Direito Constitucional

Desafio da teoria do mínimo existencial e os direitos fundamentais

Resumo: O contínuo desafio da teoria do mínimo existencial e dos direitos fundamentais está presente no Estado Democrático de Direito, particularmente em face da pandemia de Covid-19.

Palavras-Chave: Direitos Fundamentais. Mínimo Existencial. Pandemia de Covid-19. Políticas Públicas. Reserva do Possível.

Há desafios ao se percorrer e enfrentar a conexão existente entre a dignidade da pessoa humana e o mínimo existencial e os direitos fundamentais[1], em especial, quando consiste no objeto de consideração e aplicação pela jurisdição constitucional.

A evolução do mínimo existencial traz em seu conceito, um conjunto de prestações estatais que assegure a cada pessoa uma vida condigna, partindo da premissa de que qualquer pessoa necessitada que não tenha condições de sozinha ou com auxílio de sua família de prover seu sustento, tem direito ao auxílio por parte do Estado e da sociedade, de forma que o mínimo existencial, nessa perspectiva, guarda relação com a solidariedade e do combate à pobreza, referente a doutrina social que passou a ser afirmada ao longo do século XIX.

Ainda na fase inicial do constitucionalismo moderno[2], com destaque para a experiência francesa revolucionária que deu ênfase ao direito à subsistência, cogitando em direitos do homem pobre

Buscando-se a ruptura com a tradição marcada pela ideia de caridade, que, então, caracterizava os modos dominantes, que ainda caracterizava os meios dominantes da intervenção social em matéria de pobreza, o que rendeu a inserção no texto da Constituição Francesa de 1793[3], de um direito dos necessitados aos socorros públicos ainda que tal previsão tenha caráter eminentemente simbólico.

Independentemente da noção de um direito à subsistência e/ou do correspondente dever do Estado que foi evoluindo, chegando a ser um direito subjetivo, redundando no Estado Liberal[4] a compreensão de que a pobreza e a exclusão social são assuntos afeitos aos Estados, ainda que por razões nem sempre comuns, visto que mesmo no plano da fundamentação filosófica, ou seja, da sua sinergia com alguma teoria de justiça[5], sendo diversas as alternativas que se apresentam.

Na esfera terminológica, nem sempre se verifica a coincidência, pois prevalece no Brasil que prefere utilizar a expressão mínimo existencial, então se cogita em mínimos sociais, ou mesmo, em um mínimo de subsistência ou mínimo vital, embora tais expressões sejam utilizadas como sinônimas, visto que podem estar associadas a conteúdo, mais ou menos distintos entre si, apesar do reconhecimento de elementos em comum.

No plano internacional a previsão está no artigo XXV da Declaração da ONU de 1948, que atribui a todas as pessoas um direito a um nível suficiente para assegurar a sua saúde, o seu bem-estar e o de sua família, a associação direta, e explícita do assim chamado “mínimo existencial”, com a dignidade da pessoa humana, encontra sua primeira afirmação textual, no plano constitucional, na Constituição da República de Weimar, na Alemanha, em 1919[6], cujo artigo 151 dispunha que a vida econômica deve atender aos ditames da Justiça e, tem como fim atender a todos uma existência com a dignidade, noção que foi incorporada à tradição constitucional brasileira desde 1934[7], igualmente no âmbito da ordem econômica e/ou social, de tal modo que o artigo 170 da CFRB/1988 dispõe que: “a ordem econômica e/ou social, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos uma existência digna, conforme a justiça social”.

Atualmente, não é mais possível catalogar um Estado como “liberal” ou “de bem-estar social”, de forma binária. A escala é gradual: há países menos liberais e, portanto, mais voltados à categoria de bem-estar social, e vice-versa.

Uma das maneiras mais utilizadas para que se determine a posição de cada país nessa escala é avaliando as suas “despesas de bem-estar social” (gastos relativos ao PIB com as áreas de bem-estar social). Alguns países de alto IDH possuem altas despesas sociais, como Suécia, Dinamarca e Alemanha, assim como há países de alto IDH[8] que gastam pouco nessas áreas, a exemplo de Coreia do Sul, Irlanda e Nova Zelândia. Dessa forma, não é possível afirmar que um modelo funcione melhor do que o outro: há diversos outros fatores que podem ser determinantes na qualidade de vida de um país.

É preciso identificar a tarefa cometida ao Estado no âmbito dos princípios objetivos da ordem social e econômica, o mínimo existencial, ou seja, o dever de assegurar a vida com dignidade , o que não implicava necessariamente, salvo na medida da legislação infraconstitucional, especialmente no campo da assistência social e da garantia de um salário mínimo, entre outras formas de manifestação, uma posição subjetiva imediatamente exigível pelo indivíduo.

A elevação do mínimo existencial à condição de direito fundamental e sua articulação com a dignidade da pessoa humana e outros direitos fundamentais, teve pela primeira vez a elaboração dogmática na Alemanha e, teve precoce reconhecimento jurisprudencial.

Apesar de não existirem, em regra, os direitos sociais típicos, de cunho prestacional expressos positivamente na Lei Fundamental da Alemanha (1949) bem como a imposição de uma atuação positivo do Estado no sentido de compensação de desigualdades fáticas no que se refere com a discriminação das mulheres e dos portadores de necessidades especiais (direitos e deveres para muitos não são considerados direitos sociais).

Foi Oto Bachof[9] foi o primeiro doutrinador a sustentar o reconhecido de um direito subjetivo às garantia de recursos mínimos para uma existência digna que já no início de 1950, considerou o princípio da dignidade humana (artigo 1º, I da Lei Fundamental da Alemanha) não reclama apenas a garantia de liberdade, mas também, um mínimo de segurança social.

Desta maneira, o direito à vida e integridade física ficariam sacrificados, caso sejam vistos como mera proibição de destruição da existência, ou seja, como direito de defesa, imponto, ao revés também uma postura proativa no sentido de garantir a vida.

Depois da paradigmática formulação de Bachof, o Tribunal Federal Administrativo alemão já no primeiro de sua existência, logo reconheceu um direito subjetivo do indivíduo carente ao auxílio material por parte do Estado argumentando, igualmente, com base no postulado na dignidade humana, direito geral de liberdade e direito à vida, que o indivíduo, na qualidade de pessoa autônoma e responsável, deve ser reconhecido como titular de direitos e obrigações, o que implica, principalmente, na manutenção de suas condições de existência.

Somente depois de alguns anos, o legislador acabou regulamentando o nível infraconstitucional um direito a prestações no âmbito da assistência social (artigo 4º, inciso I da Lei Federal sobre a Assistência Social[10]).

Passadas mais de duas décadas da referida decisão do Tribunal Federal Administrativo alemão, também o Tribunal Constitucional Federal acabou por consagrar o reconhecimento de um direito fundamental à garantia de condições mínimas para existência digna.

