A parte criminal do Código de Trânsito Brasileiro, isto é, seu Capítulo XIX, traz determinadas regras que demonstram
uma preocupação do legislador com determinadas atitudes socialmente reprováveis, mas que se não houver cautela em sua aplicação poderão criar situações
pitorescas, ou até injustas. Alguns exemplos de circunstâncias agravantes e causas de aumento de pena, previstos nos Arts. 298 e 302 respectivamente
merecem reflexões.
Está prevista como circunstância agravante o fato do condutor ter cometido o crime “quando sua profissão ou
atividade exige cuidados especiais com o transporte de passageiros ou de carga”. Ora, isso abrange desde o motoboy até o caminhoneiro de carreta,
desde o mototaxista até o motorista de biarticulado, e independentemente de estar exercendo sua profissão no momento do cometimento do crime. Ou seja,
um caminhoneiro habilitado na categoria “E” (carretas) pode sofrer essa agravante no crime de falta de habilitação se dirigir uma pequena moto no final
de semana na praia.
Consta como causa de aumento da pena, tanto para homicídio quanto para lesão corporal, se o crime for cometido no
exercício ou atividade, conduzindo veículo de transporte de passageiros. Sabemos que o legislador quis referir-se ao motorista de ônibus que comete o
crime com o veículo quase lotado, mas, friamente, é possível enquadrar qualquer trabalhador, desde o representante comercial até o diretor de
multinacional, já que sua profissão pode exigir deslocamento em veículo (nem que seja para pegar alguém no aeroporto), e se estiver conduzindo um
veículo cujo documento conste na espécie “PAS” (passageiros) poderia ser enquadrado. Isso abrange desde a motocicleta de dois lugares até o ônibus com
dezenas.
Note-se que no primeiro exemplo, de agravantes não é necessário que a pessoa esteja exercendo sua profissão, e ela
pode ser tanto de transporte de carga quanto de passageiros. Já no outro exemplo, de causa de aumento de pena aplicável no homicídio e na lesão, é
durante o exercício da profissão (independente de qual seja), estiver dirigindo (vazio ou lotado) veículo de transporte de passageiros.
Conclui-se, por mais óbvio que pareça, que não basta simplesmente colher as informações que podem até constar no
Boletim de Ocorrências de um acidente e aplicar a lei, como seria genericamente na parte administrativa. É necessária uma análise dos reais objetivos
do legislador para que não se cometam injustiças. Não é à toa que se diz que não bastam boas leis, mas sim são necessários bons juízes.
* Marcelo José Araújo – Advogado e Consultor de Trânsito. Professor de Direito de Trânsito e Presidente da Comissão de Direito de Trânsito da OAB/PR
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