Bruno de Oliveira Carreirão*
O Conselho Federal da OAB aprovou recentemente o Provimento nº 205/2021[1], que regula a publicidade profissional na advocacia. Tenho percebido nas redes sociais um aparente otimismo sobre o novo regramento e comemorações por conta da permissão para o impulsionamento pago de conteúdos nas redes sociais – o que, a rigor, nunca foi proibido, mas havia divergências de interpretação entre os tribunais de ética do país.
A verdade, porém, é que o “novo” provimento não trouxe nada de novo; apenas positivou práticas que já são corriqueiras há anos e manteve várias das regras imbecis que nos amarram desde sempre – e sobre as quais já comentei aqui na coluna anteriormente[2]. Chamar de “modernização” chega a ser ofensivo.
O novo provimento insiste nos conceitos abertos e indeterminados de “discrição” e “sobriedade” e na ideia completamente irracional de que a advocacia não pode ser “mercantilizada”[3] – como se um provimento fosse capaz de revogar a realidade.
Mantém-se ainda a vedação à “captação de clientela”, que é conceituada pelo provimento como “a utilização de mecanismos de marketing que, de forma ativa, independentemente do resultado obtido, se destinam a angariar clientes pela indução à contratação dos serviços ou estímulo do litígio”[4]. Ora, se a publicidade profissional do advogado não pode se destinar a angariar clientes para contratar seus serviços, serve para o quê?!
A verdade é que o objetivo do provimento é o mesmo que sempre norteou todas as regras sobre publicidade na advocacia: coibir a concorrência e manter a reserva de mercado dos escritórios bem estabelecidos e com trânsito na OAB. Não é à toa, por exemplo, que o provimento permite a divulgação de decisões judiciais exitosas, desde que em casos “espontaneamente” cobertos pela imprensa[5] (por espontaneidade, leia-se: anúncio pago por meio de assessoria de imprensa).
Assim, fica mantida a mesma lógica de sempre no marketing jurídico: a do “me engana, que eu gosto”. O advogado tem que fazer sua publicidade fingindo que não quer ser contratado. Não pode divulgar portfólio de trabalhos desenvolvidos e nem os resultados positivos que obteve. Ou seja: não pode divulgar que é bom no que faz. Resta apenas fazer o enfadonho “marketing de conteúdo” para tentar mostrar autoridade nos temas de sua expertise e torcer para o potencial cliente identificar os serviços que podem ser oferecidos relacionados a tais temas. Mas olha que legal: agora você tem segurança jurídica para poder pagar por isso!
Aos grandes “barões” da OAB, por outro lado, tudo é permitido. Podem usar de sua influência e poderio financeiro para sempre estarem em destaque em diversos veículos de imprensa. Espontaneamente, claro.
O mais trágico é que os mesmos que defendem esse regramento restritivo são os que volta e meia reclamam do “aviltamento” dos honorários. Ora, se tem advogado cobrando R$ 30,00 para fazer uma audiência, é porque não consegue agregar maior valor a seu trabalho e nem obter clientes dispostos a pagar melhores honorários por seus serviços. Se o advogado não consegue destacar suas qualidades, a única forma de se diferenciar dos grandes escritórios é pelo preço.
Outra consequência nefasta dessa restrição esdrúxula da publicidade profissional é a proliferação de empresas que prestam serviços privativos de advogado ilegalmente. Enquanto a OAB limita a capacidade dos advogados de fazerem chegar informações aos clientes, essas empresas, que não se sujeitam às mesmas amarras, utilizam as técnicas mais modernas de marketing e persuasão para angariar clientela. Em suma: nós criamos regras que nos obrigam a “vender” mal os nossos serviços e ainda reclamamos que os clientes contratam quem divulga de forma mais atrativa.
Um mercado com livre concorrência seria benéfico para todos. Seria bom para o jovem advogado, pois as barreiras à entrada e ascensão na profissão seriam reduzidas. Seria bom para o advogado já bem estabelecido, pois evitaria que tivesse que lidar com concorrência nivelada por baixo. E, principalmente, seria bom para o cliente, porque teria mais acesso a informação para a contratação do profissional mais adequado para lhe atender.
A OAB, no entanto, insiste no caminho contrário: restrição artificial da concorrência, que é boa apenas para os advogados já bem estabelecidos e de nome (ou sobrenome) notório. Mas, para ser sincero, não dava para esperar nada de diferente, já que quem estabelece as regras restritivas são justamente os seus maiores beneficiários.
* Bruno de Oliveira Carreirão é advogado, mestre em Direito e sempre se diverte lendo as notícias sobre decisões judiciais divulgadas “espontaneamente” em colunas sociais.
[1] “OAB publica provimento com novas regras para publicidade na advocacia”: https://www.conjur.com.br/2021-jul-21/oab-publica-provimento-novas-regas-publicidade-advocacia
[2] “É tempo de a advocacia desistir de ser obsoleta”: https://investidura.com.br/biblioteca-juridica/colunas/pitacos-de-um-advogado-rabugento/337576-e-tempo-de-a-advocacia-desistir-de-ser-obsoleta
[3] Art. 3º A publicidade profissional deve ter caráter meramente informativo e primar pela discrição e sobriedade, não podendo configurar captação de clientela ou mercantilização da profissão, sendo vedadas as seguintes condutas:
[4] Art. 2º Para fins deste provimento devem ser observados os seguintes conceitos:
[…]
VIII – Captação de clientela: para fins deste provimento, é a utilização de mecanismos de marketing que, de forma ativa, independentemente do resultado obtido, se destinam a angariar clientes pela indução à contratação dos serviços ou estímulo do litígio, sem prejuízo do estabelecido no Código de Ética e Disciplina e regramentos próprios.
[5] Art. 4º No marketing de conteúdos jurídicos poderá ser utilizada a publicidade ativa ou passiva, desde que não esteja incutida a mercantilização, a captação de clientela ou o emprego excessivo de recursos financeiros, sendo admitida a utilização de anúncios, pagos ou não, nos meios de comunicação, exceto nos meios vedados pelo art. 40 do Código de Ética e Disciplina e desde que respeitados os limites impostos pelo inciso V do mesmo artigo e pelo Anexo Único deste provimento.
[…]
§ 2º Na divulgação de imagem, vídeo ou áudio contendo atuação profissional, inclusive em audiências e sustentações orais, em processos judiciais ou administrativos, não alcançados por segredo de justiça, serão respeitados o sigilo e a dignidade profissional e vedada a referência ou menção a decisões judiciais e resultados de qualquer natureza obtidos em procedimentos que patrocina ou participa de alguma forma, ressalvada a hipótese de manifestação espontânea em caso coberto pela mídia.