A partir dessa decisão, extrai-se o seguinte trecho: “certamente a assistência aos necessitados integra as obrigações essenciais de um Estado Social (…) o que inclui necessariamente a assistência será aos concidadãos que em virtude de sua precária condição física e mental, encontram-se limitados na sua vida social não apresentando condições prover sua subsistência”.

A comunidade estatal deve assegurar as condições mínimas para uma existência digna e envidar esforços necessários para integrar estas pessoas na comunidade fomentado seu acompanhamento e apoio da família ou de terceiros, criando indispensáveis instituições assistenciais.

Confirmou-se em outros arestos da Corte Constitucional[11] alemã que resultou no definitivo reconhecimento do status constitucional da garantia estatal do mínimo existencial. Para a justiça germânica decidiu-se ainda que a incidência tributária não poderia recair sobre os valores mínimos necessários para uma existência digna.

A doutrina alemã entende que a garantia das condições mínimas para uma existência digna integra o conteúdo essencial do princípio do Estado Social, constituindo uma das suas principais tarefas e obrigações.

O indivíduo deve poder levar uma vida que corresponda às exigências do princípio da dignidade da pessoa humana, razão pela qual o direito à assistência social considerado pelo menos na Alemanha e, nos países da União Europeia, a principal manifestação da garantia do mínimo existencial, o que alcança o caráter de uma ajuda para a autoajuda. (Hilfe zur Selbstchiffe) não tendo por objeto o estabelecimento da dignidade em si mesma, mas a sua proteção e promoção. (In: SARLET, Ingo W.; ZOCKUN, Carolina Zancaner. Notas sobre o mínimo existencial e sua interpretação pelo STF no âmbito do controle judicial das políticas públicas com base nos direitos sociais. Disponível em:  https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S2359-56392016000200115&script=sci_arttext  Acesso em 14.6.2020).

Entre os brasileiros, trilhando perspectiva similar, excluindo a ideia de caridade e destacando que o direito a um mínimo existencial correspondente ao direito à subsistência conforme comentou Pontes de Miranda.

Conforme assinalou o referido doutrinador que o liberalismo, ao recusar qualquer garantia à subsistência e ao trabalho. Afinal, o liberalismo clássico[12], que pregava o livre mercado, com a dissociação do mercado, capital e Estado e, negava ao poder público qualquer competência regulatória ou interventiva sobre a economia, o sujeitava apenas à realização, negativamente da defesa de direitos e garantias relativos à vida, à liberdade e à propriedade.

Com razão Pontes de Miranda apontava que o liberalismo promovia confusão entre liberdade de pensamento e liberdade de comércio, acompanhada por séria crise nas instituições democráticas, o que vai culminar nas Revoluções dos anos 20 e 30[13] e nos seus movimentos constitucionalistas.

A doutrina, mas também a jurisprudência constitucional da Alemanha passou a sustentar que a princípio, as opiniões convergem nesse sentido a dignidade propriamente data não é passível de quantificação, mas sim, as necessidades individuais que lhe são correlatas e devem ser satisfeitas mediante prestações que são quantificáveis.

Há necessidade de fixação, portanto, de valor da prestação essencial destinada à garantia das condições existenciais mínimas, em que pese sua viabilidade, é, além de condicionada territorialmente e temporalmente, dependente também do padrão socioeconômico vigente.

O valor necessário das condições mínimas de existência depende de câmbios, não apenas na esfera econômica e financeira, mas, também no concernente às expectativas e necessidades do momento.

É certa a vinculação da dignidade humana com a efetiva garantia de uma existência humana digna que abrange mais do que a mera sobrevivência física, que é o denominado “mínimo vital” e guarda direta relação como o direito à vida, situando-se, de resto, além do limite da pobreza absoluta.

A vida humana não pode ser reduzida à mera existência, conforme a lição de Heinrich Scholler[14], para quem a dignidade da pessoa humana apenas estará assegurada quando for possível uma existência que permita a plena fruição dos direitos fundamentais, de modo especial, quando seja possível o pleno desenvolvimento da personalidade humana.

A referida linha de fundamentação em termos gerais, tem sido privilegiada também no direito constitucional brasileiro, ressalvada especialmente alguma controvérsia e termos de uma fundamentação liberal ou social do mínimo existencial e em relação aos problemas que envolvem a determinação do seu conteúdo, já que não se pode olvidar da fundamentação diversa do mínimo existencial podem resultar consequências jurídicas distintas, em que pese uma possível convergência no que diz com uma série de aspectos[15].

Aderindo-se ao conceito e fundamento proposto por Ricardo Lobo Torres[16], bem como, mais recentemente, as considerações sobre o conteúdo do direito ao mínimo existencial a uma teoria das necessidades básicas, mas afinada em adesão à tradição alemã referida com uma noção mais ampla e compatível com um mínimo existencial que, além da existência física, abarca também a dimensão sociocultural.

Há no debate jurídico alemão, a possibilidade de constatar a existência, embora não uníssona na doutrina, referente a distinção relevante quanto ao conteúdo e alcance do próprio mínimo existencial, que tem sido desdobrado num mínimo fisiológico que busca assegurar as necessidades de caráter existencial básico, que de certo modo, representa o conteúdo essencial da garantia do mínimo existencial, incluindo-se o mínimo sociocultural, que, para além da proteção básica que visa assegurar um mínimo inserção em termos de tendencial igualdade na vida social, política e cultural.

Assim, a dignidade humana inclui o direito à vida, as prestações básicas em termos de alimentação, vestuário, abrigo, saúde ou meios indispensáveis para sua satisfação, designado de mínimo sociocultural que se encontra fundado no princípio do Estado Social e, no princípio da igualdade que no que se refere o seu conteúdo material.

Em síntese, a experiência germânica[17] teve magna repercussão sobre o direito comparado, certamente é mais relevante na perspectiva dogmática jurídico-constitucional de um direito ao mínimo existencial, o que resulta em duas constatações que influenciaram seriamente o posterior desenvolvimento.

A primeira, se refere ao verificado pela prática alemã e, que não pode ser confundido com o mínimo vital ou um mínimo de sobrevivência sem incluir somente as condições de sobrevivência física com dignidade e, portanto, uma vida com certa qualidade.

Afinal, não deixar alguém sucumbir por falta alimentação, abrigo ou prestações básicas de saúde[18] é, certamente, o primeiro passo para atender a garantia de um mínimo existencial, porém, não é o suficiente.

Registre-se ainda a recente contribuição do Tribunal Constitucional de Portugal ao reconhecer tanto um direito negativo[19] como um direito positivo a um mínimo de sobrevivência condigna, considerado como algo que o Estado não apenas, não pode subtrair ao indivíduo, mas, também como algo que o Estado positivamente deve assegurar mediante prestações de ordem material.

