetes estes freqüentemente encontrados na cena do crime. A única comunicação deixada pela vítima foi uma carta endereçada a um amigo declarando que precisava  (a vítima) “desaparecer durante algum tempo”.

(b) 5: Da análise das provas e dos indícios, pode-se concluir a dinâmica do evento: B.G. sentado no banco do motorista, tendo aberto a camisa, colocou a arma contra seu peito, numa distância aproximadamente de 10 a 30 centímetros, segurando-a com as duas mãos, dando-lhe segurança para desferir quatro tiros. Após, não tendo atingido o coração, B.G. sobreviveu (sobrevida), levantando-se do carro, apoiado na porta do automóvel, de modo a caminhar por cerca de dois metros até cair no chão e morrer.

(c) 1: Quanto às lesões, foram encontradas quatro de natureza perfuro-contundentes no hemitoráx esquerdo efetuadas por arma de fogo, calibre 32. As lesões estavam todas alinhadas, apresentando zona de queimadura, zona de tatuagem e zona de esfumaçamento, o que demonstra a proximidade do disparo. As feridas mediam zero virgula nove milímetros no maior eixo, tendo as bordas enegrecidas e escoriadas.

(c) 2: Os disparos, segundo parecer médico-legal, podem ser classificados como de curta distância, à cerca de 20 a 30 centímetros. A distancia dos disparos, comparada com a trajetória das balas, perfurando o estofado do banco do motorista, somada à dinâmica do evento, ao sangue encontrado e a ausência de quaisquer perfurações no pára-brisa do veículo denunciam a impossibilidade dos tiros terem sido disparos de fora do veículo, bem como disparos lateralmente. Foram os disparos, sem dúvida, produzidos a curta distância, no interior veículo, mais precisando entre o espaço ocupado pelo corpo e o volante do veículo. Tal constatação nos leva a crer a impossibilidade de creditarmos o homicídio ao fato ocorrido, o que, por fim, gera a compatibilidade com a hipótese de suicídio.

(c) 3: No primeiro laudo efetuado, não constavam quaisquer lesões de natureza violenta, o que reforça a tese do suicídio, à medida que não houve luta. Os peritos legistas chegam a esclarecer que é impossível terem sido disparados projéteis, na posição que os denuncia a trajetória da bala encontrada no estofado do veículo, sem que a vitima tivesse se debatido ou mudado de posição. Evidentemente a vítima quis se dar os disparos, demonstrando a veracidade da tese de suicídio.

(c) 4: As lesões tiveram praticamente a mesma direção e sentido, a saber, de frente pra trás (anterior-posterior), de cima para baixo, levemente da esquerda para direita.

(c) 5: O sangue encontrado na mão da vítima condizente (por meio do exame do fator Rh) com o sangue contido na porta do veículo e no vidro deste demonstram como pode ter havido sobrevida, mormente pela região atingida pelos disparos (hemitórax esquerdo). Além disso a posição do cadáver e a característica peculiar das lesões nos levam a crer que não houve simulação alguma da cena do crime, fato este que reforça a tese de suicídio.

(d) 1: A pesquisa de pólvora sugeriu a presença de resíduos de pólvora na pulseira do relógio da vítima, entretanto nenhum exame foi realizado no cadáver. A presença de pólvora no relógio demonstra a proximidade com que o tiro foi disparado, sugerindo o manejo da arma pela própria vítima.

(d) 2: Não foram efetuadas a pesquisa de dosagem alcoólica ou a pesquisa de psicotrópicos. Todavia, a identificação da arma restou positiva, mormente pelas quatro cápsulas encontradas em seu tambor e pelos projéteis evidenciados no corpo da vítima e no couro do automóvel. Aliado à declaração do amigo de B.G. de que a arma seria de sua posse e de que teria emprestado á vítima, torna-se claro o manuseio da arma por B.G.

(d) 3: Ao ser efetuada a identificação da arma, ponto importantíssimo, ficou demonstrada se tratar de arma semi-automática, a qual efetua disparos duplos ao ser acionada. Partindo-se desta característica peculiar, podemos concluir pela plausibilidade da presença de quatro disparos distintos na vítima, à medida que acionou apenas duas vezes a arma. Os dois primeiros disparos provavelmente não acertaram o coração ou mesmo artérias principais, induzindo o agente a disparar outra vez contra si. Estranhamente o segundo disparo também deve ter sido frustrado, razão pela qual o agente levantou-se do carro, abrindo a porta, findando por cair ao chão morto. Isto explicaria a dinâmica do evento, associada à sobrevida do agente suicida, bem como justificaria a multiplicidade de disparos.

 

Cumpre ressaltar os principais indícios que levam a conclusão de suicídio: (i) a trajetória da bala no sentido anterior-posterior, de frente para trás, de cima para baixo; (ii) os disparos efetuados a curta distância (menos de 10cm), todos com regularidade e mesma dimensão dos ferimentos de entrada e saída dos projéteis; (iii) a proximidade dos ferimentos; (iv) a possibilidade de o local ter sido escolhido aleatoriamente; (v) ausência de manipulação local, isto é, de arraste, levantamento ou modificação da posição do cadáver; e (vi) ausência de vestígios de luta e defesa da vítima. A maioria desses indícios supramencionados nos leva a crer que houve um suposto suicídio.

 

Questão 2: Quais são os principais elementos técnicos para a tese do homicídio? (CITÁ-LOS SEPARADAMENTE).

a)         Antecedentes comportamentais/situacionais (motivos para ser assassinado – citar até cinco elementos);

b)         Local (citar até cinco elementos);

c)         Lesões (citar até cinco elementos);

d)         Exames complementares (citar até cinco elementos).

