Ontem, 15 de março, uma multidão saiu às ruas para protestar contra os governantes do PT e seus aliados, contra a corrupção e pedindo mudanças imediatas na postura dos agentes políticos. Alguns pediam impeachment da presidente Dilma Rousseff. Outros, ainda, pediram intervenção militar. O clima verde e amarelo, nacionalista, predominou. Essa gente que marchou está com raiva. E está coberta de razão. Famílias inteiras foram às ruas, gente que nunca se interessou por política. Foi uma verdadeira marcha da família contra o governo. Essa gente pode voltar às ruas ainda mais enraivecida e numerosa se algo não for feito pela elite governante, proximamente.
O governo, e também a oposição, quedaram estupefatos diante do magnífico fato político, para eles inesperados. Viu-se não apenas o divórcio entre as ações do Estado e o anseio popular, mas também a incapacidade dos agentes políticos de produzirem interpretações capazes de municiar o enfrentamento da crise. Dois ministros de Dilma Rousseff, o da Justiça, José Eduardo Cardozo e o Secretário Geral da Presidência, Miguel Rossetto, vieram a público para analisar os fatos. Dilma Rousseff não teve a coragem de aparecer, pois que suas últimas aparições têm sido sempre seguidas de vaias, apupos, panelaços, apitaços e pelo frénico apagar e acender das lâmpadas dos apartamentos dos indignados. Ambos os ministros se perderam em palavrório vazio, em repetições de clichês e na desesperada tentativa de resgatar antigas bandeiras já vencidas, como a reforma política. Insistiram que protestos são normais na ordem democrática, ignorando que foi mais que um protesto, foi quase uma insurgência civil. O governo perdeu qualquer legitimidade, ainda que as urnas o tenham consagrado há pouco. Um fato paradoxal.
Já a oposição duvidou das manifestações e se omitiu. O principal líder, Aécio Neves, sequer compareceu a elas, em uma implícita manobra de apoio ao governo constituído. Todo mundo sabe que o presidente de honra do PSDB, seu partido, Fernando Henrique Cardoso, é contra qualquer manobra de impedimento da presidente, ele que sempre apadrinhou o PT. Certamente o PSDB perdeu o timing e o senso histórico e agora está a reboque dos acontecimentos. Da mesma forma, o governador Geraldo Alckmin, pois em São Paulo houve a manifestação mais espetacular, com mais de um milhão de pessoas nas ruas. O governador foi incapaz de saudar a multidão, omitindo-se de maneira incompreensível. A omissão não tem como ajudar a construir a história e revela inexplicável apoio ao status quo criado pelo PT.
Onde está a raiz de tudo isso? Alguns falam de crise econômica, outros de crise política e outros, ainda, de crise de valores morais. Eu tenho a convicção de qual as revelações das malandragens na Petrobras e as cifras espetaculares movimentadas pelo petrolão dispararam a revolta daqueles que têm aguentado pacientemente a ação revolucionária gramsciana das últimas décadas. Vivemos o auge dessa revolução e agora a paciência se esgotou. Não ao acaso o presidente da Câmara de Deputados, Eduardo Cunha, declarou a exclusão dos itens da revolução cultural que o governo queria em pauta, com destaque para a legislação anti-homofobia, sobre o casamento de pessoas do mesmo sexo e sobre o aborto. Eduardo Cunha virou, ao acaso, a ponta de lança da contrarrevolução. O divórcio não se dá apenas entre o Executivo e a Nação, mas também entre o Executivo e o Legislativo.
O que a multidão nas ruas queria ontem é o fim do processo revolucionário e a normalização da vida das pessoas. O Brasil tem sofrido violência jurídica continuada por parte dos governantes, com apoio velado e explícito das oposições, ocasionalmente, pois partilham de crenças semelhantes às do PT. Há um evidente vácuo de liderança e não se sabe quem vai capitalizar a energia política emanada da multidão enraivecida. A crise econômica ainda não produziu efeito perceptível nas pessoas, embora a tenham deixado inquietas. A carestia novamente se estabeleceu, o que favorece a futura ampliação do movimento contra o governo. Os mais pobres já sentiram a violenta penalização, vitimados pelo tarifaço dos preços da energia, dos alimentos e dos preços administrados pelos oligopólios fabricados pelo PT.
A crise econômica encurralou de tal sorte o governo que este, contra a vontade, teve que elevar a taxa de juros. O custo de carregamento da dívida pública mal cabe no orçamento, agravando a pressão pela elevação dos impostos. Não haverá saída fácil para essa sinuca econômica.
O que esperar? Um agravamento da crise e a ampliação da insatisfação popular. Em tempos assim, os perigos rondam forte e tudo pode acontecer. A história está novamente em movimento. Quem viver verá.
www.nivaldocordeiro.net – 16/03/2015