Em que pese a relativa convergência, o busilis sobre o real conteúdo das prestações vinculadas ao mínimo existencial, verifica-se que a doutrina e jurisprudência germânica partem cautelosamente da premissa de que existem variadas formas de realizar esta obrigação, cabendo ao legislador dispor a função de estipular a forma da prestação o seu montante e as condições de fruição, podendo os tribunais decidir sobre este padrão existencial mínimo, nos casos de omissão ou desvio de finalidade por parte de órgãos legisferantes.

A liberdade de conformação do legislador para encontrar seu limite no momento em que o padrão mínimo não for assegurado. Sendo essa a orientação que tem prevalecido na doutrina e jurisprudência supranacional e nacional europeia e, de algum modo, parece ter sido assumida como substancialmente correta também expressiva doutrina e jurisprudência sul-americana, como dão conta importantes contribuições oriundas das Argentina e da Colômbia.

Entre nós, destaque-se o crescente número de publicações e decisões das cortes superiores na área da saúde, como Agravo Regimental no RE 271 286/RS publicada no DJU em 24.11.2000, onde restou consignado o fornecimento de medicamentos pelo Estado[20], do paciente portador de HIV, pois a saúde é direito público subjetivo não podendo ser reduzido à promessa constitucional inconsequente.

Outros julgados que poderiam ser colacionadas, como se vê da paradigmática decisão monocrática do STF na ADPF 45[21], da lavra de Ministro Celso de Mello[22], afirmando que embora não tenha havido julgamento de mérito, a dimensão política da jurisdição constitucional e a possibilidade de controle judicial de políticas públicas quando se cuidar especialmente da implementação da garantia do mínimo existencial.

E, mais recentemente, vide ainda o STA 241/RJ, julgada em 10.10.2008 (direito à educação) e STA 175/CE julgada em 17.3.2010 (direito à saúde) STA= Suspensão de Tutela Antecipada.

Com relação ainda ao conteúdo do mínimo existencial e também no que se refere a proteção e promoção, existe uma gama variedade posicionamentos[23] no que se refere as possibilidades e limites da atuação do Judiciário nesta seara.

O objeto e conteúdo do mínimo existencial é compreendido também como direito e garantia fundamental e que guarda fina sintonia com compreensão constitucionalmente adquirida ao direito à vida e da dignidade humana como princípio fundamental. Enfim, a todos deve ser assegurada pelo menos uma vida saudável, mas há de encarar com certa reserva a distinção entre o mínimo fisiológico e um mínimo sociocultural.

Mas a diferença de conteúdo do direito à vida e da dignidade humana apesar de vários pontos de contato, não se confundem. A dignidade implica uma dimensão sociocultural e que merece ser considerado, razão pelo qual as prestações básicas em matéria de direitos e deveres culturais, notadamente no caso da educação fundamental e destinada a assegurar uma efetiva possibilidade e integração social, econômica, cultural e política ao indivíduo, mas também acesso a alguma forma de lazer, estariam incluídas no mínimo existencial.

No Brasil onde igualmente não houve previsão constitucional expressa consagrando um direito geral à garantia do mínimo constitucional, os próprios direitos sociais específicos (como a assistência social, saúde, moradia, a previdência social, o salário mínimo para os trabalhadores e, etc) acabaram por abranger algumas dimensões do mínimo existencial, mas não devem os direitos sociais[24] serem reduzidos pura e simplesmente a concretizações e garantias do mínimo existencial.

O Brasil assim como outros Estados Constitucionais que asseguram conjunto de direitos fundamentais sociais no plano constitucional que revelam a relação entre o mínimo existencial e os direitos fundamentais que nem sempre é clara, e são carentes de maior reflexão principalmente sobre suas possíveis manifestações.

Não pode a dignidade da pessoa humana, que não pode ser manejada como categoria substitutiva dos direitos fundamentais em espécies, também o mínimo existencial, mesmo quando a ordem constitucional cuida de consagrar conjunto de direitos sociais, não pode ser considerável como fungível, de forma a guardar relativa autonomia, que lhe é assegurada precisamente por sua conexão com a dignidade da pessoa humana.

Nem todas as constituições consagram os direitos sociais o fazem com tanta amplitude com a nossa, daí, ser indispensável o suporte da doutrina e jurisprudência que tanto defendem o Estado como a sociedade.

Entende Ingo Wolfgang Sarlet[25] que todos os direitos fundamentais possuem um núcleo essencial, que não se confunde com seu conteúdo em dignidade da pessoa humana (ou, no caso de direitos sociais com o mínimo existencial) apesar de que venha depender em alguma medida do direito em causa, um conteúdo em dignidade humana e/ou conexão com o mínimo existencial se faça presente, do que não apenas podem, como devem, ser extraídas consequências para a proteção e promoção dos direitos fundamentais.

Na Constituição Federal brasileira vigente há amplo leque de direitos sociais tais como saúde, educação, moradia, alimentação, previdência social, trabalho, proteção da criança, adolescente, idosos e da maternidade, o caráter subsidiário da garantia do mínimo existencial (na condição de direito autônomo) e que deve ser sublinhado.

É relevante o critério material (embora não exclusivo) para a interpretação do conteúdo dos direitos sociais, bem como para a decisão (que em muitos casos envolve um juízo de ponderação[26]).

De qualquer forma, o STF e os direitos sociais e o mínimo existencial exigem que sejam consideradas as peculiaridades de cada caso concreto, visto que se trata de direitos em dimensão individual ou coletiva, o que não se exclui reciprocamente, cabendo ao Poder Público assegurar pelo menos as prestações sociais no que tange ao mínimo existencial.

Há impossibilidade de se fixar aprioristicamente, de modo taxativo um elenco de elementos nucleares do mínimo existencial, seja de posições subjetivas, ou direitos negativos ou positivos correspondentes ao mínimo existencial, o que não impede de se inventariar o conjunto de conquistas já sedimentadas e que, em princípio e sem excluírem outras possibilidades, servem como verdadeiro guia para o intérprete a fim de prover a devida concretização da garantia do mínimo existencial.

Sublinhe-se que a noção de mínimo existencial exige tratamento diferenciado de lugar para lugar, especialmente, onde a ordem constitucional não preveja direitos fundamentais sociais.

O mínimo existencial pela justiça constitucional tem sido entendido como o mínimo vital ou mínimo fisiológico, mas também cobre a inserção social e participação política e cultural.

Com base nas observações de Ronald Dworkin na sua obra intitulada “Tomando a sério os direitos”, (Talking Rights Seriously[27]) e no âmbito da doutrina alemã em Robert Alexy quando aborda a formação da vontade estatal e, em síntese, aponta conexão e tensão entre direitos fundamentais e princípio democrático inclusive na particular referência aos direitos sociais.

Com relação ao mínimo existencial é perceptível que o procedimentalismo e substantivismo não são inconciliáveis, até pelo contrário, podem ser reforçarem reciprocamente, assegurando uma concordância prática.

