Empresarial

Parecer: Sócio de Empresa Ltda que Constitui outra Empresa de Responsabilidade Ltda

Parecer: Sócio de Empresa Ltda que Constitui outra Empresa de Responsabilidade Ltda

 

 

Sergio Wainstock*

 

 

CONSULTA

 

Os sócios da empresa “Indústria e Comércio de Panificação G.V. Ltda”, composta de quatro sócios, com sede na Estrada J.E.C. nº 2, Olinda, Nilópolis, RJ, informa que um dos seus sócios está constituindo uma outra empresa de responsabilidade limitada.

 

Assim, pretendem a elaboração de um sucinto parecer jurídico que analise as conseqüências do referido ato em relação a empresa da qual fazem parte, em especial na hipótese de este sócio em questão não mais venha a cumprir com as suas obrigações, contratuais e legais.

      

Também questionam, os sócios da G.V., se os seus sócios particularmente, ou a própria empresa (G.V.), poderiam vir a responder, judicialmente, pelos erros ou ilegalidades cometidas pelo sócio em questão quanto aos atos ou compromissos assumidos na administração da nova empresa.

 

 

P A R E C E R J U R Í D I C O

 

Preliminarmente, importante tecer algumas considerações à respeito da responsabilidade por atos ilícitos.

 

Ocorrendo um dano no mundo dos fatos, para que nasça a obrigação jurídica de reparação, é necessário que o grupo tenha aceitado que daquele fato nasça uma responsabilidade. Ou seja, determinados atos são legalmente previstos como fatos geradores da responsabilidade. É o fator psicológico da busca de punição social para determinados eventos. Ou seja, a responsabilidade nascerá da realização de uma hipótese jurídica; da ocorrência de um fato jurídico.

 

Assim, os fatos jurídicos são ocorrências no mundo dos fatos que tenham por conseqüência a aquisição, o resguardo, a transferência, a modificação ou a extinção de direitos. Tanto podendo ter origem por via de um ato humano ou por um acontecimento da natureza; como o são um contrato e o decurso do tempo, respectivamente.

 

O ato ilícito que, por essas considerações, possui efeitos jurídicos, passa a receber o adjetivo jurídico, contestado porque não seria um ato conforme o Direito, caindo melhor a designação jurígeno.

 

A doutrina divide o ato ilícito em contratual e extracontratual, conforme a obrigação descumprida tenha origem, respectivamente, em relação entre as partes ou enquadrem-se nas regras do art. 159 do CC, tendo agido com culpa lato sensu.

 

É comum fazer-se a distinção entre responsabilidade por violação de obrigação derivada de um negócio jurídico, cujo descumprimento caracterizaria o fato ilícito civil gerador do dano, e a responsabilidade delitual ou extracontratual, que abstrai a existência de um contrato previamente celebrado e decorre de um ato ilícito absoluto, violador das regras de convivência social, e causador de um dano injusto.

 

A primeira encontra seu fundamento no art. 1.056, do Código Civil: “Não cumprindo a obrigação ou deixando de cumpri-la pelo modo e no tempo devidos, responde o devedor por perdas e danos”; a segunda, no art. 159, do Código Civil: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano”.

 

No entretanto, a diferença fundamental entre essas duas modalidades de responsabilidade está na carga da prova atribuída às partes. Na responsabilidade contratual, ao autor da ação, lesado pelo descumprimento, basta provar a existência do contrato, o fato do inadimplemento e o dano, com o nexo de causalidade, incumbindo a outra parte demonstrar que o dano decorreu de uma causa estranha a ele; na responsabilidade extracontratual ou delitual, o autor da ação deve provar, ainda, a imprudência, negligência ou imperícia do causador do dano (culpa); isentar-se-á a parte de responder pela indenização se o autor não se desincumbir desse ônus.

 

A obrigação é de meios quando o profissional assume prestar um serviço ao qual dedicará atenção, cuidado e diligência exigidos pelas circunstâncias, com os recursos de que dispõe, sem se comprometer com a obtenção de um certo resultado. A obrigação será de resultado quando o devedor se comprometer a realizar um certo fim, como, por exemplo, transportar uma carga de um lugar a outro, ou consertar e pôr em funcionamento uma certa máquina, ou, ainda, como no caso, prestar assessoria para obter um determinado financiamento em favor da parte contratante.

