Direito Civil - Contratos

Comodato

 

Comodato

 

a) Definição – É empréstimo gratuito de bens não fungíveis. É empréstimo de uso. O comodatário usa o bem e depois o restitui.

 

b) Partes – Aquele que empresta a coisa, denomina-se comodante. Já aquele que a toma emprestada, chama-se comodatário.

 

c) Caracteres jurídicos – Tendo em vista suas características, podemos afirmar ser o comodato contrato:

 

– típico, por estar tipificado no Código Civil,

– puro, uma vez que não é fruto de combinação de dois ou mais outros contratos;

– real, pois que só se considera celebrado após a entrega do bem (traditio res).

 

Em outras palavras, não basta o consenso, isto é, não basta que as partes queiram contratar e tenham já entrado em acordo. Além disso, é essencial a entrega da coisa para que se configure contrato. Alguns juristas modernos, todavia, o consideram consensual, sendo a entrega da coisa seu primeiro ato de execução. Mas a Lei é clara: o contrato é real, pois só se perfaz com a tradição da coisa.

 

Na falta da entrega da mesma, não há comodato, mas apenas contrato preliminar de  promessa de comodato, cuja validade é como a de qualquer contrato promissório, guardadas suas peculiaridades. Contrato gratuito que é, a promessa de comodato não é, em princípio, exigível. No entanto, se houver encargo, uma vez cumprido este, a promessa torna-se exigível;

 

– gratuito, porque à prestação do comodante não corresponde qualquer contraprestação do comodatário. Aliás, se houvesse contraprestação do comodatário, o contrato seria de locação. O que pode haver são pequenas obrigações contratuais, decorrentes do próprio uso da coisa, como cuidar dos jardins, alimentar os animais, restituir o carro de tanque cheio, ou coisas do gênero. Tais deveres não desconfiguram o contrato; não o tornam oneroso;

 

– unilateral, de vez que gera obrigações somente para o comodatário;

 

– pré-estimado, por serem todos os deveres e direitos, assim como todas as conseqüências do contrato, de antemão, previsíveis. O contrato não está subordinado”à sorte futura como, por exemplo, o contrato de jogo;

 

– de execução futura, por ser celebrado num momento para ser executado sucessivamente no tempo, em momento futuro;

 

– individual, uma vez que só obriga as partes contratantes;

 

– negociável, uma vez que, pelo menos em tese, são possíveis concessões recíprocas;

 

– intuitu personae ou, segundo outros, impessoal. Caio Mário, citando De Page, assevera que o comodato não é essencialmente intuitu personae. Apesar disso, não classifica como contrato impessoal. Adota posição intermediária, afirmando que, na maioria dos casos, o comodato implica certo favorecimento de caráter pessoal.

 

Quem defende a opinião de que é contrato intuitu personae, fundamenta-se em que o comodato se baseia na confiança pessoal depositada pelo comodante no comodatário: ninguém empresta seu carro ou sua casa a qualquer pessoa, mesmo que idônea. O comodatário é, normalmente, pessoa da privacidade do comodante. A confiança, a relação pessoal, às vezes íntima, é o alicerce do contrato.

 

De fato, a morte de uma das partes, em princípio, põe fim ao contrato. Fosse ele tipicamente impessoal, tal não ocorreria, necessariamente.

 

d) Requisitos subjetivos – As partes devem ser genericamente capazes.

Duas observações são, entretanto, indispensáveis.

Primeiramente, os tutores, curadores e administradores de bens alheios não podem dá-los em comodato, a não ser com autorização do dono ou do juiz, no caso dos incapazes. O fundamento é a gratuidade do contrato. Parece que o legislador adotou a parêmia de que não se pode “fazer graça” com coisas alheias.(34)

 

Em segundo lugar, não é necessário que o comodante seja proprietário da coisa, podendo ser mero possuidor seu, como é o caso do locatário, do usufrutuário etc.

 

Mas somente a dará em comodato se a Lei, o contrato, o dono ou o juiz o permitirem. O fundamento é que o comodato é apenas cessão de uso, ou seja, não opera transmissão de propriedade ao comodatário. Assim, não haveria porque proibir o mero possuidor de ceder a coisa.

 

e) Requisitos objetivo – A coisa comodada deve ser infungível, podendo ser móvel ou imóvel. Pode ser essencialmente fungível e se pactuar o comodato sobre ela, devendo ser restituída a mesma coisa. É o caso do comerciante que empresta mercadorias a seu colega, que as expõe e depois as restitui in integmm. Tais mercadorias são fungíveis por natureza e infungíveis por convenção. O comodatário recebe as coisas tal como estão, sem que exista para o comodante obrigação de repará-las ou pô-las em estado de servir. Não é como na locação em que o locador tem o dever de entrega, manutenção e garantia.

 

f) Requisitos formais – É contrato real, não exigindo a Lei nada mais além da traditio rei para que se aperfeiçoe.

 

g) Prazo – Em sua essência é temporário. Se fosse perpétuo seria doação. Pode ser por prazo indeterminado ou por prazo determinado. Se por prazo indeterminado, admitirá a resilição unilateral, também chamada de distrato unilateral ou denúncia vazia. O comodante pode retomar a coisa quando quiser, respeitado prazo mínimo razoável para que o comodante se utilize dacoisa. Se o comodante pudesse retomar a coisa logo em seguida à tradição, não

seria comodato e sim “precário”.