Finalmente, não é bem digerido pela doutrina brasileira a ideia de que o mínimo existencial se encontra sempre subtraído à disposição de poderes constituídos e que a definição de seu definitivo conteúdo é missão precípua da jurisdição constitucional.

Também é verdade que os Tribunais Constitucionais na Alemanha e em Portugal, salvo casos excepcionais, não substituíram as opções do legislador. Mas, considerando realidades diversas e diferentes tradições jurídico-políticas a justiça constitucional brasileira, notadamente, o STF deve atuar na maior correção ou colmatação das decisões legislativas e administrativas com fulcro no conceito de mínimo existencial que deve continuar ser alvo de mais particular reflexão e aperfeiçoamento.

No combate a covid-19 o mínimo existencial inclui atendimento médico-hospitalar, medicamentos, respiradouros e demais equipamentos apropriados para acudir ao déficit respiratório. Bem como a implementação de medidas a população mais carente no aspecto econômico e social e, ainda, as empresas que sofreram o enorme impacto imposto pelo isolamento social e, por vezes, lockdown.

Devemos reconhecer que a criação do Benefício Emergencial[28] por parte da União foi uma forma de atendimento parcial ao mínimo existencial, bem como a liberação do FGTS[29]. Há também linhas de crédito[30] para socorrer as empresas impactadas pela pandemia.

Referências

ALEXY, Robert. Teoría de los derecho fundamentales. Tradução Ernesto Fernando Valdés. Madrid: Centro de Estudios Politicos y Constitucionales, 2001.

BERNARDES, Marcelo Di Rezende. A Vulgarização da Noção dos Direitos Fundamentais. Disponível em:  http://www.lex.com.br/doutrina_23786843_A_VULGARIZACAO_DA_NOCAO_DOS_DIREITOS_FUNDAMENTAIS.aspx Acesso em 14.6.2020.

BARROSO, Luís Roberto. Público, privado e o futuro do Estado brasileiro. In: Revista da Academia de Direito Constitucional, Curitiba, nº 3.

BOBBIO, Norberto. A era dos Direitos. Tradução Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campus, 1992.

COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. São Paulo: Saraiva, 1999.

FERREIRA FILHO, Manuela Gonçalves. A cultura dos direitos fundamentais In: SAMPAIO, José Adércio Leite. Jurisdição Constitucional e direitos fundamentais. Belo Horizonte: Del Rey, 2003.

ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Estudo sobre concessão e permissão de serviço público no direito brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1996.

SARLET, Ingo W. Dignidade (da pessoa) humana, mínimo existencial e justiça constitucional – algumas aproximações e alguns desafios. In: LEITE, George Salamão; SARLET, Ingo W. (Coordenadores) Jurisdição Constitucional, Democracia e Direitos Fundamentais. 2ª Série. Salvador: JusPodvim, 2012.

WARAT, Luís Alberto; ROCHA, Leonel Severo. O direito e sua linguagem. 2.ed. Porto Alegre: Sergio Fabris Editor, 1995.



[1] Perez Luno conceitua os direitos fundamentais da seguinte forma: “Direitos fundamentais do homem (…), além de referir-se a princípios que resumem a concepção do mundo e informam a ideologia política de cada ordenamento jurídico, é reservada para designar, no nível do direito positivo, aquelas prerrogativas e instituições que ele concretiza em garantias de uma convivência digna, livre e igual de todas as pessoas.

[2] O constitucionalismo moderno se afirmou com as revoluções burguesas na Inglaterra em 1688; nos Estados Unidos, em 1776, e na França em 1789. Podemos, entretanto, encontrar o embrião desse constitucionalismo já na Magna Carta de 1215. Não que a Magna Carta seja a primeira Constituição moderna, mas nela já estão presentes os elementos essenciais deste moderno constitucionalismo como limitação do poder do Estado e a declaração dos Direitos fundamentais da pessoa humana, o que a tornou uma referência histórica para alguns pesquisadores. Outro aspecto do constitucionalismo moderno diz respeito à sua essência. O nascimento desse constitucionalismo coincide com o nascimento do Estado liberal e a adoção do modelo econômico liberal. Portanto, a essência desse constitucionalismo está na construção do individualismo e de uma liberdade individual, construída sobre dois fundamentos básicos: a omissão estatal e a propriedade privada. A ideia de liberdade no Estado liberal, inicialmente, está vinculada à ideia de propriedade privada e ao afastamento do Estado do que se convencionou chamar de esfera privada protegendo as decisões individuais. Em outras palavras, há liberdade à medida que não há a intervenção do Estado na esfera privada e, em segundo lugar, podemos dizer, segundo o paradigma liberal, que os homens eram livres, pois eram proprietários (na primeira fase do liberalismo, as mulheres não tinham direitos e a democracia majoritária não existia). Esses dois aspectos são fundamentais para a compreensão do conceito de liberdade no paradigma liberal dos séculos XVII e XVIII.

[3] A Constituição de 1793 (Francês: Acte constitutionnel du 24 juin 1793), também conhecida como a Constituição do Ano I ou a Constituição Montagnard, foi a segunda Constituição ratificada para uso durante a Revolução Francesa, sob a Primeira República. Projetado pelos Montagnards, principalmente Maximilien Robespierre e Louis Saint-Just, que se destinava a substituir o desatualizado Constituição de 1791. Com planos radicais para a democratização e redistribuição da riqueza, o novo documento prometido um desvio considerável em relação as metas relativamente moderadas da Revolução em anos anteriores. A Constituição expandiu o Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, a que se adicionou vários direitos: proclamou a superioridade da soberania popular sobre a soberania nacional. Ele acrescentou vários novos direitos económicos e sociais, incluindo direito de associação, direito ao trabalho e assistência pública , o direito à educação pública , direito de rebelião (e dever de se rebelar quando o governo viola o direito das pessoas), e a abolição da escravatura , todos escritos no que é conhecido como a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1793 .

[4] No Estado de Bem-estar social, é dever do governo garantir aos indivíduos o que se chama, no Brasil, de direitos sociais: condições mínimas nas áreas de saúde, educação, habitação, seguridade social, entre outras. Ademais, em momentos de crise e de desemprego, o Estado deve intervir na economia de forma que se busque a manutenção da renda e do trabalho das pessoas prejudicadas com a situação do país. Isso foi feito, por exemplo, nos EUA, na década de 1930, em que os níveis de desemprego ultrapassaram a taxa de 25%. Outro ponto central do welfare state é a existência de leis trabalhistas, que estabelecem regras nas relações entre empregado e empregador, como salário mínimo, jornada diária máxima, seguro-desemprego, etc.

