Visão Liberal

Na passagem do Ano Novo

“O diabo na rua, no meio do redemoinho”.

Guimarães Rosa

O ano que passou foi coberto por ventos fortes, que ceifaram muitas árvores frondosas e muita gente boa sucumbiu. Algumas pessoas foram feitas prisioneiras por causa da corrupção. Os ventos vergaram a estrutura de poder, mas não a derrubaram. As eleições foram o marco mais substantivo do ano e foram a prova cabal de que a revolução em marcha, levada a cabo pelo PT, logrou enganar parte considerável do eleitorado, a ponto do partido se manter no poder. Vieram à tona as coisas do petrolão, inutilmente, secundando o mensalão de triste memória. Os brasileiros eleitores parecem ter perdido o senso moral e a capacidade de se indignar com os governantes. Ignoraram os fatos e as provas, ignoraram a imprensa e o reboliço indignado que se apossou de boa metade da nação, quem sabe “a” boa metade.

Para 2015 espero mais do que ventos e ventanias, vendavais, mesmo furacões. O redemoinho no meio da rua levando tudo. A crise econômica está instalada e exige ação dura do Estado, do governante, mesmo contra a sua vontade e a sua falsa propaganda eleitoral. A indicação de Joaquim Levy para ministro da Fazenda é desses imperativos categóricos incontornáveis. Levy aceitou o sacrifício, difícil para muitos economistas capazes de enfrentar a crise, mas, no entanto, não poderá contar com o apoio sólido da presidente e de seu partido. A Joaquim Levy só cabe uma estrada de mão única: aumentar o superávit primário, com toda transparência. Só poderá propor aumento de impostos, de preços dos serviços públicos e de cortes de gastos, o trio fatal do qual tem fugido o PT desde o primeiro governo Lula. Levy é o portador da veia “neoliberal” do PT. Vai durar? Não sei, poderá ser dos primeiros a sucumbir aos ventos fortes dos furacões que estão no horizonte. Não depende dele.

Teremos também, em 2015, o impacto integral das consequências jurídicas e políticas das denúncias do petrolão. Nunca na história desse país um conjunto de pessoas e empresas que operaram a corrupção em larga escala resolveram delatar, como agora, para salvar a própria pele. Fornecendo provas definitivas dos crimes. As consequências jurídicas poderão ser rápidas para aqueles que não têm foro privilegiado. Podemos ver maganos bilionários serem aprisionados por longas penas, uma novidade histórica.

As consequências políticas também serão imediatas. Quando os nomes dos envolvidos no petrolão vierem a público não restará ao Congresso Nacional senão a cassação imediata dos envolvidos, por simples quebra do decoro parlamentar, independentemente dos processos que tramitam na Justiça. É de deixar qualquer observador surpreendido e pasmo. As consequências nos meios empresariais e políticos serão avassaladoras. Poderão ser exemplares? Duvido. Enquanto o Estado for gigante haverá sempre um balcão de negócios e um meio de se praticar a corrupção. O butim das propinas é suculento e vale os riscos.

E eu, como se sinto? Ora me percebo um cadáver imerso numa banheira de formol, um ciclo findo, um vivente que já não é desse mundo, um morto. Tem gente que nasce póstumo e eu sou um deles. O sentimento de que esse mundo atual não é o meu e que nele não consigo viver, nem digo decentemente, mas vegetativamente, toma a minha alma. Sinto que perdi meu lugar no mundo, que me hostiliza. Às vezes me sinto alternativamente como um feto imerso em um frasco de álcool, um aborto que não pôde nascer em meio a tudo que está aí. Questão de ponto de vista e de humor de momento. Todavia, jamais me esqueço da máxima orteguiana: existir é persistir. O imbecil coletivo brasileiro não pode nos derrotar.

A fragilidade que tomou conta da sociedade brasileira fez com que os perigos existenciais fossem maximizados. Uma crise econômica de largas proporções não está descartada, uma convulsão política também não. Tudo dependerá do cenário internacional, até agora benigno para o Brasil desde pelo menos 2008 (ou mesmo 2002). E do desdobramento das provas e testemunhos do petrolão, que poderão comprometer a presidente da República. Um vendaval político não está descartado, com todas as suas consequências, mesmo que a presidente não sofra um processo formal de impeachment. Ela perderá a autoridade e a capacidade de liderar a nação.

Será um ano de encruzilhada, 2015, onde múltiplos caminhos alternativos se apresentam. Espero que seja tomado o melhor, o da racionalidade, da sobriedade, da sensatez.  Desejo que a presidente não se comporte como alguém que está sob a avalanche de pedras ou que escorregou em um precipício fatal. Para tanto, precisará de discernimento e de grande estofo moral, coisas que infelizmente não possui. Talvez seja assim para os brasileiros nos próximos meses: um mergulho no precipício seguido do esmagamento pela avalanche. Como um destino.

Quem viver verá! O tempo está próximo.

www.nivaldocordeiro.net  –  31/12/2014

Como citar e referenciar este artigo:
CORDEIRO, Nivaldo. Na passagem do Ano Novo. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2015. Disponível em: https://investidura.com.br/colunas/visao-liberal/na-passagem-do-ano-novo/ Acesso em: 12 mai. 2025