 

R: O histórico foi baseado em fatos incompletos, em informações imprecisas e discordantes, o que evidencia seu caráter duvidoso. Por meio da análise dos antecedentes da vítima, podemos levantar algumas hipóteses de homicídio. De fato a vítima estava sob fortes pressões, mas a presença de duas apólices altas de seguro, a existência de investigações no local de trabalho, o fato de tratar-se de bancário (talvez investido em um cargo importante de gerência) sugerem a prática de homicídio, senão de extorsão. Neste viés, cumpre-nos analisar as causas que podem levar a conclusão de homicídio.

 

(a) 1: Quanto aos antecedentes, a presença de duas apólices altas de seguro (CR$ 50.000,00) sugere a prática de homicídio.

(a) 2: A natureza do trabalho (bancário), bem como a importância deste sugerem, igualmente, a ocorrência de homicídio.

(a) 3: As investigações efetuadas nas contas da agência em que B.G. trabalhava sugerem a possibilidade de haver homicídio, diante das irregularidades que poderiam vir à tona pelas declarações da vítima.

(a) 4: A declaração de que deveria “sumir/desaparecer durante um tempo” sugere que B.G. estava sendo perseguido, talvez ameaçada, levando-nos a crer na hipótese de homicídio.

 

(b) 1: As molas existentes dentro do estofado do veículo sugerem a possibilidade de desvio do disparo, que poderia ter sido efetuado no sentido posterior-anterior: “A poltrona era revestida de molas e que os projéteis poderiam ter-se, ainda que ligeiramente, desviado de trajetória”.

(b) 2: A constatação pelo laudo complementar do destrancamento das portas dianteiras, que levam a crer que ambas as duas portas estavam abertas, ensejando a presença de outra pessoa no local, senão no banco do passageiro.

(b) 3: Indícios de raspamento no chão (por unhas) indicam a possibilidade da vítima ter se debatido.

(b) 4: A ausência de bilhete ou qualquer outro tipo de comunicação suicida indica a possibilidade de homicídio.

(b) 5: O local onde foi encontrada a arma (tapete traseiro direito) indica a possibilidade de manuseio da arma por terceiro, ou por pessoa sentada no banco de trás, à medida que seria improvável ter a vítima deixado a arma naquela posição, ainda mais após ter deflagrado quatro disparos contra si.

 

(c) 1: A multiplicidade de disparos (quatro) é o principal fator que reforça a tese de homicídio.

(c) 2: A distância dos disparos efetuados, segundo primeiro laudo pericial, a cerca de 1,00 a 1,50 metro da vítima sugere a possibilidade de homicídio.

(c) 3: A existência de lesão na região maleolar (vale dizer, tornozelo), produzida por instrumento contundente, a qual possuía características avitais, isto é, feita após a morte, trás fortes indícios do homicídio. Aliás, este foi um dos argumentos utilizado pelo magistrado para fundamentar a decisão de pronunciamento do suspeito.

(c) 4: A presença de queimaduras na pele ocasionadas, provavelmente, por tiro de raspão indica, igualmente, a possibilidade de considerar verdadeira a hipótese de homicídio.

 

(d) 1: A ausência dos exames complementares denuncia a possibilidade de considerar válidas outras assertivas, acima expostas. Além disso, a impossibilidade de precisar se os tiros foram desferidos pela própria vítima reforça a idéia de crime de homicídio à medida que não podem ser consideradas válidas as provas de suicídio por ausência de provas.

(d) 2: A identificação da arma provou que os disparos que atingiram a vítima partiram justamente daquela arma encontrada no local. Entretanto não foi encontrado o instrumento que causou as lesões contundentes na região maleolar, muito menos as queimaduras que, segundo parecer médico, teriam sido produzidas por disparo à queima roupa.

 

Aliado a estas constatações, o levantamento de informações pela investigação policial baseada, principalmente, na análise do local do crime, do cadáver e do exame necroscópico, levam à interpretação duvidosa, em razão da insuficiência de provas acertadas, bem como de exames complementares. Geralmente a incerteza provém da soma inusitada de elementos de difícil ocorrência, tais como a multiplicidade de disparos e a sobrevida da vítima, podendo igualmente advir da incompetência da investigação policial, mormente dos médicos legislas e pareceristas ao procederem aos exames necessários e complementares. Deixando-se de lado divagações forenses, pode-se levantar a suposta ocorrência do crime, a partir da análise conjugada dos elementos apresentados. Assim, revela-se o histórico do crime como sendo duvidoso, mas não falso. Não pode ser considerado típico pela presença de inúmeros elementos inusitados, os quais, como já anteriormente dito, trazem à causa a incerteza e dúvida. Entretanto, por mais que haja elementos que levem a consideração da hipótese de homicídio, frente aos flagrantes equívocos cometidos pelos médicos pareceristas ao longo do processo, não se pode admitir esta última hipótese. Bem se assemelha ao caso, o que se torna muito mais provável pela análise conjugada, já anteriormente citada, dos elementos do crime, a hipótese de suicídio (auto-extermínio). Duvidoso o é, contudo muito mais provável do que a hipótese de homicídio transfigurado em suicídio simulado.

 

Florianópolis, 13 de novembro de 2007.

*Estudo de caso enviado por Samanta Camacho

*Os autores são acadêmicos de Direito da Universidade Federal de Santa Catarina

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Como citar e referenciar este artigo:
CAMACHO, Cícero Alcebíades Costa, Felipe Cidral Sestrem, Rafael Souza Bezerra de Mello, Samanta Ruiz da Silva. Crimes Sexuais, Homicídio e Suicídio. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2008. Disponível em: https://investidura.com.br/estudodecaso/medicina-legal/crimessexuais-homic-suic/ Acesso em: 07 out. 2024