Em um Estado liberal, por outro lado, a lógica é diferente: não se pode garantir como direito algo que dependa da força de trabalho alheia. Desse modo, saúde e educação, por exemplo, não são considerados direitos, mas, sim, mercadorias. Além disso, diferente dos keynesianos, os liberais acreditam na autorregulação dos ciclos econômicos. Os mercados seriam capazes de se ajustar por conta própria. Logo, intervenções do Estado são prejudiciais à economia dos países. Defende-se o livre mercado e a concorrência, além da inexistência de empresas públicas ou de quaisquer tipos de associação entre governo e parceria privada.

[5] J. Rawls, no entanto, quando se refere aos cidadãos, amplia essa noção do mínimo essencial com a ideia de “bens primários” (primary goods). Na verdade, a ideia de bens primários de Rawls tem em vista uma concepção política de justiça e refere-se, portanto, às condições de possibilidade do exercício da cidadania no sentido amplo e não apenas à satisfação das necessidades básicas dos cidadãos (mínimo social). Cumpre observar que o foco são as pessoas como cidadãs. Ocorre que esse mínimo social está incorporado ao conjunto dos bens primários. O exercício da autonomia e da cidadania amplia as exigências do ser pessoa. É fundamental que, no Liberalismo Político, se entenda a concepção de justiça rawlsiana como concepção política e não como concepção moral abrangente, tal como o próprio autor reconhece em Uma Teoria da Justiça. A concepção de pessoa, portanto, também é política. A definição de uma lista de bens primários necessários decorre dessa concepção de justiça. Pode-se, então, cogitar em um mínimo necessário para a vida política.

A concepção de justiça rawlsiana envolve, portanto, além das condições materiais básicas, também as condições para o exercício da autonomia na sociedade democrática (cooperativa). Poder-se-ia objetar que se está ampliando demasiadamente esse conceito de “mínimo social” a tal ponto de não ser mais um mínimo. De qualquer sorte, precisamos distinguir dois níveis de satisfação: o das necessidades básicas como condições de possibilidade do exercício dos direitos fundamentais; e o dos direitos e liberdades fundamentais propriamente ditos. O mínimo existencial (em sentido estrito) refere-se ao primeiro. Os bens primários, além das necessidades básicas, incluem a realização dos direitos e liberdades fundamentais. Poderíamos, então, falar também em mínimo existencial para o exercício da cidadania? Ocorre que a satisfação das condições necessárias para uma vida digna inclui o exercício efetivo da cidadania. É por isso que podemos, com Rawls, ampliar o conceito de mínimo existencial para a ideia de bens primários, até porque os bens primários. WEBER, Thadeu. A ideia de um “mínimo existencial” de J. Rawls. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-512X2013000100011 Acesso em 17.06.2020.

[6] A Constituição de Weimar (alemão: Weimarer Verfassung) ou, na sua forma portuguesa, Veimar, oficialmente Constituição do Império Alemão (alemão: Verfassung des Deutschen Reichs) foi o texto constitucional que vigorou durante a curta República. A Constituição de Weimar representa o auge da crise do Estado Liberal do século XVIII e a ascensão do Estado Social do século XX. Foi o marco do movimento constitucionalista que consagrou direitos sociais, de segunda geração/dimensão (relativos às relações de produção e de trabalho, à educação, à cultura, à previdência) e reorganizou o Estado em função da Sociedade e não apenas do indivíduo. Foi elaborada por uma Assembleia Constituinte que se reuniu na cidade de Weimar, sendo aprovada em 31 de julho de 1919 e assinada em 11 de agosto de 1919. A Constituição de Weimar representa o auge da crise do Estado Liberal do século XVIII e a ascensão do Estado Social do século XX. Foi o marco do movimento constitucionalista que consagrou direitos sociais, de segunda geração/dimensão (relativos às relações de produção e de trabalho, à educação, à cultura, à previdência) e reorganizou o Estado em função da Sociedade e não apenas do indivíduo. Foi elaborada por uma Assembleia Constituinte que se reuniu na cidade de Weimar, sendo aprovada em 31 de julho de 1919 e assinada em 11 de agosto de 1919.

[7] A Constituição de 1934 foi consequência direta da Revolução Constitucionalista de 1932, quando tropas de São Paulo, incluindo voluntários, militares do Exército e a Força Pública, lutaram contra as forças do Exército Brasileiro. Com o final da Revolução Constitucionalista, a questão do regime político veio à tona, forçando desta forma as eleições para a Assembleia Constituinte em maio de 1933, que aprovou a nova Constituição substituindo a Constituição de 1891, já recente devido ao dinamismo e evolução da política brasileira. Em 1934, a Assembleia Nacional Constituinte, convocada pelo Governo Provisório da Revolução de 1930, redigiu e promulgou a segunda constituição republicana do Brasil. Reformando profundamente a organização da República Velha, realizando mudanças progressistas, a Carta de 1934 foi inovadora mas durou pouco: em 1937, uma outra constituição já pronta foi outorgada por Getúlio Vargas, transformando o presidente em ditador e o Estado “revolucionário” em autoritário. A Carta de 34 foi elaborada e discutida na Assembleia Nacional Constituinte inaugurada em 15 de dezembro de 1933, que era formada de 214 parlamentares, mais 40 representantes de sindicatos, recomendados pelo próprio governo, a exemplo do que se fazia na Itália de Mussolini e na Alemanha de Hitler. Tantas reformas importantes (como a modificação do sistema eleitoral, com voto secreto e extensivo às mulheres) quanto detalhes puramente preciosistas (como a modernização ou não das regras ortográfica e a menção ou não a “Deus” no preâmbulo) foram temas dos debates. Enfim, a 15 de julho de 1934, o Brasil ganhava NOVA Constituição e a Assembleia confirmava Getúlio Vargas na presidência.

[8] O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é uma unidade de medida utilizada para aferir o grau de desenvolvimento de uma determinada sociedade nos quesitos de educação, saúde e renda. A utilização de um indicador que envolvesse outras variáveis que não somente a questão econômica ocorreu pela primeira vez em 1990 pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Esse indicador foi criado pelo paquistanês Mahbub Ul Haq e pelo indiano Amartya Sem. A utilização das variáveis educação, saúde e renda permite uma comparação com praticamente todos os países do globo e serve de referência para mensurar a resposta de determinado país frente a essas importantes demandas. O IDH é uma referência numérica que varia entre 0 e 1. Quanto mais próximo de zero, menor é o indicador para os quesitos de saúde, educação e renda. Quanto mais próximo de 1, melhores são as condições para esses quesitos. No mundo, nenhum país possui o IDH zero ou um. Os países com o IDH mais elevado no ano de 2018 foram: – Noruega (0,954) – Suíça (0,946) – Irlanda (0,942) – Alemanha e Hong Kong (0,939). Entre os menores IDHs, estão: – Níger (0,377) – República Centro-Africana (0,381) – Chade (0,401) – Sudão do Sul (0,413) – Burundi (0,423). O Brasil figura na posição 79ª, com um IDH de 0,761 (grifo meu). IDH é sigla de Índice de Desenvolvimento Humana, trata-se de uma metodologia usada para comparar o desenvolvimento de 188 países membros da ONU. Tem sido usado desde 1993 pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud). IDH é sigla de Índice de Desenvolvimento Humana, trata-se de uma metodologia usada para comparar o desenvolvimento de 188 países membros da ONU. Tem sido usado desde 1993 pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud).