 

Sendo a obrigação de resultado, basta ao lesado demonstrar, além da existência do contrato, a não-obtenção do resultado prometido, pois isso basta para caracterizar o descumprimento do contrato, independente das suas razões, cabendo ao devedor provar o caso fortuito ou a força maior, quando se exonerará da responsabilidade. Mas, na obrigação de meios, o credor deverá provar a conduta ilícita do obrigado, isto é, que o devedor não agiu com atenção, diligência e cuidados adequados na execução do contrato.

 

Isto posto, tanto na responsabilidade delitual, como na responsabilidade contratual, derivada de uma obrigação de meios, a parte contratada deve provar a culpa do contratante, seja porque agiu com imprudência, negligência ou imperícia e causou um ilícito absoluto (art. 159), seja porque descumpriu com sua obrigação de atenção e diligência, contratualmente estabelecida.

 

No contrato bilateral, os contraentes se obrigam reciprocamente uns diante dos outros, pois a prestação de um corresponde à contraprestação do outro, havendo um nexo ou sinalagma que liga as obrigações das duas partes, mantendo-as numa relação de correspectividade e de interdependência.

 

A propósito do tema cumpre destacar o teor do seguinte acórdão:

 

ATO ILÍCITO – OCORRÊNCIA – INDENIZAÇÃO- O indivíduo, na sua conduta anti-social, pode agir intencionalmente ou não, pode proceder por comissão ou por omissão, pode ser apenas descuidado ou imprudente. Não importa. A iliceidade da conduta está no procedimento contrário a um dever preexistente. Sempre que alguém falta ao dever a que é adstrito, comete um ilícito, e como os deveres, qualquer que seja a sua causa imediata, na realidade são sempre impostos pelos preceitos jurídicos, o ato ilícito importa na violação do ordenamento jurídico; e, conseqüentemente, em caráter necessário, na obrigação de indenizar o mal causado, ao passo que, havendo mais de um responsável, à guisa de co-partícipe, a solidariedade justifica-se, não só para aumentar as garantias do ofendido, como pela própria natureza do fato gerador da obrigação e identidade do direito lesado (TJ-SP – Ac. unân. da 15ª Câm. Cív. julg. em 14-3-95 – Ap. 256.206-2/0-Capital – Rel. Dês. Quaglia Barbosa).

 

A hipótese em causa trata do reflexo ou consequência de um dos sócios, eventualmente, não vir a cumprir com as suas obrigações contratuais ou legais. Ou seja, que o sócio venha a agir contra a lei; com excesso de mandato ou infringir o contrato social, deixando, destarte, de cumprir com as suas obrigações.

 

A affectio societatis, elemento específico do contrato de sociedade comercial, caracteriza-se como uma vontade de união e aceitação das áleas comuns do negócio. Quando este elemento não mais existe em relação a algum dos sócios, causando a impossibilidade da consecução do fim social, plenamente possível a sua exclusão, permitindo a continuação da sociedade com relação aos sócios remanescentes ( STJ – Ac. unân. da 3ª T. publ. no DJ de 15-4-96, pág. 11.531 – Agr. Reg. no Agr. 90.995-RS – Rel. Min. Cláudio Santos – Advs.: Cláudio Leite Pimentel e Luiz Carlos E. Piva).

 

De idêntico teor é a conclusão a que chegou o Dr. Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, Pretor no Rio Grande do Sul, in verbis:

 

“4.2 É perfeitamente lícita a exclusão de sócio de sociedade por cotas, não apenas no caso previsto no art. 7º do Dec. 3.708 – exclusão de sócio remisso – mas sempre que haja causa que justifique tal deliberação pela maioria, independentemente de cláusula legal ou contratual ou, ainda, de prévia decisão judicial, já que são aplicáveis às sociedades por cotas os dispositivos legais do Código Comercial que autorizam a exclusão” (in Rev. dos Tribs. 638, pág. 67).

 

A desarmonia entre os sócios é suscetível de acarretar a exclusão de um deles por deliberação da maioria, independentemente de previsão contratual ou de pronunciamento judicial. Orlando Gomes, assegura : “Aos outros sócios assiste direito de excluir da sociedade aquele que se tornou elemento perturbador de sua existência e desenvolvimento, menos porque tenham e possam exercer poder disciplinar sobre o turbulento ou pernicioso do que pela conduta inadimplente, que passou a ter”. (in Direito Societário, Estudos e Pareceres, Capítulo 2, “A Exclusão de Sócio nas Sociedades por Quotas”, pág. 258, ed. For., 1984).