Sendo determinado o prazo, deverá este ser respeitado, salvo se o comodante demonstrar em juízo a necessidade urgente e imprevista de reaver a coisa. Terá que pagar multa contratual, por força de cláusula penal, se for o caso.

 

h) Obrigações do comodatário – Conservar a coisa como se fosse sua. O Direito Romano exigia cuidado extremado. Como dizia Gaio, ao comentar Edito Provincial, .in rebus commodatis talis diligentia praestanda est quatem quisque diligentissimus pater familias sais rebus adbibet.(36)

 

O Direito Brasileiro não faz essa distinção. O comodatário deve conservar a coisa como se fosse sua, não lhe servindo a desculpa de ter gênio desleixado. A verdade é que se exige cuidado mais extremo, pois que, se em situação de perigo, o comodatário der preferência as suas coisas, deixando perecer a coisa comodada, deve indenizar o comodante com base na teoria objetiva da responsabilidade. Em outras palavras, o comodatário que ( Precário era, no Direito Romano, contrato pelo qual se abandonava a alguém, gratuitamente e a titulo de tolerância, o uso de coisa ou o exercício de direito, ficando o precarista obrigado à restituição á primeira requisição. O precário dava-se quase que tacitamente. Era comum ocorrer entre patrícios (nobres romanos) e seus clientes (normalmente escravos alforriados que continuavam a viver sob o patrocínio do antigo senhor), referindo-se às terras públicas de que aqueles tinham o uso e o gozo. De inicio, o precário nem era considerado contrato. Só no período clássico, que se estendeu, mais ou menos, do primeiro século antes de Cristo até fins do primeiro século depois de Cristo, é que veio a se classificar como contrato real.) (Digestum, Lib. XIII, Tit. VI, 18. “Às coisas comodadas deve prestar-se tanta diligência, quanto qualquer pai de família diligentíssimo prestaria a suas coisas”.)

 

Salvar primeiro suas coisas, deixando perecer as do comodante, responderá ainda que pelo fortuito. Dessarte, se um raio cair sobre a garagem do comodatário, vindo a incendiá-la, e se o comodatário, podendo salvar apenas um carro, retirar o seu, deixando o do comodante se consumir pelo fogo, terá que indenizá-lo, mesmo que prove ter sido o incêndio fortuito.

 

Indenizar o comodante pelos danos, se houver concorrido com culpa. Em caso de perigo, como vimos, se salvar suas coisas, abandonando as do comodante, vindo estas a perecer, indenizará os prejuízos, mesmo que não tenha tido culpa pelo acidente.

 

O comodatário não tem direito ao reembolso de despesas com a conservação normal da coisa. No caso de gastos extraordinários, aplica-se a regra geral das benfeitorias nas obrigações de restituir coisa certa. Por outros termos, pelas despesas com benfeitorias necessárias e úteis terá direito de retenção e reembolso. Pelas benfeitorias voluptuárias, só terá direito a reembolso, se tiverem sido autorizadas.

 

Mesmo neste caso, não terá direito de retenção. Se, por outro lado, o comodante não autorizou o implemento das benfeitorias voluptuárias, o comodatário a nada terá direito; apenas o de levantá-las, ou seja, retirá-las, desde que o levantamento não danifique a coisa.

 

Restituir o objeto no prazo ajustado ou, não havendo prazo, quando lhe for requisitada a coisa, respeitado prazo razoável para que dela se utilize. Se houver empréstimo para certo fim, o comodante terá que aguardar que este se cumpra, sob pena de perdas e danos. Uma vez constituído em mora, o comodatário estará sujeito ao pagamento de aluguéis, ainda que exorbitantes, por que sua natureza jurídica é de pena e não de contraprestação.

 

O sujeito ativo para receber o comodato é o comodante ou quem tenha poderes legais ou convencionais para recebê-lo.

 

Se dois ou mais os comodatários, responderão solidariamente. O fundamento é a gratuidade do contrato.

 

i) Obrigações do comodante – Em princípio, não as tem. Mas haverá, eventualmente, duas hipóteses em que podem surgir obrigações:

 

1ª Reembolsar as despesas necessárias e úteis, tendo por elas o comodatário direito de retenção, quer dizer, poderá reter a coisa em suas mãos até que seja pago.

 

2ª indenizar o comodatário por vício oculto que, dolosamente, haja escondido, desde que, por força do defeito, advenha prejuízo ao comodatário. Por exemplo, “A” empresta seu carro a “B”, sabendo que os freios estavam defeituosos.  “B”, por causa de falha nos freios, vem a bater o carro, machucando-se. “A” não só não terá direito a nenhuma indenização, como deverá ressarcir “B” de todos os danos por ele sofridos.

 

 

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Como citar e referenciar este artigo:
ANÔNIMO,. Comodato. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2008. Disponível em: https://investidura.com.br/doutrina/contratos-doutrina/comodato/ Acesso em: 06 out. 2024