[9] Otto Bachof (e 1914 – 2006) foi um jurista alemão que, além de professor de Direito Público, exerceu a função de Juiz do Tribunal Estadual de Baden-Württemberg.É considerado um dos três principais nomes do Direito Administrativo alemão, ao lado de Otto Mayer e Hartmut Maurer. O professor Otto Bachof, da Universidade de Tubingen, faria história ao fazer tal questão: seria possível que normas constitucionais fossem inconstitucionais por violar um princípio jurídico absoluto ou o próprio sistema interno do texto, promovendo assim uma modificação substancial de seu conteúdo? Sua preocupação era livrar o texto constitucional de dispositivos que contrariassem preceitos fundamentais de justiça, cujo fundamento estaria no Direito Natural. Sendo o povo titular do Poder Constituinte, o texto deveria refletir o sentimento de justiça enraizado em cada membro da coletividade. Em crítica aberta aos teóricos adeptos do conceito formal de Constituição, Bachof expõe que a Constituição será válida — entendida enquanto legítima — tão somente no caso de o legislador considerar “os ‘princípios constitutivos’ de toda e qualquer ordem jurídica e (…) atender aos mandamentos cardeais da lei moral, possivelmente diferente segundo o tempo e lugar, reconhecida pela comunidade jurídica, ou, pelo menos não os renegar conscientemente”. Portanto, a norma originária do texto que fosse incompatível com norma constitucional superior, com a “mudança de natureza” de normas constitucionais ou com o Direito Supralegal recebido na Constituição, seria afastada. Se violar princípios não escritos conformadores do sentido do texto, o Direito Constitucional consuetudinário e o Direito Supralegal não positivado, também poderá sê-lo.

[10] O primeiro sistema estatal de previdência do mundo, criado ainda no século 19 por Otto von Bismarck, hoje tem seu funcionamento pressionado pelo envelhecimento da população e o aumento da expectativa de vida. No início da década 1880, o chanceler alemão Otto von Bismarck apresentou uma proposta revolucionária para o Reichstag (parlamento imperial): a criação de um amplo sistema dirigido pelo Estado para garantir pensões a cidadãos mais velhos ou inválidos. Nascia a aposentadoria. Foram precisos oito anos para que a proposta fosse colocada em prática, mas no final da década o país passou a contar com o primeiro sistema estatal de previdência do mundo. Inicialmente, o esquema desenhado por Bismarck previa que os pagamentos seriam garantidos para cidadãos a partir de 70 anos – se eles chegassem a viver tanto. Mais de um século depois, o atual sistema alemão de aposentadoria continua baseado em vários dos princípios estabelecidos pelo velho chanceler prussiano – e com a mesma carga de potenciais problemas. O principal pilar do sistema de aposentadorias administrado pelo Estado é o esquema de repartição simples. Quem está contribuindo (trabalhadores e empregadores) ajuda a financiar a aposentadoria de quem já não está na ativa. A contribuição para a Previdência é compulsória e atualmente alcança 18,6% do salário. Trabalhador e empregador dividem essa obrigação pagando 9,3% cada dessa fatia. A adesão ao sistema também é obrigatória para certas profissões liberais, como jornalistas e artistas freelancers, embora as taxas de contribuição sejam diferenciadas. Outras categorias de autônomos podem escolher participar voluntariamente do sistema. Há ainda esquemas especiais para categorias como mineiros e fazendeiros, que exigem menos contribuições e são altamente subsidiados pelo governo.

[11] No Brasil, o Supremo Tribunal Federal – STF – não é autêntica corte constitucional, pois acumula funções de corte constitucional e suprema corte. Em 1803, ocorreu nos Estados Unidos o famoso caso Marbury vs. Madison, julgado pelo Chief Justice Marshall, primeiro a ensejar a possibilidade do controle judicial de constitucionalidade das leis em face da Supremacia da Constituição. Foi o nascimento do Judicial Review, que impõe ao juiz a verificação da harmonia entre a lei aplicada ao caso concreto e à Constituição. Uma importante discussão acerca do controle de constitucionalidade realizada no século passado ocorreu entre Carl Smith e Hans Kelsen. O primeiro, defensor do estado totalitário, apontou para a ideia de que o controle de constitucionalidade ficaria a cargo do chefe do Estado, pois caso tal tarefa fosse dada a uma corte constitucional, esse controle implicaria uma politização da justiça e uma judicialização da política. Hans Kelsen, criador da Teoria Pura do Direito, inspirou a redação da Constituição Austríaca de 1920, na qual foi criada a primeira corte constitucional que instituiu a tese de validade das leis atuando como “legislador negativo”: não criar leis, mas ter a competência de julgá-la e retirá-la do ordenamento jurídico, revogando-a total ou parcialmente.

[12] As teorias liberais clássicas surgiram influenciadas pelo iluminismo europeu e revoluções burguesas, a partir do século XVII, para se oporem às formas de Estado absoluto. Elas defendem as instituições representativas e a autonomia da sociedade civil, do espaço econômico (mercado) e cultural (opinião pública) frente ao Estado. Nesse sentido, a história do liberalismo está intimamente ligada ao próprio desenvolvimento da democracia nos países do ocidente. Os sistemas democráticos assumem as premissas básicas do Estado liberal, no qual sua principal função seria o de garantir os direitos do indivíduo contra o autoritarismo político e, para atingir esta finalidade, exige formas, mais ou menos amplas, de representação política.

[13] Aliás, a Revolução de 1930 que fundou a chamada República Nova, envolveu um concerto entre as classes burguesas, com prevalência da burguesia industrial, porém continha também frações da burguesa agrária. E, representou período de transição onde foi articulada a identidade nacional, o desenvolvimento e a democracia e a noção de nação esculpida pelas peculiares contradições do capitalismo brasileiro e dos dilemas como o alavancamento da produção de alimentos através da democratização da terra ou via a consolidação das forças produtivas do capitalismo rural.

[14] Heirinch Johannes Scholler (1929-2015) advogado alemão. Estudou Direito e Ciência Política em Munique e realizou doutorado em 1958, foi juiz do Tribunal Administrativo da Baviera. Concluiu sua habilitação em 1966, trabalhou como professor na Faculdade de Direito da Universidade de Munique, em 1971. Suas obras: A comparação legal em Gustav Radbruch e seu ensino de direito superpositivo. Berlin 2002, ISBN 3-428-10904-X. Estado, política e direitos humanos na África. Conceitos e problemas após a independência. Berlin 2007, ISBN 3-8258-7788-4. Reforma legal e transferência na Mongólia. Berlin 2010, ISBN 978-3-643-10747-3. Direitos fundamentais e cultura jurídica a caminho da Europa. Berlin 2010, ISBN 978-3-428-13218-8.