 

O gerente, nas sociedades por cotas de responsabilidade limitada, ocupando esse cargo na qualidade de sócio, por previsão estatutária, pode ser excluído da função, alterando-se o ato constitutivo pelo consenso dos sócios com maioria no capital, justificando-se tal hipótese quando se verifica inexistente disposição que exija a unanimidade dos sócios para decisão que implique alteração de cláusula constitutiva do estatuto social (STJ – Ac. unân. da 3ª T. publ. em 27-9-93 – Rec. Esp. 33.670-7-SP – Rel. Min. Waldemar Zveiter – Advs.: Carlos Leduar Lopes e Fábio Mourão Sandoval).

 

A divergência do sócio minoritário não traz outra conseqüência, mesmo que se trate de destituição de gerente, como bem anota RUBENS REQUIÃO em passagem transcrita pelos recorridos em seu arrazoado:

 

“O contrato social poderá originalmente designar os sócios-gerentes. Isso não importa na impossibilidade de destituição do sócio-gerente estatutário. A maioria dos sócios, com efeito, tem o poder de alterar o contrato social, e essa alteração pode ser simplesmente para a substituição do sócio-gerente estatutário. O sócio que não concordar com a alteração do contrato tem conseqüentemente direito ao recesso na forma do art. 15 (“Curso de Direito Comercial”, Saraiva, 1977, pág. 344).”

 

Há de estar assegurado o controle jurisdicional do ato de dispensa (ou da exclusão), em qualquer hipótese. É caso de ver que, consoante a lição do art. 339 do Cód. Comercial, a despedida do sócio supõe causa justificada, semelhantemente à de empregado por empregador, cujo controle sempre haverá de estar afeto ao Judiciário.

             

Em razão de tal colocação, disse o ilustre Ministro Djaci Falcão, no julgamento do Recurso Especial nº 115.222,

 

“Por outro lado, não padece dúvida de que é possível a exclusão de sócio independentemente de cláusula contratual, por deliberação majoritária dos quotistas, desde que haja justa causa para o ato. É de se ponderar, no entanto, que a exclusão, como medida grave, fundada em justa causa, pode ficar sujeita ao controle jurisdicional em termos de valoração jurídica, resguardando-se, inclusive o direito de defesa do excluído.” (in RTJ-128/902)

 

Em prosseguindo, há de se resguardar a integralidade do patrimônio do autor, consubstanciado no seu capital e lucros inserido na sociedade.       

 

Isto significa estabelecer que somente a forma pactuada no contrato social – para os casos de retirada – não satisfaz, com eficácia, a apuração dos haveres do sócio excluído da referida sociedade.

 

Deve-se observar in casu, o enunciado da Súmula 265 do STF:

 

“Na apuração de haveres, não prevalece o balanço não aprovado pelo sócio falecido, excluído ou que se retirou.”

 

É conveniente, assim, assegurar ao sócio, que se retira da sociedade – e com muito mais razão o sócio excluído – de receber o valor de sua cota com base em apuração de haveres que encontre valores reais e tudo o mais o que constituir o fundo de comércio e não apenas valores históricos ou contábeis.

 

Quanto a dúvida dos sócios ou a própria empresa “G.V.” vierem a responder, judicialmente, por eventuais erros, deslizes ou ilegalidades, cometidas pelo sócio em questão, na administração da nova empresa é, em princípio, remotíssimo.

 

Em regra geral, a sociedade por cotas de responsabilidade limitada, pessoa jurídica que é, responsabiliza-se pelos seus débitos, porquanto tem personalidade distinta da de seus sócios; ou seja, o sócio, na sociedade por quotas, não pode ser acionado por dívida da mesma. Apenas, excepcionalmente, admite-se a execução contra ele, se a sociedade tiver sido dissolvida irregularmente, sem que se encontre bens da sua propriedade ou em hipóteses expressamente previstas em lei. “Na sociedade por cotas de responsabilidade limitada, o sócio responde até o limite do capital social. Não provando a Fazenda os requisitos da responsabilidade dos sócios, não pode a execução recair sobre os bens destes” (RE 25.03.83, Seleções Jurídicas, ADV, jun. 1983, p. 43, nota 39)

