Estado X Empresário

Vedação à transferência de crédito de IPI pago por empresas optantes pelo Simples

A Constituição preconiza que a ordem econômica tem como princípio o “tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas
sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País” (art. 170, IX). Disso extrai-se que o legislador infraconstitucional dará
algumas vantagens a esse tipo de empresa, sobretudo para assegurar sua competitividade no mercado.

É o que ocorre, por exemplo, com a forma de recolhimento de tributos, na forma da Lei Complementar 123/2006, a chamada Lei do Simples Nacional que se
dá, de forma geral, a partir da incidência de uma alíquota sobre a renda da empresa. Essa norma, contudo, tem uma distorção grave em relação ao IPI.
Vejamos.

O art. 23 da norma em questão veda às empresas tributadas na forma do Simples Nacional, ressalvado o caso do ICMS [1], a apropriação e a
transferência de créditos referentes a tributos cumulativos: “As microempresas e as empresas de pequeno porte optantes pelo Simples Nacional não farão jus à apropriação nem transferirão créditos relativos a impostos ou contribuições abrangidos pelo Simples Nacional”.

Entretanto, o art. 153, §3º, II, da Constituição Federal preconiza, expressamente, que o IPI “será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em
cada operação com o montante cobrado nas anteriores”. Pelo que se extrai da redação do dispositivo, a não cumulatividade seria obrigatória para
esse imposto, motivo por que o art. 23 da LC 123/2006, ao menos em relação ao IPI, padeceria de inconstitucionalidade.

A posição dos Tribunais, todavia é diversa. Não obstante a norma constitucional citada, o entendimento predominante é que as empresas optantes pelo
Simples já gozam de outros benefícios tributários, o que as impediria de usufruir do “benefício” da não-cumulatividade.

Nesse sentido é a decisão do AgRg no REsp 986.560, em que o STJ, embora analisando a antiga Lei do Simples (art. 5º, § 5º, da Lei nº 9.317/96) [2], enfrenta a questão:

TRIBUTÁRIO – CREDITAMENTO DE IPI – EMPRESA OPTANTE PELO SIMPLES – IMPOSSIBILIDADE

1. A jurisprudência do STJ firmou o entendimento de que as empresas optantes pelo SIMPLES não fazem jus ao creditamento do IPI, uma vez
que já usufruem de outros benefícios tributários. Precedentes. (STJ, AgRg no REsp 986.560/PR, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em
28/04/2009, DJe 11/05/2009, grifo nosso)

Fica evidente, dessarte, que, ao menos no campo jurisprudencial, o art. 23 da LC 123/2006 tem plena validade. Com efeito, aqueles que adquirem produtos
industrializados de empresas optantes pelo Simples não tem direito ao crédito de IPI incidente sobre a operação, o que pode afetar a competitividade
das microempresas e empresas de pequeno porte.

Nessa sistemática, se duas empresas, uma optante pelo Simples e a outra não, industrializam o mesmo produto e o vendem por preço “próximo”, o
adquirente dificilmente irá escolher o bens da microempresa ou da empresa de pequeno porte, pois não poderá creditar-se do valor já pago a título de
IPI. Vejamos um exemplo hipotético:

Valor do produto

Crédito de IPI

Valor real

Simples

30

0

30

Regime comum

32

3

29

Diante disso, extrai-se que, mesmo vendendo um produto por preço nominal mais baixo, a empresa optante pelo Simples não é necessariamente a
opção mais vantajosa para o adquirente [3], especialmente pois as alíquotas de IPI para alguns bens são bastante elevadas.

Assim, somente no caso do preço praticado pela microempresa ou empresa de pequeno porte ser significativamente inferior ao praticado por
uma sociedade que adote o regime comum de tributação, é que haverá uma economia real ao adquirente.

Nota-se, portanto, que embora a LC 123/2006 traga algumas vantagens às microempresas e empresas de pequeno porte, a não transferência de crédito de IPI
imposta pelo art. 23 pode prejudicar e, muito, a competitividade dessas empresas, em dissonância com o tratamento favorecido insculpido do art. 170,
IX, da CF.

* Ricardo de Holanda Janesch, co-fundador do Portal Jurídico Investidura – www.investidura.com.br, co-fundador da rede social jurídica Social Jus –
socialjus.com, estudante de Direito da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC, consultor nas áreas de Direito e Tecnologia e Marketing e
Direito, estagiário na Schmidt Vieira & Yassumassa Ito Sociedade de Advogados. Email: ricardo@investidura.com.br

Notas de rodapé:

[1] Art. 23, §1º, As pessoas jurídicas e aquelas a elas equiparadas pela legislação tributária não optantes pelo Simples Nacional terão direito a crédito
correspondente ao ICMS incidente sobre as suas aquisições de mercadorias de microempresa ou empresa de pequeno porte optante pelo Simples Nacional,
desde que destinadas à comercialização ou industrialização e observado, como limite, o ICMS efetivamente devido pelas optantes pelo Simples Nacional em
relação a essas aquisições.

[2] Art. 5º O valor devido mensalmente pela microempresa e empresa de pequeno porte, inscritas no SIMPLES, será determinado mediante a aplicação, sobre a
receita bruta mensal auferida, dos seguintes percentuais:

[…]

§ 5º A inscrição no SIMPLES veda, para a microempresa ou empresa de pequeno porte, a utilização ou destinação de qualquer valor a título de incentivo
fiscal, bem assim a apropriação ou a transferência de créditos relativos ao IPI e ao ICMS.

[3] Essa situação obriga o adquirente a fazer um bom planejamento tributário para verificar em cada operação o que é lhe trará menores custos.

Como citar e referenciar este artigo:
JANESCH, Ricardo de Holanda. Vedação à transferência de crédito de IPI pago por empresas optantes pelo Simples. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2011. Disponível em: https://investidura.com.br/colunas/estado-x-empresario/vedacao-a-transferencia-de-credito-de-ipi-pago-por-empresas-optantes-pelo-simples/ Acesso em: 06 dez. 2024