[15] Desse modo afirma Alexy: Um conflito de regras somente pode ser solucionado se se introduz, em uma das regras, uma clausula de exceção, que elimine o conflito, ou se pelo menos se uma das regras for declarada inválida”. Humberto Ávila faz uma crítica a essa afirmativa trazida por Alexy, defendendo que as regras, que anteriormente convivendo em harmonia no mundo abstrato, podem à luz do caso concreto entrar em colisão e então essas regras poderão e deverão ser ponderadas sem que nenhuma perca sua validade.

[16] Ricardo Lobo Torres, professor de Direito na Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). O velório acontecerá neste sábado (26/5), a partir das 9h, no Salão Nobre do cemitério Parque Colina, em Niterói. O sepultamento será no mesmo local, às 12h. É autor de diversas obras sobre Direito, como os livros Estudos de Direito Público e Filosofia do Direito – Um Diálogo Entre Brasil e Alemanha e Planejamento Tributário – Elisão Abusiva e Evasão Fiscal. Foi procurador do Estado do Rio de Janeiro, vice-diretor da Faculdade de Direito da Uerj e coordenador do programa de pós-graduação em Direito da mesma universidade. Faleceu em 25.05.2018.

[17] Segundo Andréas Krell esta teoria engenhosa do mínimo social aos direitos fundamentais é fruto da doutrina alemã que tinha de superar a ausência de qualquer direito social na Carta de Bonn, sendo baseada na função de estrita normatividade e jurisdicionalidade do texto constitucional. A teoria do mínimo existencial tem a função de atribuir ao indivíduo um direito subjetivo contra o Poder Público em casos de diminuição da prestação de serviços sociais básicos que garantam a sua existência digna, significando o direito de requerer um mínimo dos meios de sobrevivência ou subsistência, de tal forma que sem o mínimo necessário a existência, cessaria a possibilidade da própria sobrevivência. Esse mínimo estaria baseado no próprio conceito de dignidade humana.

[18] O direito subjetivo a saúde qualifica-se como um direito fundamental, constitucionalmente tutelado e é indispensável para a efetivação do direito à vida. Sendo assim o poder público deve zelar pela saúde da população, deve agir para estabelecer as condições mínimas existenciais, pois a saúde desta é de interesse supra do Estado. É um direito, como disse Morais: “(…) ligado a um aspecto comunitário, ou seja, a um Estado que busca a construção de uma ordem social e jurídica com fundamento na solidariedade, um Estado de ação positiva, promocional de cunho transformador”.

[19] Neste sentido, verifica-se desde logo que os direitos sociais abrangem tanto direitos no sentido de posições ou poderes a prestações positivas, quanto a direitos de defesa, entendidos como direitos negativos ou ações negativas, partindo-se do critério de natureza da posição jurídico-subjetiva reconhecida ao titular do direito. Alexy entende que apesar da circunstância de serem direitos negativos, no sentido de serem direitos a não intervenção na liberdade pessoal e nos bens fundamentais tutelados pela constituição, essa circunstância também apresenta: 1. uma dimensão positiva, pois a sua efetivação reclama uma atuação positiva tanto por parte do Estado como da sociedade que os deve respeitar, através de três manifestações: 1.1) direito a que o Estado e terceiros não impeçam ou não dificultem determinadas ações do titular do direito; 1.2) direitos a que o Estado não afete determinadas qualidades ou situações do titular do direito e; 1.3) direito a que o Estado não elimine sua posição jurídica. 2. Os direitos a prestações positivas também que se dividem em dois grupos: 2.1) uma ação fática e 2.2) uma ação normativa, que fundamentam posições subjetivas negativas no sentido de proteção contra ingerências indevidas por parte dos órgãos estatais e entidades sociais e de particulares, por exemplo em relação a saúde, onde o Estado não só tem o dever de prestá-lo tal como previsto no art. 6º da CF, como também tem a obrigação de abster-se de prejudicar a saúde dos indivíduos, seja através de fiscalização de hospitais, medicamentos, etc, seja por meio de medidas preventivas, como campanhas de vacinação, instruções sobre melhoria da qualidade de vida etc.

[20] No processo de da proteção e promoção da saúde (e, portanto, na esfera da efetividade do direito à proteção e promoção da saúde) sejam constantemente divulgados — em especial para efeitos de um olhar crítico em relação à judicialização — não é demais lembrar que de acordo com o relatório Justiça em Números de 2017, do CNJ, em 2017 tramitavam 1.346.931 demandas judiciais de natureza diversa envolvendo o direito à saúde até 31.12.2016. Além disso, os gastos da União com ações judiciais envolvendo prestações de saúde cresceu na ordem de 727% entre 2010 e final de 2016, quando alcançou a cifra de R$ 3,9 bilhões, isso segundo estudo do Observatório de Análise de Políticas em Saúde (OAPS). A primeira Seção do STJ, em 25.4, concluiu o julgamento de recurso repetitivo, estabelecendo requisitos (critérios) para que o Poder Judiciário determine o fornecimento de remédios fora da lista do Sistema Único de Saúde (SUS). Importa anotar, todavia, que os critérios fixados, em virtude da modulação dos seus efeitos, só serão exigidos nos processos judiciais distribuídos a partir dessa decisão. Em síntese, restou decidido que o Poder Judiciário poderá determinar ao poder público o fornecimento de medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS, desde que presentes, cumulativamente, os seguintes requisitos: 1 – Seja comprovado pela parte autora, mediante laudo médico fundamentado e devidamente circunstanciado (da lavra de médico que assiste o paciente), de que o medicamento pleiteado lhe seja imprescindível, necessário também demonstrar a ineficácia dos fármacos fornecidos pelo SUS para o efeito do tratamento pretendido; 2 – A demonstração da incapacidade financeira do demandante (paciente) de arcar com o custo do medicamento prescrito; e 3 – Existência de registro do medicamento na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

[21] In:  http://www.sbdp.org.br/arquivos/material/343_204%20ADPF%202045.pdf

[22] O Rel. Min. Celso de Mello, em seu voto enfatiza que: “(…) entre proteger a inviolabilidade do direito à vida e à saúde, que se qualifica como direito subjetivo inalienável assegurado a todos pela própria Constituição da República (art. 5º, caput e art.196), ou fazer prevalecer, contra essa prerrogativa fundamental, um interesse financeiro e secundário do Estado, entendo – uma vez configurado esse dilema – que razões de ordem ético-jurídica impõem ao julgador uma só e possível opção: aquela que privilegia o respeito indeclinável à vida e a à saúde humana(…)”.