 

A jurisprudência de nossos tribunais entendem no mesmo sentido:

 

EXECUÇÃO – . Citação do sócio que não participou do processo. Inadmissibilidade. Embora o sócio possa ostentar responsabilidade secundária, legitimando-se passivamente na execução (art. 592, III, do CPC), exceto nos casos em que a lei ou a convenção lhe outorgue responsabilidade solidária ou subsidiária, deverá ter sua responsabilidade pela dívida social apurada em ação prévia, principalmente no caso de aplicação da teoria da desconsideração da pessoa jurídica (disregard of legal entity), a teor do art. 10 do D. 3.708/19. (TJRS – AC 595.129.065 – 3ª C – Rel. Des. Araken de Assis – J. 21.09.95).

 

Como já frisamos, a responsabilidade patrimonial do sócio há de se lastrear em motivos expressamente elencados pelo legislador, como, por exemplo, atos de má gestão, contrários à lei, em violação a contrato social ou de excesso de mandato, os quais caracterizariam o ato ultra vires ou embasariam a Disregarde of Legal Entity.

 

É importante ressaltar que para supor hipótese de aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica da mesma e necessário a prova de violação inerente aos deveres de sócio na sociedade; o excesso do mandato; a violação da lei. A doutrina da disregard cuida de afastar, de uma vez por todas, o axioma de que a pessoa jurídica é invulnerável, independente e imunes de responsabilidades seus sócios. A separação da pessoa jurídica da pessoa física é uma mera ficção legal, não sendo justificável que a pessoa jurídica ou mesmo o sócio que se esconde sob o manto desta sociedade, fuja de sua responsabilidade ou de seu fim social, para alcançar benefícios e interesses anti-sociais, que fraudem a lei. É o que afirmamos quando destacamos que entre os fundamentos da desconsideração, deve haver uma busca de seu elemento subjetivo, intencional, destinado a ocultar a ilicitude atrás da pessoa jurídica e, daí concluímos que se inexiste fraude ou abuso de direito, a personalização da sociedade, associação ou fundação deve ser amplamente prestigiada.

 

 

CONCLUSÃO

 

A responsabilidade civil encontra amparo quando o agente não cumpre a obrigação ou deixa de cumpri-la pelo modo e no tempo devidos, respondendo por perdas e danos. Ou quando o agente prática uma ação ou omissão voluntária; uma negligência ou imprudência; uma violação de direito; ou, finalmente, quando causa prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano causado. Isto é, quando o agente assume uma responsabilidade, tal qual lhe impõe um contrato de sociedade comercial, vindo a agir de forma negligente ou imprudente, contrariando os dispositivos contratuais e legais, poderá, evidentemente, responder pelos seus atos ou atitudes, seja pela exclusão da sociedade, seja pela indenização por perdas e danos.

 

Quanto aos reflexos da prática de eventuais atos ilegais praticados pelo sócio, ressaltamos que, em regra geral, a sociedade por cotas de responsabilidade limitada responsabiliza-se pelos seus débitos – até o limite de seu capital social – porquanto tem personalidade distinta da de seus sócios. Excepcionalmente, no entanto, admite-se a execução contra o sócio, particularmente, se a sociedade tiver sido dissolvida irregularmente, sem que se encontre bens da sua propriedade ou em hipóteses expressamente previstas em lei, tais como, atos de má gestão; atos contrários à lei; atos em violação a contrato social ou de excesso de mandato, os quais caracterizariam o ato ultra vires ou embasariam a Disregarde of Legal Entity.

 

Em suma, é remotíssima a possibilidade de a firma “G.V.” ou os seus sócios, particularmente, virem a responder por atos praticados pelo sócio, na função de gerente de uma terceira empresa.

 

 

Este é o nosso parecer.

 

 

* Consultor Jurídico

 

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Como citar e referenciar este artigo:
WAINSTOCK, Sergio. Parecer: Sócio de Empresa Ltda que Constitui outra Empresa de Responsabilidade Ltda. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/estudodecaso/empresarial-estudodecaso/parecer-socio-de-empresa-ltda-que-constitui-outra-empresa-de-responsabilidade-ltda/ Acesso em: 21 nov. 2024