[23] Destaque-se que tal jurisprudência permanece atual, uma vez que, recentemente, o Supremo Tribunal Federal fixou tese acerca do tema, reiterando a responsabilidade solidária dos entes da Federação em ações que tratem sobre medicamentos: (…) Os entes da Federação, em decorrência da competência comum, são solidariamente responsáveis nas demandas prestacionais na área da saúde e, diante dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização, compete à autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro. (…) STF. Plenário. RE 855178 ED/SE, rel. orig. Min. Luiz Fux, red. p/ o ac. Min. Edson Fachin, julgado em 23/5/2019 (Info 941).

[24] Se os direitos sociais são direitos a prestações em sentido estrito, no sentido de direitos subjetivos à prestações materiais vinculados aos deveres estatais na sua condição de Estado Social, também implicam direitos subjetivos negativos, impedindo, por exemplo, restrições que violem o seu respectivo núcleo essencial, que por sua vez, sempre serão desproporcionais, tendo-se em vista que eles são qualificados como princípios e não como regras segundo a diferenciação de Ronald Dworkin completada por Alexy. Como exemplos de direitos sociais típicos de caráter negativo, Ingo Sarlet elenca que a CF incluiu em seu rol de direitos os seguintes: direito à greve, a liberdade de associação sindical e proibição de discriminação entre os trabalhadores.

[25] Nessa linha, Sarlet e Figueiredo: “Premissa central da análise que se passa a empreender é a circunstância de que não se poderá desconsiderar que o direito à saúde, como os demais direitos fundamentais, encontra-se sempre e de algum modo afetado pela assim designada reserva do possível em suas diversas manifestações, seja pela disponibilidade de recursos existentes (que abrange também a própria estrutura organizacional e a disponibilidade de tecnologias eficientes), seja pela capacidade jurídica (e técnica) de deles se dispor (princípio da reserva do possível). Por outro lado, a garantia (implícita) de um direito fundamental ao mínimo existencial opera como parâmetro mínimo dessa efetividade, impedindo tanto omissões quanto medidas de proteção e promoção insuficientes por parte dos atores estatais, assim como na esfera das relações entre particulares, quando for o caso. Em outras palavras e apenas retomando aqui o que já havia sido anunciado, em matéria de tutela do mínimo existencial (o que no campo da saúde, pela sua conexão com os bens mais significativos para a pessoa) há que reconhecer um direito subjetivo definitivo a prestações e uma cogente tutela defensiva, de tal sorte que, em regra, razões vinculadas à reserva do possível não devem prevalecer como argumento a, por si só, afastar a satisfação do direito e exigência do cumprimento dos deveres, tanto conexos quanto autônomos, já que nem o princípio da reserva parlamentar em matéria orçamentária nem o da separação dos poderes assumem feições absolutas. Nesta linha de entendimento, além de significativa doutrina, também já se tem pronunciado a jurisprudência, inclusive no âmbito do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal”.

[26] A ponderação é a técnica usada para dirimir o conflito de normas, ela atribui uma dimensão de peso para as normas em conflito para que concretamente uma venha a prevalecer, decidindo o caso. Tanto nas regras quanto nos princípios a ponderação será feito no caso concreto, já que em tese todas as normas estão em harmonia no mundo abstrato. Só é razoável falar em ponderação partindo-se da premissa que as normas não são absolutas, tanto os princípios quanto as regras são passíveis de relativização concretamente. Assim entende Alexy: Se existem princípios absolutos, então, a definição de princípios deve ser modificada, pois se um princípio tem precedência em relação a todos os outro em caso de colisão, até mesmo em relação ao princípio que estabelece que as regras devem ser seguidas, nesse caso, isso significa que sua realização não conhece nenhum limite jurídico, apenas limites fáticos. Diante disso, o teorema da colisão não seria aplicável. Podem-se apontar três etapas para estruturar a ponderação; a primeira é reconhecer no ordenamento jurídico quais normas podem ser aplicadas no caso, ou seja, estabelecer quais os objetos de sopesamento que o intérprete irá utilizar concretamente. Ávila chama essa etapa de preparação da ponderação.

[27] A tese de Ronald Dworkin é a de que o direito como integridade se revela como a melhor concepção de direito quando comparada entre o convencionalismo e o pragmatismo. O direito como integridade sustenta-se na personificação da comunidade política enquanto agente moral que deve justificar a invasão na esfera individual de seus membros a partir de princípios de moralidade política inscritos na história institucional. Para tanto, vem à tona Hércules, personagem criado por Dworkin e que representa um juiz que aceita as exigências da integridade no direito e que não mede esforços para encontrar, através do exercício literário do romance em cadeia transposto para o direito, os princípios que legitimam suas decisões. O grande conflito deslocou-se para o polo interpretativo do direito e, portanto, para os limites do poder jurisdicional enquanto guardião dos direitos e garantias fundamentais, uma vez que nesta paisagem principiológico-constitucional surgiram infinitas possibilidades de tratamento das relações jurídicas e da legitimidade do poder estatal no exercício de promoção das novas garantias. Faz-se premente, no âmbito deste trabalho, analisar o que a teoria de Ronald Dworkin tem a dizer nesta intrincada tessitura.

[28] O BEm é um benefício financeiro concedido pelo Governo Federal aos trabalhadores que tiveram redução de jornada de trabalho e de salário ou suspensão temporária do contrato de trabalho em função da crise causada pela pandemia do Coronavírus – COVID-19.

[29] Em relação ao saque emergencial do FGTS, a MP 982 determina que os valores ficarão disponíveis em conta digital, aberta automaticamente, até 30 de novembro. … Pelas regras da MP 946, cada trabalhador só poderá retirar até R$ 1.045, desde que possua saldo em conta (ativa ou inativa)

[30] Na Caixa, foram liberados R$ 5 bilhões para empresários dos agronegócios, com foco em custeio e comercialização. Fora isso, foi disponibilizado R$ 3 bilhões para Santas Casas e hospitais conveniados ao SUS, além de R$ 40 bilhões para capital de giro (R$ 18 bilhões a R$ 20 bilhões somente para empresas de Comércio e Serviços), com carência de 60 dias e R$ 30 bilhões para compra de carteira de bancos. Banco do Brasil Já no Banco do Brasil, no Programa de Geração de Renda para o Setor Urbano (Proger), foram liberados R$ 5 bilhões de recursos originários do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), sendo R$ 1,5 bilhão para o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) e R$ 3,5 bilhões para empresas com até R$ 10 milhões de faturamento. No BNDES, foi disponibilizado R$ 40 bilhões em créditos para folha de pagamento, R$ 5 bilhões para Micro e Pequenas Empresas, R$ 11 bilhões para operações indiretas e R$ 2 bilhões para saúde.

Como citar e referenciar este artigo:
LEITE, Gisele. Desafio da teoria do mínimo existencial e os direitos fundamentais. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2020. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-constitucional-artigos/desafio-da-teoria-do-minimo-existencial-e-os-direitos-fundamentais/ Acesso em: 21 mai. 2024